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Processo nº 203/2021-B
Data do Acórdão: 28JUL2022


Assuntos:

Multa
Aceitação tácita do acto administrativo


SUMÁRIO

Sendo a aceitação tácita do acto administrativo a que deriva da prática, espontânea e sem reserva, do facto incompatível com a vontade de recorrer, a lei exige que a conduta do recorrente, para além de ser de sua livre iniciativa, tem de ter um significado unívoco, de modo a que dela se depreende, sem margem para dúvidas, o propósito de não recorrer, pelo acatamento da determinação contida no acto.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 203/2021-B

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, S. A., devidamente identificada nos autos, vem recorrer contenciosamente do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que lhe aplicou a multa pela violação do disposto no artº 19º/1 do Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais, celebrado entre a RAEM e a adjudicatária, ora recorrente.

Citado, veio o Senhor Secretário os Transportes e Obras Públicas, suscitar, em sede da contestação, a excepção da ilegitimidade da recorrente, com fundamento na aceitação tácita da decisão recorrida.

Notificado da excepção suscitada pela entidade recorrida, a recorrente veio defender a improcedência da excepção.

O Dignº Magistrado do Ministério Público pronunciou-se sobre a excepção suscitada pela entidade recorrida, pugnando pela improcedência da excepção.

Colhidos os vistos legais, cumpre conhecer desde já a excepção suscitada pela entidade recorrida.

De acordo com os elementos probatórios existentes nos autos, é de dar como assente a seguinte matéria de facto com relevância à apreciação e decisão da excepção suscitada pela entidade recorrida, assim com aos juízos de valoração que iremos formular infra:

* Por despacho datado de 16SET2020 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, à ora recorrente foi aplicada a multa no valor de MOP$10.000,00, pela violação do disposto no artº 19º/1 do Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais, celebrado entre a RAEM e a adjudicatária, ora recorrente;

* Para o efeito, a recorrente foi notificada para em 15 dias proceder ao pagamento da multa junto dos Serviços das Finanças;

* Em 10FEV2021, a recorrente procedeu ao pagamento da multa junto dos Serviços das Finanças;

* Em 11FEV2021, a recorrente entregou à DSAT uma carta, ora constante das fls. 187 dos p. autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

* Nessa carta foi pela recorrente formulada a reserva a que se refere o artº 34º/3 do CPAC;

* Mediante o requerimento motivado que deu entrada na secretaria do TSI em 05MAR2021, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso de anulação.

Inteirados do que se tem passado, já estamos em condições para a apreciação da legitimidade da recorrente.

Vejamos.

Coloca-se perante nós uma questão da legitimidade da recorrente, a título de excepção suscitada em sede de contestação.

Em sede de vista, o Ministério Público pronunciou-se sobre a improcedência da excepção suscitada nos termos seguintes:
  Na contestação, a entidade recorrida aduz a excepção da ilegitimidade da recorrente, argumentando que esta entregou a sua reserva escrita posteriormente ao seu pagamento alegadamente “de forma livre e espontânea” de sanção pecuniária que tinha sido aplicada à mesma.
  Ora, o n.º 1 do art.34° do CPAC estabelece categoricamente que não pode recorrer quem, sem reserva, total ou parcial, tenha aceitado, expressa ou tacitamente, o acto, depois de praticado. O n.º2 deste comando legal prescreve que a aceitação tácita é a que deriva da prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer. E dispõe o n.º3 do mesmo artigo que a reserva é produzida perante o autor do acto.
  Reza a prudente doutrina (Viriato Lima. Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado. p.143): Uma vez que está em causa matéria atinente à garantia de acesso à Justiça Administrativo que encontra acolhimento no artigo 36.º da Lei Básica, importa interpretar restritivamente o preceito em análise de modo que “só uma aceitação livre, incondicionada e sem reservas poderá ser entendida como impeditiva do direito de acção.” Estando em causa a aceitação tácita, importa referir que “a incompatibilidade com a vontade de recorrer decor-re da qualificação jurídica que se efectue a partir de um facto ou conjunto de fac-tos dos quais se possa depreender uma declaração tácita de aceitação do acto.”
  Interessa reparar que a jurisprudência consolidada vem reiteradamente asseverando que a aceitação tácita pressupõe que a conduta do interessado, para além de ser da sua livre iniciativa, tem de ter um significado unívoco, de modo a que dela se depreenda, sem margem para dúvidas, o propósito de não recorrer, pelo acatamento da determinação contida no acto administrativo (cfr. Acórdãos do ex-TSJM de 20/10/1999 no Processo n.º1139, e do TSI nos Processos n.º 172/2012 e n.º298/2013). E não podem ter esse efeito preclusivo as aceitações ditadas por situações de necessidade ou premência. Pois bem, «se o pagamento for tido como modo de o interessado escapar a uma consequência gravosa para a sua esfera, então ele não pode ser entendido como o fruto de uma vontade totalmente livre. Avulta nestas situações o caso de o notificado ser alertado para a circunstância de a omissão do pagamento ser levado à conta de uma relapsia e, por isso, ser motivo para uma imediata execução fiscal.» (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º101/2012)
  Na nossa modesta opinião, a axiologia do art.34º consiste em evitar a venire contra factum proprium, bem como em tutelar a certeza jurídica e designadamente a segurança da relação social. Nesta linha de vista e de acordo com a doutrina e jurisprudência atrás referidas, afigura-se-nos que a entrega ou apresentação da reserva escrita pode ser posterior ao cumprimente do correspectivo acto administrativo, basta que a própria reserva escrita seja cronologicamente antecedente ou contemporânea em relação a tal cumprimento, sob pena de cair na ventre contra factum proprium.
  No caso sub judice, não foi posto em dúvida que a reserva escrita tem lugar em 10/02/2021 e cuja entrada na DSAT ocorreu em 17/02/2021 que é dia imediatamente seguinte ao pagamento da multa pela recorrente na DSF (docs. de fls. 118 e 120 dos autos do P.A.). De outro lado, não parece duvidoso o facto alegado no art.9.º da Resposta (vide. fls. 183 a 186 dos autos), no qual a recorrente apontou claramente que “因為財政局僅負責處理財政出納,故財政局職員拒絕接收司法上訴人提交的保留聲明,並指示司法上訴人遞交聲明至處罰當局”.
  Ponderando tudo isto, e sem prejuízo do elevado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, inclinamos a colher que o pagamento pela recorrente da multa de MOP$10,000,00 não representa aceitação tácita da mesma, nem tem virtude de determinar a perda da legitimidade.
***
  Por todo o expendido acima, propendernos pela improcedência da excepção de ilegitimidade activa da recorrente.

Para nós, a questão foi correcta e exaustivamente debatida no Douto parecer do Ministério Público acima integralmente transcrito, com que estamos inteiramente de acordo, não nos resta outra alternativa melhor do que a de aproveitarmos integralmente esse parecer, convertendo-o na fundamentação do Acórdão para julgar improcedente a excepção da ilegitimidade da recorrente, suscitada pela entidade recorrida.

Concluindo:

Sendo a aceitação tácita do acto administrativo a que deriva da prática, espontânea e sem reserva, do facto incompatível com a vontade de recorrer, a lei exige que a conduta do recorrente, para além de ser de sua livre iniciativa, tem de ter um significado unívoco, de modo a que dela se depreende, sem margem para dúvidas, o propósito de não recorrer, pelo acatamento da determinação contida no acto.



Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar improcedente a excepção da ilegitimidade.

Sem custas por isenção subjectiva – artº 2º/1-b) do RCT.

Registe e notifique.

RAEM, 28JUL2022
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Lai Kin Hong Mai Man Ieng
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng

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