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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.º 55 / 2008

Recorrente: A







   1. Relatório
   A e outro arguido foram inicialmente julgados no Tribunal Judicial de Base, tendo aquele arguido sido condenado por autoria de um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M na pena de oito anos e seis meses de prisão e multa de 8000 patacas, convertível em 53 dias de prisão.
   Desta decisão veio o tal arguido recorrer para o Tribunal de Segunda Instância que, a final, foi negado provimento.
   No recurso para o Tribunal de Última Instância, foi revogado o acórdão do Tribunal de Segunda Instância e determinado o reenvio do processo para a primeira instância no sentido de apurar se o arguido detinha alguma porção dos três tipos de droga para fim que não para o seu consumo pessoal.
   Após o novo julgamento efectuado no Tribunal Judicial de Base, o arguido foi novamente condenado pelo mesmo crime e com a mesma pena. Contra a nova condenação de primeira instância, o recurso para o Tribunal de Segunda Instância também foi julgado improcedente, através do acórdão proferido no processo n.º 654/2008.
   Deste acórdão recorre agora o arguido para Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões na sua motivação de recurso:
   “1. Existe, no caso sub judicio, susceptibilidade de impugnação do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, uma vez que o presente recurso se não reconduz a nenhuma das hipóteses de inadmissibilidade (de recurso) previstas no Código de Processo Penal, maxime as do n.º 1 do art.º 390.º.
   2. A decisão recorrida padece de erro de direito integrado no fundamento indicado no n.º 1 do art.º 400.º do diploma legal citado – “quaisquer questões de direito de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, vício que, no caso, se articula com o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada, previsto no art.º 400.º, n.º 2, al. a) ainda do C.P.Penal, estando ainda em causa a violação do princípio in dubio pro reo ou princípio da aplicação mais favorável da lei penal.
   3. A questão central que se colocara no precedente recurso e que ora se recoloca neste recurso é a seguinte: perante a precedente decisão do TUI, era, ou não, necessária a quantificação da “ínfima porção”.
   4. Entendeu o Tribunal agora recorrido que bastava a conclusão atingida de que destinava “uma pequena porção” das drogas sintéticas (Ketamina, MDMA e Metanfetamina), sem necessidade da sua quantificação, para se ter por cumprido o desiderato que fora determinado.
   5. A resposta a tal questão impõe, a nosso ver, a averiguação, na jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, das razões da necessidade da quantificação concreta dos produtos quando esteja em causa a aplicação alternativa do art.º 8.º e do art.º 9.º, sendo certo que a exigência dessa quantificação tem sido uma constante na jurisprudência do TUI.
   6. Essas razões são: permitir o necessário rigor na aplicação do direito, para que seja possível o enquadramento num dos dois tipos legais, o do art.º 8.º ou o do art.º 9.º; e permitir uma correcta graduação da pena concreta.
   7. Sendo embora certo que, no caso, se apurara já, no primeiro julgamento, que o arguido ora recorrente destinava uma quantidade de marijuana não inferior a oito gramas para cedência a terceiros e que bastava, por isso, que se apurasse, no novo julgamento (conforme decidiu o Tribunal de Última Instância), que destinava a cedência a terceiros uma ínfima quantidade dos restantes produtos para ser condenado pelo art.º 8.º e não já pelo art.º 9.º), não bastava ao tribunal de 1ª Instância concluir que o arguido destinava “uma pequena porção” a esse fim, pois se impunha que se apurasse a quantidade efectiva destinada a essa cedência (ou, por exclusão, a que destinava a consumo próprio).
   8. No caso dos autos, constata-se que estamos em presença de objectos contendo drogas diversas; os efeitos dos tipos de drogas em confronto não são manifestamente neutralizados, uma vez que a Metanfetamina, a MDMA e a Ketamina são estimulantes e a marijuana um psicadélico que pode, inclusivamente, potenciar os efeitos das outras drogas.
   9. O peso líquido de qualquer dos produtos detidos pelo arguido e parcialmente destinados a cedência a terceiros (Marijuana, por um lado, Ketamina, MDMA e Metanfetamina, por outro), não excede as respectivas quantidades diminutas.
   10. Vertendo o caso concreto sobre a análise quantificativa de três objectos particularmente diferenciados – erva, pó branco e comprimidos – fica por determinar o peso líquido dos produtos contidos no pó branco e nos comprimidos.
   11. A conversão a partir da quantificação líquida concreta dos produtos exigida pelo TUI não pode efectuar-se sem que tal quantificação parcelar seja apurada.
   12. A decisão recorrida violou a norma do art.º 8.º do DL 5/91/M (ao proceder à sua aplicação) e a norma do art.º 9.º (ao desaplicá-la).”
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso com a revogação do acórdão recorrido e o recorrente condenado por um crime de tráfico de quantidades diminutas.
   
   O Ministério Público, na sua resposta, entende que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
   
   Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram dados como provados pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
   “Em 16 de Fevereiro de 2006, pelas 21h50, no posto de inspecção à entrada das Portas de Cerco, os agentes alfandegários interceptaram o arguido A.
   Os agente alfandegários encontraram na mochila do arguido A 20 sacos de erva, 10 sacos de pós brancas e 34 comprimidos de cor amarela. (vide fls. 7 do auto de apreensão).
   Após o exame laboratorial, os referidos 20 sacos de erva contém Marijuana abrangida pela Tabela I-C anexa ao DL n.º 5/91/M, com peso líquido de 266,32g, os referidos 10 sacos de cor branca contém Ketamina abrangida pela Tabela II-C anexa ao mesmo DL, com peso líquido de 4,598g (de acordo com a análise quantitativa corresponde a 98,65%, no peso de 4,536g); os referidos 34 comprimidos de cor amarela contém MDMA abrangida pela Tabela II-A anexa a este DL (segundo análise quantitativa, corresponde a 28,86%, no peso de 2,398g), e Metanfetamina abrangida pela Tabela II-B e Ketamina abrangida pela Tabela II-C no peso líquido de 8,308g.
   Os referidos produtos estupefacientes foram comprados pelo arguido A às 23h00, em 15 de Fevereiro de 2006, na Discoteca, Gongbei, Zhuhai, de um indivíduo não identificado, e trazidos pelo arguido para Macau, que serviriam para consumo pessoal e alheio, tendo sido a quantidade de marijuana destinada ao consumo alheio não inferior a 8g, e uma muito pequena parte dos estupefacientes restantes não destinada ao consumo próprio.
   Em 17 de Fevereiro, às 3h00 da madrugada, os agentes da PJ no domicílio situado em Macau, [Endereço(1)], efectuaram uma busca na altura em que o arguido B estava neste apartamento.
   Logo que viu ter entrado os agentes da PJ, o arguido B correu para a casa de banho e fechou a porta.
   Os agente da PJ romperam a porta, acabaram por verificar à pé do arguido B um saco de erva (vide fls. 117, o auto de apreensão).
   Após o exame laboratorial, comprovou-se que a referida erva contém marijuana abrangida pela Tabela I-C anexa ao DL n.º 5/91/M, no peso líquido de 3,079g.
   O referido produto estupefaciente pertence ao arguido B, e foi deitado no chão por este depois de ter visto o polícia.
   O arguido B deteve os referidos produtos estupefacientes que serviriam para consumo pessoal.
   Posteriormente, os agentes da PJ deslocaram-se ao apartamento, [Endereço(2)], para efectuar uma busca, tendo encontrado 2 sacos de ervas no armário do quarto do arguido B (vide fls. 54, o auto de busca e apreensão).
   Após o exame laboratorial, os referidos dois sacos de ervas contém marijuana abrangida pela Tabela I-C anexa ao DL n.º 5/91/M, com peso líquido de 6,292 g.
   Os referidos produtos estupefacientes foram adquiridos pelo arguido B junto do indivíduo não identificado, e este adquiriu e deteve os referidos produtos que serviriam para o consumo pessoal.
   Os arguidos A e B agiram livre, voluntária, consciente e dolosamente.
   Os arguidos A e B conheciam bem o carácter e a natureza dos referidos produtos estupefacientes.
   Os actos dos arguidos A e B não são permitidos por nenhuma lei.
   Eles sabiam perfeitamente que os referidos actos são proibidos e punidos pela lei.
   O 1.º arguido consumiu Marijuna, Ketamina, MDMA.
   O 1.º arguido declarou que consumia 3 a 4 cigarros de Marijuana e 2 saquinhos de Ketamina e MDMA por dia.
   O 1.º arguido não confessou os factos e é delinquente primário.
   O 1.º arguido declarou que antes de ser preso era DJ mediante o salário de MOP12.000,00, tem a seu cargo os filhos que teve com duas ex-namoradas. O arguido terminou o curso de ensino universitário.”
   
   
   2.2 Quantidade diminuta de várias drogas
   O recorrente imputa ao acórdão recorrido o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto por não ter apurado a quantidade concreta das diferentes drogas detidas pelo recorrente, que considera essencial para a qualificação do crime imputado ao mesmo e a graduação da pena concreta.
   
   No primeiro julgamento realizado no Tribunal Judicial de Base, foi dado como provado que o recorrente detinha certa quantidade de marijuana, pó de ketanima e comprimidos de MDMA, metanfetamina e ketamina e que a quantidade de marijuana destinada ao consumo alheio não era inferior a 8 gramas.
   Segundo o anterior acórdão do Tribunal de Última Instância proferido no presente processo, com tais factos a conduta do recorrente é apenas qualificável como crime mais leve de tráfico de quantidade diminuta de droga previsto no art.º 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M mas não o mais grave de tráfico de drogas previsto no art.º 8.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, porque a quantidade diminuta de marijuana é de 6 a 8 gramas e a expressão “não inferior a 8 gramas” pode significa precisamente 8 gramas, assim fica impossível determinar se a quantidade de marijuana destinada ao consumo alheio exceda ou não a respectiva quantidade diminuta, por um lado, e o tribunal colectivo de primeira instância não apurou o destino dos restantes dois tipos de drogas detidas pelo recorrente, por outro. Daí foi ordenado o reenvio do processo para novo julgamento a fim de apurar os respectivos factos.
   Realizado novo julgamento, o Tribunal Judicial de Base considerou provado que o recorrente detinha as mesmas drogas, das quais a marijuana destinada ao consumo alheio não era inferior a 8 gramas e uma muito pequena parte das restantes drogas não era destinada ao seu consumo pessoal.
   
   Perante o caso de um arguido deter vários tipos de drogas e nenhuma destas excede a respectiva quantidade diminuta, põe-se a questão de saber se a conduta de arguido é integrável no crime de tráfico de quantidade diminuta de droga previsto no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
   Para o caso de um objecto conter diversos tipos de drogas, “se os pesos líquidos das drogas não excedam as respectivas quantidades diminutas, ao averiguar se a quantidade total da mistura das drogas é diminuta, deve converter os pesos das drogas contidas para o de uma destas, segundo a proporção das quantidades diminutas das mesmas, e comparar o resultado com a quantidade diminuta legal desta droga.”. É o critério estabelecido no acórdão do Tribunal de Última Instância proferido em 15 de Novembro de 2002 no processo n.º 11/20021.
   Seguindo a mesma teoria, para efeito de determinar se a conduta de arguido de deter vários tipos de drogas é integrável no crime menos grave de tráfico de quantidade diminuta de droga, é necessário tomar um dos tipos de drogas detidas por arguido como referência, convertendo as quantidades dos restantes tipos de drogas para a daquele, segundo a proporção das respectivas quantidades diminutas, e comparando a final se o resultado exceda a quantidade diminuta da droga de referência.
   Daí que, em princípio, é essencial determinar as quantidades concretas de todas as drogas detidas por arguido para o referido efeito, tal como sustentado pelo recorrente.
   
   No entanto, se os elementos da matéria de facto provada já permite saber com certeza, usando o referido critério, que a quantidade da droga de referência excede a respectiva quantidade diminuta, pode ser dispensado determinar as quantidades concretas das restantes drogas detidas.
   É o caso do presente processo, embora pouco comum. Uma vez que a marijuana detida pelo recorrente e destinada ao consumo alheio era igual ou superior a 8 gramas, exactamente no limite máximo da quantidade diminuta deste tipo de droga, tomando este tipo de droga como referência, qualquer quantidade de outro tipo de droga, mesmo que seja um valor ínfimo, é suficiente para tornar a quantidade diminuta dos três tipos de drogas detidas pelo recorrente e não destinadas ao seu consumo pessoal ultrapassar 8 gramas. Então, a conduta do recorrente só pode ser integrada no crime mais grave de tráfico de drogas previsto no art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, tal como vem condenado nas instâncias.
   
   O facto de o tribunal colectivo de primeira instância não ter apurado as quantidades concretas das restantes drogas não implica que o tribunal omitiu o apuramento devido da matéria de facto. Simplesmente, é esse o resultado da produção de provas e a convicção do tribunal.
   E também não constitui obstáculo de encontrar a medida concreta da pena, bastando que o tribunal considere a quantidade mínima, no sentido de interpretar mais favoravelmente os factos provados ao arguido.
   
   Assim, o presente recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
   Nos termos do art.º 410.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, é o recorrente condenado a pagar 4 UC.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4 UC.
   
   
   Aos 14 de Janeiro de 2009



Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

1 Publicado no Acórdão do Tribunal de Última Instância da RAEM, 2002, p. 653 e ss.
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Processo n.º 55 / 2008 11