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Processo nº 23/2022 Data: 06.07.2022
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : “Acção de reivindicação”.
Caso julgado.
“Regime Jurídico da Administração das Partes Comuns do Condomínio”, (Lei n.° 14/2017).
Lugares de estacionamento.
“Partes comuns”.
Assembleia Geral do Condomínio.
Poderes da Administração.
Capacidade judiciária.


SUMÁRIO

1. O que adquire força e autoridade de “caso julgado” é a decisão pelo Tribunal proferida quanto aos bens ou direitos objecto do “litígio” nos termos que pelas partes vem apresentado, ou seja, a “concessão” ou “denegação” da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos, pois que o “caso julgado” apenas incide sobre a “decisão” e “não sobre os fundamentos”.

2. A expressão “partes comuns” deve ser entendida num sentido amplo, de modo a compreender não apenas as partes materiais do edifício, mas ainda todas as relações jurídicas conexas com a existência de partes comuns no edifício, e que respeitam à organização e administração do condomínio.

3. Em causa estando uma questão de posse – “uso exclusivo” – de uma parte comum por um condómino (com base num “direito real de gozo”), a “Administração”, na ausência de uma deliberação da Assembleia Geral a lhe atribuir “poderes especiais”, não pode operar enquanto centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, não possuindo assim “capacidade judiciária”; (cfr., art. 45° da Lei n.° 14/2017, “Regime Jurídico da Administração das Partes Comuns do Condomínio”).

O relator,

José Maria Dias Azedo

Processo nº 23/2022
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), casada com C (丙) no regime de comunhão de adquiridos, e B (乙), todos devidamente identificados nos autos, propuseram no Tribunal Judicial de Base acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra a “COMISSÃO ADMINISTRATIVA DOS EDIFÍCIOS [EDIFÍCIO(1)], [EDIFÍCIO(2)] E [EDIFÍCIO(3)]”, (“[大廈(1)]、[大廈(2)]、[大廈(3)]管理委員會”).

A final, pediram a procedência da acção – de “reivindicação” – proposta e que, em consequência:

“1. Sejam os Autores declarados como legítimos e únicos detentores do direito de uso exclusivo dos lugares de estacionamento n.°s 1 a 31 sitos no 1° andar do prédio situado na [Endereço(1)], Macau, RAE, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n° XXXXX, a fls. XXV do Livro BXX, da [Freguesia];
2. Ser a ocupação da fracção por parte da Ré declarada como ilegal, abusiva, não titulada e de má-fé;
E em consequência,
3. Seja a Ré condenada a:
a) reconhecer que os Autores são titulares do invocado direito de uso exclusivo dos lugares de estacionamento n.°s 1 a 31;
b) Desocupar e restituir de imediato a posse desses mesmos lugares de estacionamento aos Autores, livre e devolutos de pessoas e bens.
4. Seja a Ré condenada a pagar aos Autores:
a. por danos sofridos, uma indemnização em montante nunca inferior a HKD65,100.00 equivalente a MOP67,053.00 (sessenta e sete mil e cinquenta e três patacas) mensais desde Março de 2019 até à efectiva entrega da fracção, e que na presente data se computam em MOP$335,265.00 (trezentos e trinta e cinco mil duzentas e sessenta e cinco patacas), acrescidos de juros vencidos e vincendos, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento
Ou caso assim não se entenda
5. Por enriquecimento sem causa, a entregar aos Autores as quantias que recebeu dos condomínios em virtude do arrendamento dos parques de estacionamento 1 a 31 desde 25/02/2019 até efectiva restituição dos mesmos aos Autores entrega dos mesmos aos Autores acrescidos de juros vencidos e vincendos, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento
6. Ser a Ré condenada em custas e procuradoria condigna.
(…)”; (cfr., fls. 2 a 12 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, por sentença do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base julgou-se procedente a acção proposta, declarando-se “os Autores como titulares do direito de usar em exclusivo os lugares de estacionamento n.°s 1 a 31 sitos no 1° andar do prédio situado na [Endereço(1)], Macau, RAE, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n° XXXXX, a fls. XXV do livro BXX, da [Freguesia]”, condenando-se a R. a “desocupar e restituir de imediato esses mesmos lugares de estacionamento aos Autores, livres e devolutos de pessoas e bens”, assim como a “pagar aos autores a quantia de MOP$67.053,00 (sessenta e sete mil e cinquenta e três patacas), mensais desde Março de 2019 até à efectiva entrega da fracção, acrescida de juros contados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento”; (cfr., fls. 118 a 120 e 128).

*

Em sede do recurso que do assim decidido foi pela R. interposto proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão de 15.10.2021, (Proc. n.° 176/2021), concedendo-lhe provimento e absolvendo-a da instância; (cfr., fls. 247 a 262).

*

Inconformados, trazem agora os AA. o presente recurso onde, a final das suas alegações produzem as conclusões seguintes:

“I. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no dia 15 de Outubro de 2021, no segmento decisório relativo à questão da falta de capacidade judiciária da Ré Recorrente, a Comissão Administrativa dos Edifícios [Edifício(1)], [Edifício(2)] e [Edifício(3)], ora Recorrida.
II. O Tribunal a quo decidiu absolver a Ré Recorrente da instância, "(…) por a ré, ora recorrente, não possuir capacidade judiciária para intervir na presente acção", revogando assim a sentença recorrida, isto é, a sentença proferida em primeira instância.
III. A decisão assim proferida pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância viola regras respeitantes à repartição do ónus da prova, e ainda princípios e normas jurídicas atinentes ao julgamento da matéria de facto, resultando de tal violação a absolvição da Recorrida da instância, por alegadamente não ter capacidade judiciária para ser demandada na presente acção, nos termos previstos no n.° 3 do artigo 45.° da Lei n.° 14/2017 ("Regime jurídico da administração das partes comuns do condomínio").
IV. O Tribunal a quo presumiu a ausência da atribuição dos poderes especiais representativos por parte da assembleia geral de condóminos à Ré Comissão Administrativa.
V. Nenhuma prova foi feita a confirmar esse facto, qual seja que a Assembleia Geral do condomínio in casu não concedeu poderes especiais representativos à Comissão Administrativa.
VI. O Tribunal a quo deu como provado um facto sem suporte probatório para o efeito, e que não podia nem estava em condições para o fazer.
VII. A prova desse facto competia somente à Recorrida, o que efectivamente não fez.
VIII. A Recorrida teve a oportunidade de invocar esse facto, mas não o fez, não tendo sequer contestado a presente acção.
IX. Dos autos não consta qualquer alegação desse facto, como igualmente não existem quaisquer documentos que o comprovem.
X. Não basta à Ré vir apenas em sede de alegações de recurso alegar que dos autos não consta qualquer deliberação da Assembleia Geral de condóminos, a atribuir poderes especiais à Administração, para que o Tribunal a quo dê tal alegação como válida e conclua que, efectivamente, a Comissão Administrativa carece desses poderes.
XI. A Ré não logrou fazer a prova dos factos "impeditivos, modificativos ou extintivos" como lhe cumpria nos termos do disposto no artigo 335.º, n.º 2, do Código Civil, segundo o qual "a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita", a invocação do direito.
XII. Prova nenhuma foi produzida a demonstrar que a Assembleia Geral do condomínio não concedeu poderes especiais representativos à Ré Comissão Administrativa, desrespeitando-se, por conseguinte, os princípios respeitantes ao ónus de prova e os princípios e normas jurídicos concernentes ao julgamento da matéria de facto.
XIII. No caso em apreço foram violadas normas e princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto, porquanto o douto Tribunal recorrido não estava em condições de decidir que a Ré Comissão Administrativa não tem capacidade judiciária para intervir na presente acção, pois que nenhuma prova foi carreada para os autos que permitisse inverter o que foi julgado em primeira instância.
XIV. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, isto é, ao ter dado como provado um facto que não podia nem estava em condições de o fazer, facto esse que só à Recorrida competia provar, o que não logrou fazer, violou, salvo o devido respeito, o disposto no artigo 335.°, n.° 2 do Código Civil e o artigo 437.° do Código de Processo Civil.
XV. A decisão recorrida viola igualmente o disposto no artigo 437.° do Código de Processo Civil, nos termos do qual lia dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita", neste caso a Recorrida.
XVI. O n.° 3 do artigo 45.° da Lei n.° 14/2017 não poderá ser aplicável aos casos em que seja a própria administração a cometer a violação do direito em causa.
XVII. A alegada incapacidade judiciária da administração do condomínio, para intervir em acções relativas a propriedade ou posse dos bens comuns, terá naturalmente de ceder quando seja a própria administração a violar, por si própria, o direito de um dos condóminos.
XVIII. A Ré Comissão Administrativa não pode assacar a todos os condóminos as consequências de uma violação do direito dos Recorrentes que só àquela é imputável.
XIX. A regra de legitimidade prevista no artigo 45.°, n.° 3 da sobredita Lei terá necessariamente de ser lida em conjugação com a legitimidade prevista no artigo 1235.°, n.° 1, ex vi artigo 1240.°, ambos do Código Civil, onde se diz que "o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence […]".
XX. É a Recorrida que vem detendo ilegalmente os parques de estacionamento, cedendo o seu gozo a terceiros. É a Recorrida que controla as entradas e saída. É a Recorrida que recebe pagamentos para facultar o acesso à coisa. É, por isso, a Recorrida que tem de ser demandada.
XXI. Da conjugação dos artigos 45.º n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 14/2017 com o artigo 1235.º, n.º 1 do Código Civil, resulta claro que a Administração de condomínio poderá ser demandada em acções relativas às partes comuns quando a violação do direito em causa tiver sido por si cometida.
XXII. Existia um poder-dever do Tribunal a quo de apurar e investigar esse facto, isto é, se a Assembleia Geral do condomínio in casu concedeu ou não poderes especiais representativos à Comissão Administrativa Ré, ora Recorrida, antes de dele conhecer oficiosamente.
XXIII. O Tribunal a quo deveria ter convidado as partes, neste caso a Autora, ora Recorrente, a sanar esse vício, nomeadamente convidando-a a juntar a documentação relevante.
XXIV. A Recorrente não teve oportunidade de se pronunciar relativamente a esta questão, porquanto a Recorrida optou por não contestar a acção.
XXV. Seria agora, nesta sede, que a Recorrente poderia tê-lo feito, mas para isso dever ter sido convidada, o que não aconteceu.
XXVI. Ao ter julgado procedente a excepção dilatória de falta de capacidade judiciária da Ré para intervir na presente acção, sem antes ter cumprido este poder-dever, o Tribunal a quo conhece de questão de que não podia tomar conhecimento, o que consubstancia uma causa de nulidade da sentença, neste caso do douto Acórdão recorrido, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
XXVII. Deverá ser revogado o douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, confirmando-se integralmente a douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, julgando-se procedente a acção”; (cfr., fls. 270 a 281).

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Em reposta e em conclusão diz a R. o que segue:

“a) Nas conclusões I, II, e XXVII das alegações, os AA. restringiram o objecto do recurso interposto a fls. 266 ao segmento decisório do acórdão recorrido que recaiu sobre a sentença de fls. 118 a fls. 120 dos autos principais (CV2-19-0088-CAO), tendo deixado transitar em julgado a decisão do Tribunal a quo que recaiu sobre o despacho de fls. 44 a 45v do Apenso A (CV2-19-0088-CAO-A).
b) Sucede que tal despacho de fls. 44 a 45v do Apenso A foi revogado pelo facto de ter sido revogada a sentença recorrida por a Ré não possuir capacidade judiciária para intervir na presente acção de reivindicação.
c) Tal significa, no caso "sub judice", que a questão da falta de capacidade judiciária da Ré para intervir na presente acção constitui a premissa do silogismo interno da parte dispositiva do acórdão recorrido que recaiu sobre o recurso interposto do despacho de fls. 44 a 45v do Apenso A.
d) Esse segmento da parte dispositiva do acórdão recorrido não faz parte do objecto do recurso, pelo que a questão da falta de capacidade judiciária da Ré para ser demandada na presente acção se trata de uma questão definitivamente resolvida dentro do processo por ter transitado em julgado nos termos e para os efeitos do art.º 575.º do CPC (caso julgado formal ou interno), obstando, por força do art.º 580.º, n.º 2, do CPC, a que a mesma possa ser novamente suscitada no processo ou a que o juiz possa, na mesma acção, alterar a decisão proferida.
e) Nem de outra forma poderia ser por não fazer sentido que no mesmo processo pudessem coexistir decisões que divergissem uma da outra quanto à solução dada à mesma questão de direito subjacente.
f) Nada obsta, pois, ao julgamento de forma sumária do objecto do recurso nos termos permitidos pelos art.os 619.º, n.º 1, al. g), e 621.º, n.º 2, ex vi do art.º 652.º do CPC, com as legais consequências.
g) Caso assim não sem entenda, o que apenas se equaciona por hipótese de raciocínio, sempre seriam de improceder as questões de direito suscitadas nas conclusões das alegações de recurso.
h) Primeiro, porque o ónus da alegação e prova da capacidade judiciária da Ré incumbia aos M. por força do disposto no art.º 389.º, n.º 1, c), do CPC e no art.º 335.º, n.º 1, do Código Civil.
i) Segundo, por o pressuposto processual da falta de capacidade judiciária da Ré ser insanável no caso "sub judice".
j) Desde logo, porque a presente acção de reivindicação não foi proposta contra os condóminos, mas apenas (e propositadamente) contra o órgão de administração do condomínio.
k) Depois, porque os AA. optaram por não alegar que a assembleia-geral atribuiu à administração do condomínio poderes especiais nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 22.º, 13) da Lei n.º 14/2017, ou seja, poderes especiais para que a administração pudesse ser demandada no caso "sub judice".
l) Isto por terem querido somente demandar a "administração do condomínio" em nome próprio, e já não os condóminos dos edifícios [Edifício(1)], [Edifício(2)] e [Edifício(3)].
m) A presente acção de reivindicação foi, pois, proposta pelos AA, contra quem nela não tinha capacidade judiciária para intervir face ao disposto no art.º 45.º, n.º 3, da Lei n.º 14/2017.
n) Terceiro, porque a inaplicabilidade do n.s 3 do art.s 45.º da Lei n.º 14/2017 ao caso "sub judice" se trata de uma "falsa" questão, conforme resulta da doutrina (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA in "Código Civil Anotado", Volume III, 2.ª ed., p. 456) e jurisprudência (Ac. STJ, 16.12.1999, Proc. n.º 904/99, BMJ, 492, 406) citadas na fundamentação do acórdão recorrido, a qual dispensa quaisquer lucubrações.
o) Nada, pois, a apontar, à decisão recorrida.
(…)”; (cfr., fls. 287 a 300).

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Adequadamente processados os autos, vieram à conferência.

Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Como vem alegado em sede das “conclusões” dos AA., ora recorrentes – que como se sabe fixam o “tema” a tratar na lide recursória – tem o presente recurso como objecto o “Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no dia 15 de Outubro de 2021, no segmento decisório relativo à questão da falta de capacidade judiciária da Ré Recorrente, a Comissão Administrativa dos Edifícios [Edifício(1)], [Edifício(2)] e [Edifício(3)], ora Recorrida”; (cfr., concl. I).

Porém, como resulta da resposta pela R., ora recorrida, apresentada, pela mesma vem suscitada uma (alegada) “questão prévia”, considerando que a dita “falta da sua capacidade judiciária” está “definitivamente resolvida…”; (cfr., concl. a) a f)).

Cabendo-nos então emitir pronúncia sobre tal “questão”, desde já se diz que à R., ora recorrida, não assiste qualquer razão.

O “despacho” pela ora recorrida invocado – de fls. 44 a 45-v do Apenso A, (cfr., concl. a) a c)) – diz tão só respeito a um “pedido de prestação de caução” que, independentemente do seu sentido, em nada se relaciona com a referida (questão da) decidida e agora recorrida “falta de capacidade judiciária”.

Com efeito, e como nos parece de entendimento pacífico, “O que adquire força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos litigados pelas partes e a concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos e já não a motivação da sentença, as motivações que determinaram o juiz, as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar àquela conclusão final”; (cfr., v.g., Alberto dos Reis in, “C.P.C. Anotado”, Vol. III, 3ª ed., Coimbra, 1950, pág. 139, no mesmo sentido se podendo v.g. ver o Ac. deste T.U.I. de 05.12.2012, Proc. n.° 77/2012, em cujo sumário se consignou que: “O caso julgado incide sobre a decisão e não sobre os fundamentos”).

Nestes termos, evidente se mostra que só há “caso julgado” quanto à “decisão de revogação da prestação de caução”, inexistindo (qualquer caso julgado) quanto à questão da “incapacidade judiciária da R.”, decisão essa que agora vem impugnada e que se passa a apreciar.

–– Nesta conformidade, comecemos por ver dos motivos da considerada e decidida “falta de capacidade judiciária da R.”, útil se mostrando de aqui se transcrever o que no Acórdão recorrido se consignou sobre tal questão (então pela ora recorrida suscitada):

“(…)
Da alegada falta de capacidade judiciária
Entende ainda a recorrente que, não tendo a assembleia geral de condóminos deliberado atribuir poderes especiais à administração, esta não possui capacidade judiciária para ser demandada na presente acção, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 1359.º do CC.
Em boa verdade, o disposto no n.º 3 do artigo 1359.º do CC foi revogado pelo n.º 3 do artigo 45.º da Lei n.º 14/2017, que veio estabelecer o regime jurídico da administração das partes comuns do condomínio.
Prevê o artigo 45.º o seguinte:
“1. A administração tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções previstas no artigo 43.º ou quando autorizada pela assembleia geral do condomínio.
2. A administração pode também ser demandada nas acções relativas a partes comuns do condomínio.
3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse de bens comuns, salvo se a assembleia geral do condomínio atribuir para o efeito poderes especiais à administração.”
O artigo reporta-se à capacidade judiciária do condomínio, isto é, à susceptibilidade de este estar em juízo, mas assegurado pelo administrador, em representação daquele.
Efectivamente, o administrador pode agir em juízo quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia geral de condóminos, podendo também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do condomínio.
Os n.ºs 1 e 2 do citado artigo reportam-se a casos em que a administração actua como representante do condomínio, durante a execução das funções que lhe pertencem, enquanto o n.º 3 estatui que a capacidade judiciária do administrador não abrange as acções relativas a questões de propriedade ou posse das partes comuns do imóvel, salvo se a assembleia lhe atribuir para o efeito poderes especiais.
No caso vertente, pretendem os autores fazer valer o seu direito de uso exclusivo dos lugares de estacionamento, que são partes comuns.
Como observam Pires de Lima e Antunes Varela1, “A capacidade judiciária passiva do administrador, relativamente às partes comuns do edifício, cessa no caso das acções que põem em causa, directa ou indirectamente, o direito dos condóminos a essas partes. A intervenção do administrador, como o próprio nome deste órgão dá desde logo a entender, só se justifica em relação aos actos de conservação e de fruição das coisas comuns, aos actos conservatórios dos respectivos direitos ou à prestação dos serviços comuns. Logo que se entra no domínio das questões de propriedade ou de posse dos bens comuns, está ultrapassado o círculo dentro do qual se contêm os actos do administrador. Ressalva-se, entretanto, a hipótese de a assembleia conferir poderes especiais ao administrador para representar os condóminos em juízo. E pode suceder que estes poderes especiais sejam genericamente atribuídos ao administrador no título constitutivo do condomínio.”
De facto, por estar em causa uma acção relativa a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, e não a questões relacionadas com meros actos de conservação e fruição das coisas comuns, por força do estatuído no n.º 3 do artigo 45.º da Lei n.º 14/2017, não podem os autores intentar a respectiva acção contra a administração, uma vez que carece de poderes especiais conferidos pela assembleia de condóminos.
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 16.12.1999, Proc. n.º 904/99, Boletim do Ministério da Justiça, 492, 406, citado a título de direito comparado:
“I – O condómino, na propriedade horizontal, não tem personalidade jurídica, mas é titular de personalidade judiciária, podendo por isso estar em juízo, no qual é, em princípio, representado pelo administrador.
II – O administrador tem, face ao artigo n.º 1437.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia de condóminos, podendo também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
III – Nas funções do administrador não cabe a defesa da propriedade ou posse dos bens comuns.
IV – A capacidade judiciária do administrador não abrange, assim, face ao n.º 3 do artigo 1437.º do Código Civil, as acções relativas a questões de propriedade ou posse respeitantes às partes comuns do imóvel, salvo se a assembleia lhe atribuir para tanto poderes especiais.
V – Não pode, pelo exposto, ser recebida acção em que dois condóminos pedem que a administração do prédio (e só ela) seja condenada a reconhecer que eles têm direito a utilizar determinados espaços de estacionamento existentes na subcave do imóvel e que consideram partes comuns – isto, apesar de o acesso a essas zonas lhes haver sido impedido por acto da administração.”
Isto posto, por a ré, ora recorrente, não possuir capacidade judiciária para intervir na presente acção, procedem as razões invocadas quanto a esta parte e, em consequência, absolvendo a ré da instância.
(…)”; (cfr., fls. 259 a 260-v).

Aqui chegados, e visto estando que merece o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Pois bem, da reflexão que sobre o “tema decidendum” pudemos efectuar, cremos que a decisão recorrida efectuou uma correcta interpretação e aplicação do estatuído no art. 45° da Lei n.° 14/2017, (também conhecida como “Regime Jurídico da Administração das Partes Comuns do Condomínio”), mostrando-se-nos assim isenta de reparo.

Eis o porque deste nosso entendimento.

Antes de mais, adequado se mostra de recordar que para o “pedido” que a final da sua petição inicial deduziram – e que atrás se deixou transcrito, no sentido de serem (nomeadamente) “declarados como legítimos e únicos detentores do direito de uso exclusivo dos lugares de estacionamento (…)”, (cfr., fls. 2 e 3 deste aresto) – alegaram (especialmente) os AA. ora recorrentes, que:
- eram os donos e legítimos proprietários da fracção Z1, do 1° andar “Z”, para comércio, do prédio situado em Macau, na [Endereço(1)] (“Fracção Z1”), à qual corresponde o direito de uso exclusivo dos lugares de estacionamento 1 a 62 do prédio, sendo que por volta do ano de 2010, por ordem da R., foi colocada uma cancela no acesso aos lugares de estacionamento n°s 1 a 31; e que,
- a R. deu de arrendamento os lugares de estacionamento n°s 1 a 31 recebendo as respectivas rendas sem qualquer autorização dos AA., estando estes impedidos de gozar o direito de uso que lhes assiste; (matéria esta que por falta de contestação da R. veio a ser declarada “reconhecida” nos termos do art. 405° do C.P.C.M.).

Ora, nos termos do referido art. 45° da Lei n.° 14/2017:

“1. A administração tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções previstas no artigo 43.º ou quando autorizada pela assembleia geral do condomínio.
2. A administração pode também ser demandada nas acções relativas a partes comuns do condomínio.
3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse de bens comuns, salvo se a assembleia geral do condomínio atribuir para o efeito poderes especiais à administração”.

E ponderando no assim estatuído, (e não obstante a sua aparente simplicidade), cabe desde logo notar que, apesar de a sua epígrafe se referir à “legitimidade”, em causa não está tal matéria.

Como a propósito de norma similar contida no Código Civil de Portugal, (cfr., art. 1437°), nota Sandra Passinhas: “Este artigo suscita-nos uma nota evidente. O legislador não está a tratar da legitimidade processual, no sentido da legimatio ad causam, porque a legitimidade, que consiste no interesse directo em demandar, é um pressuposto processual que só em concreto pode ser determinado. Só o juiz, e não o legislador, pode decidir sobre a legitimidade ou não das partes. Esta norma respeita à legitimatio ad processum, ou seja, à capacidade processual. É o artigo 1437.º que trata do suprimento da incapacidade judiciária do condomínio”; (in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2ª ed., pág. 339).

Na verdade, o seu âmbito é mais vasto, inferindo-se ainda da mesma o alcance da “personalidade judiciária” do próprio Condomínio, na medida em que a lei permite a imputação de certos direitos e obrigações ao “conjunto de todos os condóminos”.

Como bem aponta Luís Carvalho Fernandes, “A esta luz devem ser vistos e compreendidos os poderes de representação atribuídos ao administrador e a personalidade judiciária que do regime do art.º 1437.º se infere. Estamos perante uma técnica específica de tutela de interesses colectivos, diversa da personificação, que identificamos como tratamento global do colectivo”; (in “Lições de Direitos Reais”, 4ª ed., pág. 377).

O mesmo autor considera ainda (noutro texto) que, “(…) os poderes de representação do administrador não podem deixar de ser encarados e compreendidos à luz da falta de autonomia jurídica do condomínio. Correspondentemente, por referência à personalidade judiciária que lhe é reconhecida, do que no fundo se trata é de atribuir, ao administrador, legitimação para agir em nome do conjunto dos condóminos. Assim, do nosso ponto de vista, na propriedade horizontal, ocorre uma técnica específica de tutela de interesses colectivos, diversa da personificação, que identificamos como tratamento global colectivo”; (in “Da natureza jurídica do direito de propriedade horizontal”, Cadernos de Direito Privado, n.° 15, pág. 9).

Afirmando também (claramente) que, “Na fixação do regime jurídico das partes comuns do edifício, o art.º 1437.º do C. Civ., atribui ao administrador do condomínio poderes para agir em juízo, em geral, quer como autor, quer como réu. Mas, ao fazê-lo, actua em nome do conjunto dos condóminos.
Deduz-se deste regime a atribuição, ao condomínio, da qualidade de pessoa colectiva, como se fosse uma associação de condóminos? A lei civil não nos permite ver o conjunto dos condóminos como pessoa colectiva, nem é esse o entendimento da doutrina. Contudo, o citado art.º 1437.º legitima a configuração, no caso, de mais um exemplo de personalidade judiciária”; (in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. I, 2ª ed., pág. 436).

Por sua vez, e a propósito do art. 6°, al. e) do C.P.C. português na sua Reforma de 1995/96 entendia-se que: “A alínea e) concede personalidade judiciária ao condomínio, relativamente às acções em que, por ele, pode intervir o administrador, nos termos dos arts. 1433-6 CC (como réu) e 1437 CC (como autor ou réu), o que já resultava, pelo menos, desta última disposição”; (cfr., v.g., José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto in, “C.P.C. Anotado”, Vol. 1, 2ª ed., pág. 21).

Na doutrina da R.A.E.M., e abordando o tema, entende também Viriato de Lima que o Condomínio tem personalidade judiciária nos limites previstos nos actuais art°s 36°, n.° 2, 43°, n.° 1, al. 12), e 45° da Lei n.° 14/2017; (in “Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum”, 3ª ed., pág. 209).

Com efeito, não se pode perder de vista que o Condomínio só opera enquanto “centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos” num leque limitado de situações: precisamente, aquelas que se encontram previstas nos art°s 36°, n.° 2, 43°, n.° 1, al. 12), e 45° da Lei n.° 14/2017.

Assim, adequado se mostra de afirmar que “(…) fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária e, portanto, os condóminos agirão em juízo em nome próprio”; (cfr., v.g., Sandra Passinhas in, ob. cit., pág. 338).

Dito isto, constata-se que o Condomínio tem personalidade judiciária activa (e a Administração assegura a respectiva capacidade judiciária) nas acções que digam respeito à “execução das funções previstas no artigo 43.º ou quando autorizada pela assembleia geral do condomínio”, (cfr., art. 45, n.° 1 da Lei n.° 14/2017), tendo personalidade judiciária passiva (e a Administração assegura a respectiva capacidade judiciária) nas acções “relativas a partes comuns do condomínio”; (cfr., art. 45, n.° 2 da Lei n.° 14/2017).

Como igualmente nota Sandra Passinhas, “Esta disciplina encontra a sua ratio na realização de uma evidente exigência de simplificação nas relações entre o condomínio e terceiros, ou algum dos condóminos que pretenda fazer valer em juízo pretensões respeitantes a bens ou interesses comuns. (…) Por exemplo, o administrador é demandado numa acção em que um terceiro pretenda o pagamento de serviços prestados ou de bens fornecidos ao condomínio. Também é demandado nas acções propostas por condóminos, para obter o ressarcimento de danos causados pelas partes comuns do edifício, como, por exemplo, as infiltrações de água provenientes do terraço de cobertura. (…)
A expressão “partes comuns” usada no artigo 1437.º, n.º 2, deve ser entendida num sentido amplo, de modo a compreender não apenas as partes materiais do edifício, mas ainda todas as relações jurídicas conexas com a existência de partes comuns no edifício, e que respeitam à organização e administração do condomínio”; (in ob. cit., pág. 343 e 344).

E, nesta conformidade, e como cremos ser bom de ver, da articulação entre os n°s 2 e 3 do referido art. 45° da Lei n.° 14/2017 resulta que o Condomínio apenas pode ser demandado – ao abrigo do n.° 2 – “quando estejam em causa actos de conservação ou fruição de coisas comuns (v.g. a realização de obras de conservação em parte imperativamente comum, pretendida por condóminos), ou actos conservatórios dos respectivos direitos, ou a prestação de serviços comuns (v.g., cobrança de serviços prestados pela empresa de manutenção e conservação dos elevadores), (…)”, o mesmo se passando “com a acção de impugnação do despedimento do porteiro, na qual deve ser demandado o administrador em representação do condomínio, por se tratar de serviços de interesse comum”; (cfr., v.g., Abílio Neto in, “Manual da Propriedade Horizontal”, 4ª ed., pág. 756).

Porém, (e como também nota o mesmo autor), já não terá “personalidade judiciária”, nem poderá ser, consequentemente, representado pela Administração, quando estejam em causa acções “relativas a questões de propriedade ou posse de bens comuns, salvo se a assembleia geral do condomínio atribuir para o efeito poderes especiais à administração”, o que inclui, por exemplo, “acções de reivindicação – art. 1311.º do Cód. Civil –, acção de manutenção ou restituição da posse – art. 1278.º do Cód. Civil –, embargos de terceiro – art. 1285.º do Cód. Civil –, etc.”; (in ob. cit., pág. 756).

Mostra-se assim que se pode afirmar, (pelo menos, genericamente), que “A legitimidade do administrador só se justifica quanto aos actos de conservação ou de fruição das coisas comuns ou dos serviços comuns”; e que, “As atribuições do administrador (art. 1436.º) não abrangem a defesa do direito de propriedade ou a defesa da posse, mas apenas aos actos conservatórios”; (cfr., v.g., Francisco Rodrigues Pardal e Manuel Baptista Dias da Fonseca in, “Da Propriedade Horizontal no Código Civil e legislação complementar”, 6ª ed., pág. 307).

Ora, o “direito de uso exclusivo de parte comum” – pelos AA., ora recorrentes reclamado – constitui um “direito especial” do condómino; (cfr., v.g., Mota Pinto in, “Direitos Reais”, Lições publicadas por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Coimbra, 1972, pág. 116).

Por sua vez, in casu, está “provado” que:
- “Os Autores são donos e legítimos proprietários do direito resultante da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade de construção, da fracção autónoma Z1, do 1.º andar “Z”, para comércio, do prédio situado em Macau, (…)”; e que,
- “À referida fracção corresponde o direito de uso exclusivo dos lugares 1 a 62 do prédio, conforme Ap. 90 de 25/06/1992, inscrição n.º XXX do Livro FXM”.

Resulta assim que o “direito de uso exclusivo dos lugares de estacionamento” foi conferido no “título constitutivo da propriedade horizontal”, em termos idênticos aos que hoje são definidos no art. 1324°, n.° 2, al. b) do C.C.M..

Segundo a doutrina, “O n.º 3 do artigo 1421.º, estabelece que o título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas de partes comuns. A lei refere-se aqui a uma afectação em termos de um direito de gozo que não o direito de propriedade.
No que respeita às partes necessariamente comuns, que desempenham funções dotadas de essencialidade, o gozo a proporcionar ao condómino só pode ser o correspondente a uma função lateral e secundária da coisa. Por exemplo, o telhado, que desempenha uma função de cobertura, não pode enquanto tal ser afectado. Mas nada impede a sua afectação para uma qualquer utilidade lateral ou secundária, como a afixação de anúncios publicitários. (…)
A afectação no título constitutivo terá de ser respeitada enquanto estatuto da coisa e resulta como direito real de uso”; (cfr., v.g., Sandra Passinhas in, ob. cit., pág. 49 a 51).

Dest’arte, inegável se apresenta que em causa está uma questão de posse de uma parte comum por um condómino com base num “direito real de gozo”.

E, nesta conformidade, atento o disposto no art. 45°, n.° 3 da Lei n.° 14/2017, temos pois também para nós que na ausência de uma deliberação da Assembleia Geral, o Condomínio não pode operar enquanto centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, não possuindo a necessária personalidade judiciária, não podendo também, por conseguinte, ser representado pela Administração.

Como se diz na doutrina, “Quem poderá agir judicialmente contra o ocupante, através de uma acção de reivindicação? Em princípio, a não ser que a assembleia delibere o contrário, ao administrador não assistem poderes para intervir em questões de propriedade do condomínio e, portanto, também o condomínio é, no caso, desprovido de personalidade judiciária (cfr. art. 1437.º, n.º 3, do CC). (…)
Concluindo, diremos que a personalidade judiciária do condomínio é limitada e não irrestrita, pois gravita em torno dos “poderes do administrador” (art. 6.º, alínea e), in fine). Se o objecto da acção diz respeito a matérias que extravasam as funções do administrador, o condomínio perde a susceptibilidade de ser parte, transferindo-se esta para os condóminos”; (cfr., v.g., Miguel Mesquita in, “A personalidade judiciária do condomínio nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos – anotação ao Ac. do TRL de 25.6.2009, Proc. 4838/07”, Cadernos de Direito Privado, n.° 35, pág. 48).

Considerando que não há forma de obrigar a Assembleia de Condóminos a votar no sentido de atribuir poderes especiais à Administração e, sobretudo, porque não está em causa uma das situações previstas na lei para sanação da falta de personalidade judiciária, (cfr., art°s 41°, n.° 3, e 42°, n.° 3 do C.P.C.M.), apresenta-se de considerar que esta apontada “falta de personalidade judiciária” é, (como aliás é a regra, cfr., v.g., Viriato de Lima in, “Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum”, 3ª ed., pág. 213, uma excepção dilatória), “insanável”, afectando, do mesmo modo, a “capacidade judiciária” da Administração do Condomínio cuja falta assim se constata.

Em face do que se deixou consignado, apresenta-se-nos pois que censura não merece a decisão do Tribunal de Segunda Instância no que toca à questão da “falta de capacidade judiciária” da R., ora recorrida.

Porém, dizem ainda os recorrentes que:
- “Existia um poder-dever do Tribunal a quo de apurar e investigar esse facto, isto é, se a Assembleia Geral do condomínio in casu concedeu ou não poderes especiais representativos à Comissão Administrativa Ré, ora Recorrida, antes de dele conhecer oficiosamente”, (cfr., concl. XXII);
- “O Tribunal a quo deveria ter convidado as partes, neste caso a Autora, ora Recorrente, a sanar esse vício, nomeadamente convidando-a a juntar a documentação relevante”, (cfr., concl. XXIII); e que,
- “A Recorrente não teve oportunidade de se pronunciar relativamente a esta questão, porquanto a Recorrida optou por não contestar a acção”; (cfr., concl. XXIV).

Ora, não parece que se possa acolher este entendimento, (afigurando-se-nos haver manifesto equívoco).

Na verdade, (e como dos autos resulta), a questão da “falta de capacidade judiciária da R.” foi por esta suscitada em sede do recurso da sentença do Tribunal Judicial de Base (que interpôs para o Tribunal de Segunda Instância; cfr., fls. 141 a 150), e, assim, sobre a mesma, na sua resposta ao recurso, (cfr., fls. 188 a 210), tiveram já aí os recorrentes toda a oportunidade de alegar e de se defender, (e até mesmo, de juntar toda a “documentação” que considerassem relevante), não se apresentando ser este o momento para tal questão.

Decisão

3. Nos termos de todo o expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes com taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 06 de Julho de 2022


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição revista e actualizada, página 456
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