打印全文

Processo nº 356/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 28 de Setembro de 2022

Recorrente : Secretário para a Economia e Finanças

Recorrido : A

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

Nota preliminar:
Foi apresentado pelo Exmo. Juíz Relator o projecto do acórdão deste processo com o seguinte teor:

Processo nº 356/2022

Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I

A, devidamente id. nos autos, tendo sido notificado do despacho do Secretário para a Economia e Finanças exarado na proposta nº 015/2021-CA da AMCM, que lhe aplicou a pena de multa única no valor de MOP$440.000,00, pela prática, não autorizada, de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM nos termos do «Regime Jurídico do Sistema Financeiro», interpôs o recurso contencioso de anulação para o Tribunal Administrativo.

Devidamente tramitado no Tribunal Administrativo, veio a ser proferida a seguinte sentença julgando procedente o recurso de anulação, anulando o acto sancionatório recorrido:
  I. Relatório
  Recorrente A, melhor id. nos autos,
  interpôs o presente recurso contencioso administrativo contra
  Entidade Recorrida Secretário para a Economia e Finanças, que, pelo Despacho exarado na proposta n.º 015/2021-CA, de 10/2/2021, lhe determinou a aplicação de uma multa única de MOP 440,000.00, bem como a sanção acessória de publicitação da multa aplicada.
  Alegou o Recorrente, com os fundamentos de fls. 38 a 43 dos autos, em síntese,
  - o erro na aplicação das normas dos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Sistema Financeiro e dos artigos 2.º, 6.º e 13.º do DL n.º 15/83/M;
  - o défice instrutório;
  - a violação do contraditório; e
  - a excessividade da multa aplicada.
  Concluiu, pedindo a anulação do acto recorrido.
*
  A Entidade Recorrida apresentou a contestação a fls. 63 a 79 dos autos, em que se pugnou pela legalidade do acto recorrido e a consequente improcedência do recurso contencioso.
*
  Nenhuma das partes apresentou as alegações facultativas.
*
  O digno Magistrado do M.ºP.º emitiu, a fls. 85 a 89v dos autos, o douto parecer em que se promoveu a improcedência do presente recurso, cujo teor se transcreve no seguinte:
  “A apresentou recurso contencioso do despacho punitivo do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, datado de 10 de Fevereiro de 2021, aposto sobre a deliberação n.º 019/CA, de 7 de Janeiro de 2021, do Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau (AMCM), que lhe aplicou uma multa no valor de MOP$440.000,00 (quatrocentas quarenta mil patacas), assim como a sanção acessória da respectiva publicitação.
  Alega o Recorrente que o acto recorrido enferma de erro na aplicação do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), e 19.º, n.º 1, todos do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, e nos artigos 2.º, 6.º e 13.º do D.L. n.º 15/83/M, mais clamando que se regista(ou) insuficiência da investigação e violação do princípio da defesa; mais se insurge o recorrente contra o valor da sanção que lhe foi aplicada, assim afirmando que se trata de uma “multa de valor demasiado” (ou excessivo).
  Conforme melhor resulta de fls. 63 a 78, inclusive, a Entidade Recorrida apresentou contestação, rebatendo o argumentário da Recorrente, pugnando pela legalidade do acto recorrido e concluindo pela improcedência do recurso contencioso ora sob análise.
  Tendo sido considerado (cfr. fls. 81 e 82) que os elementos constantes dos autos tornavam possível conhecer do mérito do recurso sem necessidade de produção de mais prova e tendo as partes optado por não apresentar alegacões, nos termos do disposto no artigo 63.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, de harmonia com o disposto no artigo 69.º do mesmo diploma cumpre emitir parecer.
  
#
  Assumindo-se que, ressalvado distinto e melhor entendimento, quase nada haveria a acrescentar à muito bem estruturada e fundamentada contestação apresentada pela Entidade Recorrida, cabe, ainda, assim, tecer as seguintes considerações:
  Pese embora reconheça que “Por volta da segunda metade do ano 2019, … celebrava contratos de concessão de crédito com terceiros, de curto prazo, normalmente de um a três meses”, fundamenta o Recorrente a respectiva alegacão de que se registo erro na aplicação do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), e 19.º, n.º 1, todos do D.L. n.º 32/93/M (diploma que aprovou o Regime Jurídico do Sistema Financeiro), e nos artigos 2.º, 6.º e 13.º do D.L. n.º 15/83/M (diploma que regula a actividade das sociedades financeiras) no facto de que, alegadamente, “… nunca teve a intenção de cobrar juros a longo prazo”, sendo que “… os créditos foram concedidos apenas mediante a iniciativa das pessoas que foram apresentadas ao recorrente por amigos deste”, pois que “O recorrente nunca revelou publicamente que prestava serviço de concessão de crédito nem tratou a concessão de crédito como um negócio com intuito lucrativo”; mais refere o Recorrente que, tal como alegou na respectiva defesa por escrito, “…embora em alguns contratos de concessão de crédito constasse cláusula de juros, esta visava apenas à salvaguarda dos interesses do recorrente e, em alguns desses contratos, esta cláusula não foi plena e concretamente cumprida”, em resultado do que, segundo alega, “… nem todos os devedores tinham que pagar juros ao recorrente, e mesmo que pagassem os juros, estes não foram pagos na totalidade de acordo com a cláusula de juros”. Conclui, assim, o Recorrente que “… não exerceu a actividade de concessão de crédito em local fixo nem fez qualquer propaganda para ter mais negócios”, ao que acresce que “… esta actividade apenas durou cerca de 4 meses, pelo que não se pode dizer que o recorrente tenha praticado as operações de concessão de crédito de carácter habitual e com intuito lucrativo”, assim considerando a respectiva conduta como “… acto de concessão de crédito particular”, pelo que “Na ausência da prova bastante, não se pode concluir que o acto do recorrente se trata da concessão de crédito a terceiros, de carácter habitual e com intuito lucrativo”.
  Todavia, conforme bem salienta a Entidade Recorrida e claramente decorre dos elementos pela mesma coligidos, apenas no período compreendido entre 28 de Junho e 23 de Outubro de 2019 – ou seja, num lapso temporal inferior a quatro meses – e sem estar autorizado para o efeito, o ora Recorrente realizou dezassete operações de crédito a terceiros, com autenticação de assinatura(s) no Cartório Notarial, sendo que tais operações ascenderam ao valor global de MOP$8,519,145.00 (oito milhões, quinhentas e dezanove mil e cento e quarenta e cinco patacas), tendo às mesmas sido aplicada uma taxa de juros anual de 28,8% a 29,25%; acresce, ainda, que os contratos celebrados entre o ora Recorrente e os respectivos devedores, assim como os procedimentos relativos ao registo de hipoteca e de autenticação de assinaturas no Cartório Notarial são, em tudo, idênticos aos adoptados pelas instituições de crédito na actividade de concessão de empréstimos para que se encontram, prévia e devidamente, autorizadas.
  Daqui decorre, quer-se crer, claramente ilustrado não só o intuito lucrativo perseguido pelo Recorrente, como também o carácter habitual da actividade que o mesmo, ainda que num lapso temporal relativamente curto, procurou desenvolver.
  Na verdade, a fixação de juros mais não traduz que a retribuição, ou remuneração, do capital mutuado, remuneração essa que traduz, em si mesma, a perseguição de um intuito lucrativo, tão mais evidente quanto é certo que o ora Recorrente não hesitou em fixar uma taxa de juros de 28,8% a 29,25% ao ano, taxa essa que é substancialmente superior à que alcançaria caso aplicasse os montantes que mutuou junto de quaisquer instituições bancárias e/ou financeiras, atenta a remuneração de capital que as mesmas, no actual contexto mundial, consabidamente aplicam.
  Acresce que o facto de o Recorrente não publicitar a respectiva actividade, contrariamente ao que o mesmo pretende alcançar, mais não significará que o mesmo tinha perfeita consciência de que se encontrava a exercer uma actividade para a qual não se encontrava autorizado, assim procurando actuar discretamente, confiando numa “prudente rede de angariação” e operando de forma a não ser detectado, de forma a procurar escapar ao radar das instâncias que regulamentam e controlam o desenvolvimento da actividade financeira na Região Administrativa Especial de Macau…
  Ainda a este propósito e no que à habitualidade concerne, importa referir que, pese embora desenvolvida num período inferior a quatro meses, a actividade perseguida pelo Recorrente traduziu-se na celebração de dezassete operações de crédito a terceiros, com autenticação de assinatura(s) no Cartório Notarial, operações que ascenderam ao valor global de MOP$8,519,145.00 (oito milhões, quinhentas e dezanove mil e cento e quarenta e cinco patacas), o que significa que, em média, o Recorrente celebrou mais que uma operação de concessão de crédito por semana (!), registo que não se pode deixar de considerar tão mais impressivo quanto é certo que o mesmo protesta que nunca publicitou publicamente tal actividade e que, assim, apenas a desenvolveu com base em conhecimentos de “amigos” seus.
  Todos estes elementos apontam, consistentemente crê-se, para a falta de fundamento do referido pelo Recorrente quando protesta que o acto recorrido enferma de erro na aplicação do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), e 19.º, n.º 1, todos do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, e nos artigos 2.º, 6.º e 13.º do D.L. n.º 15/83/M, motivo pelo qual se afigura que, nesta parte, deverá soçobrar o recurso ora sob apreço.
  
  Mais invoca o Recorrente que se regista insuficiência da investigação, protestando que “… a entidade recorrida não efectuou oficiosamente a investigação e ouviu as declarações dos mutuários, a fim de apurar o valor de juro realmente recebido no seu decurso, facto este que violou o princípio do inquisitório”, sendo que “Na defesa por escrito, o recorrente alegou que embora em alguns contratos de concessão de crédito constasse cláusula de juros, esta visava apenas à salvaguarda dos interesses do credor e, em alguns desses contratos, esta cláusula não foi plena e concretamente cumprida. Por outras palavras, nem todos os devedores tinham que pagar juros ao recorrente, e mesmo que pagassem os juros, estes não foram pagos na totalidade de acordo com a cláusula de juros”.
  Todavia, como bem refere a Entidade Recorrida o simples facto de os contratos celebrados pelo Recorrente preverem o pagamento de juros consubstancia a constituição de direitos de crédito de natureza patrimonial, que constitui um benefício económico para o respectivo titular, sendo esse crédito, de natureza patrimonial, é um bem que proporciona ao respectivo titular um benefício económico, motivo pelo qual, em termos contabilísticos, os créditos são inscritos no activo e não no passivo.
  Assim sendo, e correspondendo o valor de MOP$436.434,00 (quatrocentos e trinta e seis mil, quatrocentas e trinta e quatro patacas) ao benefício económico calculado, tal valor corresponde, exactamente, à soma dos juros fixados nos contratos de hipoteca e nas declarações de concessão de crédito em que assentam os autos, mais tendo presentes os respectivos prazos de amortização, sem que tivessem sido computados, para o efeito, juros de mora.
  A esta luz e demonstrando os autos que a actividade desenvolvida pelo Recorrente decorria, necessariamente, sob um manto de discrição, somente com um forte apelo à imaginação – ou a um espírito dotado de enorme generosidade – se poderia congeminar que o Recorrente não tenha cobrado os juros fixados nos contratos referidos nos autos, não se vendo, à luz da prova documental que os mesmos contratos, necessária e inalienavelmente, consubstanciam, que se registe a omissão de (outras) diligências de inquérito que à Entidade Recorrida cumprisse realizar ou assegurar.
  Por tal motivo, crê-se que também a este nível, não deverá merecer acolhimento a pretensão anulatória do Recorrente.
  
  Protesta, ainda, o Recorrente que se regista violação do princípio da defesa pois que não constando o valor estimado do benefício obtido da notificação de instauração de processo de infracção e do relatório final do processo, os respectivos direitos de impugnação e de prestação de provas, em relação ao facto de obtenção do benefício supracitado, teriam sido prejudicados. Afirmando que “… a entidade pública fixou a multa de MOP440.000,00, após a consideração do benefício de MOP436.434,00, obtido pelo recorrente com o contrato de concessão de créditos”, clama o Recorrente que “… o acto de ter avaliado o benefício obtido pelo recorrente na decisão de infracção administrativa pela entidade recorrida violou o princípio da defesa, devendo ser anulado nos termos dos artºs 20º e 21º, nº 1, al. d) do Código de Processo Administrativo Contencioso e art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo”.
  Ressalvado o devido respeito por distinto e melhor entendimento, afigura-se que o referenciado “benefício económico” mostra-se claramente evidenciado nos documentos constantes do processo instrutor, sendo que, para além do mais e conforme sublinha a Entidade Recorrida, o arguido teve oportunidade para sobre o mesmo pronunciar quando foi notificado do teor do auto de infracção n.º 020/2020, no qual se mencionam os juros fixados, quando consultou o processo e/ou quando foi notificado do Relatório Final, tudo como melhor resulta, respectivamente, de fls. 86 a 88, 94 a 95 e 193 a 200 do processo instrutor.
  A esta luz e não valendo, neste domínio, qualquer princípio (ou sequer afloramento) de “justiça negociada” e mostrando-se a decisão proferida devidamente estribada em elementos transparentemente constantes dos autos e devidamente comunicados, também, ao ora Recorrente, não se vislumbra fundamento para que o argumentário ora sob análise possa proceder.
  
  Finalmente e no que concerne à determinação do montante da multa aplicada, refere o Recorrente que se regista violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação.
  Tendo-se como plenamente válidos e aplicáveis no caso dos autos os ensinamentos colhidos no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância e elementos doutrinários pela Entidade Recorrida invocados, não se vislumbra que os fundamentos pelo Recorrente invocados – e.g., quando clama ter actuado com imperfeito conhecimento do sentido ou alcance da lei e/ou de forma negligente – se apresentem com a consistência suficiente para poderem prevalecer.
  Na realidade o entendimento firmado pelo Tribunal de Segunda Instância no Acórdão n.º 183/2002, de 16 de Outubro de 2003, no sentido de que “Não deve haver controlo jurisdicional sobre a justeza da pena aplicada dentro do escalão respectivo, em cuja fixação o juiz não pode sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder sancionatório, devendo a intervenção do juiz ficar apenas aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas contingências em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida…” terá plena aplicação no caso ora sob apreciação, na medida em que as sanções concretamente aplicadas – quantum da multa e sanção acessória da respectiva publicitação – se mostram ajustadas à conduta do arguido.
  Na realidade e pese embora a mesma se tenha registado num espaço temporal relativamente curso (menos de quatro meses), não deixa de ser certo que a mesmo se concretizou na celebração de dezassete operações de crédito a terceiros, com autenticação de assinatura(s) no Cartório Notarial, sendo que tais operações ascenderam ao valor global de MOP$8,519,145.00 (oito milhões, quinhentas e dezanove mil e cento e quarenta e cinco patacas), tendo às mesmas sido aplicada uma taxa de juros anual de 28,8% a 29,25%; acresce que, tal como já referido, os contratos celebrados entre o ora Recorrente e os respectivos devedores, assim como os procedimentos relativos ao registo de hipoteca e de autenticação de assinaturas no Cartório Notarial são, em tudo, idênticos aos adoptados pelas instituições de crédito na actividade de concessão de empréstimos para que se encontram, prévia e devidamente, autorizadas, tudo militando no sentido de a actividade pelo arguido desenvolvida não ter o carácter de incipiência que o mesmo lhe pretende, agora, atribuir.
  E sendo seguro que a (alegada, que não demonstrada) ignorância da lei não desobriga os cidadãos da respectiva observância, não os eximindo de eventual sancionamento em caso de desrespeito, importa salientar que a conduta em apreço nos autos contende com uma área particularmente sensível da actividade financeira e económica, na medida em que não só consubstancia uma actividade de concorrência desleal para com as entidades legalmente admitidas e autorizadas a desenvolver a actividade de concessão de crédito, como coloca em causa toda a credibilidade do sistema financeiro, não se podendo olvidar que mesma conduta poderia ser, também, susceptível de colocar em risco as pessoas a quem o Recorrente concedesse crédito, na exacta medida em que tal actividade se consubstanciaria no “mero emprestar de dinheiro”, a uma taxa de juros (unilateralmente?) fixada entre 28,8% e 29,25% ao ano, sem ponderação da concreta situação de cada “cliente” (e.g., em termos da respectiva capacidade de solver a dívida assim contraída) e da finalidade que o mesmo visava satisfazer com a contratação daquele crédito.
  Tais elementos, associados à manifesta necessidade de evitar, tanto quanto possível, a recidiva neste tipo de comportamentos pelo ora Recorrente, assim como à necessidade de prevenir eventuais comportamentos análogos por outros agentes, militam, inequívoca e claramente, no sentido de a sanção concretamente aplicada dever assumir um montante que se mostre suficientemente dissuasor pois que, tal não acontecendo, a mesma seria encarada como um eventual “custo de exercício”, aceitável ou compensador, à luz dos proveitos entretanto obtidos…
  Assim sendo e à luz de quanto antecede afigura-se que o recurso interposto não merecerá obter provimento, antes se impondo, ressalvado distinto e melhor entendimento, confirmar a adequação e validade do acto recorrido.”
*
  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
  O processo é o próprio.
  Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
***
  II. Fundamentação
  
  1. Matéria de facto
  Considera-se provada a seguinte factualidade pertinente por elementos constantes dos autos e do processo administrativo:
  - No período compreendido entre 28/6/2019 e 23/10/2019, o ora Recorrente subscreveu no total de 17 contratos de empréstimo hipotecário com os terceiros, concedendo-lhes os empréstimos com taxas anuais de juro convencionadas entre 28.8% e 29.25% (conforme os docs. juntos a fls. 161 a 200v do Processo Administrativo).
  - A actuação acima referida do Recorrente nunca foi autorizada pela autoridade financeira.
  - Por ofício n.º 4431/2020-AMCM-DAJ, datado de 24/7/2020, foi o Recorrente notificado para apresentar a defesa escrita quanto à infracção imputada (cfr. o doc. junto a fls. 130 a 133 do Processo Administrativo).
  - Na sequência da consulta do processo administrativo, o Recorrente apresentou sua defesa escrita (cfr. o doc. junto a fls. 113 a 116 do Processo Administrativo).
  - Seguidamente, veio a ser elaborado o Relatório Final n.º 209/2020-DAJ, que foi por ofício n.º 6852/2020-AMCM-DAJ, de 27/10/2020, enviada ao Recorrente a cópia do dito relatório final, para se pronunciar no prazo de 10 dias (conforme o doc. junto a fls. 60 a 67v do Processo Administrativo).
  - Em 27/11/2020, o Recorrente apresentou seus comentários (cfr. o doc. junto a fls. 45 e v do Processo Administrativo).
  - Foi elaborada a deliberação do Conselho de Administração da AMCM no sentido de propor à Recorrida a determinação da aplicação da multa no montante de MOP 440,000.00, pela prática não autorizada da concessão de crédito a terceiros na RAEM, com carácter habitual e intuito lucrativo, no período compreendido entre 28/6/2019 e 23/10/2019 (conforme o doc. junto a fls. 14 a 22 do Processo Administrativo).
  - A proposta acima referida mereceu o despacho da concordância da Entidade recorrida exarada na proposta n.º 015/2021-CA, de 13/1/2021 (idem).
  - Em 24/3/2021, o ora Recorrente apresentou o presente recurso contencioso da dita decisão.
***
  
  2. Matéria de direito
  O que temos aqui é uma sanção administrativa aplicada nos termos previstos no Regime Jurídico do Sistema Financeiro (doravante designado por RJSF), aprovado pelo DL n.º 32/93/M, de 5 de Julho, pelo exercício não autorizado da actividade da concessão de créditos, a que se refere nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) desse Regime.
  
  As operações de concessão de crédito encontram-se reguladas pelo artigo 17.º, n.º 1, alínea b) do RJSF, nos termos do qual “Os bancos podem efectuar as seguintes operações:…b) Concessão de crédito, incluindo a prestação de garantias e outros compromissos, locação financeira e factoring; …”, ao passo que se exige, no disposto do artigo 2.º, n.º 1 do Regime, que apenas as instituições financeiras regularmente constituídas e autorizadas estejam habilitadas a exercer as operações de concessão de crédito referidas no citado preceito legal, de modo habitual e com intuito lucrativo. Trata-se das instituições financeiras, designadamente, as de crédito (os bancos, a Caixa Económica Postal, outras sociedades que também desenvolvem a actividade prevista no artigo 1.º, alínea b) do Regime – a que se refere o artigo 15.º), cujo acesso à actividade depende da prévia autorização nos termos do disposto no artigo 19.º do Regime.
  
  Assim sendo, o exercício das operações de concessão de crédito reservadas às instituições acima referidas por quaisquer outras pessoas ou entidades que não tenham sido autorizadas para o tal constitui a infracção de especial gravidade prevista no artigo 122.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do RJSF, e por conseguinte, está sujeito à aplicação das sanções cominadas nos artigos 126.º a 128.º do Regime.
  
  É de reter que como já vimos, o que se encontram especificamente reguladas, e por isso, reservadas às instituições especialmente autorizadas são actividades de operação financeira que envolvam o carácter de exercício habitual e com intuito lucrativo. Ficam fora disso, como por exemplo, uma actuação de concessão do empréstimo ocasional ou isolada, ou sem intenção de enriquecer com a prática do acto.
  
  O que vem impugnar o ora Recorrente foi, precisamente, a ausência do carácter habitual nas suas actuações (que demoravam apenas cerca de 4 meses), e do intuito lucrativo (que não foram convencionados os juros em todos os empréstimos concedidos e que não havia intenção de cobrar os juros nos contratos celebrados para o curto prazo), conforme se alega nos artigos 7.º a 12.º da petição inicial.
  
  Quanto ao primeiro ponto, diríamos que a actividade desenvolvida pelo Recorrente nos apresenta um carácter habitual, já que de acordo com o enunciado dos factos provados, no período compreendido entre 28/6/2019 e 23/10/2019, foram realizadas, reiteradamente, no total de 17 operações de concessão de crédito – destinadas aos devedores indiscriminados, com a estipulação das cláusulas contratuais de modelo uniformizado (veja-se os contratos juntos a fls. 164 a 182 e 186 a 200v do P.A.). O que para nós é apto a demonstrar que o exercício dessa actividade pelo Recorrente não era meramente esporádico, mas é uma conduta repetida no determinado tempo estável, com a natureza habitual. Parece-nos que o facto de que essa prática durava apenas um curto período de 4 meses não afastará a habitualidade do exercício.
  
  Por outro lado, o apuramento da existência do intuito lucrativo é uma coisa diferente da concretização final desse intuito. É incontroverso que foram combinados em todos esses 17 empréstimos, os juros com a taxa anual variável entre 28.8% e 29.25% (equivalente ao triplo dos juros legais à taxa de 9.75%). Daí é manifesta a intenção lucrativa por parte do Recorrente com as suas actuações não autorizadas.
  
  Neste sentido, é evidente que o recurso deve improceder nesta parte.
*
  Mais considerou o Recorrente que o acto recorrido violou o princípio do contraditório, por não lhe ter dado a oportunidade de se pronunciar sobre o quantitativo do benefício económico estimado no valor de MOP 436,434.00, conforme é referido na deliberação do Conselho da Administração n.º 019/CA, de 7/1/2021 em que se fundou o acto recorrido, valor esse fundamental para a fixação da multa em MOP 440,000.00 (conforme se alega nos artigos 23.º a 26.º da petição inicial).
  
  Vejamos esta questão.
  
  No direito administrativo, o princípio do contraditório tem sua expressão através do instituto da audiência prévia do interessado, considerado como uma formalidade essencial cuja observância é exigida nos termos do artigo 93.º do CPA, tem, nas palavras dos professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, funções subjectivas e objectivas - “as primeiras são as de evitar decisões e de facultar aos particulares uma oportunidade para fazerem valer as suas posições e os seus argumentos no procedimento, as segundas, as de auxiliar a administração a decidir melhor, de modo mais consensual e em conformidade com o bloco de legalidade.” (cfr. Direito Administrativo Geral, tomo III, Lisboa, 2007, p. 127).
  
  Quanto à obrigatoriedade da informação do “sentido provável da decisão” contemplada na dita norma do artigo 93.º do CPA para efeito da audiência, entendia-se que seria excessiva a exigência da notificação do “projecto de decisão”, uma vez que “a posição que o instrutor tem sobre o sentido da decisão não é vinculativa para o órgão decisor” e “o órgão instrutor nem deveria ter que fazer opções oficiais (que até podiam ser diversas das da instância decisória) sobre a decisão para que os factos apurados e as normas tidas como aplicáveis apontam” (Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves – J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, comentado, pp. 454 a 455 e 458).
  
  Por sua vez, na acepção mais exigente perfilhada pelo professor Mário Aroso de Almeida, “A audiência tem de basear-se, por um lado, em informação que permita ao interessado reconhecer o objecto do procedimento, tal como ele se encontra delimitado a final, e o sentido provável da decisão a tomar….e um projecto de decisão, consubstanciado nos “elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, na matéria de facto e de direito…” (cfr. obra. cit).
  
   Sem pretendermos entrar desde já numa valoração comparativa entre uma posição e a outra, julgamos ser ao menos pacífico entender que “a audiência deve possibilitar a colocação de todas as questões pertinente à decisão” nas palavras do autor acima referido, ao ponto de possibilitar aos destinatários influenciar o sentido da decisão final. Neste aspecto, o CPA para além de referir-se ao “sentido provável da decisão” como objecto da notificação para audiência, ainda prevê no artigo 94.º, n.º 2 do CPA, “A notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado.”
  
  No caso em apreço, do Relatório Final n.º 209/2020-DAJ onde se expõe o sentido provável da decisão a ser tomada no final, datado de 30/9/2020, constante a fls. 60 a 67v do Processo Administrativo, notificado por ofício n.º 6852/2020-AMCM-DAJ, de 27/10/2020, para o Recorrente pronunciar-se, constava o seguinte:
  “ …
  16.Em face da prova documental e testemunhal recolhida, consideram-se provados e relevantes para a boa decisão do processo os seguintes factos, todos praticados em Macau, com carácter habitual e intuito lucrativo:
  16.1. Realização de 17 operações de concessão de crédito a terceiros, no período compreendido entre 28 de Junho a 23 de Outubro de 2019 (documentos a fls. 1 a 58);
  16.2. A realização destas operações de concessão de crédito a terceiros, sob a forma de empréstimos, atingiram o valor total de MOP 8,519.145 (oito milhões quinhentos e dezanove mil cento e quarenta e cinco patacas);
  16.3. A taxa de juros destes empréstimos foi com juros anuais de 28,8% a 29,25%;
  16.4. O modo como estas operações se desenvolviam é o profusamente descrito na Informação n.º 474/2020-DSB, de 16.06.2020 e na Informação n.º 716/2020-DSB, de 23.09.2020, que constam dos autos a fls. 63 a 74 e a fls. 137 a 146, e que aqui se dão por reproduzidas.
   …
  20. Assim sendo, propõe-se que a multa a aplicar a A (acima melhor identificado), ao abrigo do artigo 128.° do RJSF, seja fixada atendendo a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o infractor, considerando (entre outras circunstâncias que venham a ser, superiormente, consideradas relevantes) nomeadamente:
  20.1. Que estamos perante infracções de especial gravidade (elevado grau de ilicitude), à luz do artigo 122.°, n.º 2, alínea b) do RJSF, in casu de exercício de actividades fInanceiras não autorizadas, na forma de realização de operações de concessão de crédito, de modo habitual e com intuito lucrativo;
  20.2. O grau de culpabilidade do infractor (intensidade do dolo e da negligência, a este propósito veja-se os artigos 13.º e 14.º do Código Penal), o seu comportamento anterior (o infractor nunca antes tinha sido sancionado por violação de disposições legais e regulamentares cujo cumprimento cabe à AMCM acautelar) e as circunstâncias da ocorrência das infracções; e
  20.3. O benefício económico obtido com a prática das infracções.
  …”
  
  Se é verdade conforme foi exposto no teor da deliberação que integra a fundamentação do acto recorrido (ponto 5.º II-Dos Factos) que o montante do “benefício económico resultante destas práticas ilegais estima-se em MOP 436,434.00”, “valor resultante da soma dos juros fixados nos contratos de mútuo com hipoteca em que assentam estes autos (não se computando os juros de mora)”. Seria legítimo então concluir que todos os elementos que foram considerados para o cômputo do montante estimado do benefício económico já se encontravam identificados na citada parte do Relatório Final, assim como a relevância do respectivo montante para a fixação da multa aplicada ao Recorrente.
  
  Nestes termos, o facto de nunca lhe ter sido dado conhecimento do valor estimado do benefício económico não prejudica o seu exercício atempado do direito de defesa para tentar influir o quantitativo a fixar na decisão sancionatória pela Recorrida.
  
  Ao nosso ver, o que seria legítimo questionar pelo Recorrente é que tal “quantum” da multa que a Recorrida viria a aplicar era por referência preponderante ao montante do benefício económico que, na essência, não funcionava simplesmente como um dos parâmetros a ponderar na quantificação, e que o interessado mesmo previamente notificado, poderia não ter contado com a relevância primordial que a Recorrida venha a atribuir a este factor na tomada da sua decisão final. Apesar de tudo, esta questão não deixa de ser relativizada, tendo em consideração o elucidado no douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 1040/2020, de 21/1/2021, nos seguintes termos:
  “Dado preceituado no nº 3, é evidente que o elevado benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção é tido pelo nosso legislador como uma das circunstâncias a atender na determinação da medida concreta das sanções administrativas dos factos punidos nos termos do «Regime Jurídico do Sistema Financeiro».
  Pois, de outro modo, o elevado benefício económico não poderia ter sido considerado como circunstância agravante modificativa da moldura máxima de penas pecuniárias. Para nós, ao mandar atender o tal benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção para a determinação concreta da pena, o que pretende o nosso legislador é, na prática não autorizada de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM, normalmente geradoras de benefícios económicos a favor de infractores e em prejuízos ao sistema económico e financeiro da RAEM, mandar atender o quantum do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção, que reflecte o grau de ilicitude dos factos, o que não tem nada a ver com o instituto de confisco.” (sublinhado nosso).
  
  Assim sendo, se se aceitar o que está em causa não é mais do que um dos elementos a atender na fixação da medida da multa (ao contrário do que parece sugerir a letra da norma do artigo 128.º, n.º 3 do RJSF, onde se limita a dizer que a moldura poderá ser agravada no seu limite máximo se o benefício económico for superior a metade deste, e não assim o é a medida concreta da sanção) por ser demonstrativo do grau da ilicitude dos factos assim como os outros, o interessado visado não terá que conhecer previamente a proporção que cada critério isoladamente contribuiria para a quantificação da multa.
  
  Assim, deve-se julgar improcedente o recurso nesta parte.
*
  Passaremos a ver a outra questão levantada. Segundo o Recorrente, na fixação do quantitativo do benefício económico determinante na sanção quantificada, a Recorrida limitou-se a atender os juros convencionados nos contratos, sem produzir nenhuma prova quanto à recepção efectiva dos lucros inicialmente visados. Nesta medida, o acto recorrido violaria o princípio de investigação, devendo ser anulado por verificação do “défice instrutório”.
  Com respeito à posição contrária, ao que nos parece, tal “défice instrutório”, mesmo que se tivesse por demonstrado, não conduziria à invalidade do acto praticado a título autónomo. Neste sentido, ainda de acordo com a douta jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância – o Acórdão n.º 193/2000, de 27/3/2003, pode extrair-se o seguinte: “a falta de diligências reputadas necessárias para a constituição da base fáctica da decisão afectará esta, não só se tais diligências forem obrigatórias (acarretando, assim, violação do princípio da legalidade), mas também se a materialidade dos factos não estiver comprovada, ou faltarem, nessa base, factos relevantes alegados pelo interessado, por insuficiência de prova que a Administração poderia e deveria ter colhido (o que gera erro nos pressupostos de facto).”
  
  Dito por outra forma, o “défice instrutório” proveniente das omissões na utilização das diligências instrutórias em cumprimento do princípio inquisitório geral previsto nos artigos 59.º e 86.º do CPA, assimila-se ao erro sobre os pressupostos de facto, se daí resulta a falta de factos que dêem suporte ao acto. Se assim é, a sentença que conheça deste vício imputado e que se profira é sobre o mérito da causa, não sobre as questões meramente formais.
  
  Situação diferente é quando se verifica a ofensa a um dever instrutório e investigatório especialmente previsto na lei, a falta essa já será suficiente para acarretar a anulação do acto contenciosamente recorrido, tratando-se aqui do vício de forma, pela ocorrência do erro no procedimento administrativo (cfr. quanto às duas vertentes distintas do “défice instrutório”, a jurisprudência do Acórdão n.º 456/2015, de 10/3/2016). Pois, o que importa é saber se a norma legal especialmente obriga a Administração a agir tomando as determinadas diligências em face da situação pressuposta.
  
  No caso dos autos em apreço, na ausência de nenhuma norma injuntiva que impunha a actividade instrutória concretamente desenvolvida num ou noutro sentido, a omissão tal como entendida pelo Recorrente não gera o vício formal do acto. Aliás, o vício foi invocado pelo Recorrente na vertente material, em que a ilegalidade do acto recorrido decorreria da insuficiência das provas para decisão recorrida, nomeadamente, para a quantificação da sanção aplicada. Portanto, o que temos aqui é vício do erro no pressuposto de facto.
  
  Como já vimos atrás, o cálculo do benefício económico apoia-se, basicamente, nos elementos constantes dos contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente: o valor do capital de cada empréstimo, e respectivo o montante total, os juros remuneratórios contratualmente convencionados. Porém, não nos parece que com tais elementos recolhidos, seja possível fixar o montante de benefício económico obtido através da infracção imputada ao Recorrente.
  
  Repare-se, a expressão utilizada pela norma legal do artigo 128.º, n.º 3 do RJSF foi “o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção”. Como é consabido por quem saiba algo da gramática portuguesa, o particípio passado – “obtido” – que aqui se utiliza tem uma função de adjectivar o substantivo que o antecede “benefício económico” e implica, assim como qualquer outro particípio passado que a actuação (de obter o benefício económico) está finalizada ou concluída no tempo pretérito.
  
  Dito por outra forma, o montante do benefício económico apto a influir na agravação da multa deveria ser aquele que o infractor tenha efectivamente recebido no passado, e não aquele que o mesmo poderá receber. Outrossim, a expressão que se emprega na redacção da norma legal deveria ser “o benefício económico a obter”.
  
  No nosso caso, os elementos que se encontram na posse da Autoridade financeira possibilitam quanto muito o cálculo de lucros estimados que se espera render mediante a conclusão dos empréstimos. Inexiste prova de que o ora Recorrente tenha recebido o benefício económico naquele montante, o que nos parece ser fundamental se tendo em consideração todas as vicissitudes a ocorrer posteriormente à conclusão dos ditos negócios, que pudessem vir a frustrar a expectativa que o mutuante sempre tinha na recuperação atempada dos empréstimos concedidos junto dos devedores mutuários. Se assim for, a aplicação da multa com quantitativo na medida do montante dos benefícios económicos necessariamente cairá por base, já que o ganho dos lucros esperados poderia nem chegar a ser concretizado.
  
  Aliás, tratando-se de uma circunstância típica agravante da moldura sancionatória, entendemos que o seu preenchimento não se pode ter por verificado por qualquer maneira indiferente, exigindo, antes de mais, provas firmes para demonstrar a sustentabilidade da sanção aplicada. E o ónus de prova compete à administração que pretenda impor ao interessado a sanção quantificada com base no critério de benefício económico que ela própria invocou.
  
  Não diríamos que o cálculo do montante nunca devesse ser feito de uma forma presuntiva ou estimativa, mas ao menos, ao que nos parece, que deveria ter-se reunido todos os elementos constitutivos que favoreçam a conclusão de que o interessado obteve o benefício naquela quantidade esperada. Agora a simples existência da convenção dos juros que terão ser cobrados pelas concessões dos empréstimos está longe de satisfazer as exigências probatórias ao ponto de poder dar-se como assente o valor do benefício económico obtido pelo Recorrente.
  
  Nestes termos, o acto recorrido deve ser anulado pelo erro no pressuposto de facto, decorrente da inexistência das provas necessárias à quantificação do benefício económico, determinante para quantificação da medida concreta da multa. Tendo sido considerada a fixação do quantitativo da multa como desprovida da base probatória, torna-se então desnecessária a apreciação da excessividade da mesma.
  
  Uma vez que não há elementos suficientes (o montante devidamente apurado do benefício económico, e a situação económica real do infractor a atender nos termos do artigo 45.º, n.º 2 do CPM) para a determinação oficiosa da sanção aplicável ao Recorrente, ainda que entendemos que o mesmo deva ser condenado, é dispensado o cumprimento do artigo 118.º, n.º 2 do CPAC.
  
  Resta decidir.
***
  IV. Decisão
  Assim, pelo exposto, decide-se:
  Julgar procedente o presente recurso contencioso, com a anulação do acto recorrido.
*
  Sem custas pela Entidade recorrida, por ser subjectivamente isenta.
*
  Registe e notifique.

Notificada da sentença e inconformada com ela, a entidade administrativa interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal de Segunda Instância, formulando as conclusões e o pedido nos termos seguintes:
  I. Foi dado como provado, no âmbito do processo de infracção n.º 020/2020, instaurado pela AMCM, que o Recorrente violou o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º n.º 1 e 122.º n.º 2, alínea b) todos do RJSF, bem como os artigos 2.º, 6.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 15/83/M, de 26 de Fevereiro, por concessão de crédito a terceiros na RAEM, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem estar autorizado para o efeito, no período compreendido entre 28 de Junho a 23 de Outubro de 2019;
  II. Não se verifica uma divergência entre a matéria de facto tida por provada nos autos e a decisão sancionatória, uma vez que a decisão assenta no facto de o Recorrente ter celebrado 17 contratos de mútuo e respectivos actos de registo de hipoteca e declarações de concessão de crédito, como garantia do Recorrente, A;
  III. Os factos dados como provados não se limitam à natureza e tipo de actos praticados ou realizados pelo Recorrente, reportam-se aos documentos cuidadosamente preparados bem como aos registos de hipoteca realizados para o desenvolvimento da actividade de concessão de crédito, declarações de empréstimos, circunstâncias de tempo e lugar, etc., e foram revelados através de meios de prova legais;
  IV. Estamos perante infracções consumadas e de especial gravidade, que afectam seriamente a imagem do sistema financeiro local, o funcionamento do mercado financeiro e, em especial, as actividades das instituições de crédito (como é consabido e se pode constatar pelas estatísticas reveladas ao público pela AMCM, os empréstimos hipotecários constituem uma parte relevante da actividade bancária);
  V. A AMCM efectuou todas as diligências ao seu alcance, que considerou necessárias no âmbito da instrução, tendentes a averiguar todos os factos cujo conhecimento considerou conveniente para a justa e rápida decisão deste procedimento sancionatório;
  VI. O legislador não atribuiu à AMCM o especial ónus de fazer prova de que o dinheiro dos juros foi efectivamente recebido pelo autuado, nem lhe atribuiu competências para realizar essa prova;
  VII. Note-se que a Administração Pública (incluindo a AMCM) não dispõe dos poderes de investigação dos órgãos de polícia criminal e dos tribunais, pelo que lhe seria, na prática, impossível determinar se, como e quando o autuado recebeu efectivamente o dinheiro dos juros. A AMCM não tem instrumentos para fazer em toda a sua extensão o que se usa chamar de “seguir o rasto do dinheiro”;
  VIII. Acresce que não se reputa de essencial fazer prova de que o dinheiro relativo aos juros foi efectivamente recebido pelo autuado para se provar que o autuado concedeu crédito a terceiros, com carácter habitual e intuito lucrativo, e que com isso obteve um determinado benefício económico, e que esse benefício era a razão que presidiu à concessão do crédito;
  IX. É consabido que um direito de crédito é consequentemente o direito a receber juros, traduzindo-se numa vantagem patrimonial em si, sendo contabilizada como activo de per si;
  X. Ora esta vantagem patrimonial entra na esfera jurídica do credor no momento em que o direito de crédito é validamente constituído;
  XI. Assim sendo, para efeitos do disposto no n. 3 do artigo 128.º do RJSF, consideramos, salvo melhor entendimento, que o “benefício económico” é obtido, ou seja, a vantagem patrimonial é adquirida no momento em que o direito de crédito está validamente constituído na esfera jurídica do credor;
  XII. Atendendo às situações em que os empréstimos são garantidos por hipotecas de imóveis, sendo a intenção da concessão destes créditos alcançar um benefício patrimonial, e considerando que o grau de certeza de alcançar este objectivo, que é de quase 100%, atendendo à natureza real da garantia, entendemos que aquando da constituição do direito de crédito, o benefício económico está na prática obtido;
  XIII. O direito de crédito mais não é que, o direito de exigir de outrem a realização de uma prestação de carácter patrimonial, ou seja, suscetível de avaliação em dinheiro;
  XIV. Na verdade, um crédito é um bem, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista económico - e, até, contabilístico. É exactamente por essa razão que, nos balanços, os créditos são inscritos no activo, juntamente com os outros bens, e não no passivo;
  XV. A mera constituição de direitos de crédito (incluindo o direito a juros) constitui sempre um benefício económico para o titular desses direitos, também porque o direito de crédito mais não é que o direito de exigir de outrem a realização de uma prestação de carácter patrimonial, susceptível de avaliação em dinheiro;
  XVI. Os contratos de empréstimo celebrados pelo Recorrente, ao criarem direitos de crédito na sua esfera jurídica, proporcionaram-lhe ipso facto um benefício económico-independentemente de ele ter cobrado ou não esses créditos;
  XVII. Estão tais direitos de crédito provados documentalmente no processo instrutor, não tendo o Recorrente jamais impugnado a autenticidade desses documentos, designadamente em sede do processo de infracção;
  XVIII. O facto de os contratos de empréstimo terem sido realizados perante o notário apenas revela que o Recorrente queria assegurar a legalidade formal dos seus negócios de concessão de crédito. Acresce que a realização isolada ou não habitual de contratos de mútuo está conforme com a lei, o que a viola é a celebração habitual e com intuito lucrativo deste tipo de acordos. Estes contratos, acompanhados do registo de hipoteca são verdadeiros títulos executivos;
  XIX. A lei estabelece uma relação entre o benefício económico obtido pelo infractor e o montante da multa, de forma a garantir o efeito dissuasor desta, evitando que os infractores encarem a sanção meramente como um custo, suportável (art. 128.º do RJSF);
  XX. Para se concluir que o “benefício económico” não foi o factor determinante, nem tão pouco o principal, para a graduação da multa, basta atentar nos números 3 e 4 da Parte III da Deliberação n.º 019/CA, de 7.01.2021, do Conselho de Administração da AMCM, que contém os fundamentos do acto recorrido;
  XXI. Para além do “benefício económico” foram ponderados, para a fixação da multa em causa, o facto de o autuado ser primário, o seu grau de culpa, o facto de estarmos perante infracções de especial gravidade (elevado grau de ilicitude) e os prejuízos e os perigos que resultam para o sistema financeiro e para o público, deste tipo de actividades ilícitas, sem adequados mecanismos de controlo e supervisão;
  XXII. Note-se que a contrario, à luz do n.º 1 do artigo 130.º do RJSF, os prejuízos causados para o sistema monetário-financeiro ou para a economia da RAEM, constituem, também, um importante factor a ter em conta na fixação das multas por infracções ao RJSF;
  XXIII. O elevado risco para os consumidores do exercício destas actividades, sem autorização, supervisão e controlo, traduz-se, fundamentalmente, na exposição a que estes ficam sujeitos a criminalidade económico-financeira, mormente a burlas e a branqueamento de capitais;
  XXIV. A graduação das multas administrativas é um acto discricionário, como já foi reconhecido pelo TUI e pelo TSI;
  XXV. Em recurso contencioso, o tribunal não pode sindicar o exercício de poderes discricionários excepto nos casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade;
  XXVI. Por outro lado, o artigo 45.º do CP não é aplicável às infracções administrativas, nem directamente, nem por analogia;
  XXVII. Não são aplicáveis directamente, porque o legislador, no RGIA, não os incluiu entre os preceitos do CP aplicáveis, ex vi artigo 9.º e n.º 3 do artigo 3.º do RGIA;
  XXVIII. E não é aplicável por analogia por não haver lacuna a preencher;
  XXIX. Efectivamente, é muito diferente aquilo que está em causa no Direito Penal e aquilo que está em causa no Direito Administrativo;
  XXX. A medida concreta da multa administrativa difere, na sua natureza e na sua finalidade, da multa aplicada em sede penal;
  XXXI. Assim, a sentença recorrida errou ao socorrer-se de normas do direito penal para julgar que a multa aplicada pelo SEF possa ser excessiva;
  XXXII. Acresce que existem limites e constrangimentos à acção administrativa que não se verificam na acção dos tribunais e das autoridades policiais, em sede penal, designadamente no que se refere aos poderes e aos instrumentos de investigação para determinar a capacidade económica do infractor;
  XXXIII. Cremos que caberia, em primeiro lugar, ao infractor, à luz do artigo 87.º, n.º 1 (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 3.º do RGIA) alegar e provar a sua situação económica, o que não logrou fazer;
  XXXIV. No caso concreto, o montante da multa aplicada não é excessivo, tendo em atenção que a sanção aplicada constitui o meio idóneo para a Administração alcançar os seus objectivos, que consistem, fundamentalmente, na repressão das práticas ilegais (que causam danos ao sistema financeiro da RAEM), em imperativos de prevenção especial (dissuadir o infractor de praticar, novamente, este tipo de infracções) e de prevenção geral (alertar o público e o mercado para o facto de o exercício destas actividades, sem autorização, não ser tolerado na RAEM e acarretar diversos prejuízos e perigos para o mercado local);
  XXXV. É, para nós, inequívoco que não existe uma manifesta desproporção entre o benefício económico obtido com a prática das infracções consideradas provadas (calculado em MOP 436.434,00, como vimos) e a multa aplicada no valor de MOP 440.000,00;
  XXXVI. Acresce que o grau de desvalor da conduta do infractor e a defesa do interesse público, consubstanciado, entre outras valências, na protecção do sistema financeiro da RAEM e dos consumidores locais, justificam plenamente a aplicação ao infractor da multa no valor de MOP 440.000,00 (quatrocentas e quarenta mil patacas), ao exercer a actividade de concessão de crédito, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem autorização para este efeito, actividade esta que está, por lei, reservada às instituições de crédito.
  
  Nos termos expostos, pugnamos pela concessão de provimento do presente recurso jurisdicional, pedindo ao Tribunal de Segunda Instância que revogue a sentença impugnada, mantendo intocado o acto administrativo objecto do recurso contencioso.

Notificado das alegações, o ora recorrido particular não respondeu.

Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seu douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, não há questões que nos cumpre conhecer ex oficio.

Da simples leitura da sentença ora recorrida, verificamos que a única questão que constitui o objecto do presente recurso consiste em saber se os juros acordados nos diversos contratos de mútuo celebrados entre o particular ora recorrido e os mutuários podem ser atendidos para a graduação da pena pecuniária aplicada.

Para o Exmº Juiz a quo, a acto recorrido não é de manter por erro nos pressupostos de facto, uma vez que a fixação do quantum da pena de multa foi feita com base no benefício económico meramente estimado e não efectivamente obtido pelo infractor, ora recorrido.

Para nós essa questão já se encontra devidamente analisada na pertinente observação feita no douto parecer ora junto pelo Dignº Representante do Ministério Público em sede de vista nesta Instância.

Ai opinou o Dignº Representante do Ministério Público que:
  No recurso jurisdicional em apreço, o Exmo. Senhor SEF solicitou a revogação da sentença do MMº Juiz a quo e a manutenção do despacho identificado no art.1.º da petição, nesse despacho ele determinou “本人行使第181/2019號行政命令授予的權限,同意按建議作出處罰” (vide fls.18 dos autos).
  A sentença em escrutínio, só por si, constata nitidamente que o MMº Juiz a quo julgou procedente o recurso contencioso com único fun-damento de que o supramencionado despacho do Exmo. Senhor SEF eiva do erro nos pressupostos de facto, decorrente da inexistência das provas necessárias à quantificação do benefício económico, determinante para a quantificação da medida concreta da multa que é de $440,000,00 patacas.
*
  Ora, determina o n.º1 do art.128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro aprovado pelo D.L. n.º32/93M: Salvo o disposto nos números seguintes, a pena de multa será fixada entre 10 mil patacas e 5 milhões de patacas. Por seu turno, o n.º3 deste art.128.º dispõe: Quando o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção for superior a metade do limite máximo fixado no n.º1, este poderá ser elevado até ao dobro desse benefício.
  Para os devidos efeitos, subscrevemos a sensata jurisprudência que inculca (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º339/2021): Em face da ausência das regras para a determinação das sanções das infracções administrativas no Decreto-Lei nº52/99M, e nos termos autorizados pelo seu artº 3º/3 do mesmo diploma, é defensável, na matéria da graduação concreta de penas de infracções admi-nistrativas, o recurso aos princípios gerais subjacentes ao critério orientador da determinação da pena de multa adoptado no Capítulo IV (Determinação da pena) do Título III (Consequência Jurídica do facto) da parte geral do Código Penal, à luz dos quais a situação económica do agente do facto deve ser tida como uma das circunstâncias a atender na determinação concreta da pena pe-cuniária e o quantum fixado de sanções não deve representar para o infractor obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoável exigir.
  Em esteira e pela mesma razão, afigura-se-nos que para efeitos da graduação da multa a aplicar, deve ser atendido e valorado o benefício económico derivado da infracção, na medida em que o qual constitui ver-tente da consequência dessa infracção (art.65.º, n.º1, alínea a) do Cód. Penal).
  Convém ter presente que o valor derivado do facto ilícito como consequência da infracção pode valer como uma simples circunstância para a graduação da pena, e pode, não raras vezes, ser dotado de virtude qualificativa – a título meramente exemplificativo, basta olhar o disposto nas alíneas a) do n.º1 e a) do n.º2 do art.198.º do Código Penal.
  A estas luzes, colhemos que o benefício económico é relevante não só para o n.º3 do art.128.º supra aludido, mas também para o n.º1 deste normativo – cuja moldura é de dez mil a cinco milhões de patacas! pelo que é legítimo e obrigatório ponderar o benefício económico como resul-tado ou consequência da infracção. Além disso, a finalidade (da sanção) traduzida na prevenção – geral e especial – justifica e até exige que se tenha em devida consideração o benefício económico.
  Bem vista a técnica legislativa, inclinamos a entender que enquanto o sobredito n.º1 prescreve o tipo-base da infracção administrativa, o que o apontado n.º3 estabelece é já o correspondente tipo agravado. E não se esqueça que apenas o n.º3 exige “benefício económico obtido”.
  E na nossa modesta opinião,
  - O apuramento do benefício económico efectivamente “obtido” só é necessário e imprescindível aos casos nos quais a Administração aplica o n.º3 ao infractor, visto que este preceito legal permite que a multa a aplicar possa ser elevada ao dobro do benefício económico “obtido”.
  - Nos restantes casos em que o benefício económico vale apenas como uma circunstância agravante ou atenuante, basta atender todos os lucros estipulados nos contratos de empréstimos ilícitos, sem se exigir o preciso apuramento do benefício económico “obtido” pelo infractor.
  No caso sub judice, a base legal do despacho recorrido consiste no n.º1 do art.128.º e importa frisar que a deliberação n.º019/CA do Conselho da Administração da Autoridade Monetária de Macau explicou, com clare-za, que o somatório dos juros derivados dos 17 empréstimos garantidos por hipotecas é cerca de $436,434,00 patacas, e as razões subjacentes à multa aplicada pelo despacho recorrido, sendo de $440,000,00 patacas.
  Nesta ordem de raciocínio e com o elevado respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, afigura-se-nos que não se verifica in casu o erro nos pressupostos de facto assacado pelo MM.º Juiz a quo ao despacho contenciosamente impugnado, portanto, a sentença recorrida padece do erro de julgamento e deverá ser revogada.
***
  Por todo o expendido acima, propendemos pelo provimento do pre-sente recurso jurisdicional.

Estamos inteiramente de acordo com este parecer do Ministério Público acima integralmente transcrito, não nos resta outra alternativa melhor do que a de aproveitarmos integralmente esse parecer, convertendo-o na fundamentação do presente recurso para julgar conceder provimento ao presente recurso jurisdicional.


Em conclusão:

Em face da ausência das regras para a determinação das sanções das infracções administrativas no Decreto-Lei nº 52/99M, e nos termos autorizados pelo seu artº 3º/3 do mesmo diploma, é defensável, na matéria da graduação concreta de penas de infracções administrativas, o recurso aos princípios gerais subjacentes ao critério orientador da determinação da pena de multa adoptado no Capítulo IV (Determinação da pena) do Título III (Consequência Jurídica do facto) da parte geral do Código Penal, à luz dos quais os eventuais benefícios que o agente do facto poderia obter, demonstrativos do grau de ilicitude do facto, podem ser tidos como uma das circunstâncias a atender na determinação concreta da pena pecuniária, desde que o quantum concretamente fixado de sanções não deve representar para o infractor obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoável exigir.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e mantendo o acto contenciosamente recorrido.

Custas pelo recorrido, com a taxa de justiça fixada em 12 UC.

Registe e notifique.

* * *
Submetido à discussão e votação, tal projecto não obteve vencimento da maioria do Colectivo, passa o primeiro-adjunto a ser relator deste processo, ao abrigo do disposto no artigo 631º/3 do CPC.
* * *

I - RELATÓRIO
    O Secretário para a Economia e Finanças, Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 20/01/2022, veio, em 24/02/2022, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 106 a 132, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. Foi dado como provado, no âmbito do processo de infracção n.º 020/2020, instaurado pela AMCM, que o Recorrente violou o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º n.º 1 e 122.º n.º 2, alínea b) todos do RJSF, bem como os artigos 2.º, 6.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 15/83/M, de 26 de Fevereiro, por concessão de crédito a terceiros na RAEM, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem estar autorizado para o efeito, no período compreendido entre 28 de Junho a 23 de Outubro de 2019;
     II. Não se verifica uma divergência entre a matéria de facto tida por provada nos autos e a decisão sancionatória, uma vez que a decisão assenta no facto de o Recorrente ter celebrado 17 contratos de mútuo e respectivos actos de registo de hipoteca e declarações de concessão de crédito, como garantia do Recorrente, A;
     III. Os factos dados como provados não se limitam à natureza e tipo de actos praticados ou realizados pelo Recorrente, reportam-se aos documentos cuidadosamente preparados bem como aos registos de hipoteca realizados para o desenvolvimento da actividade de concessão de crédito, declarações de empréstimos, circunstâncias de tempo e lugar, etc., e foram revelados através de meios de prova legais;
     IV. Estamos perante infracções consumadas e de especial gravidade, que afectam seriamente a imagem do sistema financeiro local, o funcionamento do mercado financeiro e, em especial, as actividades das instituições de crédito (como é consabido e se pode constatar pelas estatísticas reveladas ao público pela AMCM, os empréstimos hipotecários constituem uma parte relevante da actividade bancária);
     V. A AMCM efectuou todas as diligências ao seu alcance, que considerou necessárias no âmbito da instrução, tendentes a averiguar todos os factos cujo conhecimento considerou conveniente para a justa e rápida decisão deste procedimento sancionatório;
     VI. O legislador não atribuiu à AMCM o especial ónus de fazer prova de que o dinheiro dos juros foi efectivamente recebido pelo autuado, nem lhe atribuiu competências para realizar essa prova;
     VII. Note-se que a Administração Pública (incluindo a AMCM) não dispõe dos poderes de investigação dos órgãos de polícia criminal e dos tribunais, pelo que lhe seria, na prática, impossível determinar se, como e quando o autuado recebeu efectivamente o dinheiro dos juros. A AMCM não tem instrumentos para fazer em toda a sua extensão o que se usa chamar de “seguir o rasto do dinheiro”;
     VIII. Acresce que não se reputa de essencial fazer prova de que o dinheiro relativo aos juros foi efectivamente recebido pelo autuado para se provar que o autuado concedeu crédito a terceiros, com carácter habitual e intuito lucrativo, e que com isso obteve um determinado benefício económico, e que esse benefício era a razão que presidiu à concessão do crédito;
     IX. É consabido que um direito de crédito é consequentemente o direito a receber juros, traduzindo-se numa vantagem patrimonial em si, sendo contabilizada como activo de per si;
     X. Ora esta vantagem patrimonial entra na esfera jurídica do credor no momento em que o direito de crédito é validamente constituído;
     XI. Assim sendo, para efeitos do disposto no n. 3 do artigo 128.º do RJSF, consideramos, salvo melhor entendimento, que o “benefício económico” é obtido, ou seja, a vantagem patrimonial é adquirida no momento em que o direito de crédito está validamente constituído na esfera jurídica do credor;
     XII. Atendendo às situações em que os empréstimos são garantidos por hipotecas de imóveis, sendo a intenção da concessão destes créditos alcançar um benefício patrimonial, e considerando que o grau de certeza de alcançar este objectivo, que é de quase 100%, atendendo à natureza real da garantia, entendemos que aquando da constituição do direito de crédito, o benefício económico está na prática obtido;
     XIII. O direito de crédito mais não é que, o direito de exigir de outrem a realização de uma prestação de carácter patrimonial, ou seja, suscetível de avaliação em dinheiro;
     XIV. Na verdade, um crédito é um bem, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista económico - e, até, contabilístico. É exactamente por essa razão que, nos balanços, os créditos são inscritos no activo, juntamente com os outros bens, e não no passivo;
     XV. A mera constituição de direitos de crédito (incluindo o direito a juros) constitui sempre um benefício económico para o titular desses direitos, também porque o direito de crédito mais não é que o direito de exigir de outrem a realização de uma prestação de carácter patrimonial, susceptível de avaliação em dinheiro;
     XVI. Os contratos de empréstimo celebrados pelo Recorrente, ao criarem direitos de crédito na sua esfera jurídica, proporcionaram-lhe ipso facto um benefício económico-independentemente de ele ter cobrado ou não esses créditos;
     XVII. Estão tais direitos de crédito provados documentalmente no processo instrutor, não tendo o Recorrente jamais impugnado a autenticidade desses documentos, designadamente em sede do processo de infracção;
     XVIII. O facto de os contratos de empréstimo terem sido realizados perante o notário apenas revela que o Recorrente queria assegurar a legalidade formal dos seus negócios de concessão de crédito. Acresce que a realização isolada ou não habitual de contratos de mútuo está conforme com a lei, o que a viola é a celebração habitual e com intuito lucrativo deste tipo de acordos. Estes contratos, acompanhados do registo de hipoteca são verdadeiros títulos executivos;
     XIX. A lei estabelece uma relação entre o benefício económico obtido pelo infractor e o montante da multa, de forma a garantir o efeito dissuasor desta, evitando que os infractores encarem a sanção meramente como um custo, suportável (art. 128.º do RJSF);
     XX. Para se concluir que o “benefício económico” não foi o factor determinante, nem tão pouco o principal, para a graduação da multa, basta atentar nos números 3 e 4 da Parte III da Deliberação n.º 019/CA, de 7.01.2021, do Conselho de Administração da AMCM, que contém os fundamentos do acto recorrido;
     XXI. Para além do “benefício económico” foram ponderados, para a fixação da multa em causa, o facto de o autuado ser primário, o seu grau de culpa, o facto de estarmos perante infracções de especial gravidade (elevado grau de ilicitude) e os prejuízos e os perigos que resultam para o sistema financeiro e para o público, deste tipo de actividades ilícitas, sem adequados mecanismos de controlo e supervisão;
     XXII. Note-se que a contrario, à luz do n.º 1 do artigo 130.º do RJSF, os prejuízos causados para o sistema monetário-financeiro ou para a economia da RAEM, constituem, também, um importante factor a ter em conta na fixação das multas por infracções ao RJSF;
     XXIII. O elevado risco para os consumidores do exercício destas actividades, sem autorização, supervisão e controlo, traduz-se, fundamentalmente, na exposição a que estes ficam sujeitos a criminalidade económico-financeira, mormente a burlas e a branqueamento de capitais;
     XXIV. A graduação das multas administrativas é um acto discricionário, como já foi reconhecido pelo TUI e pelo TSI;
     XXV. Em recurso contencioso, o tribunal não pode sindicar o exercício de poderes discricionários excepto nos casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade;
     XXVI. Por outro lado, o artigo 45.º do CP não é aplicável às infracções administrativas, nem directamente, nem por analogia;
     XXVII. Não são aplicáveis directamente, porque o legislador, no RGIA, não os incluiu entre os preceitos do CP aplicáveis, ex vi artigo 9.º e n.º 3 do artigo 3.º do RGIA;
     XXVIII. E não é aplicável por analogia por não haver lacuna a preencher;
     XXIX. Efectivamente, é muito diferente aquilo que está em causa no Direito Penal e aquilo que está em causa no Direito Administrativo;
     XXX. A medida concreta da multa administrativa difere, na sua natureza e na sua finalidade, da multa aplicada em sede penal;
     XXXI. Assim, a sentença recorrida errou ao socorrer-se de normas do direito penal para julgar que a multa aplicada pelo SEF possa ser excessiva;
     XXXII. Acresce que existem limites e constrangimentos à acção administrativa que não se verificam na acção dos tribunais e das autoridades policiais, em sede penal, designadamente no que se refere aos poderes e aos instrumentos de investigação para determinar a capacidade económica do infractor;
     XXXIII. Cremos que caberia, em primeiro lugar, ao infractor, à luz do artigo 87.º, n.º 1 (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 3.º do RGIA) alegar e provar a sua situação económica, o que não logrou fazer;
     XXXIV. No caso concreto, o montante da multa aplicada não é excessivo, tendo em atenção que a sanção aplicada constitui o meio idóneo para a Administração alcançar os seus objectivos, que consistem, fundamentalmente, na repressão das práticas ilegais (que causam danos ao sistema financeiro da RAEM), em imperativos de prevenção especial (dissuadir o infractor de praticar, novamente, este tipo de infracções) e de prevenção geral (alertar o público e o mercado para o facto de o exercício destas actividades, sem autorização, não ser tolerado na RAEM e acarretar diversos prejuízos e perigos para o mercado local);
     XXXV. É, para nós, inequívoco que não existe uma manifesta desproporção entre o benefício económico obtido com a prática das infracções consideradas provadas (calculado em MOP 436.434,00, como vimos) e a multa aplicada no valor de MOP 440.000,00;
     XXXVI. Acresce que o grau de desvalor da conduta do infractor e a defesa do interesse público, consubstanciado, entre outras valências, na protecção do sistema financeiro da RAEM e dos consumidores locais, justificam plenamente a aplicação ao infractor da multa no valor de MOP 440.000,00 (quatrocentas e quarenta mil patacas), ao exercer a actividade de concessão de crédito, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem autorização para este efeito, actividade esta que está, por lei, reservada às instituições de crédito.
*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 142 e 143, pugnando pelo provimento do presente recurso jurisdicional.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS:
    São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
    São os constantes do projecto do acórdão vencido.

* * *
IV – FUNDAMENTOS
    Ora, a situação julgada neste processo é muito semelhante (senão idêntica, em termos factos imputados) à decidida no Proc. nº 357/2022, cujo acórdão foi por nós proferido em 08/09/2022, sendo ambos recurso jurisdicionais interpostos para este TSI contra as decisões proferida pelo TA.
    No Proc. nº 357/2022, cuja decisão foi tomada com base no douto parecer do Magistrado do MP junto deste TSI, foram tecidas as seguintes doutas considerações que merecemos a nossa inteira concordância:
    
     “(...)
     1.
     (…) interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Economia e Finanças que lhe aplicou a multa de 700 000 patacas e a sanção acessória de publicitação da multa aplicada pela prática da infracção de exercício não autorizado da actividade de concessão de crédito.
     Por douta sentença do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 36 a 42 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto impugnado.
     Inconformado com a dita sentença, veio o Secretário para a Economia e Finanças interpor o presente recurso jurisdicional, pugnando pela respectiva revogação.
     
     2.
     Parece-nos, salvo o devido respeito, que a douta sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que o Recorrente lhe imputa.
     As razões deste nosso modesto entendimento, que coincidem, no essencial, com aquelas que serviram de fundamento à decisão a quo, enunciam-se em termos breves.
     A questão está em saber o que deve entender-se por «benefício obtido» com a prática da infracção.
     A decisão punitiva que foi objecto de impugnação contenciosa considerou que, no caso, o benefício económico correspondia aos juros remuneratórios convencionados.
     Por seu turno, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo considerou que o montante do benefício obtido corresponde aos juros efectivamente recebidos pelo mutuante e não os juros estimados em função do que foi contratualmente acordado.
     O Recorrente, nas doutas alegações do recurso jurisdicional, contrariando o entendimento da sentença recorrida, sustenta que, aquilo releva, na perspectiva do benefício económico obtido, não é o vencimento do crédito e muito menos a sua cobrança, mas, antes, a sua constituição. E, no caso, os contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso ao estipular juros a seu favor, provam a constituição de direitos de crédito e, portanto, a obtenção de um benefício económico.
     Vejamos.
     Não nos custa a aceitar, em geral, o entendimento do Recorrente quanto à natureza dos créditos, incluindo os créditos de juros, enquanto coisas que integram, do lado activo, o património do credor.
     Todavia, no caso em apreço, colocadas as coisas no estrito plano jurídico, que é aquele em que a questão é colocada pelo Recorrente, e não no plano dos factos, a verdade é que, no caso, dos contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso não resultou a constituição no seu património de qualquer crédito de juros pela simples razão de que tais contratos estão, parece-nos, feridos de nulidade por ser isso o que resulta do disposto no artigo 287.º do Código Civil, de acordo com o qual, «os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei». Ora, no caso, os contratos de mútuo foram celebrados contra disposições imperativas, precisamente as contidas nos artigos 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, advindo daí a assinalada nulidade.
     Donde, serem os ditos contratos de mútuo desprovidos de outra força jurísgena que não seja a de fundar pretensões restitutivas ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil. Em todo o caso, não se chegou a radicar na esfera jurídica do recorrente contencioso um direito de crédito corresponde aos juros acordados e, portanto, nessa perspectiva, não será juridicamente rigoroso afirmar que, com a celebração dos ditos contratos de mútuo, o activo do seu património sofreu um incremento na medida correspondente aos ditos juros. Daí que, salvo o devido respeito, também se não possa dizer que tais juros sejam a expressão e a medida do benefício económico obtido pelo infractor.
     Estamos em crer que apenas na hipótese de ter havido uma efectiva percepção de juros por parte do infractor é que a multa concretamente a aplicar os deverá ter em devida conta, dessa forma se podendo operar a expropriação do benefício que, no plano dos factos, tenha sido ilicitamente obtido, com desconsideração, mas sem prejuízo, do crédito de natureza restitutiva fundado na norma legal do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil de que o mutuário será titular.
     Com a breve motivação que antecede, somos modestamente a entender que a decisão recorrida não deve ser merecedora de censura.
     
     3.
     Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.”
    Ora, esta douta argumentação acima transcrita vale, mutatis mutandis, para o caso em análise, pois não foram comprovados os elementos-base dos tipos administrativos ilícitos imputados, o que é razão bastante para julgar improcedente o recurso jurisdicional interposto pela Entidade punitiva, confirmando-se assim a sentença recorrida do TA.
*
    Síntese conclusiva:
    I - O exercício das operações de concessão de crédito reservadas às instituições referidas por quaisquer outras pessoas ou entidades que não tenham sido autorizadas para o tal constitui a infracção de especial gravidade prevista no artigo 122.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do RJSF, e por conseguinte está sujeito às sanções cominadas nos artigos 126.º a 128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF), aprovado pelo DL n.º 32/93/M, de 5 de Julho.
    
    II – Do quadro factual assente resulta que foi celebrado um mandato para a celebração dos negócios de mútuo pelo Recorrente em data referida nos autos, sendo conferido ao mandatário o poder de, praticar em nome dele próprio, os actos de gestão do fundo pertencente ao mandante, incluindo os actos de concessão do crédito ou seja a celebração do contrato de mútuo com o terceiro (nos termos descritos na cláusula primeira do contrato), o que permite concluir que se consideram abrangidas as concessões do crédito que o Recorrente iria a realizar mediante a celebração dos contratos de mútuo com os devedores terceiros.
    
    III – No caso, dos contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso não resultou a constituição no seu património de qualquer crédito de juros pela simples razão de que tais contratos estão feridos de nulidade por força do disposto no artigo 287.º do Código Civil, de acordo com o qual, «os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei». Ora, no caso, os contratos de mútuo foram celebrados contra disposições imperativas, precisamente as contidas nos artigos 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do RJSF, advindo daí a assinalada nulidade. Nestes termos, apenas na hipótese de ter havido uma efectiva percepção de juros por parte do infractor é que a multa concretamente a aplicar os deverá ter em devida conta, dessa forma se podendo operar a expropriação do benefício que, no plano dos factos, tenha sido ilicitamente obtido, com desconsideração, mas sem prejuízo, do crédito de natureza restitutiva fundado na norma legal do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil de que o mutuário será titular.
    
    IV - O elevado benefício económico não poderia ter sido considerado como circunstância agravante modificativa da moldura máxima de penas pecuniárias. Para nós, ao mandar atender o tal benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção para a determinação concreta da pena, o que pretende o nosso legislador é, na prática não autorizada de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM, normalmente geradoras de benefícios económicos a favor de infractores e em prejuízos ao sistema económico e financeiro da RAEM, mandar atender o quantum do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção, que reflecte o grau de ilicitude dos factos, tudo isto depende da prova concretamente produzida a cargo da entidade com poder punitivo.

*
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
*
    Sem custa por isenção subjectiva.
*
    Notifique e Registe.
*
RAEM, 28 de Setembro de 2022.

_________________________ _________________________
Fong Man Chong Mai Man Ieng
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
Lai Kin Hong
(Vencido nos termos do projecto do Acórdão por mim apresentado à conferência.)
26
2022-356-Multa-AMCM-infracção-financeira