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Processo nº 378/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 28 de Setembro de 2022

Recorrente : Secretário para a Economia e Finanças

Recorrido : A

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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

Nota preliminar:
Foi apresentado pelo Exmo. Juíz Relator o projecto do acórdão deste processo com o seguinte teor:

Processo nº 378/2022


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

A, devidamente id. nos autos, tendo sido notificado do despacho do Secretário para a Economia e Finanças exarado na proposta nº 217/2020-CA da AMCM, que lhe aplicou a pena de multa única no valor de MOP$170.000,00, pela prática, não autorizada, de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM nos termos do «Regime Jurídico do Sistema Financeiro», interpôs o recurso contencioso de anulação para o Tribunal Administrativo.

Devidamente tramitado no Tribunal Administrativo, veio a ser proferida a seguinte sentença julgando procedente o recurso de anulação, anulando o acto sancionatório recorrido:
  I. Relatório
  Recorrente A, melhor id. nos autos,
  interpôs o presente recurso contencioso administrativo contra
  Entidade Recorrida Secretário para a Economia e Finanças, que, pelo Despacho exarado na proposta n.º 217/2020-CA, de 24/11/2020, lhe determinou a aplicação de uma multa única de MOP 170,000.00, bem como a sanção acessória de publicitação da multa aplicada.
  Alegou o Recorrente, com os fundamentos de fls. 2 a 6v dos autos, em síntese:
  - a violação dos princípios de legalidade, proporcionalidade e adequação.
  Concluiu, pedindo a anulação do acto recorrido.
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  A Entidade recorrida apresentou a contestação a fls. 30 a 47 dos autos, em que se pugnou pela legalidade do acto recorrido e a consequente improcedência do recurso contencioso.
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  Nenhuma das partes apresentou as alegações facultativas.
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  O digno Magistrado do M.ºP.º emitiu, a fls. 53 a 56 dos autos, o douto parecer em que se promoveu a improcedência do presente recurso, cujo teor se transcreve no seguinte:
  “司法上訴人A針對被訴實體經濟財政司司長於2020年11月24日作出的處罰決定提起是次司法上訴,被訴行為是基於被訴實體認定司法上訴人違反《金融體系法律制度》第2條第1款、第17條第1款b項、第19條第1款及第122條第2款b項,以及第15/83/M號法令第2條、第6條及第13條規定,因此科處司法上訴人澳門幣170,000元罰款。
  司法上訴人不服,主張被訴行為存在違反合法性原則、調查原則及適度原則的瑕疵。
  *
  對此,我們的意見如下:
  關於司法上訴人主張的合法性原則的問題,司法上訴人主要是提出其被處罰的活動屬於一般的消費借貸行為,沒有以慣常及營利方式向第三人批給貸款以賺取利潤,不構成違反《金融體系法律制度》第2條第1款、第17條第1款b項、第19條第1款及第122條第2款b項規定的情況。
  司法上訴人實質上是質疑被訴行為存在解釋及適用法律錯誤的瑕疵。
  根據《金融體系法律制度》的有關規定:
  “第二條
  (金融活動之從事)
  一、符合規範而設立且根據本法規或特別法例規定獲許可之金融機構,方可從事金融活動,該活動包括以營利及慣常方式從事第十七條第一款a至i項所指之經營活動,但不影響第十六條及第一百一十七條規定之適用。
  (…)
  第十五條
  (範圍)
  信用機構為:
  a)銀行;
  b)儲金局;
  c)法律上歸類為相當於第一條b項規定之信用機構之其他公司。
  第十七條
  (准許之經營活動)
  一、銀行可從事下列經營活動:
  a)接受存款或其他應償還之款項;
  b)批給貸款,包括提供擔保及其他承諾、融資租賃及承購應收帳款;
  (…)
  第一百二十二條
  (輕微違反)
  一、根據本章之規定,所有違反本法規之規定及載於AMCM通告或傳閱文件內之規章性規定、干擾信用體系或歪曲貨幣、金融及外滙市場運作之正常條件等行為,均構成可處罰之輕微違反。
  二、下列做法或行為構成特別嚴重之違法行為:
  a)受監管之機構從事未包括在有關所營事業內之任何業務,及從事未經許可之經營活動或特別禁止該機構進行之經營活動;
  b)任何人士或實體未經許可而從事上項所指機構之專有經營活動;
  (…)”
  
  根據上述條文,概括而言,只有依法成立及許可的金融機構或信用機構才可以營利及慣常方式從事《金融體系法律制度》規範的經營活動,包括批給貸款。
  事實上,金融機構或信用機構向他人作出的批給貸款,在法律性質上無異於《民法典》規定的消費借貸合同;正如葡萄牙最高法院指出:“A apresentação, por um indivíduo, de uma proposta de concessão de crédito, a uma entidade bancária, a sua aceitação, por parte desta, e o subsequente crédito efectuado na conta daquele constituem a celebração de um contrato de mútuo (art. 1142.º do CC) (STJ, 20-10-1998: BMJ, 480.º-456)” --- 引用Abílio Neto, C.C. anotado, 17.ª ed., EDIFORUM, p. 994。換言之,主張司法上訴人的行為單純屬於複數的消費借貸行為無助於推翻被訴行為的依據。上述法律制度正好就是處罰未獲許可而以營利及慣常方式從事的消費借貸活動。
  那麼,問題只在於被訴實體是否已有足夠的事實情節證明司法上訴人以營利及慣常方式從事向他人作出消費借貸。
  按照行政卷宗資料及被訴行為的描述,司法上訴人於2019年1月至12月期間在澳門向11名借款人借出12筆借款,總金額約達澳門幣750,000元,每宗借貸的金額由港幣20,000元至澳門幣250,000元不等,在相關借貸交易所採用和訂定的年利率為24%,其中一宗的年利率為5%,司法上訴人都會與借款人簽署借據,借據都會到公證署對簽名進行當場認定,雖然其中一份借據的簽名不是司法上訴人,但文件上註明的債權人又是司法上訴人,這反而可以反映出,司法上訴人與有關人士使用格式及條款基本上完全一致的借據文件,尤其是債權人的身份資料、借款期限皆為1年、並且要求借款人簽署本票作為擔保等等,顯示司法上訴人從事的活動似乎並非單純是其個人所為。
  除有更好理解之外,我們認為,上述情節已經足夠顯示司法上訴人以相當穩定及慣常的模式從事向他人提供消費借貸的活動,並借此獲取利益;申言之,已有足夠事實依據認定司法上訴人在未得行政當局許可下,以營利及慣常方式從事只能由受監管之機構經營的向他人作出消費借貸的活動,違反了《金融體系法律制度》第2條第1款、第17條第1款b項、第19條第1款及第122條第2款b項的規定。
  至於司法上訴人提及的諸如沒有主動招攬借貸及只是幫助朋友的解釋,一方面司法上訴人沒有提供任何證據證明,另一方面相關理由即使存在亦無礙於證實司法上訴人以營利及慣常方式從事上述消費借貸活動的事實,因此對質疑被訴行為不具重要性。
  故此,我們認為被訴行為不存在上述違法瑕疵。
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  關於調查不足的指控,司法上訴人主張被訴實體未有針對其在起訴狀提出的事宜進行調查,亦未有就其中一份並非由司法上訴人簽署的借據進行調查,違反《行政程序法典》第86條第1款的規定。
  根據《行政程序法典》第86條第1款規定:“如知悉某些事實有助於對程序作出公正及迅速之決定,則有權限之機關應設法調查所有此等事實;為調查該等事實,得使用法律容許之一切證據方法。” 簡而言之,行政當局的調查義務是為着調查那些有助於作出公正及迅速之決定的事實情節,而不是利害關係人自己認為有用的所有調查措施。
  另外,《行政程序法典》第87條第1款亦規定,利害關係人負證明其陳述之事實之責任。
  事實上,司法上訴人無論在行政程序還是司法上訴程序都沒有提供任何證據證明其主張的事實情節,相反,按照行政卷宗現有的材料,已充分足夠認定司法上訴人以營利及慣常方式從事上述消費借貸活動;至於司法上訴人提及的諸如相關借貸是否司法上訴人主動或被動招攬、是否如銀行般審批借款人的還款能力、債款人的還款情況等問題,即使如司法上訴人所主張的狀況獲得證實,亦明顯與證明司法上訴人是否以營利及慣常方式從事上述消費借貸活動的事實沒有必然關聯,另外,就算剔除司法上訴人提及的並非由其簽署的一份借據,亦不見得足以推翻被訴行為對司法上訴人從事的上述消費借貸活動屬於以慣常方式作出的認定,因為不可能因此而忽略其餘11份借據的存在,亦不可能就此忽略司法上訴人每項借貸行為的相似程度等因素。
  由於司法上訴人主張的調查措施並非法律強制必須作出,亦不足以導致被訴行為產生諸如事實前提錯誤的瑕疵,即司法上訴人主張的違法問題不能成立。
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  最後,關於適度原則的問題,司法上訴人主要是主張自己沒有實際收取利息,因此認為被訴行為不能以計算得出的利息金額來訂定罰款金額。
  的確,按照行政卷宗的資料,似乎未有實質證據顯示司法上訴人已經收取了被訴實體估計的利息。然而,從被訴行為的描述可見,被訴行為在訂定罰款的金額時並非僅以司法上訴人提及的利息作為唯一的衡量標準,而是綜合考慮了司法上訴人的過錯程度、不法性程度、不法利益及事實的危害程度等因素。
  而且,按照被訴行為的表述,被訴行為亦並非認定司法上訴人已經收取相關利息,而是按照有關借據的條款計算及估計出司法上訴人因上述不法行為可得的利益,此情況並非僅反映司法上訴人可得的不法利息,更重要的是涉及到相關事實所造成的後果的嚴重性,這才是被訴實體在訂定罰款金額時所考慮的因素。
  終審法院一直認為,在行政當局行使自由裁量權的範圍內,如不涉及須透過被限定的決定解決的事宜,則行政當局所作出的決定不受法院審查。在審議行政機關是否遵守適度原則時,只有在行政決定以不能容忍的方式違反該原則的情況下,法官才可介入。只有在行使該權利時出現明顯錯誤或絕對不合理的情況下才構成對法律的違反,且可以受司法審查(終審法院第83/2016號對行政司法裁判的上訴案)。
  我們認為,被訴行為已綜合考慮了卷宗內所有對司法上訴人有利及不利的情節,其訂定出的罰款金額沒有明顯過度或不合理,不構成對適度原則的違反。
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   基於此,建議裁定司法上訴的理由不成立,維持被訴行為。”
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  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
  O processo é o próprio.
  Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
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  II. Fundamentação
  1. Matéria de facto
  Considera-se provada a seguinte factualidade pertinente por elementos constantes dos autos e do processo administrativo:
  - No período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2019, o ora Recorrente subscreveu no total de 11 contratos de empréstimo hipotecário com os terceiros, concedendo-lhes os empréstimos com taxas anuais de juro convencionadas entre 5% e 24% (conforme os docs. juntos a fls. 118 a 130v do P.A.).
  - As actuações acima referidas do Recorrente nunca foram autorizadas pela autoridade financeira.
  - Por ofício n.º 2426/2020-AMCM-DAJ, datado de 8/5/2020, foi o Recorrente notificado para apresentar a defesa escrita quanto à infracção imputada, tendo o mesmo optado por manter o silêncio (cfr. o doc. junto a fls. 83 a 87v do P.A.).
  - Seguidamente, veio a ser elaborado o Relatório Final n.º 143/2020-DAJ, que foi por ofício n.º 5731/2020-AMCM-DAJ, de 11/9/2020, enviada ao Recorrente a cópia do dito relatório final, para se pronunciar no prazo de 10 dias, tendo o mesmo optado por manter o silêncio (conforme o doc. junto a fls. 50 a 60 do P.A.).
  - Foi elaborada a deliberação do Conselho de Administração da AMCM no sentido de propor ao Recorrente a determinação da aplicação da multa no montante de MOP 170,000.00, pela prática não autorizada da concessão de crédito a terceiros na RAEM, com carácter habitual e intuito lucrativo, no período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2019 (conforme o doc. junto a fls. 21 a 28v do P.A.).
  - A proposta acima referida mereceu o despacho da concordância da Entidade recorrida exarada na proposta n.º 217/2020-CA, de 10/11/2020 (idem).
  - Em 4/1/2021, o ora Recorrente apresentou o presente recurso contencioso da dita decisão para o Tribunal de Segunda Instância.
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  2. Matéria de direito
  Do que se trata aqui é da sanção administrativa aplicada nos termos previstos no Regime Jurídico do Sistema Financeiro (doravante designado por RJSF), aprovado pelo DL n.º 32/93/M, de 5 de Julho, pelo exercício não autorizado da actividade da concessão de créditos, a que se refere nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) desse Regime.
  
  As operações de concessão de crédito encontram-se reguladas pelo artigo 17.º, n.º 1, alínea b) do RJSF, nos termos do qual “Os bancos podem efectuar as seguintes operações:…b) Concessão de crédito, incluindo a prestação de garantias e outros compromissos, locação financeira e factoring; …”, ao passo que se exige, no disposto do artigo 2.º, n.º 1 do Regime, que apenas as instituições financeiras regularmente constituídas e autorizadas estejam habilitadas a exercer as operações de concessão de crédito referidas no citado preceito legal, de modo habitual e com intuito lucrativo. Trata-se das instituições financeiras, designadamente, as de crédito (os bancos, a Caixa Económica Postal, outras sociedades que também desenvolvem a actividade prevista no artigo 1.º, alínea b) do Regime – a que se refere o artigo 15.º), cujo acesso à actividade depende da prévia autorização nos termos do disposto no artigo 19.º do Regime.
  
  Assim sendo, o exercício das operações de concessão de crédito reservadas às instituições acima referidas por quaisquer outras pessoas ou entidades que não tenham sido autorizadas para o tal constitui a infracção de especial gravidade prevista no artigo 122.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do RJSF, e por conseguinte, está sujeito à aplicação das sanções cominadas nos artigos 126.º a 128.º do Regime. É de reter que como já vimos, o que se encontram especificamente reguladas, e por isso, reservadas às instituições especialmente autorizadas são actividades de operação financeira que envolvam o carácter de exercício habitual e com intuito lucrativo. Ficam fora disso, como por exemplo, uma actuação de concessão do empréstimo ocasional ou isolada, ou sem intenção de enriquecer com a prática do acto.
  
  O que se aborda aqui é a operação da concessão de crédito na modalidade de contrato de mútuo, previsto na norma dos artigos 1070.º e ss do CCM, que é caracterizado como “o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, fincado a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
  
  Diante disso, as impugnações que o ora Recorrente vem deduzir encontram-se assentes sobre os seguintes aspectos:
  - a falta da habitualidade nas actuações que lhe foram imputadas – o que se verificava é apenas a pluralidade do acto de concessão de crédito, ocasionalmente realizado, em favor dos seus amigos em especial (conforme se alega nos artigos 8.º a 18.º da petição inicial);
  - a inexistência das provas suficientes de que o ora Recorrente tenha praticado a infracção imputada nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do RJSF (conforme se alega nos artigos 19.º a 27.º da petição inicial);
  - a falta da base probatória que permita a fixação do montante do benefício económico no valor de MOP 162,259.00, determinante da aplicação da multa no valor de MOP 170,000.00 (conforme se alega nos artigos 28.º a 31.º da petição inicial).
  
  Quanto ao primeiro ponto, diríamos que o carácter habitual da actividade desenvolvida pelo Recorrente é evidente.
  
  De acordo com o enunciado dos factos provados com base nos documentos juntos a fls. 118 a 130v do processo administrativo, no período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2019, foram realizadas, reiteradamente, no total de 12 operações de concessão de crédito, com a estipulação das cláusulas contratuais de modelo uniformizado.
  
  O que é interessante na tese do Recorrente é que as actividades não foram destinadas indiscriminadamente a quem quer que seja, ou, aos sujeitos indeterminados (ao contrário do que sucedeu com os serviços facultados ao público pelas instituições bancárias), mas ao elenco das pessoas determinadas – os amigos ou as pessoas que lhe foram apresentados por estes. Ao que nos parece, se assim o entender, deve ser o Recorrente próprio que faz prova disso, a fim de mostrar que as operações sempre foram desenroladas entre as pessoas determinadas, o que o mesmo não logrou fazer.
  
  Aliás, alegar como alegou não conceder os créditos senão aos seus amigos, é oferecer essencialmente uma defesa ineficaz, uma vez que o âmbito de “amigos” se apresenta muitas vezes sem qualquer contorno preciso. Tal tese não adianta nada para aferir a “determinabilidade” dos destinatários a quem as concessões se tivessem dirigido. (A situação seria bem diferente se alegar quem tenha contraído os empréstimos junto dele são os seus familiares, caso em que se pudesse afastar a habitualidade da actividade).
  
  Daí, estamos perante o exercício da actividade de concessão de créditos não meramente esporádico, mas que se traduz na prática repetida da conduta, no determinado tempo estável e com a natureza habitual.
  
  Nestes termos, improcede o recurso nesta parte.
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  Quanto ao segundo ponto assinalado, o essencial consiste no argumento de que não foram apurados os factos concretos atinentes (e.g. se o Recorrente propôs conceder crédito? se angariou os devedores? se levou em consideração a situação financeira dos devedores antes da concessão?) a cada operação imputada, sendo estas nada mais do que uns favores feitos pelo Recorrente aos amigos. Além disso, um dos contratos de mútuo foi outorgado por outro indivíduo B (conforme junto a fls. 124 e v dos processo administrativo), e não o próprio Recorrente.
  
  Já vimos anteriormente que o facto de serem os empréstimos apenas concedidos em favor dos amigos não é muito relevante. E cremos, do que constava do processo administrativo é bastante para a qualificação das condutas do Recorrente como infracção administrativa prevista nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do RJSF.
  
  Aliás, a circunstância de que um desses contratos de mútuo fora celebrado por uma outra pessoa que o ora Recorrente não afasta a qualificação relativamente às outras operações em que este efectivamente intervinha. (Além disso, não foi dado como facto assente a actuação realizada nesta parte, sendo apenas comprovada a celebração pelo Recorrente dos 11 contratos de mútuo, e não 12, conforme indicado pelo acto recorrido).
  
  Improcede o recurso também nesta parte.
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  Vejamos a terceira questão colocada. Para o ora Recorrente, inexiste nenhuma prova sobre a recepção efectiva dos juros convencionados nos contratos, pelo contrário, o mesmo tinha declarado à autoridade financeira que na realidade, não cobrou nenhuma quantia de juro pelos empréstimos concedidos.
  
  Salvo a melhor opinião, consideramos que a fixação do quantitativo do benefício económico resultante das 12 transacções, no valor total de MOP 162,259.00 se encontrava destituída da base probatória.
  
  Não será difícil inferir que o cálculo do benefício económico apoia-se, basicamente, nos elementos constantes dos contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente: o valor do capital de cada empréstimo, e respectivo montante total, os juros remuneratórios contratualmente convencionados. No entanto, não nos parece que com tais elementos recolhidos sejam possível fixar o montante de benefício económico obtido através da infracção imputada ao Recorrente.
  
  A este propósito, já tínhamos várias ocasiões de questionar a legitimação na fixação do quantum da multa com base em tal parâmetro de “benefício económico”, na medida em que a multa aplicada era por referência preponderante ao montante daquele benefício, que na essência, não funcionava apenas como um dos parâmetros a ponderar na quantificação, e que o interessado mesmo previamente notificado, poderia não ter contado com a relevância primordial que a Recorrida venha a atribuir a este factor na tomada da decisão final. Apesar de tudo, esta questão não deixa de ser relativizada, tendo em consideração o elucidado no douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 1040/2020, de 21/1/2021, nos seguintes termos:
  “Dado preceituado no nº 3, é evidente que o elevado benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção é tido pelo nosso legislador como uma das circunstâncias a atender na determinação da medida concreta das sanções administrativas dos factos punidos nos termos do «Regime Jurídico do Sistema Financeiro».
  Pois, de outro modo, o elevado benefício económico não poderia ter sido considerado como circunstância agravante modificativa da moldura máxima de penas pecuniárias. Para nós, ao mandar atender o tal benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção para a determinação concreta da pena, o que pretende o nosso legislador é, na prática não autorizada de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM, normalmente geradoras de benefícios económicos a favor de infractores e em prejuízos ao sistema económico e financeiro da RAEM, mandar atender o quantum do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção, que reflecte o grau de ilicitude dos factos, o que não tem nada a ver com o instituto de confisco.”
  
  Ou seja, o que está em discussão não seria mais do que um dos elementos a atender na fixação da medida da multa (ao contrário do que parece sugerir a letra da norma do artigo 128.º, n.º 3 do RJSF, onde se limita a dizer que a moldura poderá ser agravada no seu limite máximo se o benefício económico for superior a metade deste, e não assim o é a medida concreta da sanção) por ser demonstrativo do grau da ilicitude dos factos assim como os outros. Assim sendo, é evidente que a Recorrida se encontra habilitada a socorrer-se daquele parâmetro na fixação da multa.
  
  Resta ver então se o “quantum” assim fixado assenta ou não em bases sólidas (a este respeito, cremos que não estamos a enfrentar a tese de que o exercício do poder discricionário pela Administração na graduação da multa é apenas sindicáveis em caso de erro manifesto ou total desrazoabilidade, porquanto estando aqui em discussão “um erro de facto ou material sobre a subsistência material dos pressuposto de facto”, o que será apto a determinar o uso indevido da discricionariedade por desrespeito do âmbito da norma de competência, sem entramos ainda no domínio da razoabilidade do exercício do poder, que é a questão colocada noutro patamar diferente – veja-se, neste sentido., Pedro Costa Gonçalves, Manual de Direito Administrativo, vol.1, Almedina, pp. 238 a 239).
  
  Repare-se, a expressão utilizada pela norma legal do artigo 128.º, n.º 3 do RJSF foi “o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção”. Como é consabido por quem saiba algo da gramática portuguesa, o particípio passado – “obtido” – que aqui se utiliza tem uma função de adjectivar o substantivo que o antecede “benefício económico” e implica, assim como qualquer outro particípio passado que a actuação (de obter o benefício económico) está finalizada ou concluída no tempo pretérito.
  
  Dito por outra forma, o montante do benefício económico apto a influir na agravação da multa deveria ser aquele que o infractor tenha efectivamente recebido no passado, e não aquele que o mesmo poderá receber. Outrossim, a expressão que se emprega na redacção da norma legal deveria ser “o benefício económico a obter”– ao contrário do entendimento do Recorrido vertido na contestação, nos artigos 52.º a 55.º.
  
  No nosso caso, os elementos que se encontram na posse da Autoridade financeira possibilitam quanto muito o cálculo de lucros estimados que se espera render mediante a conclusão dos empréstimos. Inexiste prova de que o ora Recorrente tenha recebido o benefício económico naquele montante, o que nos parece ser fundamental se tendo em consideração todas as vicissitudes a ocorrer posteriormente à conclusão dos ditos negócios, que pudessem vir a frustrar a expectativa que o mutuante sempre tinha na recuperação atempada dos empréstimos concedidos junto dos devedores mutuários. Se assim for, a aplicação da multa com quantitativo na medida do montante dos benefícios económicos necessariamente cairá por base, já que o ganho dos lucros esperados poderia nem chegar a ser concretizado.
  
  Aliás, tratando-se de uma circunstância típica agravante da moldura sancionatória conforme se prevê no artigo 128.º, n.º 3 do RJSF (“Quando o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção for superior a metade do limite máximo fixado no n.º 1, este poderá ser elevado até ao dobro desse benefício”), entendemos que o seu preenchimento não se pode ter por verificado por qualquer maneira indiferente, exigindo, antes de mais, provas firmes para demonstrar a sustentabilidade da sanção aplicada. E o ónus de prova compete à administração que pretenda impor ao interessado a sanção quantificada com base no critério de benefício económico que ela própria invocou.
  
  Não diríamos que o cálculo do montante nunca devesse ser feito de uma forma presuntiva ou estimativa, mas ao menos, ao que nos parece, que deveria ter-se reunido todos os elementos constitutivos que favoreçam a conclusão de que o interessado obteve o benefício naquela quantidade esperada. Agora a simples existência da convenção dos juros que terão ser cobrados pelas concessões dos empréstimos está longe de satisfazer as exigências probatórias ao ponto de poder dar-se como assente o valor do benefício económico obtido pelo Recorrente.
  
  Nestes termos, o acto recorrido é anulado pelo erro no pressuposto de facto, em detrimento do princípio da legalidade, o que decorre da inexistência das provas necessárias à quantificação do benefício económico, determinante para quantificação da medida concreta da multa.
  
  Uma vez que não há elementos suficientes (o montante devidamente apurado do benefício económico, e a situação económica real do infractor a atender nos termos do artigo 45.º, n.º 2 do CPM) para a determinação oficiosa da sanção aplicável ao Recorrente, ainda que entendemos que o mesmo deva ser condenado, é dispensado o cumprimento do artigo 118.º, n.º 2 do CPAC.
  
  Resta decidir.
  
  IV. Decisão
  Assim, pelo exposto, decide-se:
  Julgar procedente o presente recurso contencioso, com a anulação do acto recorrido.
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  Sem custas pela Entidade recorrida, por ser subjectivamente isenta.
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  Registe e notifique.

Notificada da sentença e inconformada com ela, a entidade administrativa interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal de Segunda Instância, formulando as conclusões e o pedido nos termos seguintes:
  I. Foi dado como provado, no âmbito do processo de infracção n.º 015/2020, instaurado pela AMCM, que o Recorrente violou o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º n.º 1 e 122.º n.º 2, alínea b) todos do RJSF, bem como os artigos 2.º, 6.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 15/83/M, de 26 de Fevereiro, por concessão de crédito a terceiros na RAEM, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem estar autorizado para o efeito, no período compreendido entre Janeiro a Dezembro de 2019;
  II. Não se verifica uma divergência entre a matéria de facto tida por provada nos
  autos e a decisão sancionatória, uma vez que a decisão assenta no facto de o Recorrente ter celebrado 12 contratos de mútuo com 11 creditados, tendo estes que assinar uma livrança com o valor equivalente do empréstimo, como garantia do Recorrente, A;
  III. Os factos dados como provados não se limitam à natureza e tipo de actos praticados ou realizados pelo Recorrente, reportam-se aos documentos cuidadosamente preparados, designadamente contratos de mútuo acompanhados da assinatura de livranças com o valor equivalente do empréstimo, como garantia do autuado, circunstâncias de tempo e lugar, etc., e foram revelados através de meios de prova legais;
  IV. Estamos perante infracções consumadas e de especial gravidade, que afectam seriamente a imagem do sistema financeiro local, o funcionamento do mercado financeiro e, em especial, as actividades das instituições de crédito;
  V. A AMCM efectuou todas as diligências ao seu alcance, que considerou necessárias no âmbito da instrução, tendentes a averiguar todos os factos cujo conhecimento considerou conveniente para a justa e rápida decisão deste procedimento sancionatório;
  VI. O legislador não atribuiu à AMCM o especial ónus de fazer prova de que o dinheiro dos juros foi efectivamente recebido pelo autuado, nem lhe atribuiu competências para realizar essa prova;
  VII. Note-se que a Administração Pública (incluindo a AMCM) não dispõe dos poderes de investigação dos órgãos de polícia criminal e dos tribunais, pelo que lhe seria, na prática, impossível determinar se, como e quando o autuado recebeu efectivamente o dinheiro dos juros. A AMCM não tem instrumentos para fazer em toda a sua extensão o que se usa chamar de “seguir o rasto do dinheiro”;
  VIII. Acresce que não se reputa de essencial fazer prova de que o dinheiro relativo aos juros foi efectivamente recebido pelo autuado para se provar que o autuado concedeu crédito a terceiros, com carácter habitual e intuito lucrativo, e que com isso obteve um determinado benefício económico, e que esse benefício era a razão que presidiu à concessão do crédito;
  IX. É consabido que um direito de crédito é consequentemente o direito a receber juros, traduzindo-se numa vantagem patrimonial em si, sendo contabilizada como activo de per si;
  X. Ora esta vantagem patrimonial entra na esfera jurídica do credor no momento em que o direito de crédito é validamente constituído;
  XI. Assim sendo, para efeitos do disposto no n. 3 do artigo 128.º do RJSF, consideramos, salvo melhor entendimento, que o “benefício económico” é obtido, ou seja, a vantagem patrimonial é adquirida no momento em que o direito de crédito está validamente constituído na esfera jurídica do credor;
  XII. Atendendo às situações em que os empréstimos são garantidos por livranças, sendo a intenção da concessão destes créditos alcançar um benefício patrimonial, e considerando que o grau de certeza de alcançar este objectivo, que é de quase 100%, atendendo à natureza real da garantia, entendemos que aquando da constituição do direito de crédito, o benefício económico está na prática obtido;
  XIII. A livrança é um título executivo, que permite ao seu titular, em caso de incumprimento do pagamento da dívida, intentar uma acção executiva e promover assim a cobrança coerciva do seu crédito, através da penhora dos seus bens e/ou dos rendimentos do devedor.
  XIV. O direito de crédito mais não é que, o direito de exigir de outrem a realização de uma prestação de carácter patrimonial, ou seja, suscetível de avaliação em dinheiro;
  XV. Na verdade, um crédito é um bem, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista económico - e, até, contabilístico. É exactamente por essa razão que, nos balanços, os créditos são inscritos no activo, juntamente com os outros bens, e não no passivo;
  XVI. A mera constituição de direitos de crédito (incluindo o direito a juros) constitui sempre um benefício económico para o titular desses direitos, também porque o direito de crédito mais não é que o direito de exigir de outrem a realização de uma prestação de carácter patrimonial, susceptível de avaliação em dinheiro;
  XVII. Os contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente, garantidos por livranças, ao criarem direitos de crédito na sua esfera jurídica, proporcionaram-lhe ipso facto um benefício económico - independentemente de ele ter cobrado ou não esses créditos;
  XVIII. Estão tais direitos de crédito provados documentalmente no processo instrutor, não tendo o Recorrente jamais impugnado a autenticidade desses documentos, designadamente em sede do processo de infracção;
  XIX. O facto de os contratos de mútuo terem sido realizados perante o notário apenas revela que o Recorrente queria assegurar a legalidade formal dos seus negócios de concessão de crédito. Acresce que a realização isolada ou não habitual de contratos de mútuo está conforme com a lei, o que a viola é a celebração habitual e com intuito lucrativo deste tipo de acordos. Estes contratos, acompanhados das respectivas livranças, são verdadeiros títulos executivos;
  XX. A função do título é dar origem à acção executiva, criando para o credor o poder de promover a acção, para o tribunal o dever de execução e para o devedor a sujeição à sanção executiva;
  XXI. A circunstância de o Recorrente não ter procedido à assinatura do contrato de mútuo a fls. 19 a 20 do processo instrutor, tendo alguém celebrado em seu nome, in casu, B, no interesse e por conta do Recorrente, figurando este último como credor, apenas permite registar uma forma “engenhosa” do Recorrente desenvolver as suas actividades de concessão de crédito.
  XXII. A lei estabelece uma relação entre o benefício económico obtido pelo infractor e o montante da multa, de forma a garantir o efeito dissuasor desta, evitando que os infractores encarem a sanção meramente como um custo, suportável (art. 128.º do RJSF);
  XXIII. Para se concluir que o “benefício económico” não foi o factor determinante, nem tão pouco o principal, para a graduação da multa, basta atentar nos números 3 e 4 da Parte III da Deliberação n.º 889/CA, de 29.10.2020, do Conselho de Administração da AMCM, que contém os fundamentos do acto recorrido;
  XXIV. Para além do “benefício económico” foram ponderados, para a fixação da multa em causa, o facto de o autuado ser primário, o seu grau de culpa, o facto de estarmos perante infracções de especial gravidade (elevado grau de ilicitude) e os prejuízos e os perigos que resultam para o sistema financeiro e para o público, deste tipo de actividades ilícitas, sem adequados mecanismos de controlo e supervisão;
  XXV. Note-se que a contrario, à luz do n.º 1 do artigo 130.º do RJSF, os prejuízos causados para o sistema monetário-financeiro ou para a economia da RAEM, constituem, também, um importante factor a ter em conta na fixação das multas por infracções ao RJSF;
  XXVI. O elevado risco para os consumidores do exercício destas actividades, sem autorização, supervisão e controlo, traduz-se, fundamentalmente, na exposição a que estes ficam sujeitos a criminalidade económico-financeira, mormente a burlas e a branqueamento de capitais;
  XXVII. A graduação das multas administrativas é um acto discricionário, como já foi reconhecido pelo TUI e pelo TSI;
  XXVIII. Em recurso contencioso, o tribunal não pode sindicar o exercício de poderes discricionários excepto nos casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade;
  XXIX. Por outro lado, o artigo 45.º do CP não é aplicável às infracções administrativas, nem directamente, nem por analogia;
  XXX. Não são aplicáveis directamente, porque o legislador, no RGIA, não os incluiu entre os preceitos do CP aplicáveis, ex vi artigo 9.º e n.º 3 do artigo 3.º do RGIA;
  XXXI. E não é aplicável por analogia por não haver lacuna a preencher;
  XXXII. Efectivamente, é muito diferente aquilo que está em causa no Direito Penal e aquilo que está em causa no Direito Administrativo;
  XXXIII. A medida concreta da multa administrativa difere, na sua natureza e na sua finalidade, da multa aplicada em sede penal;
  XXXIV. Assim, a sentença recorrida errou ao socorrer-se de normas do direito penal para julgar que a multa aplicada pelo SEF possa ser excessiva;
  XXXV. Acresce que existem limites e constrangimentos à acção administrativa que não se verificam na acção dos tribunais e das autoridades policiais, em sede penal, designadamente no que se refere aos poderes e aos instrumentos de investigação para determinar a capacidade económica do infractor;
  XXXVI. Cremos que caberia, em primeiro lugar, ao infractor, à luz do artigo 87.º, n.º 1 (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 3.º do RGIA) alegar e provar a sua situação económica, o que não logrou fazer;
  XXXVII. No caso concreto, o montante da multa aplicada não é excessivo, tendo em atenção que a sanção aplicada constitui o meio idóneo para a Administração alcançar os seus objectivos, que consistem, fundamentalmente, na repressão das práticas ilegais (que causam danos ao sistema financeiro da RAEM), em imperativos de prevenção especial (dissuadir o infractor de praticar, novamente, este tipo de infracções) e de prevenção geral (alertar o público e o mercado para o facto de o exercício destas actividades, sem autorização, não ser tolerado na RAEM e acarretar diversos prejuízos e perigos para o mercado local);
  XXXVIII. É, para nós, inequívoco que não existe uma manifesta desproporção entre o beneficio económico obtido com a prática das infracções consideradas provadas (calculado em MOP 162.259,00, como vimos) e a multa aplicada no valor de MOP 170.000,00;
  XXXIX. Acresce que o grau de desvalor da conduta do infractor e a defesa do interesse público, consubstanciado, entre outras valências, na protecção do sistema financeiro da RAEM e dos consumidores locais, justificam plenamente a aplicação ao infractor da multa no valor de MOP 170.000,00 (cento e setenta mil patacas), ao exercer a actividade de concessão de crédito, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem autorização para este efeito, actividade esta que está, por lei, reservada às instituições de crédito.
  
  Nos termos expostos, pugnamos pela concessão de provimento do presente recurso jurisdicional, pedindo ao Tribunal de Segunda Instância que revogue a sentença impugnada, mantendo intocado o acto administrativo objecto do recurso contencioso.

Notificado das alegações, o ora recorrido particular não respondeu.

Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seu douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, não há questões que nos cumpre conhecer ex oficio.

Da simples leitura da sentença ora recorrida, verificamos que a única questão que constitui o objecto do presente recurso consiste em saber se os juros acordados nos diversos contratos de mútuo celebrados entre o particular ora recorrido e os mutuários podem ser atendidos para a graduação da pena pecuniária aplicada.

Para o Exmº Juiz a quo, a acto recorrido não é de manter por erro nos pressupostos de facto, uma vez que a fixação do quantum da pena de multa foi feita com base no benefício económico meramente estimado e não efectivamente obtido pelo infractor, ora recorrido.

Para nós essa questão já se encontra devidamente analisada na pertinente observação feita no douto parecer ora junto pelo Dignº Representante do Ministério Público em sede de vista nesta Instância.

Ai opinou o Dignº Representante do Ministério Público que:
  No recurso jurisdicional em apreço, o Exmo. Senhor SEF solicitou a revogação da sentença do MMº Juiz a quo e a manutenção do despacho identificado no art.1.º da petição, nesse despacho ele determinou “本人行使第181/2019號行政命令授予的權限,同意按建議作出處罰” (vide fls.18 dos autos).
  A sentença em escrutínio, só por si, constata nitidamente que o MMº Juiz a quo julgou procedente o recurso contencioso com único fun-damento de que o supramencionado despacho do Exmo. Senhor SEF eiva do erro nos pressupostos de facto, decorrente da inexistência das provas necessárias à quantificação do benefício económico, determinante para a quantificação da medida concreta da multa que é de $170,000,00 patacas.
*
  Ora, determina o n.º1 do art.128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro aprovado pelo D.L. n.º32/93M: Salvo o disposto nos números seguintes, a pena de multa será fixada entre 10 mil patacas e 5 milhões de patacas. Por seu turno, o n.º3 deste art.128.º dispõe: Quando o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção for superior a metade do limite máximo fixado no n.º1, este poderá ser elevado até ao dobro desse benefício.
  Para os devidos efeitos, subscrevemos a sensata jurisprudência que inculca (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º339/2021): Em face da ausência das regras para a determinação das sanções das infracções administrativas no Decreto-Lei nº52/99M, e nos termos autorizados pelo seu artº 3º/3 do mesmo diploma, é defensável, na matéria da graduação concreta de penas de infracções admi-nistrativas, o recurso aos princípios gerais subjacentes ao critério orientador da determinação da pena de multa adoptado no Capítulo IV (Determinação da pena) do Título III (Consequência Jurídica do facto) da parte geral do Código Penal, à luz dos quais a situação económica do agente do facto deve ser tida como uma das circunstâncias a atender na determinação concreta da pena pe-cuniária e o quantum fixado de sanções não deve representar para o infractor obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoável exigir.
  Em esteira e pela mesma razão, afigura-se-nos que para efeitos da graduação da multa a aplicar, deve ser atendido e valorado o benefício económico derivado da infracção, na medida em que o qual constitui ver-tente da consequência dessa infracção (art.65.º, n.º1, alínea a) do Cód. Penal).
  Convém ter presente que o valor derivado do facto ilícito como consequência da infracção pode valer como uma simples circunstância para a graduação da pena, e pode, não raras vezes, ser dotado de virtude qualificativa – a título meramente exemplificativo, basta olhar o disposto nas alíneas a) do n.º1 e a) do n.º2 do art.198.º do Código Penal.
  A estas luzes, colhemos que o benefício económico é relevante não só para o n.º3 do art.128.º supra aludido, mas também para o n.º1 deste normativo – cuja moldura é de dez mil a cinco milhões de patacas! pelo que é legítimo e obrigatório ponderar o benefício económico como resul-tado ou consequência da infracção. Além disso, a finalidade (da sanção) traduzida na prevenção – geral e especial – justifica e até exige que se tenha em devida consideração o benefício económico.
  Bem vista a técnica legislativa, inclinamos a entender que enquanto o sobredito n.º1 prescreve o tipo-base da infracção administrativa, o que o apontado n.º3 estabelece é já o correspondente tipo agravado. E não se esqueça que apenas o n.º3 exige “benefício económico obtido”.
  E na nossa modesta opinião,
  - O apuramento do benefício económico efectivamente “obtido” só é necessário e imprescindível aos casos nos quais a Administração aplica o n.º3 ao infractor, visto que este preceito legal permite que a multa a aplicar possa ser elevada ao dobro do benefício económico “obtido”.
  - Nos restantes casos em que o benefício económico vale apenas como uma circunstância agravante ou atenuante, basta atender todos os lucros estipulados nos contratos de empréstimos ilícitos, sem se exigir o preciso apuramento do benefício económico “obtido” pelo infractor.
  No caso sub judice, a base legal do despacho recorrido consiste no n.º1 do art.128.º e importa frisar que a deliberação n.º889/CA do Conselho da Administração da Autoridade Monetária de Macau explicou, com clare-za, que o somatório dos juros derivados dos 12 empréstimos garantidos por livrança é cerca de $162,259,00 patacas, e as razões subjacentes à multa aplicada pelo despacho recorrido, sendo de $170,000,00 patacas.
  Nesta ordem de raciocínio e com o elevado respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, afigura-se-nos que não se verifica in casu o erro nos pressupostos de facto assacado pelo MM.º Juiz a quo ao despacho contenciosamente impugnado, portanto, a sentença recorrida padece do erro de julgamento e deverá ser revogada.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pelo provimento do pre-sente recurso jurisdicional.

Estamos inteiramente de acordo com este parecer do Ministério Público acima integralmente transcrito, não nos resta outra alternativa melhor do que a de aproveitarmos integralmente esse parecer, convertendo-o na fundamentação do presente recurso para julgar conceder provimento ao presente recurso jurisdicional.

Em conclusão:

Em face da ausência das regras para a determinação das sanções das infracções administrativas no Decreto-Lei nº 52/99M, e nos termos autorizados pelo seu artº 3º/3 do mesmo diploma, é defensável, na matéria da graduação concreta de penas de infracções administrativas, o recurso aos princípios gerais subjacentes ao critério orientador da determinação da pena de multa adoptado no Capítulo IV (Determinação da pena) do Título III (Consequência Jurídica do facto) da parte geral do Código Penal, à luz dos quais os eventuais benefícios que o agente do facto poderia obter, demonstrativos do grau de ilicitude do facto, podem ser tidos como uma das circunstâncias a atender na determinação concreta da pena pecuniária, desde que o quantum concretamente fixado de sanções não deve representar para o infractor obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoável exigir.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e mantendo o acto contenciosamente recorrido.

Custas pelo recorrido, com a taxa de justiça fixada em 12 UC.

Registe e notifique.

* * *
Submetido à discussão e votação, tal projecto não obteve vencimento da maioria do Colectivo, passa o primeiro-adjunto a ser relator deste processo, ao abrigo do disposto no artigo 631º/3 do CPC.
* * *
I - RELATÓRIO
    O Secretário para a Economia e Finanças, Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 26/01/2022, veio, em 04/03/2022, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 71 a 97, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. Foi dado como provado, no âmbito do processo de infracção n.º 015/2020, instaurado pela AMCM, que o Recorrente violou o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º n.º 1 e 122.º n.º 2, alínea b) todos do RJSF, bem como os artigos 2.º, 6.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 15/83/M, de 26 de Fevereiro, por concessão de crédito a terceiros na RAEM, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem estar autorizado para o efeito, no período compreendido entre Janeiro a Dezembro de 2019;
     II. Não se verifica uma divergência entre a matéria de facto tida por provada nos
     autos e a decisão sancionatória, uma vez que a decisão assenta no facto de o Recorrente ter celebrado 12 contratos de mútuo com 11 creditados, tendo estes que assinar uma livrança com o valor equivalente do empréstimo, como garantia do Recorrente, A;
     III. Os factos dados como provados não se limitam à natureza e tipo de actos praticados ou realizados pelo Recorrente, reportam-se aos documentos cuidadosamente preparados, designadamente contratos de mútuo acompanhados da assinatura de livranças com o valor equivalente do empréstimo, como garantia do autuado, circunstâncias de tempo e lugar, etc., e foram revelados através de meios de prova legais;
     IV. Estamos perante infracções consumadas e de especial gravidade, que afectam seriamente a imagem do sistema financeiro local, o funcionamento do mercado financeiro e, em especial, as actividades das instituições de crédito;
     V. A AMCM efectuou todas as diligências ao seu alcance, que considerou necessárias no âmbito da instrução, tendentes a averiguar todos os factos cujo conhecimento considerou conveniente para a justa e rápida decisão deste procedimento sancionatório;
     VI. O legislador não atribuiu à AMCM o especial ónus de fazer prova de que o dinheiro dos juros foi efectivamente recebido pelo autuado, nem lhe atribuiu competências para realizar essa prova;
     VII. Note-se que a Administração Pública (incluindo a AMCM) não dispõe dos poderes de investigação dos órgãos de polícia criminal e dos tribunais, pelo que lhe seria, na prática, impossível determinar se, como e quando o autuado recebeu efectivamente o dinheiro dos juros. A AMCM não tem instrumentos para fazer em toda a sua extensão o que se usa chamar de “seguir o rasto do dinheiro”;
     VIII. Acresce que não se reputa de essencial fazer prova de que o dinheiro relativo aos juros foi efectivamente recebido pelo autuado para se provar que o autuado concedeu crédito a terceiros, com carácter habitual e intuito lucrativo, e que com isso obteve um determinado benefício económico, e que esse benefício era a razão que presidiu à concessão do crédito;
     IX. É consabido que um direito de crédito é consequentemente o direito a receber juros, traduzindo-se numa vantagem patrimonial em si, sendo contabilizada como activo de per si;
     X. Ora esta vantagem patrimonial entra na esfera jurídica do credor no momento em que o direito de crédito é validamente constituído;
     XI. Assim sendo, para efeitos do disposto no n. 3 do artigo 128.º do RJSF, consideramos, salvo melhor entendimento, que o “benefício económico” é obtido, ou seja, a vantagem patrimonial é adquirida no momento em que o direito de crédito está validamente constituído na esfera jurídica do credor;
     XII. Atendendo às situações em que os empréstimos são garantidos por livranças, sendo a intenção da concessão destes créditos alcançar um benefício patrimonial, e considerando que o grau de certeza de alcançar este objectivo, que é de quase 100%, atendendo à natureza real da garantia, entendemos que aquando da constituição do direito de crédito, o benefício económico está na prática obtido;
     XIII. A livrança é um título executivo, que permite ao seu titular, em caso de incumprimento do pagamento da dívida, intentar uma acção executiva e promover assim a cobrança coerciva do seu crédito, através da penhora dos seus bens e/ou dos rendimentos do devedor.
     XIV. O direito de crédito mais não é que, o direito de exigir de outrem a realização de uma prestação de carácter patrimonial, ou seja, suscetível de avaliação em dinheiro;
     XV. Na verdade, um crédito é um bem, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista económico - e, até, contabilístico. É exactamente por essa razão que, nos balanços, os créditos são inscritos no activo, juntamente com os outros bens, e não no passivo;
     XVI. A mera constituição de direitos de crédito (incluindo o direito a juros) constitui sempre um benefício económico para o titular desses direitos, também porque o direito de crédito mais não é que o direito de exigir de outrem a realização de uma prestação de carácter patrimonial, susceptível de avaliação em dinheiro;
     XVII. Os contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente, garantidos por livranças, ao criarem direitos de crédito na sua esfera jurídica, proporcionaram-lhe ipso facto um benefício económico - independentemente de ele ter cobrado ou não esses créditos;
     XVIII. Estão tais direitos de crédito provados documentalmente no processo instrutor, não tendo o Recorrente jamais impugnado a autenticidade desses documentos, designadamente em sede do processo de infracção;
     XIX. O facto de os contratos de mútuo terem sido realizados perante o notário apenas revela que o Recorrente queria assegurar a legalidade formal dos seus negócios de concessão de crédito. Acresce que a realização isolada ou não habitual de contratos de mútuo está conforme com a lei, o que a viola é a celebração habitual e com intuito lucrativo deste tipo de acordos. Estes contratos, acompanhados das respectivas livranças, são verdadeiros títulos executivos;
     XX. A função do título é dar origem à acção executiva, criando para o credor o poder de promover a acção, para o tribunal o dever de execução e para o devedor a sujeição à sanção executiva;
     XXI. A circunstância de o Recorrente não ter procedido à assinatura do contrato de mútuo a fls. 19 a 20 do processo instrutor, tendo alguém celebrado em seu nome, in casu, B, no interesse e por conta do Recorrente, figurando este último como credor, apenas permite registar uma forma “engenhosa” do Recorrente desenvolver as suas actividades de concessão de crédito.
     XXII. A lei estabelece uma relação entre o benefício económico obtido pelo infractor e o montante da multa, de forma a garantir o efeito dissuasor desta, evitando que os infractores encarem a sanção meramente como um custo, suportável (art. 128.º do RJSF);
     XXIII. Para se concluir que o “benefício económico” não foi o factor determinante, nem tão pouco o principal, para a graduação da multa, basta atentar nos números 3 e 4 da Parte III da Deliberação n.º 889/CA, de 29.10.2020, do Conselho de Administração da AMCM, que contém os fundamentos do acto recorrido;
     XXIV. Para além do “benefício económico” foram ponderados, para a fixação da multa em causa, o facto de o autuado ser primário, o seu grau de culpa, o facto de estarmos perante infracções de especial gravidade (elevado grau de ilicitude) e os prejuízos e os perigos que resultam para o sistema financeiro e para o público, deste tipo de actividades ilícitas, sem adequados mecanismos de controlo e supervisão;
     XXV. Note-se que a contrario, à luz do n.º 1 do artigo 130.º do RJSF, os prejuízos causados para o sistema monetário-financeiro ou para a economia da RAEM, constituem, também, um importante factor a ter em conta na fixação das multas por infracções ao RJSF;
     XXVI. O elevado risco para os consumidores do exercício destas actividades, sem autorização, supervisão e controlo, traduz-se, fundamentalmente, na exposição a que estes ficam sujeitos a criminalidade económico-financeira, mormente a burlas e a branqueamento de capitais;
     XXVII. A graduação das multas administrativas é um acto discricionário, como já foi reconhecido pelo TUI e pelo TSI;
     XXVIII. Em recurso contencioso, o tribunal não pode sindicar o exercício de poderes discricionários excepto nos casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade;
     XXIX. Por outro lado, o artigo 45.º do CP não é aplicável às infracções administrativas, nem directamente, nem por analogia;
     XXX. Não são aplicáveis directamente, porque o legislador, no RGIA, não os incluiu entre os preceitos do CP aplicáveis, ex vi artigo 9.º e n.º 3 do artigo 3.º do RGIA;
     XXXI. E não é aplicável por analogia por não haver lacuna a preencher;
     XXXII. Efectivamente, é muito diferente aquilo que está em causa no Direito Penal e aquilo que está em causa no Direito Administrativo;
     XXXIII. A medida concreta da multa administrativa difere, na sua natureza e na sua finalidade, da multa aplicada em sede penal;
     XXXIV. Assim, a sentença recorrida errou ao socorrer-se de normas do direito penal para julgar que a multa aplicada pelo SEF possa ser excessiva;
     XXXV. Acresce que existem limites e constrangimentos à acção administrativa que não se verificam na acção dos tribunais e das autoridades policiais, em sede penal, designadamente no que se refere aos poderes e aos instrumentos de investigação para determinar a capacidade económica do infractor;
     XXXVI. Cremos que caberia, em primeiro lugar, ao infractor, à luz do artigo 87.º, n.º 1 (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 3.º do RGIA) alegar e provar a sua situação económica, o que não logrou fazer;
     XXXVII. No caso concreto, o montante da multa aplicada não é excessivo, tendo em atenção que a sanção aplicada constitui o meio idóneo para a Administração alcançar os seus objectivos, que consistem, fundamentalmente, na repressão das práticas ilegais (que causam danos ao sistema financeiro da RAEM), em imperativos de prevenção especial (dissuadir o infractor de praticar, novamente, este tipo de infracções) e de prevenção geral (alertar o público e o mercado para o facto de o exercício destas actividades, sem autorização, não ser tolerado na RAEM e acarretar diversos prejuízos e perigos para o mercado local);
     XXXVIII. É, para nós, inequívoco que não existe uma manifesta desproporção entre o beneficio económico obtido com a prática das infracções consideradas provadas (calculado em MOP 162.259,00, como vimos) e a multa aplicada no valor de MOP 170.000,00;
     XXXIX. Acresce que o grau de desvalor da conduta do infractor e a defesa do interesse público, consubstanciado, entre outras valências, na protecção do sistema financeiro da RAEM e dos consumidores locais, justificam plenamente a aplicação ao infractor da multa no valor de MOP 170.000,00 (cento e setenta mil patacas), ao exercer a actividade de concessão de crédito, com carácter habitual e intuito lucrativo, sem autorização para este efeito, actividade esta que está, por lei, reservada às instituições de crédito.
*
    O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 107 e 108, pugnando pelo provimento do presente recurso jurisdicional.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS:
    São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
    São os constantes do projecto do acórdão vencido.
* * *
IV – FUNDAMENTOS
    Ora, a situação julgada neste processo é muito semelhante (senão idêntica, em termos factos imputados) à decidida no Proc. nº 357/2022, cujo acórdão foi por nós proferido em 08/09/2022, sendo ambos recurso jurisdicionais interpostos para este TSI contra as decisões proferida pelo TA.
    No Proc. nº 357/2022, cuja decisão foi tomada com base no douto parecer do Magistrado do MP junto deste TSI, foram tecidas as seguintes doutas considerações que merecemos a nossa inteira concordância:
     “(...)
     1.
     (…) interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Economia e Finanças que lhe aplicou a multa de 700 000 patacas e a sanção acessória de publicitação da multa aplicada pela prática da infracção de exercício não autorizado da actividade de concessão de crédito.
     Por douta sentença do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 36 a 42 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto impugnado.
     Inconformado com a dita sentença, veio o Secretário para a Economia e Finanças interpor o presente recurso jurisdicional, pugnando pela respectiva revogação.
     2.
     Parece-nos, salvo o devido respeito, que a douta sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que o Recorrente lhe imputa.
     As razões deste nosso modesto entendimento, que coincidem, no essencial, com aquelas que serviram de fundamento à decisão a quo, enunciam-se em termos breves.
     A questão está em saber o que deve entender-se por «benefício obtido» com a prática da infracção.
     A decisão punitiva que foi objecto de impugnação contenciosa considerou que, no caso, o benefício económico correspondia aos juros remuneratórios convencionados.
     Por seu turno, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo considerou que o montante do benefício obtido corresponde aos juros efectivamente recebidos pelo mutuante e não os juros estimados em função do que foi contratualmente acordado.
     O Recorrente, nas doutas alegações do recurso jurisdicional, contrariando o entendimento da sentença recorrida, sustenta que, aquilo releva, na perspectiva do benefício económico obtido, não é o vencimento do crédito e muito menos a sua cobrança, mas, antes, a sua constituição. E, no caso, os contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso ao estipular juros a seu favor, provam a constituição de direitos de crédito e, portanto, a obtenção de um benefício económico.
     Vejamos.
     Não nos custa a aceitar, em geral, o entendimento do Recorrente quanto à natureza dos créditos, incluindo os créditos de juros, enquanto coisas que integram, do lado activo, o património do credor.
     Todavia, no caso em apreço, colocadas as coisas no estrito plano jurídico, que é aquele em que a questão é colocada pelo Recorrente, e não no plano dos factos, a verdade é que, no caso, dos contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso não resultou a constituição no seu património de qualquer crédito de juros pela simples razão de que tais contratos estão, parece-nos, feridos de nulidade por ser isso o que resulta do disposto no artigo 287.º do Código Civil, de acordo com o qual, «os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei». Ora, no caso, os contratos de mútuo foram celebrados contra disposições imperativas, precisamente as contidas nos artigos 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, advindo daí a assinalada nulidade.
     Donde, serem os ditos contratos de mútuo desprovidos de outra força jurísgena que não seja a de fundar pretensões restitutivas ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil. Em todo o caso, não se chegou a radicar na esfera jurídica do recorrente contencioso um direito de crédito corresponde aos juros acordados e, portanto, nessa perspectiva, não será juridicamente rigoroso afirmar que, com a celebração dos ditos contratos de mútuo, o activo do seu património sofreu um incremento na medida correspondente aos ditos juros. Daí que, salvo o devido respeito, também se não possa dizer que tais juros sejam a expressão e a medida do benefício económico obtido pelo infractor.
     Estamos em crer que apenas na hipótese de ter havido uma efectiva percepção de juros por parte do infractor é que a multa concretamente a aplicar os deverá ter em devida conta, dessa forma se podendo operar a expropriação do benefício que, no plano dos factos, tenha sido ilicitamente obtido, com desconsideração, mas sem prejuízo, do crédito de natureza restitutiva fundado na norma legal do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil de que o mutuário será titular.
     Com a breve motivação que antecede, somos modestamente a entender que a decisão recorrida não deve ser merecedora de censura.
     
     3.
     Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.”
    Ora, esta douta argumentação acima transcrita vale, mutatis mutandis, para o caso em análise, pois não foram comprovados os elementos-base dos tipos administrativos ilícitos imputados, o que é razão bastante para julgar improcedente o recurso jurisdicional interposto pela Entidade punitiva, confirmando-se assim a sentença recorrida do TA.
*
    Síntese conclusiva:
    I - O exercício das operações de concessão de crédito reservadas às instituições referidas por quaisquer outras pessoas ou entidades que não tenham sido autorizadas para o tal constitui a infracção de especial gravidade prevista no artigo 122.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do RJSF, e por conseguinte está sujeito às sanções cominadas nos artigos 126.º a 128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro (RJSF), aprovado pelo DL n.º 32/93/M, de 5 de Julho.

    II – Do quadro factual assente resulta que foi celebrado um mandato para a celebração dos negócios de mútuo pelo Recorrente em data referida nos autos, sendo conferido ao mandatário o poder de, praticar em nome dele próprio, os actos de gestão do fundo pertencente ao mandante, incluindo os actos de concessão do crédito ou seja a celebração do contrato de mútuo com o terceiro (nos termos descritos na cláusula primeira do contrato), o que permite concluir que se consideram abrangidas as concessões do crédito que o Recorrente iria a realizar mediante a celebração dos contratos de mútuo com os devedores terceiros.
    
    III – No caso, dos contratos de mútuo celebrados pelo Recorrente contencioso não resultou a constituição no seu património de qualquer crédito de juros pela simples razão de que tais contratos estão feridos de nulidade por força do disposto no artigo 287.º do Código Civil, de acordo com o qual, «os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei». Ora, no caso, os contratos de mútuo foram celebrados contra disposições imperativas, precisamente as contidas nos artigos 17.º, n.º 1, alínea b), 19.º, n.º 1 e 122.º, n.º 2, alínea b) do RJSF, advindo daí a assinalada nulidade. Nestes termos, apenas na hipótese de ter havido uma efectiva percepção de juros por parte do infractor é que a multa concretamente a aplicar os deverá ter em devida conta, dessa forma se podendo operar a expropriação do benefício que, no plano dos factos, tenha sido ilicitamente obtido, com desconsideração, mas sem prejuízo, do crédito de natureza restitutiva fundado na norma legal do n.º 1 do artigo 282.º do Código Civil de que o mutuário será titular.
    
    IV - O elevado benefício económico não poderia ter sido considerado como circunstância agravante modificativa da moldura máxima de penas pecuniárias. Para nós, ao mandar atender o tal benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção para a determinação concreta da pena, o que pretende o nosso legislador é, na prática não autorizada de operações reservadas às instituições sujeitas a supervisão pela AMCM, normalmente geradoras de benefícios económicos a favor de infractores e em prejuízos ao sistema económico e financeiro da RAEM, mandar atender o quantum do benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção, que reflecte o grau de ilicitude dos factos, tudo isto depende da prova concretamente produzida a cargo da entidade com poder punitivo.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V - DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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    Sem custa por isenção subjectiva.
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    Notifique e Registe.
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RAEM, 28 de Setembro de 2022.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng

    Vencido nos termos do projecto do Acórdão por mim apresentado à conferência.
Lai Kin Hong

Mai Man Ieng
26
2022-378-multa-infracção-finaneira-AMCM