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Processo n.º 285/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Relator: Fong Man Chong
Data : 13 de Outubro de 2022

Assuntos:

- Cedência de trabalhadores não residentes para outra sociedade comercial


SUMÁRIO:

I - A Recorrente foi sancionada pela violação do disposto na alínea 3) do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 21/2009, nos termos da qual, «é punido com multa de $10 000,00 (dez mil patacas) a $20 000,00 (vinte mil patacas), por cada trabalhador em relação ao qual se verifique a infracção, o empregador que:
     “(...)
     3) Sendo titular de autorização não nominal de contratação de trabalhador não residente, contrate trabalhador não residente a quem tenha sido concedida autorização de permanência na RAEM para trabalhar para outro empregador».
A aplicação da norma depende do preenchimento dos seguintes requisitos:
(i) - A contratação de trabalhador não residente;
(ii) - E que este beneficie de autorização de permanência na RAEM para trabalhar para outro empregador.

II – Dos elementos considerados assentes constantes dos autos resulta que os trabalhadores não residentes foram contratados pela sociedade comercial B, Limitada e não pela Recorrente, o que sucedeu foi que aquela, através de um contrato chamado de «prestação de serviços de gestão», como que disponibilizou tais trabalhadores para que eles pudessem prestar a sua actividade a favor da Recorrente. O que nos permite concluir que o contrato chamado de «prestação de serviços de gestão» consubstancia, em rigor, uma cedência temporária, no caso, por um período de um ano, de trabalhadores à Recorrente, porquanto, se é verdade que através de tal contrato esta passou a exercer, em relação aos trabalhadores em causa, os poderes de direcção que são típicos da entidade patronal no âmbito de um contrato de trabalho caracterizado, como se sabe, pela existência de uma subordinação jurídica, não é menos verdade que a empresa cedente manteve as obrigações relacionadas com os contratos de seguros por acidentes de trabalho e de pagamento das prestações devidas ao Fundo de Segurança Social relativamente aos ditos trabalhadores.

III - A conclusão que antecede no sentido de afirmar a existência da falada cedência temporária de trabalhadores, ainda que ilícita, é suficiente para afastar o preenchimento do primeiro pressuposto de verificação necessária à aplicação da multa ao abrigo da alínea 3) do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 21/2009, que constitui a norma de competência habilitante da actuação administrativa sindicada contenciosamente nos presentes autos, uma vez que sempre faltará a existência do indispensável vínculo contratual de natureza laboral entre a Recorrente e os trabalhadores não residentes. A Recorrente, como cuidamos ter demonstrado, não contratou estes trabalhadores. O que é bastante para manter a decisão recorrida do TA., anulando-se a decisão punitiva por padecer de vício apontado pela Recorrente punida.


O Relator,

_______________
Fong Man Chong




















Processo n.º 285/2022
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 13 de Outubro de 2022

Recorrente : Director dos Serviços para os Assuntos Laborais (勞工事務局局長)

Recorrida : A, Limitada (A有限公司)

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I - RELATÓRIO
Director dos Serviços para os Assuntos Laborais (勞工事務局局長), Recorrente, devidamente identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 09/12/2021, veio, em 15/02/2022, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 69 a 82, tendo formulado as seguintes conclusões:
(一)原司法上訴人與10名外僱的關係:
1. 原司法上訴人主張其與“B”所簽署的是提供服務合同,由“B”向其提供10名管理員並在其承辦的工作地點提供管理服務。
2. 但根據上述提供管理服務合同,當中載明原司法上訴人需負責相關僱員的週假、年假、病假、法定假期、超時、房屋津貼及假日補償,並按勞動法例規定計算,而相關僱員亦由原司法上訴人負責工作安排、假期安排及管理(見行政卷宗第61頁)。上訴人認為這種工作安排、假期安排及管理,以及勞動權利的補償充分顯示了原司法上訴人對該10名外僱存有領導及支配權,其等之間存有從屬性的勞動關係,似乎超越了提供勞務關係的概念。
3. 根據《民法典》第1079條第1款的行文,勾劃出勞動合同的三個特徵,一方提供(智力或勞力)活動;並因該活動而從他方收取回報;(法律上)從屬性,即有關活動是在他方權威及領導下提供。面對社會經濟生活中的多樣性,我們在不同個案中會遇見以不同程度的組合而形成的各種各樣能模糊符合上述三個特徵的勞動合同。基於與提供勞務合同的近似性以及與界限的含糊性,在合同定性中更為強調的是(法律上)從屬性的特徵(節錄自初級法院第LB1-20-0003-LCT號判決書及中級法院合議庭裁判書第571/2020號)。
4. 本案中,同樣存在不同程度的組合特徵,包括由“B”的僱員為原司法上訴人提供勞動力、由原司法上訴人負責相關僱員的週假、年假、病假、法定假期、超時、房屋津貼及假日補償,但在認定是否屬於勞動合同,我們認為更為強調的是(法律上)從屬性的特徵。
5. 因此在本案中,體現(法律上)從屬性在於原司法上訴人對相關外地僱員在實際工作安排以及監管方面,根據9名外地僱員(即C、D、E、F、G、H、I、J、K)的聲明(見行政卷宗第120,121,137,139,141,144,148,150及152頁),他們被原司法上訴人安排到其所承批的管理場所(包括:康和廣場、東方中心、白雲花園、翠怡花園、翡翠廣場、寶豐閣等)擔任管理員的工作,並由原司法上訴人的僱員“小陳”即L(經原司法上訴人的總經理助理M證實)(見行政卷宗第160頁),負責該等僱員每月的排更、請假申請、頂更的安排,並透過微信工作群組發放每月的更表及工作資訊。
6. 同時,M亦指出原司法上訴人承接之大廈同時會有“B”及原司法上訴人的員工,當“B”之員工週假或年假時,都是由原司法上訴人的員工頂班。
7. 可見,原司法上訴人通過對相關外僱作出的指示,安排其等工作地點、工作時間以及工作內容,而該等外僱須服從於原司法上訴人對他們的工作安排及指令。須指出,倘原司法上訴人與該等外僱屬於勞務關係,則應由“B”安排自己的僱員頂班,以確保服務之提供,而非由原司法上訴人的僱員頂班。
8. 此外,上述9名外地僱員亦表示在工作時遇到問題須向原司法上訴人的僱員L滙報(見行政卷宗第120,121,137,139,141,144,148,150及152頁),部分僱員更表示需穿上貼有原司法上訴人標誌的制服上班(見行政卷宗第141,148,150及152頁)。而且,根據原司法上訴人的僱員M錄取的聲明(見行政卷宗第160頁),外判之管理員會在原司法上訴人承接之大廈簽到作出勤記錄。可見,該等外僱無論在工作內容及工作時間均服從於原司法上訴人的安排。
9. 在紀錄懲戒方面,從“B”提交的解釋信(見行政卷宗第225頁),其表示工作中表現不佳的同事會由其發出警告信。就此,案中並未有“B”的外僱因工作表現不佳而被發出警告信的情況。然而,從有關外地僱員的聲明顯示(見行政卷宗第120,137,139,141,144,148,150及152頁),不論是原司法上訴人的員工、以及每天到原司法上訴人的管理場所進行例行巡更的管理員總管O及P,一旦發現有關外地僱員在工作上存有失誤,會對該等外地僱員作口頭更正。
10. 至於外地僱員N,雖然已離職,但按“B”提交提供管理服務合約中所涉及的外地僱員名單中(見行政卷宗第134頁)是包括N,顯示其工作地點為白雲花園。而透過其他外地僱員的聲明,指N曾於白雲花園當值,亦指出原司法上訴人發放工作資訊的群組內包括N(見行政卷宗第139及150頁),故有證據顯示N與上述9名外地僱員的工作情況相若,在原司法上訴人管理及監管下於其承接的管理場所內擔任管理員的工作。
11. 從上可見,上述10名外地僱員無論在工作內容、工作時間、地點、缺勤申請、頂更都是由原司法上訴人安排及管理;同時,原司法上訴人亦要求其等在被安排的工作地點作出勤記錄,甚至部份僱員在工作時需穿上原司法上訴人的制服;當工作表現未如理想或有犯錯,原司法上訴人會對其等作出口頭更正,這種領導和支配的從屬關係是顯而易見的。因此,上訴人認為他們之間是具有領導及支配的從屬性勞動關係。
12. 對於原審法官指出10名外僱是由“B”支付報酬,並由“B”負責社保。我們不能否定“B”為該10名外僱藍卡上的聘用實體,亦因此“B”必然地有義務向社會保障基金繳納外地僱員聘用費,而實際上,社會保障基金亦只能接受並向“B”發出外地僱員聘用費繳納憑單。然而,正如前述,原司法上訴人對該10名外地僱員行使的支配及領導權,充分體現了他們之間存在從屬性的勞動關係。而且,不能否認的是,原審法官亦認為原司法上訴人確實有對10名外僱行使領導權,並對該10名外僱進行管理和支配。
(二)關於原審法官認為本個案屬於暫時轉讓僱員的情況:
13. 根據已證事實,“B”原與司法上訴人所簽署的提供服務合同的標的是“B”向原司法上訴人提供10名管理員並為原司法上訴人承辦的工作地點提供管理服務。
14. 根據《民法典》第399條第1款的行文,合同當事人享有合同自由原則,但有關合同的內容必須在法律限制範圍內。
15. 對於本地僱員轉讓的情況,根據第7/2008號法律《勞動關係法》第10條第(三)項的規定,法律並不容許僱主單方面將僱員讓與另一僱主對其行使支配及領導權。
16. 在本案中,該10名僱員均為不記名許可聘用的非專業外地僱員。根據第21/2009號法律《聘用外地僱員法》第14條第1款規定,只有專業外僱(即由記名許可聘用)才可移轉予另一僱主,且有關移轉必須經有權限部門許可方可進行;再者,根據《聘用外地僱員法》第2條聘用外地僱員須遵守的一般原則,並結合第5條第5款僱主定義以及第8條批給許可的標準的規定,可得出外地僱員的批給必須要符合一般原則下,當中包括外地僱員僅在沒有合適的本地僱員或合適的本地僱員不足時,以同等的成本及效率條件補充勞動力的原則,並結合多項因素而單獨向每一僱主作出批給,有關僱主亦必須遵守獲許可的條件安排外地僱員提供工作,而外地僱員亦僅可為其所屬僱主、所獲批准的工作地點以及可從事的職位提供工作。
17. 可見,外地僱員的臨時轉讓根本不被法律所容許,僱主並不得透過“暫時轉讓僱員”的合同,將獲批准聘用的外地僱員讓與他人進行支配及領導,否則將有違該法律的原則規定。
18. 基於上述,上訴人認為原審法官主張原司法上訴人與“B”之間簽署的提供管理服務合同屬於暫時轉讓僱員合同已超出了法律限制的範圍,原司法上訴人與“B”不能根據合同自由原則訂立上述合同。
(三)就第21/2009號法律《聘用外地僱員法》第32條第1款(3)項規定法律適用方面:
19. 雖然原審法官及原司法上訴人主張是由“B”聘用10名外地僱員並簽署勞動合同,原司法上訴人並沒有透過合同聘請10名外僱。
20. 就聘用而言,上訴人認為書面勞動合同僅為形式上的要件,更重要的是雙方權利與義務的真實表現。在本案中,“B”因持有聘用許可而聘請10名外僱,理所當然被認為是該10名外僱的僱主,故原審法官及原司法上訴人主張該10名外僱是由“B”聘用。然而,“B”作為持有相關外地僱員聘用許可的僱主,理應對相關外地僱員行使領導及支配權,但正如前點所述,實際上是由原司法上訴人負責該10名外僱的工作安排、假期安排、糾正員工錯誤甚至要求僱員穿上原司法上訴人的制服,可見原司法上訴人才是真正對相關僱員行使領導及支配權,上訴人認為已符合勞動合同最為強調的特徵—(法律上)從屬性。
21. 根據第21/2009號法律《聘用外地僱員法》第32條第1款(3)項規定的構成要件,只需要證明違法者在持有聘用外地僱員的不記名許可下,在客觀的外在行為上與屬其他僱主的外地僱員存有勞動關係,而本個案的事實認定在於原司法上訴人與10名外地僱員之間直正存在勞動關係上的從屬性。
22. 由於上訴人是在符合第21/2009號法律《聘用外地僱員法》第32條第1款(3)項規定的事實前提下對原司法上訴人作出處罰決定,即原司法上訴人持有聘用外地僱員的不記名許可(見行政卷宗第254頁),但聘用獲許可在澳門特別行政區逗留為“B”工作的10名外地僱員,對該10名外地僱員行使支配及領導權,而並非在認定“B”暫時讓與外僱予原司法上訴人使用的前提下,類推適用有關規定科予處罰。因此,上訴人根據第21/2009號法律《聘用外地僱員法》第32條第1款(3)項對原司法上訴人作出的處罰決定,並不存在錯誤理解上述規定的適用情況,故有關處罰決定並不存在瑕疵。基於此,上訴人對原司法上訴人作出的處罰決定,是在具備充足的事實及法律依據下作出的。
23. 綜上所述,現請求中級法院宣告撤銷卷宗編號第3015/21-ADM行政司法上訴的行政法院之判決。
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls. 128 a 130 dos autos, pugnando pelo improvimento do presente recurso jurisdicional.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
‐ 司法上訴人,澳門註冊,商業及動產登記局商業登記編號為SO XXXXX,其法人住所設於澳門XXXXXXXXXXX,所營事業為物業管理、停車場設施管理、清潔及滅蟲服務(見行政卷宗第20頁至第22頁)。
‐ “B清潔物業管理有限公司”(以下簡稱B),澳門註冊,商業及動產登記局商業登記編號為SO XXXX,其法人住所設於澳門XXXXXXXXXXXX,所營事業為物業管理及清潔服務,物業保安服務,閉路電視監控工程,電機工程,機電綜合實施工程,防盜及門禁智能化工程(見行政卷宗第6頁至第8頁)。
‐ 2018年8月27日,B根據勞工事務局第24365/IMO/DSAL/2018號批示獲批准續聘44名非專業外地僱員,當中包括36名管理員及8名清潔員,獲批之期限為2018年11月21日至2020年11月20日,獲批之工作地點為B承辦的工作地點(見行政卷宗第9頁及第10頁)。
‐ 2019年5月27日,司法上訴人(乙方)與B(甲方)簽訂提供管理服務合約,訂定B向司法上訴人提供10名管理員為司法上訴人承辦的工作地點提供管理服務,由司法上訴人每月向B支付行政費用每人澳門幣1,500.00元,總共澳門幣15,000.00元,合約於同日生效,有效期至2020年5月26日(見行政卷宗第61頁至第62頁)。
‐ 上述合約第3.1點規定:“乙方需負責員工:週假、年假、病假、法定假期、超時、房屋津貼及假期補償(按勞工法例規定計算),甲方需負責員工保險、社保”(同上)。
‐ 上述合約第3.3點規定:“員工由乙方負責工作安排、假期安排及管理,員工表現不佳,甲方須配合乙方,雙方可協調更換”(同上)。
‐ 按照合約規定,B向司法上訴人提供10名管理員,包括E、F、G、H、I、J、K、C、D及N,全部持有澳門特別行政區外地僱員身份認別證,僱主為“B清潔物業管理有限公司” (見行政卷宗第136頁、第138頁、第140頁、第143頁、第147頁、第149頁、第151頁、第153頁及第157頁)。
‐ 2020年11月5日,勞工事務局勞動監察廳廳長於編號 035242/DIT/SANF/2020報告中作出批示,決定就司法上訴人聘用B上述10名外地僱員提供工作,每名外地僱員每項行政違法行為科處澳門幣10,000.00元罰款,合共澳門幣100,000.00元。其後於 2020年11月18日向司法上訴人發出繳付罰款通知書(見行政卷宗第183頁至第189頁及第212頁) 。
‐ 2020年12月18日,司法上訴人針對上述處罰決定向被上訴實體提起必要訴願 (見行政卷宗第238頁至第244頁) 。
‐ 2021年1月22日,被上訴實體於編號002197/DEI/DJE/2021報告書中作出批示,駁回司法上訴人提起之必要訴願,維持向其科處合共澳門幣100,000.00元罰款的決定,並於同月27日透過編號004145/DEI/DJE/2021公函將有關決定通知司法上訴人 (見行政卷宗第248頁至第253頁及第255頁至第258頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
‐ 2021年2月26日,司法上訴人針對上述駁回必要訴願的決定向本院提起本司法上訴。
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    IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:

I. Relatório
Recorrente A, LIMITADA (A有限公司), melhor id. nos autos,
interpôs o presente recurso contencioso administrativo contra
Recorrida Director da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais que, pelo seu despacho exarado na informação n.º 002197/DEI/DJE/2021, de 22/1/2021, indeferiu o seu recurso hierárquico necessário e manteve a decisão sancionatória de determinação da aplicação da multa no valor de MOP 100,000.00, pela prática da infracção prevista no art.º 32.º, n.º 1, alínea 3) da Lei n.º 21/2009.
Alegou a Recorrente, com os fundamentos de fls. 19 a 27 dos autos, em síntese:
- a anulabilidade do acto recorrido pela verificação do erro no pressuposto de facto e de direito; e
Concluiu, pedindo a anulação do acto recorrido.
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A Entidade Recorrida apresentou a contestação com os fundamentos de fls. 42 a 46 dos autos, na qual pugnou pela legalidade do acto recorrido, concluiu no sentido de ser o presente recurso julgado improcedente.
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Nenhuma parte apresentou alegações facultativas.
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O digno Magistrado do M.º P.º emitiu douto parecer no sentido de proceder o presente recurso, cujo teor se transcreve no seguinte:
“…A, Limitada apresentou recurso contencioso da decisão proferida pelo Exm.º Director dos Serviços para os Assuntos Laborais de 22 de Janeiro de 2021, negando provimento ao recurso hierárquico interposto de decisão que lhe aplicara uma multa no montante de MOP $100.000,00 (cem mil patacas), por violação do disposto no inciso 3.º do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 21/2009, de 27 de Outubro – Lei da contratação de trabalhadores não residentes; não se conformando com o acto de que recorre, protesta a Recorrente que o mesmo “… ficou eivado do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto”, assim sendo anulável.
Na respectiva contestação a Entidade Recorrida, rebatendo o argumentário da Recorrente, pugna pela plena validade do acto recorrido, assim concluindo pela improcedência do recurso contencioso ora sob análise.
Tendo sido reconhecida, pelo douto despacho proferido a fls. 49 dos autos a desnecessidade da realização de diligências probatórias e não tendo sido apresentadas alegações facultativas, de harmonia com o disposto no artigo 69.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, cumpre emitir parecer.
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Tendo-se como seguro que a questão essencial a decidir nos autos será a de saber se, de facto, a situação dos dez trabalhadores referidos nos autos se mostravam ao serviço da Recorrente ao abrigo de um contrato de prestação de serviço – como a mesma protesta – ou ao abrigo de um contrato de trabalho – como refere a Entidade Recorrida – importa referir que, em situações como as em apreço nos presentes autos, de dificuldade de distinção entre os dois modelos contratuais, mais que o nomem iuris dado ao vínculo e que à análise do comportamento declarativo expresso nas estipulações contratuais (que, no caso concreto, apontarão no sentido do contrato de prestação de serviços) importará proceder à análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, procurando recolher do respectivo circunstancialismo elementos do modelo típico do trabalhador subordinado ou do modelo da prestação de serviços, por modo a poder concluir-se, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho.
Na realidade, enquanto no contrato de trabalho o factor da subordinação jurídica do trabalhador, a par de um vínculo de subordinação económica (enquanto actividade remunerada), se traduz no poder de autoridade e direcção do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou, ditando as suas regras, dentro dos limites do contrato celebrado e das normas que o regem, no contrato de prestação de serviço o prestador obriga-se à prestação de um certo resultado do seu trabalho, que efectuará por si, com autonomia e da forma que considerar mais adequada, sendo, pois, a respectiva obrigação a do resultado num quadro de ausência de subordinação jurídica.
Como elemento igualmente diferenciador das duas situações tem-se dado cada vez maior relevância não só ao poder de direcção, mas também (ou antes) ao facto de se registar, ou não, a concomitante (ou paralela) detenção de poder disciplinar, poder este que evidenciará, quiçá de forma mais exuberante, a subordinação tipificadora do contrato de trabalho pois que tal poder, pela natureza das coisas, se não registará nos contratos de prestação de serviços (em que, verificando-se alguma causa de “insatisfação” por parte da entidade contratante, as mais das vezes, a mesma conduzirá, apenas e tão-somente, à resolução do contrato anteriormente celebrado, por eventual violação dos deveres contratuais, não se registando, pela própria natureza da relação estabelecida entre as parte e ao contrário do que, no limite, poderá suceder no contrato de trabalho, a instauração de procedimento disciplinar, culminante em eventual aplicação de uma sanção disciplinar).
Tendo por guia os referenciais que se acabam de expor, verifica-se que os elementos recolhidos nos autos apontam no sentido os dez trabalhadores anteriormente referidos “foram destacados” pela Recorrente para desempenhar funções nos prédios pela mesma indicados, sendo os empregados desta que enviavam (aos mesmos trabalhadores e mediante mensagem de grupo criado no WeChat) a tabela mensal dos turnos actualizada e informações relativas ao trabalho – competindo à Recorrente a elaboração da mesma tabela de turnos, tratamento dos pedidos de férias/períodos de descanso (durante os quais foram substituídos por trabalhadores da Recorrente) e substituição dos turnos; acresce que o respectivo desempenho seria(era) controlado por meio de “patrulhas regulares aos prédios” efectuadas por chefes dos trabalhadores da gestão predial da Recorrente, os quais “quando se verificavam falhas no trabalho, davam instruções verbais de rectificação” e/ou procediam a “emissão de advertência verbal quando se verificavam falhas no trabalho”.
Importa também reter que os vencimentos dos trabalhadores em referência não eram pagos pela Recorrente mas sim pela sociedade que gira sob a firma B, Limitada (com a qual a Recorrente protesta ter celebrado um contrato de prestação de serviços, devidamente entregue/depositado no Departamento de Inspecção de Trabalho da DSAL, situação esta que a Entidade Recorrida considera), sendo que não obstante alguns (quatro?) dos trabalhadores em questão terem referido que “precisavam de usar a farda com o logotipo da recorrente quando estavam no serviço”, afigura-se assumir particular relevo não só o facto de os trabalhadores em referência não terem hesitado em afirmar que “tinham contrato de trabalho celebrado com a B, Limitada”, mas também (ainda mais sintomaticamente e conforme a própria Entidade Recorrida escreve) que “eram fiscalizados e recebiam instruções por parte dos trabalhadores da A” (destaque e sublinhado do signatário), ou seja, dão evidente nota de uma nítida diferenciação da situação registada entre tais elementos (que seriam, inequivocamente, trabalhadores da ora Recorrente) e eles próprios (declarantes) que não o seriam.
Atendendo a estes elementos afigura-se que, na realidade, a decisão proferida nos autos não se mostra suficientemente alicerçada em dados que permitam, com a segurança necessária, extrair a conclusão de que, na realidade, a Recorrente tenha contratado, de forma violadora do normativo inicialmente referido, dez trabalhadores não residentes e “pertencentes” a outro empregador.
Na verdade e sem prejuízo de distinto e melhor entendimento, acredita-se que os elementos disponíveis nos autos apontam no sentido de que, na realidade e tal como a Recorrente afirma, a situação dos trabalhadores em referência decorria do contrato de prestação de serviços anteriormente celebrado com a B, Limitada, não se crendo que tal situação seja “descaracterizada” pelo facto de, ainda assim e no dia-a-dia, a Recorrente ter, de alguma forma, o poder de conformar a forma como tal prestação era concretizada, pois que a própria dinâmica da realidade quotidiana a tal conduzirá.
Com efeito, e mesmo mantendo presente a dificuldade prática que frequentemente se regista em situações como a dos autos e mesmo admitindo que casos poderão existir em que, sob a aparência de uma situação de contrato de prestação de serviços, se procurou alcançar uma forma de contornar os comandos constantes da lei – e.g., e no caso, da Lei da contratação de trabalhadores não residentes – afigura-se que os elementos anteriormente referidos se conterão, ainda, dentro dos limites do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a sociedade que gira sob a firma B, Limitada, a qual será, ela sim, a verdadeira entidade empregadora dos dez empregados que foram colocados ao serviço da ora Recorrente
Afigurando-se, consequentemente, que o entendimento assumido pela Entidade Recorrida não corresponderá à correcta aplicação da solução plasmada no n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 21/2009, de 27 de Outubro, crê-se que o acto impugnado padece do vício apontado pela Recorrente, assim se concluindo no sentido de que o recurso interposto deverá proceder.” (vide fls. 52 a 55 dos autos).
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem à apreciação “de meritis”.
***

II. Fundamentação

1. Matéria de facto

Resulta provada por documentos, a seguinte factualidade pertinente:
(...)
***

2. Matéria de direito

Como se vê dos autos, foi interposto o presente recurso do acto que determinou a aplicação de uma sanção administrativa à Recorrente enquanto empregadora que tenha contratado 10 trabalhadores não residentes que foram autorizados para trabalhar a favor de outra empregadora – nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 1, alínea 3) da Lei n.º 21/2009.

Alegou a ora Recorrente que ela não contratou os trabalhadores em causa, mas apenas adquiriu os serviços a serem prestados pelos mesmos mediante a celebração do contrato de prestação de serviços com a empregadora que os contratou – a Sociedade “B清潔物業管理有限公司”. Ou seja, inexiste qualquer vínculo laboral entre a Recorrente e os ditos trabalhadores, como um dos pressupostos necessários à prática do acto sancionatório em apreço.

De acordo com a doutrina mais autorizada, quando no recurso se discute a validade de um acto de conteúdo positivo (sancionatório), importa ter presente que “as partes figuram no recurso em posições invertidas em relação àquelas que lhes pertencem no quadro da relação jurídica substantiva.”. E, “o recorrente figura, assim, no recurso, numa posição jurídica substantiva diferente consoante move uma defesa por impugnação – defesa directa, que ataca acto de frente, contradizendo os factos deduzidos pela Administração o efeito jurídico que através do acto ela extraiu desses factos ou uma defesa por excepção…”. “Assim, se o recorrente alegar o não preenchimento dos pressupostos do acto, deve recair sobre a Administração o risco da falta de prova da respectiva verificação” (Mário Aroso de Almeida, Sobre as regras de distribuição do ónus material da prova no recurso contencioso de anulação de actos administrativos, Caderno de Justiça Administrativa n.º 20, Março/Abril, 2000).

Foi o que sucedeu no caso dos autos – a Recorrente pugnou pela não verificação dos pressupostos constitutivos do acto recorrido, o ónus de prova da respectiva verificação recai sobre a Recorrida enquanto o respectivo autor do acto.

A norma que serve de base ao acto recorrido tem a seguinte redacção.
“1. É punido com multa de $10 000,00 (dez mil patacas) a $20 000,00 (vinte mil patacas), por cada trabalhador em relação ao qual se verifique a infracção, o empregador que:

3) Sendo titular de autorização não nominal de contratação de trabalhador não residente, contrate trabalhador não residente a quem tenha sido concedida autorização de permanência na RAEM para trabalhar para outro empregador.
…”
Na nossa opinião, a interpretação do alcance da norma citada não é dissociável da noção de “trabalhador não residente”, determinante para a aplicação da Lei n.º 21/2009. Quanto a isto, dispõe-se na norma do art.º 1.º, n.º 2 da referida Lei o seguinte:
“Para efeitos do disposto na presente lei, entende-se por «trabalhador não residente» a pessoa sem direito de residência na RAEM que aqui seja autorizada a exercer temporariamente uma actividade profissional ao abrigo de um contrato de trabalho, celebrado com um dos empregadores mencionados no artigo 5.º”.

Daí, pela definição, os trabalhos prestados por não residentes ao abrigo de um contrato de prestação ou na qualidade de trabalhadores de entidades não incluídas no artigo 5.º não constituem objecto de regulamentação através dessa Lei – conforme resulta do seu artigo 1.º, n.º 3. É de realçar que não obstante na parte final deste preceito legal, a existência da referência expressa aos trabalhadores que “se desloquem ocasionalmente à RAEM, a convite de uma entidade local, para participar em actividades religiosas, desportivas, académicas, culturais ou artísticas, ainda que remuneradas”. É evidente que a excepção à aplicação da dita Lei não se esgota nesta parte do preceito, pelo que resulta da utilização do advérbio “nomeadamente”.

Se assim é, o raciocínio expendido imporá o entendimento de que o não residente, quem “preste actividade a empregadora diferente”, mas não se encontra vinculado a esta nos termos do contrato de trabalho ainda que não formalizado, não é considerado como infractor a que se alude a norma do artigo 32.º, n.º 5, alínea 2) da dita Lei. Pela mesma lógica, a entidade que aceita a actividade prestada pelo referido trabalhador não residente, não responderá pela violação da citada norma do artigo 32.º, n.º 1, alínea 3), pela inexistência de qualquer vínculo laboral entre uma e outro, sendo este um dos pressupostos da actuação administrativa ora impugnada.

Nesta linha, em face da norma acima referida, compete à Recorrida do caso concreto o ónus de prova sobre os seguintes pressupostos constitutivos: 1) Que os trabalhadores não residentes foram autorizados a permanecer na RAEM para trabalhar para outra entidade empregadora, 2) Que exista uma vinculação do contrato de trabalho entre a Recorrente e os referidos trabalhadores. O que foi dito aqui é de entendimento consensual, ao que nos parece, pela leitura dos articulados já apresentados nos autos (Uma vez que na contestação se limitou a pugnar, ao contrário do que entendeu a Recorrente, pela verificação dos pressupostos constitutivos da relação jurídica laboral, designadamente, do elemento da subordinação jurídica).

Também, é incontroverso que o primeiro pressuposto se encontra demonstrado – os 10 trabalhadores não residentes foram contratados pela Sociedade “B清潔物業管理有限公司”e foram autorizados a permanecer na RAEM nessa qualidade.

A controvérsia surge no entanto quanto à verificação do segundo pressuposto. Salvo a melhor opinião, cremos que neste ponto não se deve deixar de dar razão à Recorrente.

Para nós, a argumentação da Recorrida está desfocada daquilo que na verdade é essencial levar em conta ao momento da respectiva actuação – não interessa, para a decisão do caso nos autos, saber se existe entre a Recorrente e os trabalhadores, na realidade, um contrato de trabalho que se reconduz a três elementos típicos previstos no art.º 1079.º, n.º 1 do CCM (prestação de actividade, retribuição e subordinação jurídica). Mas é no patamar anterior que se deva colocar a nossa questão – se tal pretenso vínculo de natureza laboral foi efectivamente criado e em vigor entre as ditas partes.

Importa reter que os trabalhadores não residentes foram contratados pela Sociedade “B清潔物業管理有限公司”, que é a respectiva empregadora, e que a mesma disponibilizou à Recorrente os mesmos para trabalhar em seu favor, mediante o contrato intitulado por “Prestação de Serviços de Gestão”. Tem a razão, portanto, a Recorrente ao dizer que ela não “contratou” os trabalhadores não residentes .

É verdade que através do contrato, lhe foram parcialmente cedidos os deveres da empregadora, como cabe a ela assegurar o gozo dos descansos semanal e anual e do feriado obrigatório, justificar as faltas por doença, pagar os subsídios de alojamento bem como as prestações decorrentes da falta do gozo dos feriados (conforme se estabelece na cláusula 3.1), e também lhe compete exercer o poder de direcção e organização sobre os mesmos (conforme o teor da cláusula 3.3). Não é menos verdade que em termos jurídicos a Sociedade “B清潔物業管理有限公司”continua a ser única empregadora dos trabalhadores não residentes, por força do contrato “Prestação de Serviços de Gestão”.

O que temos aqui é uma figura típica de “cedência ocasional de trabalhadores”, que não se encontra autonomamente prevista nas legislações laborais de Macau, donde apenas consta uma simples menção de que “é proibido ao empregador:…3) ceder o trabalhador, sem o seu consentimento escrito, a outro empregador que sobre aquele exerça poderes de autoridade e direcção;…” nos termos do artigo 10.º, alínea 3) da Lei n.º 7/2008. Porém, a respectiva noção encontra-se dada no Código do Trabalho português aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, no seu artigo 288.º segundo o qual “A cedência ocasional consiste na disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direcção aquele fica sujeito, mantendo-se o vínculo contratual inicial.” Trata-se de um instrumento largamente utilizado para a deslocação do trabalhador no seio de um grupo societário ou empresarial, “entre empresas pertencentes a uma coligação societária ou a um grupo de sociedades em sentido próprio” ou “entre empresas que utilizem estruturas organizativas comuns”, conforme se estabelece no artigo 289.º, n.º 1, alínea b) do referido Código.

Como é fácil de perceber, apesar da cedência do determinado trabalhador a uma outra entidade empregadora, mantém-se o vínculo jurídico laboral que a empregadora cedente tinha com o mesmo, e por consequência, a sua qualidade de empregadora. No âmbito desse regime de cedência, o trabalhador cedido fica sujeito ao poder de direcção do cessionário, “com a sua integração no seio da organização deste, para efeitos de sujeição às condições de trabalho e às regras de segurança e saúde no trabalho e acesso a equipamentos sociais, de retribuição mais elevada que auferia na empresa cedente (O dever de pagamento da retribuição tanto por caber ao cedente como ao cessionário, nos termos fixados no acordo de cedência), e de férias. O poder disciplinar continua, por princípio, na titularidade do cedente, só este podendo pôr termo ao contrato de trabalho”.

Tal cedência reveste uma natureza provisória, sendo certo que “cessando o acordo de cedência ocasional ou em caso de extinção da entidade cessionária ou de cessação da actividade para o qual foi cedido, o trabalhador, de acordo com o n.º 2 do art.290.º do CT, regressa ao serviço do cedente, mantendo os direitos que tinha antes da cedência, cuja duração conta para efeitos da antiguidade” – (cfr. António Sarmento de Oliveira, Mobilidade de Trabalhadores Intraempresas e Interempresas, pp. 980 a 984, consulta disponível em linha: https://portal.oa.pt/upl/%7Be033c022-e11c-438c-a19f-50cadd75910c%7D.pdf)

O que é diferente da cessão da posição contratual do empregador a título definitivo, em que por força da cessão, se opera a substituição de um empregador por outro, “com a consequente transferência do trabalhador da organização do primitivo empregador para a do seu substituto, manter a continuidade do vínculo contratual na esfera do trabalhador e com o mesmo conteúdo. Por sua parte, o novo empregador assume todos os direitos e deveres detidos pelo anterior empregador, que assim, desaparece do vínculo contratual” (cfr. ibid. pp. 990 a 991). No ordenamento jurídico de Macau, a transferência dos trabalhadores por força da cessão da posição contratual do empregador, sucede muitas vezes como uma das implicações necessárias do trespasse da empresa comercial, a que se alude no disposto do artigo 111.º do Código Comercial de Macau.

No caso, é fora de qualquer dúvida que a cedência dos trabalhadores é provisória, com o prazo determinado de 1 ano, embora renovável. Não obstante a cedência, a sociedade cedente “B清潔物業管理有限公司”continua a responder no plano externo, como empregador dos trabalhadores, pelo pagamento dos seguros de trabalho e das prestações junto ao Fundo de Segurança Social. E quanto às garantias do gozo dos descansos e feriados, mesmo que passaram a ser asseguradas pela sociedade cessionária (ou seja a Recorrente), em execução do contrato bilateral “Prestação de Serviços de Gestão”, em caso da violação dessas garantias, é evidente que deveria ser à sociedade cedente que sejam dirigidas quaisquer pretensões indemnizatórias dos trabalhadores com fundamento nas cláusulas estipuladas nos respectivos contratos de trabalho, o que também parece ser pacífico. E ainda pela natureza das coisas, a última palavra de pôr termo às relações laborais existentes para com os trabalhadores não deixaria de competir à sociedade cedente com todos os poderes que lhe advém do estatuto de empregador, conferido pela Lei n.º 7/2008.

Por outro lado, é indiscutível que a Recorrente detinha o poder de direcção sobre os trabalhadores e os mesmos integravam a estrutura organizatória dela (por exemplo, os trabalhadores usavam os uniformes com logotipo distintivo da empresa exercida por mesma). Mas importa que a fonte desse poder não reside em qualquer contrato de trabalho (mas em tal contrato de cedência ocasional de trabalhadores, figura que não é repugnada pelo ordenamento jurídico de Macau e que sendo manifestação da autonomia privada, vincula validamente as partes, por força do artigo 399.º n.º 1 do Código Civil de Macau), não se podendo afirmar, apenas com base nisso, pela existência do vínculo jurídico laboral entre uma parte e outra. Pelo que fica dito desde o início, a realidade que temos neste processo escapa necessariamente ao âmbito da aplicação da norma do artigo 32.º, n.º 1, alínea 3) da Lei n.º 21/2009.

Com o que fica dito, repare-se, não pretendemos concluir pela licitude da concreta operação utilizada pela Recorrente, e até admitiríamos que a mobilidade dos trabalhadores não residentes, salvo o caso dos especializados previsto no artigo 14.º da Lei n.º 21/2009, fosse rejeitada pelo ordenamento jurídico vigente, sendo provável ilícita a actuação em causa por várias ordens – ou pela ausência do consentimento escrito por parte dos trabalhadores cedidos com o sacrifício da sua garantia atribuída pela dita norma do artigo 10.º, alínea 3) da Lei n.º 7/2008, ou pela mobilização dos trabalhadores contra os termos expressamente definidos no acto administrativo de autorização para a respectiva contratação – e.g. em actividade alheia à autorizada ou em local diferente do expressamente autorizado – conforme resulta das alíneas 6) e 7) do n.º 2 do artigo 32.º da mesma Lei. Mas o que se pode concluir, pelo menos quanto a nós, é que a norma sancionatória em apreço, inaplicável, não podia servir para a prática do acto recorrido.

Nem a sanção administrativa aplicada se justificaria, se entenda que há uma lacuna de regulamentação quanto à situação da cedência provisória dos trabalhadores não residentes, com o recurso à técnica da integração da lacuna com base na similitude entre o caso omisso e o caso expressamente regulado pela norma em causa, endo por certo que estamos no âmbito do direito administrativo sancionatório, sendo proibida a analogia em desfavor do infractor, neste sentido “Ora, como é sabido, em matéria de infracções administrativas vigoram princípios do direito penal e processual penal, onde se incluem o princípio da legalidade e a sua vertente da tipicidade, bem como o da proibição da analogia - cf. artigos 9.º e 19.º do DL n.º 52/99/M, de 4 de Outubro” conforme observada pelo Juiz relator do TSI no Acórdão n.º 1/2019, de 18/7/2019 (aliás, no mesmo sentido, afirmou Paulo Otero, Analogia em Direito Administrativo: Os Limites à Integração Analógica de Normas Administrativas, AAFDÇ Editora, p. 29).

Como nota final, não podemos ignorar que ao pronunciar-se neste sentido, este Tribunal alterou as posições anteriormente afirmadas nos casos que têm na sua base as circunstâncias idênticas a este – pese embora o elemento instável que esta decisão poderia introduzir na segurança jurídica, sempre achamos que tal situação não seria evitável, face à necessidade premente de rever os decididos que se venham a revelar, com a passagem do tempo e com uma profunda introspecção reflexional, provavelmente pouco ajustados.
***

III. Decisão

Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar procedente o presente recurso contencioso, com a consequente anulação do acto recorrido.
*
Sem custas, por ser subjectivamente isenta a Entidade recorrida.
*
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, Limitada, sociedade comercial melhor identificada nos presentes autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Director dos Serviços para os Assuntos Laborais que lhe aplicou uma multa no montante de 100 000 patacas pela prática da infracção do disposto na alínea 3) do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 21/2009.
Por douta sentença do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 56 a 62 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado procedente com a consequente anulação do acto impugnado.
Inconformado com a dita sentença, veio a Entidade Recorrida interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância, pugnando pela respectiva revogação.
2.
Parece-nos, salvo o devido respeito, que o presente recurso não deve merecer provimento.
Em termos breves, pelo seguinte.
(i)
A Recorrente foi sancionada pela violação do disposto na alínea 3) do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 21/2009, nos termos da qual, «é punido com multa de $10 000,00 (dez mil patacas) a $20 000,00 (vinte mil patacas), por cada trabalhador em relação ao qual se verifique a infracção, o empregador que:
(...)
3) Sendo titular de autorização não nominal de contratação de trabalhador não residente, contrate trabalhador não residente a quem tenha sido concedida autorização de permanência na RAEM para trabalhar para outro empregador».
Resulta da leitura da norma que vimos de transcrever constituírem pressupostos da infracção aqui em causa, os seguintes: (i) a contratação de trabalhador não residente; (ii) e que este beneficie de autorização de permanência na RAEM para trabalhar para outro empregador.
No caso, não é controvertido que os trabalhadores não residentes estavam autorizados a permanecer na RAEM para trabalhar, não para a Recorrente, mas para a sociedade comercial B, Limitada.
Assim sendo, a questão é, pois, a de saber se a Recorrente contratou ou não os referidos trabalhadores não residentes, de modo que, entre aquela e estes tenha passado a existir um vínculo jurídico contratual de natureza laboral.
A douta sentença recorrida respondeu negativamente a esta questão. Bem, em nosso modesto entender. (sublinhado nosso)
(ii)
Na verdade, e como dissemos, os trabalhadores não residentes foram contratados pela já mencionada sociedade comercial B, Limitada e não pela Recorrente. O que sucedeu foi que aquela, através de um contrato chamado de «prestação de serviços de gestão», como que disponibilizou tais trabalhadores para que eles pudessem prestar a sua actividade a favor da Recorrente.
Do que se tratou foi, portanto, daquilo que no direito português se designa como uma cedência ocasional de trabalhadores feita pela B a favor da Recorrente. Como se sabe, na cedência ocasional «um trabalhador de determinada empresa passa a desenvolver a sua actividade noutra empresa, sob a direcção deste empregador, mantendo a relação contratual com a primeira empresa, que continua a ser a entidade empregadora», sendo que esta estrutura triangular só pode subsistir ocasionalmente, isto é, de modo temporário (nestes termos, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 8.ª edição, Coimbra, 2017, p. 799).
Do ponto de vista da situação jurídica do trabalhador durante a cedência ocasional, é de assinalar como mais relevante no presente contexto, que ele mantém o vínculo contratual com o empregador cedente, a cuja organização regressa, finda a cedência. No entanto, relativamente aos poderes laborais observa-se uma repartição dos mesmos, com a atribuição do poder directivo à entidade cessionária, no seio do qual o trabalhador é inserido, mantendo-se o poder disciplinar na titularidade do cedente (assim, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 5.ª edição, Coimbra, 2014, p. 819).
Entre nós, deve assinalar-se que Lei n.º 7/2008 não contém uma proibição geral de cedência de trabalhadores a outro empregador para que este exerça sobre os mesmos poderes de autoridade e direcção. Tal proibição só ocorre em relação a cedências efectuadas sem prévio consentimento escrito do trabalhador.
No entanto, relativamente aos trabalhadores não residentes, estamos em crer que uma tal cedência será ilícita. Com efeito, apesar de faltar uma norma que, expressamente, proíba a cedência temporária de trabalhadores não residentes, tal proibição resultará de diversas normas do regime jurídico resultante da Lei n.º 21/2009 [v. g. as alíneas 6) e 7) do n.º 2 do artigo 32.º] e, em geral, do facto de subjacente à contratação de um trabalhador não residente existir um acto administrativo de autorização a favor de determinado empregador e só dele.
Seja como for, independentemente da licitude ou ilicitude da cedência temporária de trabalhadores não residentes aqui em causa, o certo é que, na situação em apreço, como bem assinalou a douta decisão recorrida, o contrato chamado de «prestação de serviços de gestão» consubstancia, em rigor, uma cedência temporária, no caso, por um período de um ano, de trabalhadores à Recorrente, porquanto, se é verdade que através de tal contrato esta passou a exercer, em relação aos trabalhadores em causa, os poderes de direcção que são típicos da entidade patronal no âmbito de um contrato de trabalho caracterizado, como se sabe, pela existência de uma subordinação jurídica, não é menos verdade que a empresa cedente manteve as obrigações relacionadas com os contratos de seguros por acidentes de trabalho e de pagamento das prestações devidas ao Fundo de Segurança Social relativamente aos ditos trabalhadores.
Pode dizer-se, portanto, que o exercício dos poderes de direcção e autoridade por parte da Recorrente no que tange aos trabalhadores não residentes aqui em causa se fundou, não na existência de um contrato de trabalho com esses trabalhadores, mas, antes, no contrato de cedência celebrado com a entidade patronal dos mesmos. E isto é assim, mesmo que se considere, como nós consideramos, ainda que tal cedência é ilícita, pois que desta ilicitude só resultará a respectiva invalidade, dela não decorrendo, em todo o caso, que o vínculo laboral passe a existir entre os trabalhadores e a putativa cessionária.
(iii)
Ora, a conclusão que antecede no sentido de afirmar a existência da falada cedência temporária de trabalhadores, ainda que ilícita, é suficiente para afastar o preenchimento do primeiro pressuposto de verificação necessária à aplicação da multa ao abrigo da alínea 3) do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 21/2009, que constitui a norma de competência habilitante da actuação administrativa sindicada contenciosamente nos presentes autos, uma vez que sempre faltará a existência do indispensável vínculo contratual de natureza laboral entre a Recorrente e os trabalhadores não residentes. A Recorrente, como cuidamos ter demonstrado, não contratou estes trabalhadores.
Andou bem, pois, a douta decisão recorrida ao considerar que o acto recorrido tem um vício no seu pressuposto de direito gerador da respectiva invalidade. Daí que se mostre devidamente justificada, estamos modestamente em crer, a nossa inicial asserção no sentido de não ser tal sentença merecedora de censura.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional..”
*
Quid Juris?
Concordamos basicamente com a douta argumentação acima transcrita, da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando as soluções nela adoptadas, e acrescentamos ainda o seguinte:
Bem interpretada a norma da alínea 3) do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 21/2009, quem deve ser punida é a entidade empregadora que é a Sociedade Comercial B, Limitada, e não a ora Recorrente, por aí se verifica também vício na aplicação de Direito, o que é razão também bastante para anular a decisão sancionatória.
Pelo que, nos termos acima analisados é de negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Entidade Recorrida, confirmando-se a sentença do TA (que anulou a decisão punitiva).
*
Síntese conclusiva
I - A Recorrente foi sancionada pela violação do disposto na alínea 3) do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 21/2009, nos termos da qual, «é punido com multa de $10 000,00 (dez mil patacas) a $20 000,00 (vinte mil patacas), por cada trabalhador em relação ao qual se verifique a infracção, o empregador que:
     “(...)
     3) Sendo titular de autorização não nominal de contratação de trabalhador não residente, contrate trabalhador não residente a quem tenha sido concedida autorização de permanência na RAEM para trabalhar para outro empregador».
A aplicação da norma depende do preenchimento dos seguintes requisitos:
(iii) - A contratação de trabalhador não residente;
(iv) - E que este beneficie de autorização de permanência na RAEM para trabalhar para outro empregador.
II – Dos elementos considerados assentes constantes dos autos resulta que os trabalhadores não residentes foram contratados pela sociedade comercial B, Limitada e não pela Recorrente, o que sucedeu foi que aquela, através de um contrato chamado de «prestação de serviços de gestão», como que disponibilizou tais trabalhadores para que eles pudessem prestar a sua actividade a favor da Recorrente. O que nos permite concluir que o contrato chamado de «prestação de serviços de gestão» consubstancia, em rigor, uma cedência temporária, no caso, por um período de um ano, de trabalhadores à Recorrente, porquanto, se é verdade que através de tal contrato esta passou a exercer, em relação aos trabalhadores em causa, os poderes de direcção que são típicos da entidade patronal no âmbito de um contrato de trabalho caracterizado, como se sabe, pela existência de uma subordinação jurídica, não é menos verdade que a empresa cedente manteve as obrigações relacionadas com os contratos de seguros por acidentes de trabalho e de pagamento das prestações devidas ao Fundo de Segurança Social relativamente aos ditos trabalhadores.
III - A conclusão que antecede no sentido de afirmar a existência da falada cedência temporária de trabalhadores, ainda que ilícita, é suficiente para afastar o preenchimento do primeiro pressuposto de verificação necessária à aplicação da multa ao abrigo da alínea 3) do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 21/2009, que constitui a norma de competência habilitante da actuação administrativa sindicada contenciosamente nos presentes autos, uma vez que sempre faltará a existência do indispensável vínculo contratual de natureza laboral entre a Recorrente e os trabalhadores não residentes. A Recorrente, como cuidamos ter demonstrado, não contratou estes trabalhadores. O que é bastante para manter a decisão recorrida do TA., anulando-se a decisão punitiva por padecer de vício apontado pela Recorrente punida.
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Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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Sem custa por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 13 de Outubro de 2022.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
    Tong Hio Fong
      *
Mai Man Ieng
2022-285-trabalhadores-não-residentes-cedidos 35