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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 30 de Outubro de 2008, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido C da decisão do Tribunal Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), na parte atinente às indemnizações fixadas a favor dos familiares da vítima e de lesados de acidente de viação, que o arguido e a seguradora foram condenados a pagar.
O montante fixado pelo TSI foi o seguinte:
- Reduziu de MOP$1.200.000,00 para MOP$900.000,00, o montante devido pela perda do direito à vida da vítima D, a favor da sua mulher e filhos, E, F e G.
Quanto aos restantes montantes, o TSI manteve a decisão do TJB, que fixou os seguintes valores:
- MOP$100.000,00, pelos danos não patrimoniais da própria vítima D, a favor da sua mulher e filhos, E, F e G;
- MOP$500.000,00, danos não patrimoniais da mulher da vítima, E;
- MOP$300.000,00, danos não patrimoniais da filha da vítima, F;
- MOP$300.000,00, danos não patrimoniais do filho da vítima, G;
- MOP$700.000,00, a título de alimentos da mulher da vítima, E;
- MOP$450.000,00, a título de alimentos da filha da vítima, F;
- MOP$500.000,00, a título de alimentos do filho da vítima, G;
- MOP$63.360,00 a título de despesas de funeral;
- MOP$300.000,00, por danos não patrimoniais e MOP$39.034,00, por danos patrimoniais a favor do lesado H;
- MOP$600.000,00, por danos não patrimoniais e MOP$69.623,00, por danos patrimoniais a favor do lesado I;
O que soma MOP$4.822.017,00, sendo MOP$1.000,000,00 a suportar pela seguradora e o restante pelo recorrente C.
Não conformado, interpõe o arguido (demandado no pedido cível) recurso para este Tribunal de Última Instância (TUI), restrito à parte relativa às indemnizações, formulando as seguintes conclusões:
1°. Provado que o recorrente conduzia o seu automóvel por volta das 08,00 horas depois de passar uma noite sem dormir e pelo cansaço adormeceu, perdeu o controlo do automóvel, que se encaminhou da faixa esquerda para a faixa direita da estrada, com trânsito em sentido contrário, indo ali embater nos três recorridos, e que os três recorridos estavam livre e conscientemente a correr na beira da estrada, mas dentro da faixa de rodagem, em sentido contrário ao do automóvel, e na mesma não existiam passeio ou caminho para peões, é indiscutível a culpa do recorrente na produção do acidente, mas também é evidente a concorrência de culpas de cada um dos lesados para essa produção dos danos, pois estes violaram culposamente as disposições do art. art.° 8.°, n.° 1, do Código da Estrada, por referência ao disposto no art.° 1.°, alínea f), do Código da Estrada.
2°. Provado que os recorridos praticavam treino de atletismo, razão por que caminhavam em passo de corrida, pode o Tribunal conhecer oficiosamente que na ilha de Coloane, a apenas 160 metros do local onde ocorreu o acidente, existiam oito trilhos para manutenção, locais privilegiados e seguros para a prática daquela modalidade desportiva, pois tratam-se de factos notórios que não carecem de alegação nem de prova, como dispõe o art. 434°, n° 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art 4°, do Código de Processo Penal, e são factos que tornam mais evidente a culpa dos lesados.
3°. Demonstrado que a actuação dos lesados concorreu para a efectiva produção dos danos e não apenas para o seu agravamento, que os lesados actuaram com dolo directo, a mais grave das formas de cometimento de um ilícito ou, pelo menos, a mais grave das formas de culpa, enquanto que o recorrido actuou com mera negligência inconsciente, a menos grave daquelas formas, e que a culpa do lesante por um lado e as culpas de cada um dos lesados por outro criaram ou originaram as mesmas consequências, deve entender-se que as circunstâncias do caso aconselham uma efectiva redução da indemnização por efeito da existência de culpa dos lesados, nos termos do art. 564°, n° 1, do Código Civil.
4°. E face às descritas circunstâncias do caso é justo e equilibrado que por efeito da culpa dos lesados a indemnização a arbitrar a cada um seja reduzida em um terço dos danos efectivamente sofridos, pelo que não decidindo assim, o acórdão recorrido violou o disposto no art.° 8.°, n.° 1, do Código da Estrada, e no art. 564°, n° 1, do Código Civil.
5°. O montante da indemnização por danos não patrimoniais, pela própria natureza destes, é sempre fixado equitativamente, como comanda o art. 489°, n° 3, 1ª parte, do Código Civil, mas também no âmbito dos danos patrimoniais, a indemnização pode ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponde aos danos causados quando, como dispõe o art. 487°, do Código Civil, a responsabilidade se fundar na mera culpa a indemnização e o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do(s) lesado(s) e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
6°. Resulta dos autos que o recorrente actuou com mera negligência inconsciente, todos os danos ocorreram em consequência de uma só actuação do lesante e não de actuações sucessivas deste, o que mais diminui o seu grau de culpabilidade, o lesante tem uma situação económica modesta, pois o seu único rendimento é um salário mensal de seis mil patacas, os lesados e seus familiares destes, excepto num dos casos, não tiveram uma efectiva perda de rendimentos e o seguro automóvel envolvido tem um limite de capital quatro vezes inferior ao montante dos sofridos pelos lesados.
7°. Atentas estas circunstâncias expostas, no caso concreto tanto os danos não patrimoniais como os danos patrimoniais devem ser quantificados por recurso a critérios de equidade e a indemnização por danos patrimoniais fixada em montante inferior ao correspondente aos danos causados, pelo que decidindo de forma diferente, o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 489°, n° 3, 1ª parte, e 487°, do Código Civil.
8°. O recorrente não questiona já a quantificação dos danos feita no douto acórdão recorrido, mas considera que por efeito da intervenção do critério da equidade na quantificação dos danos patrimoniais, ao abrigo do art. 487°, do Código Civil, as indemnizações a título de alimentos arbitrados à esposa e dois filhos do falecido D devem ser alterados para MOP$560.000,00 quanto à esposa, MOP$360.000,00 quanto ao filho F e MOP$400.000,00 quanto ao filho G, o que corresponde à sua fixação em montante inferior em um quinto ao montante dos danos efectivos.
9°. E entende que por efeito da concorrência das culpas dos lesados na produção dos danos, em 30% cada um, devem as indemnizações ser fixadas em MOP$2.322.240,00 (dois milhões trezentos e vinte e dois mil duzentos e quarenta patacas) para E, viúva do falecido D, e os dois filhos deste, F e G, em MOP$226.022,66 (duzentas e vinte e seis mil vinte e duas patacas e sessenta e seis avos) para o lesado H e em MOP$446.415,33 (quatrocentas e quarenta e seis mil quatrocentas e quinze patacas e trinta e três avos) para I.
10°. Deste montante global de MOP$ 2.994.677,99, deve caber ao recorrente pagar a quantia de MOP$1.994.677,99 (um milhão novecentos e noventa e quatro mil seiscentos e setenta e sete patacas), pois a parte restante corresponde ao capital seguro e em qualquer caso é suportado pela seguradora automóvel.
Os recorridos suscitaram a questão da irrecorribilidade do Acórdão recorrido, por entenderem que não há lugar a recurso da parte cível se, como é o caso, a parte penal não admite recurso, e por se aplicar, subsidiariamente, o disposto no n.º 2 do art. 638.º do Código de Processo Civil, segundo o qual não há recurso do acórdão do TSI que confirme, sem voto de vencido a decisão proferida na primeira instância, sendo que esta foi confirmada, excepto na parte em que alterou o montante fixado pela perda do direito à vida da vítima.

II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
Factos provados:
“Em 25 de Março de 2005, por volta das 8:00 horas, o arguido C, passou uma noite sem dormir e estava cheio de cansaço, e conduzia o automóvel ligeiro (da chapa de matrícula n.° MK-XX-XX), circulando na faixa esquerda da Estrada do Altinho de Ká Hó, em direcção a Ká Hó (em subida da rampa).
Pelo cansaço, o arguido adormeceu quando chegou aproximadamente a “Ha Ha Hoi Sam Club”, por consequência, perdeu o controlo do automóvel e encaminhou, com alta velocidade, da faixa esquerda para a faixa direita da referida estrada (com trânsito no sentido contrário).
Na altura, J, H, D e I estavam a correr na beira da Estrada do Altinho de Ká Hó, em direcção a COTAI (em descida da rampa).
Consequentemente, o automóvel conduzido pelo arguido embateu em H, D e I com alta velocidade.
O embate em apreço causou directa e necessariamente as graves lesões crânio-cerebrais e a morte de D.
O embate causou directa e necessariamente a H a fractura do osso de antebraço direito, bem como o rompimento nos tecidos moles e equimoses em diversas partes do tronco direito e dos membros direitos. Por esta razão, H foi submetido a uma cirurgia da fixação interna do osso fracturado e uma cirurgia de drenagem no Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
A referida conduta do arguido provocou a ofensa grave à integridade física de H.
O embate em apreço causou directa e necessariamente a I as seguintes lesões: equimoses e inchaço nos tecidos moles da testa, rompimentos nos tecidos moles da parte medial inferior da perna superior esquerda, escoriações nos tecidos moles da maxila do lado direito e da parede torácica do lado direito, dores no ombro esquerdo, no dorso da mão esquerda e na perna direita inferior. Por esta razão, I foi submetido a uma cirurgia da fixação interna do osso fracturado e uma cirurgia de drenagem no Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
A referida conduta do arguido provocou a ofensa grave à integridade física de I.
O arguido conduzia com falta de prudência, uma vez que foi encontrado adormecido no momento de condução, assim, fazendo com que o seu automóvel encaminhou-se para outra faixa com trânsito no sentido contrário e embateu-se nas três pessoas que se encontravam a correr na beira da estrada, causando a morte dum deles e lesões corporais graves noutros dois.
A supracitada conduta do arguido não só violou o dever de condução prudente, mas também provocou negligentemente o presente acidente de viação, bem como as lesões graves e a morte doutrem.
O arguido agiu voluntária e conscientemente o referido acto, e sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida por lei.
Mais, o arguido tinha perfeito conhecimento que podia provocar perigo para a vida e integridade física de outrem quando conduzisse com demasiada fadiga corporal, no entanto, continuou a conduzir e, em consequência, causou um violento acidente de viação que resultou na morte de uma pessoa e lesões graves em outras duas.
O arguido fez voluntária, consciente e deliberadamente a condução perigosa acima referida, e sabia perfeitamente que a sua conduta era proibida por lei.
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Factos provados constantes no pedido cível de indemnização de fls. 297 a 308: Em 25 de Março de 2005, por volta das 8:00 horas, D (adiante designado por ofendido), J, H e I estavam a correr na beira da Estrada do Altinho de Ká Há, em direcção a COTAI.
Dado na Estrada do Altinho de Ká Há não existem passeio ou caminho para peões, deste modo, o ora ofendido, J, H e I tinham que correr na zona lateral da linha da via rodoviária da estrada referida.
Na altura, o estado do tempo estava muito bom, a iluminação era suficiente, o pavimento estava seco e a densidade do trânsito era fraca.
Por volta das 8:10 horas, quando H, J, I e o ora ofendido chegaram ao poste de iluminação n.° 920A10 na Estrada do Altinho de Ká Há, o 1° réu, C, conduzia o automóvel ligeiro de matrícula n.° MK-XX-XX, e passou repentinamente, com alta velocidade, da faixa esquerda para a faixa direita com o trânsito no sentido contrário, dirigindo velozmente de frente a H, J, I e a ora ofendido.
Por consequência, o automóvel em questão atropelou H, I e o ora ofendido.
Posteriormente, em 29 de Maio de 2005, a repartição da medicina legal do Centro Hospitalar Conde de S. Januário procedeu à autópsia do ora ofendido, daí elaborou o relatório de autópsia em que se formulou a seguinte conclusão sobre a causa da morte e as lesões do mesmo:
  1. O falecido D foi morto pelas graves lesões no crânio-cerebral.
  2. Além das lesões no crânio-cerebral, encontra-se ainda com a fractura múltipla, a fragmentação e deslocação da vértebra torácica (4°/5°), bem como a contusão ampla no corpo.
  3. As referidas lesões foram causadas por embate num objecto contundente, o que conforma com as características da causa de lesões provocadas no acidente de viação.
  4. Com base nas informações apresentadas pela autoridade de polícia e no que foi visto na autópsia, verifica-se que a forma da morte conforma com o acidente de viação.
O acidente de viação referido nestes autos causou directa e necessariamente graves lesões em diversas partes do corpo do ora ofendido e, enfim, resultou na morte do mesmo. Se não houver o acta danoso praticado pelo 1° réu, não iria causar nenhuma lesão ou morte do ora ofendido.
O acto danoso praticado pelo 1° réu violou o direito à vida e o direito à integridade física e psíquica do ora ofendido.
O ora ofendido, antes da sua morte, era um homem de feição perfeita, era física e psiquicamente saudável, tinha uma esposa virtuosa e dois filhos menores, bem como uma a vida familiar feliz.
O ora ofendido tem apenas 41 anos de idade à sua morte.
O ora ofendido foi recrutado pela Sociedade Gestora de Refeição exercia funções de chefe-administrativo da cozinha e auferia o salário mensal de HKD$37.500,00, correspondente a MOP$38.625,00.
O ora ofendido dedicou-se à área gastronómica há mais de dez anos, e já trabalhou em vários restaurantes famosos, comportava sempre de maneira activa, e foi reconhecido e louvado nessa área.
O ora ofendido adora a corrida, tendo assistido em várias competições realizadas dentro e fora do país.
O ora ofendido, sendo principal agente económico da sua família, costuma deixar mensalmente à esposa e aos filhos uma quantia total de MOP$16.000,00, destinada ao custo de vida e às propinas.
Embora o ora ofendido trabalhe na cidade Hangzhou da província Jiejiang, costuma regressar anualmente 5 a 6 vezes a Macau, a fim de visitar os seus familiares, tais como a 1ª demandante (o cônjuge do ofendido), a 2ª e o 3° demandantes (filhos do ofendido).
O ora ofendido sofreu frequentemente dores e angústia desde a ocorrência o acidente até ao seu falecimento, pelas graves lesões que teve, fazendo com que este precisava de aguentar as severas dores corporais.
Além disso, o ofendido teve que suportar a grande pressão espiritual e sofrimento provenientes das suas graves lesões, uma vez que esteve preocupado e receado com os problemas relativos à sua vida e saúde.
O ora ofendido teve um bom estado físico e não teve qualquer deficiência ou doença que lhe impede a trabalhar.
Segundo as regras da área profissional do ora ofendido, este pode trabalhar até 65 anos de idade.
A 1ª demandante e o ora ofendido casaram-se em Macau em 1994, e até à ocorrência dos factos foi sempre cônjuge legal do ofendido.
A 1ª demandante e o ora ofendido casaram-se há mais de dez anos, tiveram boa relação conjugal, e geraram dois filhos. Antes do acidente, tiveram uma vida familiar bastante feliz.
Antes da ocorrência do acidente em questão, o ora ofendido era a fonte económica da 1ª demandante, por isso, esta nunca estava preocupada com a vida.
Desde 1998, a 1ª demandante dedicava-se completamente ao tratamento dos seus filhos menores, por isso nunca trabalhava fora da casa.
O acto danoso do 1° réu causou à 1ª demandante a perda do marido, e violou dela o direito à integridade física e psíquica.
Desde a morte do ora ofendido, a 1ª demandante vivia sempre sob pressão espiritual e sofrimento, no sentido de que se sentia frequentemente triste devido à saudade do ora ofendido e à perda da vida familiar feliz, e que estava preocupada com a sua capacidade de ganho e a de cuidar dos familiares e dos filhos.
A 1ª demandante sofreu totalmente do colapso psíquico, quando recebeu a mensagem da morte do ora ofendido. A 1ª demandante não conseguiu obter o último encontro com o ora ofendido, antes da morte do mesmo, causando-lhe imenso sofrimento espiritual e angústia.
A morte do ora ofendido provocou um ataque severo à 1ª demandante, por consequência, muitas vezes está emocionalmente agitada e anda a chorar, sofrendo de insónia, que lhe levou a dirigir-se ao tratamento pelo seu médico assistente.
Após a morte do ora ofendido, a 1ª demandante começou a submeter-se à psicoterapia, muitas vezes não consegue concentrar-se e tem a memória enfraquecida.
A 2ª e o 3° demandantes são respectivamente a filha e o filho menor do ora ofendido, nascidos respectivamente em 29 de Dezembro de 1993 e em 25 de Setembro de 1995.
Antes da ocorrência do acidente em questão, a 2ª e o 3° demandantes tiveram uma vida familiar bastante feliz e as relações com o pai eram muito íntimas.
Antes da ocorrência do acidente em questão, o ofendido era a fonte económica da 2ª e do 3° demandantes, por isso, nunca estiveram preocupados com a vida.
O acto danoso do 1° réu causou à 2ª e ao 3º demandantes a perda do pai, e violou deles o direito à integridade física e psíquica.
À morte do ora ofendido, a 2ª demandante tinha 11 anos e o 3° demandante tinha apenas 9 anos de idade.
Desde a morte do ora ofendido, a 2ª e o 3º demandantes viviam sempre sob pressão espiritual e sofrimento, no sentido de que se sentiam frequentemente tristes devido à saudade do ora ofendido e à perda do amor paternal, da educação familiar completa e da vida familiar feliz.
A 1ª demandante gastou um valor total de MOP$63.360,00 para as despesas de funeral do ora ofendido.
A 1ª demandante gastou um valor total de MOP$5.613,00 para as despesas de deslocação e doutros encargos, durante o período da organização do funeral do ofendido.
  O automóvel ligeiro conduzido pelo 1° réu na ocorrência do acidente, de matrícula n.° MK-XX-XX, está segurado pela K mediante dum seguro de viaturas de responsabilidade civil, pela apólice n.° XXXX, com o montante de indemnização de MOP$1.000.000,00.
O acidente de viação em causa foi ocorrido dentro do prazo de validade do contrato de seguro acima referido.
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Factos provados constantes no pedido cível de indemnização de fls. 177 a 185:
O referido acidente de viação causou directa e gravemente lesões física e moral ao ofendido H.
O acidente em apreço causou o internamento do ofendido H no hospital, durante o período de 25 de Março de 2005 a 7 de Abril de 2005, num total de 14 dias, tendo posteriormente continuado a submeter-se em diversos tipos de tratamento; e após ter alta do hospital, o seu médico assistente emitiu um atestado, onde se referiu que ao ofendido H foi prescrito o repouso desde 7 de Abril de 2005 a 26 de Abril de 2005, sendo temporariamente incapaz para o trabalho por um período total de 20 dias.
Internado no hospital, o ofendido H foi examinado ao vivo e directamente pelo médico da Urgência do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, e verificou-se que teve fractura no osso de antebraço direito, bem como, rompimento nos tecidos moles e equimoses em diversas partes do tronco direito e dos membros direitos.
Além disso, o médico assistente do ofendido H, elaborou o relatório médico em 4 de Maio de 2005, daí diagnosticou que: existe fractura cominutiva no cúbito do lado direito (em forma fechada).
Internado no hospital, ao longo do período de 25 de Março de 2005 a 7 de Abril de 2005, o ofendido H foi sempre permanecido no hospital para ser tratado das suas lesões, e submeteu-se sucessivamente aos diversos tratamentos cirúrgicos, tais como a cirurgia de redução aberta e fixação do cúbito do lado direito com a placa metálica e parafuso, a transplantação de osso, a colocação de gesso no antebraço direito, os tratamentos de anti-inflamatório e de sustentáculo; mais, foi dirigido ao acompanhamento pela consulta externa de ortopedia.
O ofendido H pagou ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para a despesa com a hospitalização, no valor total de MOP$13.323,00.
Após ter alta do hospital, o ofendido H gastou um montante total de MOP$351,00 para as despesas com o acompanhamento médico e o exame de raio-x efectuados, durante o período de 9 de Maio de 2005 a 21 de Setembro de 2005, na consulta externa de ortopedia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário.
Em 22 de Março de 2006, o ofendido H ainda esteve sujeito ao acompanhamento pela consulta externa de ortopedia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, e pagou as respectivas despesas.
Mais, o ofendido H gastou um montante total de MOP$985,00 para adquirir os seguintes artigos de apoio à sua recuperação:
1. VICOMBIL 60's TABLETS (comprimido) 2 caixas, MOP$25,20;
2. HIRUDOID CREAM (pomada) 3 bisnagas, MOP$115,80;
3. OS-CAL 500+D TABLET 60's (comprimido) 5 pacotes, MOP$299,00;
4. RAFACALCIN SPRAY (spray) 2 garrafas, MOP$203,20;
5. SERRAZYME (Pak Im Siu) 8 caixas, MOP$114,40;
6. CALCIUM 1 caixa, MOP$59,80;
7. DONNA CAPSULE 250mg 100's (comprimido) 4 caixas, MOP$167,20.

Além disso, em 20 de Junho de 2005, o ofendido H gastou um montante total de MOP$270,00 para a despesa com o exame de raio-x efectuado na Companhia “L”.
Após o acidente, o ofendido H gastou um montante total de MOP$3.100,00 para a despesa com as diversas consultas médicas efectuadas no “M”.
O ofendido é o sócio e gerente da “N”, sendo responsável pela venda por grosso de produto alimentício. Antes da ocorrência do acidente, o ofendido auferia um salário mensal de MOP$11.700,00. O aludido acidente causou-lhe uma perda de 34 dias de salário, perfazendo o valor total de MOP$13.260,00.
No período de convalescença, o ofendido foi incapaz de escrever e assinar devido à lesão na mão, e, durante os dois meses após o acidente, não conseguiu passar as facturas da sua empresa, por consequência, as actividades e as operações da sua empresa sofreram um certo grau de prejuízo.
Após o acidente, os familiares do ofendido H pretenderam acelerar o ritmo da recuperação do mesmo, e, segundo as sugestões idóneas, compraram 8 pacotes de medicamentos chineses (no total de MOP$960,00), 6 cates de huajiao (MOP$3.780,00) e radix notoginseng (MOP$3.005,00), a fim de fortalecer o organismo do ofendido.
Pelos expostos, até ao momento, o ofendido H sofreu um prejuízo patrimonial resultante do acidente em apreço, num valor total de MOP$39.034,00.
Antes da ocorrência do acidente, o ofendido H era um homem de feição perfeita, era física e psiquicamente saudável, tinha uma vida feliz e mostrava-se com autoconfiança no seu comportamento.
O ofendido H adora a corrida, foi premiado em várias competições realizadas dentro e fora do país, desempenhando também o cargo de vice-presidente da “Associação desportiva da corrida de longa distância de Macau”.
No período de tratamento médico, o ofendido H sofreu frequentemente dores e angústia, e, além disso, o ofendido não só padeceu as dores físicas, mas também suportou a grande pressão espiritual proveniente das suas graves lesões, uma vez que esteve preocupado e receado.
Ao mesmo tempo, para outras pessoas, é muito difícil de compreender o tal sentimento do ofendido, que surgiu com a perda dum companheiro íntimo do seu grupo de corrida.
Após o acidente, o ofendido H não só foi obrigado a desistir de todas as competições de corrida, mas também foi prejudicado na sua vida quotidiana pela sequela do referido acidente. Muitas vezes sente-se dores na sua perna direita e no joelho, e às vezes as dores fizeram acordá-lo, sendo mais grave a situação nos dias de chuva.
Teve uma placa metálica colocada no interior do braço direito do ofendido H para efeito da fixação óssea, e só será removida daqui a um ano, sofrendo assim, constantemente, dores no braço direito.
O acidente em apreço causou lesões corporais ao ofendido H, deixando ainda marcas nas partes onde foram feridas.
Ainda hoje o ofendido H necessita de se dirigir periodicamente à consulta e ao tratamento médico.
Até ao presente momento, o ofendido H ainda não consegue mover-se com tanta flexibilidade como antes do acidente, causando-lhe a inquietação e desânimo na sua vida quotidiana e no trabalho.
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Factos provados constantes no pedido cível de indemnização de fls. 228 a 236:
O embate fazia com que o ofendido I foi lançado para a beira do monte que tem mais de 1 metro de altura.
No local da ocorrência do acidente, registou-se uma distância de 33,8 metros entre o local em que deu o embate e o local onde o veículo foi parado.
O aludido acidente de viação causou directa e gravemente lesões física e moral ao ofendido I.
Após o embate, o acidente em apreço causou directa e necessariamente ao ofendido I as graves lesões em diversas partes do corpo e ficou imediatamente em estado de coma, sendo posteriormente transportado para Centro Hospitalar Conde de S. Januário para ser socorrido, daí recuperou gradualmente a consciência.
Internado no hospital, o ofendido I foi examinado ao vivo e directamente pelo médico da Urgência do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, e verificou-se que teve equimoses e inchaço nos tecidos moles da testa, rompimentos nos tecidos moles da parte medial da perna superior esquerda, escoriações nos tecidos moles da maxila do lado direito e da parede torácica do lado direito, dores no ombro esquerdo, no dorso da mão direita e na perna direita inferior.
A par disso, o médico assistente do ofendido I elaborou o relatório médico em 23 de Maio de 2005, daí diagnosticou que: existem fractura cominutiva no úmero do lado esquerdo; fractura na parede posterior do acetábulo do lado direito; fractura cominutiva no proximal da tíbia do lado direito; fractura cominutiva na extremidade da tíbia do lado esquerdo; fractura linear na cabeça do rádio do lado esquerdo; fractura no osso nasal; fractura maxilar bilateral e fractura no osso zigomático do lado direito; fractura na base do 2° e 3° metacarpos do lado direito; contusão no músculo oblíquo interno do lado direito; laceração múltipla na pele e laceração na língua; hemorragia conjuntival do lado direito.
Após o acidente o ofendido I internou-se no hospital e submeteu-se sucessivamente várias operações cirúrgicas, tais como a cirurgia de redução aberta e fixação de osso com placa metálica e parafuso, bem como a transplantação de osso; mais, foi dirigido ao acompanhamento pela ortopedia, fisioterapia, cirurgia plástica e consulta externa de estomatologia.
O acidente em apreço causou o internamento do ofendido I no hospital durante o período de 25 de Março de 2005 a 9 de Maio de 2005, num total de 45 dias, tendo posteriormente continuado a sujeitar-se a diversos tipos de tratamento médico, e após ter alta do hospital, o seu médico assistente emitiu um atestado, onde se referiu que ao ofendido I foi prescrito o repouso desde 10 de Maio de 2005 a 28 de Julho de 2005, num total de 80 dias.
Devido ao referido acidente, o ofendido I gastou um valor total de MOP$53.929,00 para a despesa com a hospitalização.
O ofendido I gastou um valor total de MOP$1.245,00 para a despesa de deslocação (de taxi), devido aos seus familiares e amigos precisaram de se deslocar ao hospital para tomarem conta dele, uma vez que o mesmo teve dificuldade em mover-se no período em que estava internado no hospital, e mais porque o ofendido teve que se deslocar ao consultório médico para submeter-se a fisioterapia.
Além disso, o ofendido I gastou um montante total de MOP$3,577,70 para adquirir os seguintes artigos de apoio à sua recuperação:
1. 1 artigo para aplicação a quente, MOP$70,00;
2. 1 bola fisioterapia de forma média, MOP$65,00;
3. 1 bengala, MOP$90,00;
4. 1 pomada “Cica-Care”, MOP$295,00;
5. 1 caixa de “REP sau lai ngan”, MOP$60,00;
6. 1 bicicleta ergométrica “PROTGUS#3200”, MOP$1.980,00;
7. 1 spray “Pit-liu-seong”, MOP$42,00;
8. 2 bisnagas de pomada “KENACORT-A”, MOP$64,40;
9. 4 bisnagas de pomada “Hang-tak-chi”, MOP$87,60;
10. 56 pacotes de “ENERCAL PLUS”, MOP$718,20;
11. 5 garrafas de desinfectante cloreto de sódio, MOP$11,50;
12. 4 rolos de ligadura de marca “Sut-fá”, MOP$12,00;
13. 1 rolo de penso, MOP$5,00;
14. 1 spray “NEBACETINE SPAY”, MOP$77,00.
De Maio a Agosto de 2005, o ofendido I gastou um montante total de MOP$640,00 para a despesa com o exame de raio-x efectuado ao braço esquerdo, ombro esquerdo, perna direita e pelve, no laboratório de raio-x “O”.
Em 11 de Maio de 2005, o ofendido I gastou um valor de MOP$781,00 para as despesas com o tratamento de reabilitação de saúde efectuado no Hospital Kiang Wu.
Após o acidente, o ofendido I gastou um montante total de MOP$890,00 para as despesas com a consulta médica efectuada no “Consultório Médico P”.
Após a ocorrência do acidente, o ofendido I gastou um montante total de MOP$7.900,00 para as despesas com as diversas consultas médicas efectuadas no “M”
Após o acidente, dado os familiares pretenderam acelerar o ritmo da sua recuperação, o ofendido adoptou as sugestões dadas pelo médico e comprou 3 pacotes de medicamentos chineses (no total de MOP$60,00), 1 cate de huajiao (MOP$450,00), a fim de fortalecer o organismo; além disso, comprou ainda 2 garrafas térmicas (no total de MOP$150,00), com o fim de lhe transportar os tais tónicos.
Pelos expostos, o ofendido I sofreu um prejuízo patrimonial resultante do acidente em apreço, num valor total de MOP$69.623,00.
Após ter alta do hospital, o ofendido I deve continuar a sujeitar-se ao tratamento, e foi diagnosticado como “o pescoço do úmero do ombro esquerdo encontra-se em fractura múltipla, e deixou as sequelas dos danos, tais como a atrofia muscular e a perda das suas funções”, e mais, precisa de sujeitar-se a um tratamento de longa duração, a fim de recuperar as funções dos tecidos do ombro.
Antes do acidente, o ofendido I era um homem de feição perfeita e de boa aparência, era física e psiquicamente saudável, tinha uma vida feliz e mostrava-se com autoconfiança no seu comportamento.
O ofendido I exerce funções de Oficial Administrativo Principal na Direcção dos Serviços de Finanças, sendo responsável pelo trabalho de informática e de expediente, bem como a vistoria e recepção das obras e instalações públicas. Antes do acidente, o ofendido I tinha perfeita capacidade para tratar os seus trabalhos.
O ofendido I tinha a qualidade física bastante boa, chegou a prestar auxílio à Polícia para combater os crimes e apanhar os criminosos, pelo que foi elogiado pela P.S.P..
O ofendido I adora muito o desporto, especialmente a corrida de longa distância. Assistiu as competições da corrida de longa distância há mais de 20 anos e foi premiado em várias competições realizadas dentro e fora do país, desempenhando também o cargo de presidente da “Associação desportiva da corrida de longa distância de Macau”.
No período de tratamento médico, o ofendido I sofreu frequentemente dores e angústia, e, além disso, o ofendido não só padeceu as dores físicas, mas também suportou a grande pressão espiritual proveniente das suas graves lesões, uma vez que esteve preocupado e receado.
O acidente em apreço causou graves lesões corporais ao ofendido I, apesar de ter submetido, por várias vezes, às operações cirúrgicas, ainda hoje se encontram as cicatrizes bem visíveis no corpo.
Após o acidente, o ofendido I tem que desistir de todas as competições de corrida, e nunca pode fazer exercício custoso.
Ainda hoje o ofendido I necessita de se dirigir periodicamente à consulta e ao tratamento médico no hospital. Às vezes sente-se dores na parte onde foi ferida, sendo mais grave a situação nos dias de chuva.
Até ao presente momento, a qualidade física e a flexibilidade corporal do ofendido I são muito diferentes em relação ao estado físico com que estava antes do acidente, causando-lhe imensas inquietações e preocupações, bem como prejuízo no trabalho e na sua vida quotidiana.
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Factos provados constantes na contestação do arguido de fls. 421 a 425:
O arguido trabalha como empregado num escritório de advogados nunca faltou ao emprego, nunca compareceu atrasado nem fatigado.
Tem o 12° ano de escolaridade, aufere o salário mensal de MOP$6.000,00 em escritório de advogados, sem quaisquer outros bens nem rendimentos a não ser este salário. E reside com os pais na Praia de Hac Sá, Ilha de Coloane, e tem uma educação de vida familiar e caseira.
O acidente ocorreu em dia feriado da Semana Santa de 2005, na 6ª feira, 25 de Março de 2005, na hora indicada nos autos.
Considera-se o causador do acidente e cuja causa foi por ter adormecido. E ficou e continua profundamente traumatizado e chocado com o acidente e desgraça que daí resultou para si e para as vítimas.
Por causa desse trauma nunca mais quis conduzir um carro, nem sequer o carro do escritório para fazer serviço.
O arguido passou a noite com os amigos na casa dum deles em Macau, a ver filmes e a jogar computador e a descansar no sofá enquanto viam filmes.
O arguido saiu de casa do amigo, pegou no carro e foi de Macau para Coloane, em direcção a Hac Sá onde mora com seus pais.
*
Mais se provou:
Na audiência de julgamento, o arguido admitiu que deve responsabilizar-se pelo acidente de viação.
Com base na Certidão do Registo Criminal, o arguido é primário.
O arguido é o empregado dum escritório de advogados e aufere um salário mensal de MOP$6.000,00. O arguido mora com seus pais e tem como habilitações literárias o ensino secundário completo.
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Factos não provados:
Os restantes factos relevantes constantes da acusação, do pedido cível de indemnização e da contestação que não se conformam com os factos provados.”; (cfr., fls. 706-v a 712-v e 828 a 848).

III - O Direito
1. As questões a resolver
São as seguintes as questões a resolver:
A) Quanto à recorribilidade do Acórdão recorrido:
a) A questão de saber se quando, em processo criminal, a parte penal da decisão não admite recurso, como é o caso, há lugar a recurso da parte cível, se a decisão impugnada é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido;
b) A questão de saber se, em recurso da parte cível da decisão criminal se aplica, subsidiariamente, o disposto no n.º 2 do art. 638.º do Código de Processo Civil, segundo o qual não há recurso do acórdão do TSI que confirme, sem voto de vencido a decisão proferida na primeira instância.
B) Quanto ao mérito da causa:
a) Se a conduta dos lesados contribuiu para o acidente e, assim, se as indemnizações fixadas devem ser reduzidas;
b) Se o acórdão recorrido violou o disposto no art. 487.º do Código Civil, ao não ter fixado equitativamente as indemnizações por danos patrimoniais em montante inferior aos danos causados.
c) Se o acórdão recorrido violou o disposto no art. 489.º, n.º 3 do Código Civil, ao não ter fixado equitativamente as indemnizações por danos não patrimoniais em montante inferior.

2. Recorribilidade do Acórdão recorrido. Recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.
Trata-se da questão de saber se quando, em processo criminal, a parte penal da decisão não admite recurso, como é o caso, há lugar a recurso da parte cível, se a decisão impugnada é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido.
A resposta é afirmativa. O recurso da parte da sentença penal relativa à indemnização civil depende de a decisão ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido, nos termos do n.º 2 do artigo 390.º do Código de Processo Penal, semelhantemente ao que ocorre em processo civil, em que os requisitos para se recorrer são i) o valor da causa superior à alçada do tribunal de que se recorre (em processo penal, não existe valor da causa, mesmo quando é formulado pedido de indemnização) e ii) a decisão ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido (artigo 583.º do Código de Processo Civil).
O paralelismo do regime de recorribilidade das decisões em processo civil e da parte da sentença penal relativa à indemnização civil é, pois, evidente, na interpretação que fazemos.
Seria já completamente despropositado exigir ainda que a parte da sentença penal fosse recorrível, para também admitir o recurso da parte relativa à indemnização. Os valores em jogo são diversos.
Aliás, é a jurisprudência deste TUI, já em dois Acórdãos.
No Acórdão de 17 de Setembro de 2003, no Processo n.º 20/2003 entendemos que o requisito para o recurso de acórdão do Tribunal de Segunda Instância, em processo penal, para o Tribunal de Última Instância de decisão sobre custas ou outras em que estejam em causa interesses económicos, é o de a decisão ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do primeiro daqueles tribunais, ou seja, de MOP$500.000,00, por aplicação analógica do n.º 2 do art. 390.º do Código de Processo Penal.
E dissemos a propósito:
“A questão que se levanta é a da recorribilidade da decisão sobre custas tomada em recurso jurisdicional pela segunda instância.
Como se disse, em matéria penal, a regra geral é a da recorribilidade das decisões, de acordo com o disposto no art. 389.º do Código de Processo Penal.
Mas o art. 390.º é uma norma delimitadora do alcance da anterior, especificando o n.º 1 quatro casos em que não cabe recurso do TSI para o TUI.
Todos estes casos do n.º 1 do art. 390.º se referem às decisões em matéria penal tomadas pelo TSI (decisões não finais e decisões absolutórias e condenatórias dos arguidos).
O n.º 2 do art. 390.º trata da recorribilidade das decisões relativas à indemnização civil.
E não há outras normas que rejam os demais casos em que não esteja em causa nem matéria penal nem matéria atinente à indemnização civil.
Ou seja, não há norma expressa a prever a recorribilidade ou a irrecorribilidade das decisões relativas a custas, multas (ao arguido, partes civis e simples intervenientes processuais, como testemunhas e peritos) e outras decisões que o TSI possa ter que proferir em processo penal.
Quid juris?
Uma possível solução seria aplicar a estes casos o princípio geral da recorribilidade das decisões tomadas em processo penal.
Mas esta solução não teria em conta que, em matéria penal, o TUI só intervém na apreciação dos crimes mais graves em termos de pena abstractamente aplicável1 e que, no que toca à parte da decisão relativa à indemnização civil, o TUI só conhece das decisões desfavoráveis para o recorrente em valor superior a metade da alçada do TSI, ou seja, a MOP$500.000,00.
Logo, parece evidente que o conhecimento por parte do TUI de decisões não penais nem relativas à indemnização civil do TSI, designadamente em matéria de custas, multas e outras, não pode ser genérico.
Pois se, em matéria penal e de indemnização civil, a sua intervenção é, respectivamente, limitada aos crimes mais graves e aos interesses económicos mais valiosos, seria totalmente desacertado admitir o conhecimento dos recursos em outras matérias muitos menos importantes e relevantes.
Mas, então, o TUI nunca pode conhecer de tais questões?
Uma possível solução seria admitir o conhecimento de tais questões quando fossem colocadas em acumulação com outras de que o TUI pode conhecer, nos termos legais.
Mas tal solução chocaria o senso comum.
A que título, por exemplo, é que em acumulação com a apreciação de um crime de homicídio voluntário, o TUI poderia apreciar a discussão de custas no valor de 3 UC e já não o faria se estivesse em causa um valor de 40 UC ou até muito superior - porventura ilegalmente fixado - mas em que não estivesse em apreciação outra questão de que pudesse conhecer, como acontece com o crime de injúria, punível com pena de prisão até 3 meses ?
Quer dizer, estando em causa, no caso de decisão sobre custas, uma questão económica, não faz sentido atrelar o seu conhecimento às matérias estritamente penais, em que os valores em causa são de outra natureza.
Mas a ser assim, parece haver maior analogia (art. 9.º do Código Civil) de tais questões económicas (custas, multas), com a questão relativa à indemnização civil, em que também estão em causa valores de ordem económica.
Ora, estabelecendo a lei que só há recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil desde que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido, é curial só admitir o recurso respeitante à decisão sobre custas tomada pelo TSI, quando a decisão seja desfavorável para o recorrente em valor superior a MOP$500.000,00.2 3”
No Acórdão de 28 de Julho de 2004, no Processo n.º 18/2004, decidiu este TUI que o requisito para o recurso de acórdãos do Tribunal de Segunda Instância em processo penal, para o Tribunal de Última Instância, de decisão em que estejam em causa interesses económicos, é o de a decisão ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do primeiro daqueles tribunais, ou seja, de MOP$500.000,00, por aplicação analógica do n.º 2 do art. 390.º do Código de Processo Penal.
A doutrina dos dois casos aplica-se manifestamente à situação dos autos, pelo que a recorribilidade da parte da sentença relativa à indemnização civil não está dependente de a parte penal da sentença admitir ou não recurso.

3. Aplicação, em processo penal, da dupla conforme prevista no n.º 2 do artigo 638.º do Código de Processo Civil, à parte da sentença relativa à indemnização civil
Trata-se, agora, de saber se se aplica, em processo penal, a dupla conforme prevista no n.º 2 do artigo 638.º do Código de Processo Civil, à parte da sentença relativa à indemnização civil.
Em processo civil, a recorribilidade das decisões do TSI depende de dois requisitos positivos e de um requisito negativo.
Os requisitos positivos, previstos no n.º 1 do artigo 583.º do Código de Processo Civil, já os apontámos:
i) O valor da causa ser superior à alçada do tribunal de que se recorre;
ii) A decisão ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido.
O requisito negativo está previsto no n.º 2 do artigo 638.º do Código de Processo Civil:
iii) Mesmo que se verifiquem os requisitos positivos, não cabe recurso do acórdão do TSI que confirme, sem voto de vencido a decisão proferida na primeira instância.
Será este requisito negativo aplicável em processo penal à parte da sentença relativa à indemnização civil?
Nunca fomos chamados a pronunciar-nos sobre esta questão. A resposta é negativa. Expliquemos porquê.
Tanto em processo penal como em processo civil, o recurso para o TUI está limitado aos casos que o sistema considera mais importantes. O que se compreende, porque, em regra, as causas iniciam-se nos tribunais de primeira instância (TJB) e há sempre um grau de recurso, em processo penal, para o TSI, como também o há, na esmagadora maioria dos casos, em processo civil. Um segundo grau de recurso, para o TUI, só se justifica nos casos mais importantes, porque os meios são quase sempre escassos, pelo que não faz sentido desbaratá-los e, ao mesmo tempo, protelar a decisão final.
Por isso, em processo civil, mesmo nos casos mais importantes, não há recurso para o TUI se a decisão do TSI confirmar, sem voto de vencido a decisão de primeira instância. O sistema assume que quando não há discordância de nenhum dos julgadores, em duas instâncias, a decisão deverá estar correcta, pelo que não admite recurso para o TUI.
Já em processo penal a dupla conforme não está estabelecida como principio genérico, aparecendo, no entanto, em duas situações:
- Nas decisões de absolvição proferidas pelo TSI, independentemente da gravidade do crime imputado [artigo 390.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal];
- Nos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelo TSI, que confirmem decisão da primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a dez anos [artigo 390.º, n.º 1, alínea g) do Código de Processo Penal].
Especificamente, em processo penal, quanto à parte da sentença relativa à indemnização civil, o Código de Processo Penal, designadamente no n.º 2 do artigo 390.º, não menciona a irrecorribilidade dos acórdãos do TSI com base no princípio da dupla conforme.
É certo que o artigo 4.º do Código de Processo Penal determina que nos casos omissos se observam as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal, quando as disposições do Código não puderem aplicar-se por analogia.
Ponto é saber se quanto à questão em apreço existe um caso omisso.
Afigura-se-nos que não há.
Na verdade, o artigo 389.º do Código de Processo Penal estatui a regra geral da recorribilidade de todas as decisões judiciais.
O n.º 1 do artigo 390.º do mesmo diploma geral consagra as excepções à regra geral do artigo anterior, preceituando quais as decisões judiciais de que não cabe recurso, em processo penal.
E o n.º 2 do mesmo artigo 390.º indica em que casos há recurso da parte da decisão relativa à indemnização civil.
No que concerne a esta última matéria, a lei pretendeu esgotar os requisitos de admissibilidade de recurso e contentou-se com o valor da sucumbência para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal de que recorre.
Não deixou, pois, espaço para outros requisitos, positivos ou negativos, pelo que não cabe invocar qualquer omissão, que não se mostra ter sido querida pelo legislador.
De resto, em dois casos, como se viu, o Código de Processo Penal adoptou o princípio da dupla conforme. Não o fez, contudo, a propósito da parte da decisão relativa à indemnização civil.
Logo, não se aplica em processo penal, subsidiariamente, o disposto no n.º 2 do artigo 638.º do Código de Processo Civil.
É, pois, recorrível o Acórdão recorrido, na parte impugnada pelo recorrente.

4. Culpa dos lesados
Entremos na apreciação do mérito da causa.
O Acórdão recorrido fixou indemnizações por danos patrimoniais e danos não patrimoniais (utilizando a expressão danos morais para se referir a estes últimos, terminologia que os Códigos Civis de 1966 e de 1999 já não utilizam).
O recorrente, no presente recurso, optou por não questionar a quantificação dos danos patrimoniais e danos não patrimoniais adoptada no Acórdão recorrido. Defende, no entanto, que devem ser reduzidos os montantes fixados, por via de duas circunstâncias, que entende não terem sido levadas em conta pelo Acórdão recorrido.
São elas, na tese do recorrente:
a) A conduta dos lesados ter contribuído para o acidente e, assim, as indemnizações fixadas deverem ser reduzidas nos termos do artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil;
b) As indemnizações por danos patrimoniais deveriam ter sido fixadas equitativamente em montante inferior aos danos causados, nos termos do artigo 487.º do Código Civil, já que o recorrente agiu com mera negligência inconsciente e tem uma situação económica modesta, sendo culpa do legislador que o seguro automóvel obrigatório seja apenas de MOP$1.000.000,00, tendo o recorrente de suportar uma quantia que o coloca na situação de devedor vitalício;
c) As indemnizações por danos não patrimoniais deveriam ter sido fixadas equitativamente nos termos do artigo 487.º, por força do disposto no artigo 489.º, n.º 3, ambos do Código Civil.
Comecemos pela primeira questão.
Entende o recorrente que existiu, ao lado da culpa do próprio recorrente, culpa dos lesados, já que corriam dentro da faixa de rodagem numa estrada onde os peões não podiam circular, porque não existia passeio ou caminho para peões, pelo que violaram as disposições do artigo 8.º, n.º 1 do Código da Estrada, por referência ao artigo 1.º, alínea f) do mesmo diploma legal.
Vejamos os factos:
O recorrente conduzia o automóvel por uma estrada de Coloane, pelas 8 horas da manhã, depois de ter passado uma noite sem dormir. Adormeceu ao volante e colheu três pessoas que, àquela hora, corriam na beira da estrada, em sentido contrário ao automóvel e na outra meia faixa de rodagem. Quer isto dizer que o automóvel conduzido pelo recorrente invadiu a meia faixa de rodagem, destinada à circulação dos veículos em sentido contrário ao seu, aí colhendo os transeuntes.
A mencionada estrada não tem passeio ou caminho para peões, pelo que os lesados tinham que correr na zona lateral da via.
O recorrente imputa aos lesados violação do disposto nos artigos 8.º, n.º 1 e 1.º alínea f) do Código da Estrada, então vigente, defendendo que eles não podiam circular na estrada.
Mas sem razão.
De acordo com o n.º 1 do artigo 8.º do Código da Estrada, “Os peões devem transitar pelos passeios, pistas ou passagens a eles destinados ou, na sua falta, pelas bermas”.
Mas acrescenta o n.º 2, alínea b) do mesmo artigo 8.º que “Os peões podem, no entanto, transitar pela faixa de rodagem, mas sempre por forma a não prejudicar o trânsito de veículos, nos seguintes casos:
...
b) Na falta dos locais referidos no n.º 1 ou na impossibilidade de os utilizar;
...”.
No local não havia passeios nem pistas para peões e dos factos provados retira-se que também não existiam bermas, dado que se afirma que os lesados “... tinham que correr na zona lateral da linha da via rodoviária”. O que é confirmado pelas fotografias juntas aos autos.
Assim sendo, era lícito aos peões transitarem pela faixa de rodagem, pelo que se afigura não ter existido culpa dos lesados, em concorrência com a do condutor.
Aliás, o condutor colheu os peões na meia faixa de rodagem destinada aos veículos que circulassem em sentido contrário, pelo que mesmo que os peões tivessem violado a norma legal mencionada sempre seria de questionar a relação de causalidade entre tal hipotética violação e o facto do embate entre o veículo e os peões.
Em conclusão, não tinha aplicação ao caso o disposto no artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil, que rege para a concorrência de culpas entre o lesante e o lesado.

5. Funções da responsabilidade civil.
Como se disse, o recorrente, no presente recurso, optou por não questionar a quantificação dos danos patrimoniais adoptada no Acórdão recorrido.
Mas considera que as indemnizações por danos patrimoniais deveriam ter sido fixadas equitativamente em montante inferior aos danos causados, nos termos do artigo 487.º do Código Civil, já que o recorrente agiu com mera negligência inconsciente e tem uma situação económica modesta, sendo culpa do legislador que o seguro automóvel obrigatório seja apenas de MOP$1.000.000,00, tendo o recorrente de suportar uma quantia que o coloca na situação de devedor vitalício.
Em matéria de indemnização por violação ilícita do direito de outrem, o princípio geral é o do ressarcimento do lesado pelos danos (todos os danos causados, nem mais nem menos) resultantes da violação (artigo 477.º, n.º 1 do Código Civil).
Porém, dispõe o artigo 487.º do Código Civil:
“Artigo 487.º
(Limitação da indemnização no caso de mera culpa)
  Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Quer isto dizer que o tribunal pode fixar indemnização em montante inferior aos danos efectivos quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, desde que se verifiquem determinadas circunstâncias.
Por outro lado, há que recordar que, tradicionalmente, a doutrina, no plano do direito a constituir, não admitia que o tribunal pudesse fixar, a título de indemnização, um montante superior aos danos causados ao lesado, por entender que a única função da responsabilidade civil é a função reparatória.
Este princípio corresponde à ideia de que a responsabilidade civil não tem, para a maior parte da doutrina, uma finalidade punitiva, nem sequer uma finalidade preventiva4.
Não obstante, é indiscutível que em relação à responsabilidade civil conexa com a criminal – como é o caso da dos autos – a responsabilidade civil tem as três funções apontadas, punitiva, preventiva e reparadora, porventura com primazia da primeira5.
Não quer isto dizer, no entanto, que o tribunal possa fixar, a título de indemnização, um montante superior aos danos causados ao lesado, como não pode efectivamente.
Curiosamente, a norma invocada pelo recorrente, para pedir fixação da indemnização em montante inferior aos danos causados (artigo 487.º do Código Civil de Macau, correspondendo ao artigo 494.º do Código Civil de 1966), costuma ser chamada à colação pela doutrina para defender que, no caso, a função da responsabilidade civil não é puramente reparadora, mas também sancionatória e preventiva, não só porque a indemnização poderá ser inferior ao dano causado, mas também porque se atende ao grau de culpa do agente6.
Actualmente, não falta mesmo quem advogue, no domínio da civil law – no direito da common law é comum a fixação de danos punitivos – que, em certos casos, se possa atribuir ao lesado mais do que os danos sofridos, particularmente na esfera da responsabilidade contratual, por via da restituição do lucro ilegítimo obtido através da prática de um acto ilícito (danos punitivos ou punitive damages)7.

6. Fixação da indemnização em montante inferior aos danos causados
Como se disse, nos termos do artigo 487.º do Código Civil, o tribunal pode fixar indemnização em montante inferior aos danos efectivos quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, desde que se verifiquem determinadas circunstâncias. Isso sucederá quando o justifiquem:
- O grau de culpabilidade do agente;
- A situação económica do agente;
- A situação económica do lesado;
- As demais circunstâncias do caso.
Foi VAZ SERRA o autor da proposta de consagração, no Código Civil de 1966, de norma semelhante (o artigo 494.º) ao artigo 487.º do Código Civil de Macau. Este Professor, depois de se perguntar se o montante da indemnização deve variar conforme o grau de culpa do responsável, respondia que 8“... na generalidade dos direitos modernos, como no direito comum, é, em princípio, negativa. Embora a responsabilidade civil dependa, em princípio, de culpa do autor do facto danoso, a extensão da indemnização é independente do grau que essa culpa revestir.
Funda-se esta orientação em que a indemnização tem um papel meramente reparador do dano causado, não se destinando a prevenir ou punir actos contrários ao direito. Ora, o dano causado não é maior ou menor consoante o grau de culpa do autor dele.
Mas, em contrário, pode observar-se que, se a responsabilidade depende de culpa, do grau desta deve depender também a extensão da indemnização. Entre aquele que não teve culpa alguma e o que teve culpa leve, haverá, no sistema referido, uma diferença enorme, obrigado como está este último a reparar todos os danos causados; não há, diversamente, diferença alguma entre o que procedeu com culpa simples e o que agiu com culpa lata ou com dolo. Ora, se a ausência de culpa exclui a responsabilidade, o grau de culpa deve influir no montante da indemnização”.
E acrescentava o mesmo Professor:
“b) Em princípio, a indemnização deve ser igual ao dano efectivo causado e a possibilidade de recurso à culpa do responsável só significa que o juiz pode, atendendo, ao grau dessa culpa, fixar o montante da indemnização em quantia inferior ao valor do dano real. Trata-se, portanto, de uma norma de protecção do responsável, cuja culpa não pareça suficiente para justificar uma reparação integral do dano.
Deste modo, o responsável, que tenha procedido com dolo, não beneficia de tal norma; só aquele, que tenha procedido com simples culpa, poderá aproveitar com ela.
Ora, para saber se o responsável meramente culposo deve reparar todo o dano ou só parte dele, inspirar-se-á o juiz nas circunstâncias; mas parece conveniente, para que o seu arbítrio não seja muito grande, indicar quais as principais dessas circunstâncias que devem ser tidas em conta.
Em primeiro lugar, o juiz atenderá ao grau de culpa do responsável: assim, aquele que procede com culpa levíssima merece um tratamento mais favorável do que o que procede com culpa lata ou grosseira ou até com culpa leve.
Em segundo lugar, à situação económica das partes: o facto de o responsável se encontrar em má situação económica, sendo boa a do prejudicado, é razoável que seja tida em consideração. Se, por exemplo, A, muito pobre, com mera negligência causa dano no prédio de B, pessoa de avultados meios de fortuna, pode o juiz deixar de atribuir a este o direito a uma reparação integral do dano.
...
Quando a situação económica do prejudicado for má, já será mais difícil que o juiz admita uma indemnização inferior ao dano efectivo. E, se ela for má, e boa a do responsável, parece que este deve, pelo menos em regra, reparar o dano efectivo, embora tenha procedido com mera negligência.
Em terceiro lugar, atenderia o juiz a outras circunstâncias que porventura sejam susceptíveis de, acompanhados da mera negligência do responsável, justificar uma redução da indemnização”9.
Interpretando o mencionado artigo 494.º do Código Civil de 1966, JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA 10entende que a finalidade básica da norma é a de poder constituir uma barreira, uma correcção, um limite a uma indemnização desproporcionada à gravidade da conduta. E acrescentava “... convém não esquecer que o tribunal não deixará de atender, pelo menos, a seguro obrigatório existente”, invocando, quanto a este último aspecto, a opinião de CUNHA GONÇALVES11.

7. O caso dos autos
O acto ilícito do recorrente foi praticado com mera culpa, na forma de negligência inconsciente, pois se provou que o atropelamento aos peões ocorreu por o condutor do veículo ter adormecido ao volante. É certo que, neste condicionalismo, poderia ainda ter ocorrido uma forma de culpa mais leve, sabido que o responsável passou uma noite sem dormir e conduzia o veículo pelas 8 horas da manhã, pelo que deveria ter previsto que não se encontraria nas melhores condições físicas para a condução automóvel. Mas abona a seu favor o facto de a viagem para casa ser curta.
Podemos considerar, pois, a culpa do recorrente como leve (não levíssima, mas também não lata ou grosseira).
Ponderado o grau de culpabilidade do agente, examinemos a situação económica deste e dos lesados.
No caso existia apenas seguro automóvel por danos causados a terceiros no montante de MOP$1.000.000,00, correspondendo ao montante do seguro legal obrigatório. Este montante será pago pela seguradora aos lesados. Pelo restante, responde o recorrente.
O recorrente tem 26 anos de idade, morava com os pais e auferia MOP$6.000,00 mensalmente, como empregado de escritório de advogados.
A situação económica dos lesados parece ser mais favorável.
O falecido auferia mensalmente HKD$37.500,00, pelo que deveria ter algumas poupanças, que reverteram para a mulher e filhos.
O lesado H é sócio-gerente de uma empresa de venda por grosso de produtos alimentícios. Auferia mensalmente um salário de MOP$11.700,00. É, no entanto, provável, que tenha rendimentos da empresa por via dos lucros.
O lesado I exerce funções de oficial administrativo principal na Direcção dos Serviços de Finanças. Os índices de vencimento correspondente a tal categoria variam entre os índices 305 e 330. No mínimo, o seu vencimento será de MOP$17.995.00.
Quer dizer, a situação económica dos lesados não é inferior à do lesante.
Quanto às demais circunstâncias do caso, importa reconhecer que a conduta dos lesados, embora indiscutivelmente legal por não haver no local nem passeios nem pistas para peões, nem bermas na estrada, criou alguns riscos ao utilizarem a estrada para correr, embora se não possa qualificar tal conduta como negligente.
As faixas de rodagem das estradas destinam-se especialmente ao trânsito de veículos [artigo 1.º, alínea d) do Código da Estrada], embora possam ser atravessadas pelos peões ou até mesmo utilizadas para transitar. Mas os lesados criaram um risco para a sua segurança ao utilizarem um local especialmente utilizado por veículos, sendo certo que há outros locais em que poderiam correr, minimizando aquele risco.
Por outro lado, a quantia fixada a título de indemnização pelo TSI foi de MOP$4.822.017,00, cabendo ao recorrente suportar MOP$3.822.017,00.
Ora, a circunstância de o seguro pagar apenas uma fracção menor da quantia em causa também poderá relevar como uma das circunstâncias a atender, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 487.º.
Não obstante, parece revelar alguma falta de prudência, por parte do recorrente, a contratação de seguro automóvel por danos causados a terceiros, apenas pelo montante de MOP$1.000.000,00. É certo que é esse o valor mínimo do seguro obrigatório para veículos automóveis ligeiros, fixado no já longínquo ano de 1994, e com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1997. Mas o facto de a Administração não aumentar tal valor (provavelmente terá boas razões para isso) não deve impedir os cidadãos de acautelarem minimamente os seus interesses e os dos lesados nos acidentes – contratando os seguros por valores realistas para os dias de hoje – pois os lesados correm o risco de não serem totalmente ressarcidos, no caso de os responsáveis pelos acidentes não terem meios para suportarem as indemnizações fixadas.
Equitativamente, afigura-se-nos de reduzir em 10% o montante relativo aos danos patrimoniais fixados, com excepção das despesas do funeral da vítima que serão suportados na totalidade.

8. Danos não patrimoniais
Os montantes fixados pelo TSI a título de danos não patrimoniais foram os seguintes:
- MOP$900.000,00, o montante devido pela perda do direito à vida da vítima D, a favor da sua mulher e filhos, E, F e G.
- MOP$100.000,00, pelos danos não patrimoniais da própria vítima D, a favor da sua mulher e filhos, E, F e G;
- MOP$500.000,00, pelos danos não patrimoniais da mulher da vítima, E;
- MOP$300.000,00, pelos danos não patrimoniais da filha da vítima, F;
- MOP$300.000,00, pelos danos não patrimoniais do filho da vítima, G;
- MOP$300.000,00, por danos não patrimoniais a favor do lesado H;
- MOP$600.000,00, por danos não patrimoniais a favor do lesado I;
Relativamente aos danos não patrimoniais, o seu montante é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 487.º do Código Civil (n.º 3 do artigo 489.º do Código Civil).
O recorrente entende que devem ser fixados em montantes inferiores ao atribuídos pelo TSI.
Dispensamo-nos aqui de repetir as considerações feitas a propósito do artigo 487.º do Código Civil, que se aplicam à fixação dos danos não patrimoniais, por remissão directa do n.º 3 do artigo 489.º.
O mesmo se diga das considerações atinentes ao caso dos autos.
Ponderando os factos provados.
Relativamente à perda do direito à vítima, este TUI fixou tais valores em dois casos em MOP$900.000,00 (Acórdão de 11 de Março de 2008, no Processo n.º 6/2007) e em MOP$800.000,00 (Acórdão de 27 de Junho de 2008, no Processo n.º 15/2008).
Aceita-se o valor de MOP$900.000,00, fixado pelo TSI no caso dos autos, para um homem saudável, com 41 anos de idade.
Relativamente ao montante fixado por danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima, não encontramos nos factos provados que esteja fixado o momento da morte, para se poder avaliar a duração das dores e angústia sofridos pelo falecido antes da morte.
Consta do relatório da autópsia que faleceu 40 minutos depois do acidente.
Reduzimos o valor de MOP$100.000,00 para MOP$50.000,00.
Face aos factos provados, fixamos equitativamente os montantes dos restantes danos não patrimoniais nos seguintes valores:
- MOP$300.000,00, pelos danos não patrimoniais da mulher da vítima, E;
- MOP$200.000,00, pelos danos não patrimoniais do filho da vítima, F;
- MOP$200.000,00, pelos danos não patrimoniais do filho da vítima, G;
- MOP$150.000,00, por danos não patrimoniais a favor do lesado H;
- MOP$300.000,00, por danos não patrimoniais a favor do lesado I.

IV – Decisão
Face ao expendido, julgam o recurso parcialmente procedente, fixando os seguintes valores a título de danos patrimoniais e não patrimoniais:
- MOP$900.000,00, (novecentas mil patacas) o montante devido pela perda do direito à vida da vítima D, a favor da sua mulher e filhos, E, F e G.
- MOP$50.000,00, (cinquenta mil patacas) pelos danos não patrimoniais da própria vítima D, a favor da sua mulher e filhos, E, F e G;
- MOP$300.000,00, (trezentas mil patacas) pelos danos não patrimoniais da mulher da vítima, E;
- MOP$200.000,00, (duzentas mil patacas) pelos danos não patrimoniais da filha da vítima, F;
- MOP$200.000,00, (duzentas mil patacas) pelos danos não patrimoniais do filho da vítima, G;
- MOP$630.000,00, (seiscentas e trinta mil patacas) a título de alimentos da mulher da vítima, E;
- MOP$405.000,00, (quatrocentas e cinco mil patacas) a título de alimentos da filha da vítima, F;
- MOP$450.000,00, (quatrocentas e cinquenta mil patacas) a título de alimentos do filho da vítima, G;
- MOP$63.360,00 a título de despesas de funeral da vítima;
- MOP$150.000,00, (cento e cinquenta mil patacas) por danos não patrimoniais a favor do lesado H;
- MOP$35.130,60, (trinta e cinco mil cento e trinta patacas e sessenta avos) por danos patrimoniais a favor do lesado H;
- MOP$300.000,00, (trezentas mil patacas) por danos não patrimoniais a favor do lesado I;
- MOP$62.660,70, (sessenta e duas mil seiscentas e sessenta patacas e setenta avos) por danos patrimoniais a favor do lesado I.
O que tudo soma o total de MOP$3.746.151,30, (três milhões setecentas e quarenta e seis mil cento e cinquenta e uma patacas e trinta avos) sendo MOP$1.000,000,00 (um milhão de patacas) a suportar pela seguradora e o restante pelo recorrente C.
Custas na proporção do vencido entre recorrente e recorridos tanto no TSI como no TUI.
Macau, 21 de Janeiro de 2009.

   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
1 E não em todos, já que não pode apreciar, por exemplo, as decisões absolutórias do TSI, confirmativas de decisões de primeira instância[art. 390.º, n.º 1, alínea d)], por mais graves que sejam os crimes imputáveis aos arguidos.
2 O que pode suceder não só em casos de fixação de taxa de justiça em montante superior ao legalmente admitido, como também face a valor elevado dos encargos, como despesas efectuadas, retribuições a peritos, etc.
3 Parece preferível esta solução a outra que privilegiasse o recurso à alçada do TSI, a que recorre o processo civil (art. 583.º do respectivo Código), sendo, no entanto, certo que face à lei processual civil a recorribilidade das decisões depende não só do critério do valor da acção, como da sucumbência, sendo esta, também, tal como na indemnização civil em processo penal, metade da alçada do tribunal de que se recorre.
      4 PATRÍCIA CARLA MONTEIRO GUIMARÃES, Os danos punitivos e a função punitiva da responsabilidade civil, Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Volume XV, 2001, tomo 1, p. 161.
   5 PATRÍCIA CARLA MONTEIRO GUIMARÃES, Os danos..., p. 165.
     6 Neste sentido, PAULA MEIRA LOURENÇO, Os danos punitivos, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Volume XLIII – n.º 2, 2002, p. 1063 e 1064 e 6 PATRÍCIA CARLA MONTEIRO GUIMARÃES, Os danos..., p. 162, nota 7.
     7 Por todos, JÚLIO GOMES, O Conceito de Enriquecimento, o Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas do Enriquecimento Sem Causa, Porto, Universidade Católica Portuguesa, 1998, p. 791 e segs.
8 VAZ SERRA, Obrigação de Indemnização, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 83, p. 229.
9 VAZ SERRA, Obrigação..., p. 236 e 237.
10 JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, Coimbra, Almedina, 2007, reimpressão da edição de Novembro de 1997, p. 164.
11 CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil Português, Coimbra, Volume XIII, 1939, p. 138 e 139.
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1
Processo n.º 54/2008