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Processo nº 105/2020 Data: 21.09.2022
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Impugnação Pauliana.
Pressupostos.
Contrato promessa de compra e venda.
Registo provisório.
Má fé do devedor.



SUMÁRIO

1. Inserido no Capítulo respeitante à “Garantia geral das obrigações”, na Secção das “Disposições gerais” e com a epígrafe “Princípio geral”, prescreve o art. 596° do C.C.M. que:

“Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios”.

E, como “institutos” legalmente consagrados para a “conservação da garantia patrimonial” prevê também o dito C.C.M. a “declaração de nulidade”, (cfr., art. 600°), a “sub-rogação do credor ao devedor”, (cfr., art. 601° a 604°), a “impugnação pauliana”, (cfr., art. 605° a 614°), e o “arresto”, (cfr., art. 615° a 618°), pois que muito embora a lei conceda ao credor a possibilidade de recorrer aos meios judiciais para obter a “realização forçada do seu crédito”, (cfr., art. 807° e segs. do C.C.M.), esta não é a única via ao seu dispor em caso de “não cumprimento voluntário da obrigação”.

De facto, o credor tem também em seu poder outros instrumentos igualmente eficazes, dos quais pode dispor para “defender a sua posição contra atos praticados pelo devedor, capazes de prejudicarem a garantia patrimonial da obrigação”.

São os chamados (e atrás referidos) “meios de conservação da garantia patrimonial” que, obstando a que bens que se deviam manter na esfera patrimonial do devedor de lá saiam, visando permitir a consistência do direito de crédito do credor contra actos do devedor que a possam afectar.

2. De entre essas “providências” asseguradas pela lei civil figura o instituto da “impugnação pauliana” – meio pela A. utilizado para “atacar” a “compra e venda” entre as (1ª e 2ª) RR. celebrada a fim de garantir o crédito que alega ter sobre a 1ª R. – e que, como expediente de “conservação da garantia patrimonial”, consiste na faculdade (normativamente) concedida ao credor, de atacar judicialmente certos actos válidos, anuláveis ou nulos praticados pelo devedor que diminuam a garantia patrimonial do seu crédito e que lhe sejam prejudiciais.

3. Constitui uma forma de “inintromissão nas relações jurídicas existentes”, o que justifica que só possa ser efectivada por “via judicial”: (v.g.), através da interposição de uma acção declarativa (como foi o caso dos autos, e também, por via de excepção, ou reconvenção).

4. O sucesso da “impugnação pauliana” depende da verificação dos seguintes requisitos:
i) a “existência de um crédito”;
ii) um acto de natureza não pessoal que cause “prejuízo à garantia patrimonial do devedor”, (“eventus damni”); e,
iii) no caso de actos onerosos, a actuação de “má fé do devedor e do terceiro”, (“consilium fraudis”).

5. Em causa estando a “conservação” da garantia patrimonial, em princípio exige-se que o crédito seja “anterior” ao “acto prejudicial” do património do devedor, pois que se posterior, não poderá dizer-se que se alterou a garantia patrimonial com que o credor contava no momento da constituição do crédito.

No entanto, a impugnação pauliana poderá ainda operar na hipótese do “acto prejudicial ser anterior à constituição do crédito”, desde que seja “dolosamente” praticado com a finalidade de “impedir a satisfação do direito do futuro credor”; (cfr., parte final da alínea a) do citado art. 605° do C.C.M.).

6. Em causa estando um “crédito posterior ao acto alegadamente prejudicial”, ao credor – A., ora recorrente – cumpre a alegação de factos que demonstrem – que o R. actuou de “má fé”, ou seja, com – a “consciência da finalidade fraudulenta visada pelo devedor com a outorga do acto”.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 105/2020
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A “A”, (“甲”), A., propôs acção declarativa em processo ordinário contra a “B”, (“乙”), e a “C”, (“丙”), (1ª e 2ª) RR., alegando o que consta da sua petição inicial e formulando, a final, os pedidos seguintes:

“I. Pedido principal:
Deve ser julgado procedente e provado o pedido principal desta acção, e, consequentemente:
a) Ser declarada a nulidade, por simulação absoluta, nos termos n.° 2 do artigo 232.° do Código Civil,
a. do contrato promessa de 18 de Janeiro de 2007 celebrado entre Rés sobre o prédio descrito sob o n.° XXXX na Conservatória do Registo Predial de Macau;
b. da compra e venda celebrada entre as Rés sobre o mesmo prédio pela escritura pública de 10 de Janeiro de 2009, a fls. 16 do L.º XXX do [Notário Privado(1)];
b) Ser ordenado o cancelamento da inscrição n.° XXXXXXG sobre a mesma descrição predial.
II. Pedido subsidiário de declaração de nulidade por abuso de direito:
Na improcedência do pedido anterior, deve subsidiariamente:
a) Ser declarada a nulidade, por abuso de direito, nos termos do artigo 326.º Código Civil,
a. do contrato promessa de 18 de Janeiro de 2007 celebrado entre Rés sobre o prédio descrito sob o n.° XXXX na Conservatória do Registo Predial de Macau;
b. da compra e venda celebrada entre as Rés sobre o mesmo prédio pela escritura pública de 10 de Janeiro de 2009, a fls. 16 do L.º XXX do [Notário Privado(1)];
b) Ser ordenado o cancelamento da inscrição n.° XXXXXXG sobre a mesma descrição predial.
III. Pedido subsidiário de impugnação pauliana:
Improcedendo os pedidos anteriores, deve subsidiariamente ser julgada procedente a impugnação pauliana, e, nos termos do n.º 1 do artigo 612.° do Código Civil,
- Reconhecer à Autora o direito à restituição do prédio em causa, podendo executá-lo no património da Ré C1, bem como praticar sobre o mesmo actos de conservação da garantia patrimonial, na medida do seu interesse em obter o pagamento das dívidas em que a Ré B1 foi condenada pela sentença homologatória/condenatória de 25 de Fevereiro de 2008, transitada em 10 de Março de 2008, dos seguintes valores:
a) HK$350 589 010,00 em restituição do princípio de pagamento do preço ajustado no contrato promessa de 6/12/1991;
b) HK$247 028 314,00 a título de indemnização pela rescisão do mesmo contrato-promessa;
c) Juros de mora à taxa de 1,2% ao ano sobre a soma daquelas dívidas no montante de HK$597 617 324,00.
(…)”; (cfr., fls. 2 a 16 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Citadas, as RR. contestaram e – alegando, no que para agora releva e essencialmente, que entre as partes não foi celebrado nenhum “contrato de trabalho”, tendo-se (apenas) estabelecido uma “relação” de outra natureza, de “consultoria” e de “relações públicas em regime de prestação de serviços”, e que nada deviam à A. – pediram a total improcedência da acção com a sua “absolvição dos pedidos e condenação da A. como litigante de má fé”; (cfr., fls. 120 a 164).

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O processo seguiu os seus normais termos e, oportunamente, proferiu-se sentença julgando-se a acção parcialmente procedente, ou seja: improcedente no que toca aos pedidos de declaração de nulidade por “simulação” e “abuso de direito”, e procedente tão só no respeitante à “impugnação pauliana”, declarando-se nesta conformidade “a ineficácia do acto de alienação feita pela 1ª Ré B à 2ª Ré C por escritura pública de 10 de Janeiro de 2009 em relação à Autora A, e se for necessário, podendo esta executar ou praticar os actos conservatórios sobre o terreno a que se reporta o acto, na medida para garantia do interesse da Autora, reconhecido pela sentença homologatória no processo CV3-07-0049-CAO”, e julgando-se “improcedente o pedido de litigância de má fé formulado pela 2ª Ré contra a Autora. (…)”; (cfr., pág. 2 e 3 deste aresto, e a sentença do T.J.B., a fls. 1049 a 1066-v).

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Inconformada, a (2ª) R., “C” recorreu; (cfr., fls. 1086 a 1180).

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Oportunamente, após contra-alegações da A., (cfr., fls. 1192 a 1205), proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão de 05.03.2020, (Proc. n.° 300/2017), onde, alterando a decisão da matéria de facto, concedeu provimento ao recurso, e, revogando a sentença recorrida, absolveu as (1ª e 2ª) RR. do pedido em que tinham sido condenadas; (cfr., fls. 1230 a 1257).

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Traz agora a aludida A. o presente recurso produzindo as conclusões seguintes:

“1. O crédito que fundamenta a presente acção de impugnação pauliana, da ora Recorrente contra a Ré B1, tem por fonte o contrato-promessa de compra e venda de 6 de Dezembro de 1991 e o contrato-promessa de complementar de 15 de Maio de 1993 que se encontravam em pleno vigor por nunca terem sido objecto de resolução, nomeadamente pelo acordo referida na al. Z) dos factos assentes, por aquela Ré não ter cumprido as contrapartidas nele estipuladas, como ficou provado pelas respostas aos quesitos 30.° e 31.° da base instrutória.
2. Por isso, não tem apoio nesse acordo nem foi objecto de qualquer prova a simples conjectura escrita a pp. 47 do Acórdão: "Ora, resulta de forma clara da cláusula 3ª do acordo que a Autora dos presentes autos, como parte interveniente do acordo, já sabia ou pelo menos já contava que a 1ª Ré iria venda o terreno e com o produto da venda, liquidar a dívida do Banco Seng Heng e pagar-lhe e à F1 a quantia de MOP$160 000 000,00".
3. Encontrando-se em vigor e por cumprir para com a ora Recorrente os referidos contrato-promessa de compra e venda de 6 de Dezembro de 1991 e o contrato-promessa de complementar de 15 de Maio de 1993, não é conforme à lei, nomeadamente, ao art. 401.° do C.Civil, que o Acórdão recorrido só considere digno de ser cumprido (pp. 47) o contrato-promessa de compra e venda entre as Rés, de 18 de Janeiro de 2007, do prédio objecto daqueles contratos-promessa, sabendo-se que o cumprimento desse contrato-promessa entre as Rés até estava proibido pela providência cautelar de proibição de alienação referida na al. E) dos factos assentes.
4. Assim, por se encontrarem em vigor e por cumprir os referidos contrato-promessa de compra e venda de 6 de Dezembro de 1991 e o contrato-promessa de complementar de 15 de Maio de 1993, a Recorrente e a Ré B1, ao celebrarem o contrato de transacção judicial com que puseram termo à acção com o Proc. CV3-07-0049-CAO, negociaram a resolução dos mesmos contratos considerando os valores efectivamente recebidos por esta com base neles.
5. Esta transacção revestiu a modalidade de transacção novativa, prevista no n.° 2 do art. 1172.° do C.Civil, ampliando para HKD$597 617 324,00 o valor inicial da acção de HKD$206 000 000,00 para ter em conta aos valores efectivamente recebidos pela Ré B1, ao abrigo dos referidos contratos-promessa.
6. Tal ampliação não põe em causa o princípio contido no n.° 1 do art. 564.° do CPC, pois o sentido deste princípio não é o de impedir o direito de ampliar o pedido, permitido por lei quer ao abrigo da liberdade negocial de estipulação reconhecida ao contrato de transacção pelo n.° 2 do art. 1172.° do CPC, quer pelo acordo previsto no art. 216.° do CPC.
7. Assim, o princípio contido no n.° 1 do art. 564.° do CPC diz respeito aos poderes do juiz na prolação da sentença impedindo-o de condenar por pedido diferente do inicialmente formulado pelo autor ou do pedido que as partes tenham ampliado por acordo nos termos do citado art. 216.° ou no contrato de transacção.
8. De qualquer modo, a validade da transacção assim celebrada tornou-se tão indiscutível como a sentença que a homologou, transitada em julgado em 10 de Março de 2008, por ter decorrido o prazo de 5 anos para a propor o necessário recurso de revisão (CPC, arts. 653.°, d) e 655.°).
9. Consequentemente, sendo de todo inabalável a titularidade que a Recorrente tem do crédito com o conteúdo estipulado na transacção, com a força de título executivo que lhe conferiu a sentença homologatória transitada em julgado, não podia o Tribunal a quo ter posto em causa a transacção e a sentença homologatória, incorrendo ao fazê-lo em violação da autoridade do caso julgado (CPC, art. 582.°).
10. Para efeitos de impugnação pauliana, a anterioridade do crédito em relação ao acto ou contrato de que resulta a impossibilidade de satisfação integral do mesmo determina-se pelo confronto da data do crédito (10/03/2008) com a data do contrato real, a escritura de venda de 10/01/2009, que teve por efeito a alienação e perda dos bens no património do devedor.
11. Na verdade, por força do princípio inscrito no n.° 1 do art. 402.° do C.Civil, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, e, pelo que respeita ao contrato de compra e venda, é seu efeito essencial "A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito" (C.Civil, 869.°, al. a)).
12. Nos termos do art. 5.° do C.R.Predial, o efeito que o registo acrescenta à aquisição do direito real - no caso já transferido para a compradora e consequentemente perdido pela vendedora por força da compra e venda de 10/01/2009 - é o efeito de prevalência, em vigor a partir da data inscrição da aquisição, efeito que não altera a data da aquisição, mas apenas permite ao adquirente inscrito opor o seu direito a terceiros que invoquem o mesmo ou outro direito real incompatível não registado ou registado posteriormente adquirido do mesmo transmitente.
13. Por conseguinte, no caso em apreço, a conclusão do Acórdão recorrido de que a Recorrida C2 "é considerada proprietária do terreno desde 16/03/2007" (a data do registo provisório convertido em definitivo), viola o regime legal da produção do efeito real dos contratos reais-instituído no Código Civil pelo n.° 1 do seu art. 402.°, e decorrente quanto à compra e venda da al. a) do art. 869.°.
14. Na verdade, a Recorrida C2 não se tornou proprietária em 16/03/2007, data do registo provisório depois convertido, mas- apenas a partir da escritura da compra e venda de 10 de Janeiro de 2009 que transferiu para a Recorrida a propriedade do imóvel, com a concomitante perda do mesmo para a vendedora Ré B1.
15. Consequentemente, é indiscutível a anterioridade do crédito da Recorrente. uma vez que ficou definitivamente titulado em 10 de Março de 2008, data do trânsito em julgado da sentença homologatória, enquanto a perda do imóvel no património da Ré B1 só se verificou em 10 de Janeiro de 2009, data da escritura da venda à Recorrida C2.
16. Para efeitos de impugnação pauliana, o conceito de impossibilidade de satisfação integral do crédito causada pela venda do único bem da devedora, é somente o que resulta da letra da al. b) do art. 605.° do C.Civil: "Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade".
17. Por isso, é de todo impertinente e violador desta norma que se queira negar, como faz o Acórdão recorrido (pp. 49 e 50), a verificação da impossibilidade legalmente definida, conjecturando sobre urna outra "impossibilidade" eventualmente causada pela acumulação de uns tantos encargos sobre o imóvel em causa e de um possível insuficiente valor passado do imóvel, encargos e valor que só em competente processo executivo poderiam ser objecto de consideração.
18. Viola a norma do n.° 1 do art. 51.° do Código do Registo predial que o Acórdão recorrido tenha admitido (pp. 41/48) como legal o cancelamento da providência cautelar de proibição de alienação promovido pela Recorrida C2, com base em certidão da sentença homologatória da transacção que pôs termo à acção com o Proc. CV3-07-0049-CAO, ou seja com base no título executivo que habilitava a Recorrente instaurara acção executiva, impossibilitada por esse ilegal cancelamento .
19. Com efeito, as expressões "nos casos em que a acção já não esteja pendente" ou "com base na certidão passada pelo tribunal competente que comprove essa circunstância" só têm sentido como referidas à acção executiva que tenha sido proposta e já tenha sido declarada extinta e ao tribunal competente para a mesma. Obrigam a este sentido tanto a letra da norma (cancelamento de "registos de penhora, arresto e outras providências cautelares" pressupõe que houve uma execução declarada extinta), corno urna interpretação atenta à ligação sistemática desta norma com as regras legais que ordenam a função de conservação patrimonial própria da providência de proibição de alienação à efectivação do resultado pretendido pela acção executiva.
20. Assim, não tendo a providência cautelar sido declarada extinta em processo executivo, que nem pôde chegar a existir, a providência continuava materialmente em vigor no dia da celebração da escritura da escritura da compra e venda com que as duas Rés desobedeceram à proibição de alienação do imóvel, pois o cancelamento ilegal do registo apenas a privou da publicidade registal, sem a poder extinguir.
21. É inquestionável a má fé com que ambas as Rés celebraram a escritura da venda do único imóvel da devedora causadora da impossibilidade de satisfação do crédito da Recorrente, pela perfeita consciência que tinham do prejuízo que a venda ia causar à credora, ora Recorrente, ao impedir por completo a cobrança do crédito (C.Civil, art. 607.°, 2).
22. Mais do que má fé, foi com dolo que a vendedora Ré B1, celebrou a venda, pois sabia:
- que estava vinculada à ora Recorrente pelas obrigações resu1tantes dos contratos-promessa de 1991 e 1993 (als. A) e S) dos factos assentes);
- que o crédito da ora Recorrente resultante dessas obrigações ficou definitivamente constituído com o trânsito em julgado, em 10 de Março de 2008, da sentença de 25 de Fevereiro de 2008, que homologou o contrato de transacção em que concordou .com a Recorrente sobre o mesmo crédito (als. F) e G) dos-factos assentes);
- que estava proibida de vender o imóvel, sob cominação da pena do crime de desobediência, pela injunção de 11 de Julho de 2007 proferida na providência cautelar de proibição de alienação do mesmo imóvel (al. E) dos factos assentes);
- que, sendo este imóvel o único bem que tinha em Macau, a sua alienação tomava impossível a satisfação integral do crédito da ora Recorrente (al, Q) dos factos assentes).
23. A má fé da compradora C2 decorre do conhecimento que ficou provado ter:
- das obrigações da Ré B1 para com a ora Recorrente resultantes do contrato-promessa de compra e venda de 6 der Dezembro de 1991 e do contrato-promessa de complementar de 15 de Maio de 1993 sobre o imóvel em causa (als. R) e S) dos factos assentes);
- da proibição de venda do imóvel, decretada na providência cautelar: de proibição de alienação, que até tentou embargar (cfr. al. P) dos factos assentes);
- do contrato de transacção e respectiva sentença homologatória transitada em julgado que conferiram título executivo ao crédito da ora Recorrente contra a Ré B1,
- de ser o imóvel vendido, em desobediência à proibição de alienação, o -único bem existente no património da Ré B1, facto salientado logo no ponto 19 dos fundamentos da decisão da proibição da venda proferida no procedimento que tentou embargar;
- da grosseira ilegalidade com que, ela própria, promoveu o cancelamento da inscrição da providência de proibição de alienação do prédio para contornara esta proibição, quando não podia ignorar que a extinção não estava declarada pelo tribunal competente, o da acção a executiva (CPC, art. 853.°) cuja instauração até contribuiu para inviabilizar.
(…)”; (cfr., fls. 1264 a 1299).

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Respondendo, diz a 2ª R. que:

“1.ª Vem o presente recurso do douto Acórdão de 5 de Março de 2020 do Venerando Tribunal de Segunda Instância, ora Tribunal a quo, que revogou a sentença explicitada em 28 de Julho de 2016 da Primeira Instância que havia julgado procedente o segundo pedido subsidiário, qual seja, o de impugnação pauliana, na acção intentada pela A, ora Recorrente, contra (i) a Empresa de Fomento e Investimento B1 (1.ª Ré) e (ii) a C (2.ª Ré e ora Recorrida), e em consequência, reconhecendo à Autora o direito à restituição do prédio a que se referem os autos, podendo executá-lo no património da 2.ª Ré, bem como praticar, sobre o mesmo, actos de conservação da garantia patrimonial, na medida do seu interesse em obter o pagamento das dívidas em que a 1.ª Ré foi condenada pela sentença homologatória/condenatória de 25 de Fevereiro de 2008, transitada em 10 de Março de 2008, no montante de HK$597.617.324,00, a que correspondem MOP$615.545.843,72 (seiscentos e quinze milhões, quinhentas e quarenta e cinco mil, oitocentas e quarenta e três mil patacas e setenta e dois avos), tendo sido fixada a taxa de juros em 1,2% ao ano.
2.ª Nos termos do art.° 605.° do C.C., a impugnação paulina só tem lugar quando, cumulativamente: a) o crédito for anterior ao acto, ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade e c) tratando-se de acto oneroso, exige-se ainda a má-fé do devedor e- do terceiro, entendendo-se por má-fé a consciência-do prejuízo que o acto causa ao credor (art.° 607.° do C.C.).
3.ª O douto Tribunal a quo concedeu provimento ao recurso interposto pela aí Recorrente e ora Recorrida, por ter considerado que não se encontram preenchidos os requisitos da impugnação pauliana, nada havendo a apontar ao Acórdão recorrido.
4.ª A ora Recorrida teve a oportunidade, ao longo da presente peça processual, de contra-argumentar toda a matéria vertida nas Conclusões da Recorrente, com referência expressa à sua numeração, pelo que não pretende ser repetitiva vertendo a mesma matéria em sede de Conclusões”; (cfr., fls. 1307 a 1373).

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Nada parecendo obstar, passa-se a conhecer.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal Judicial de Base foram dados como “provados” os factos seguintes:

“Da Matéria de Facto Assente:
- Em 6 de Dezembro de 1991, Autora e a Ré B1 celebraram um contrato-promessa de compra e venda pelo qual esta Ré se obrigou a vender e a Autora se obrigou a comprar o prédio situado na [Endereço(1)], com a descrição predial n.º XXXX, a fls. XXXv. do livro B-XX, tudo conforme doc.1 da p.i. cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos, prédio esse com a área de área de 56.166m2. (alínea A) dos factos assentes)
- A realização da escritura da compra e venda prometida ficou dependente de certos condicionalismos a cargo da vendedora, nomeadamente, a aprovação da área de construção e a desocupação dos inquilinos, conforme acordado na cláusula 6ª do contrato-promessa. (alínea B) dos factos assentes)
- A Ré B1 deu de hipoteca o imóvel supra id., hipoteca inscrita sobre o n.º XXXX do livro CXXM, estando também onerado com uma penhora averbada à mesma inscrição por via de acção intentada pelo Banco Seng Heng (CV3-05-0042-CEO) e dois arrestos inscritos provisoriamente sob o n.ºs XXXXXF e XXXXXF, tudo conforme doc. 2 junto com a pi. cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea C) dos factos assentes)
- As Rés celebraram um contrato-promessa de compra e venda em 18 de Janeiro de 2007, tendo por objecto o citado imóvel e pelo valor de HK$188.300.000,00, com base no qual foi feita, em 16/03/2007, a inscrição provisória n.º XXXXXXG, a favor da Ré C1 conforme doc. 2 junto com a p.i., fls. 8, cujo teor se reproduz para os legais e devido efeitos. (alínea D) dos factos assentes)
- A Autora requereu providência cautelar de proibição de alienação do imóvel em causa, constante do Proc. n.º CV3-07-0049-CAO-A, que foi deferida por decisão de 11 de Julho de 2007 junta fls. 54 e ss. e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos, a qual não mereceu reacção da 1ª R. (vide fls. 54) (alínea E) dos factos assentes)
- Seguiu-se a instauração da acção principal através do Proc. n.º CV3-07-0049-CAO, deduzido a 23/07/2007, na qual a Autora pediu a condenação da Ré B1 na restituição do sinal em dobro, acção que terminou com transacção exarada nos autos em 22 de Fevereiro de 2008, na qual, em resumo, as partes, acordaram em rescindir o contrato-promessa em causa, com as seguintes obrigações a cargo da Ré B1:
a) Restituir a quantia de HK$350.589.010,00 recebida como princípio de pagamento do preço da venda prometida;
b) Pagar a indemnização de HK$247.028.314,00 pela rescisão do mesmo contrato-promessa;
c) Pagar estas importâncias, no montante global de HK$597.617.324,00, no prazo de 10 dias a contar da transacção, findo o qual se vencem juros de mora à taxa de 1,2% ao ano, tudo conforme doc. 2 da junto com a p.i., fls. 26 a 30, cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea F) dos factos assentes)
- A transacção foi homologada por sentença 25 de Fevereiro de 2008, transitada em 10 de Março de 2008, donde resultou a condenação da Ré B1 naquelas prestações, tudo conforme doc. 2 junto com a p.i., fls. 31-32, cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea G) dos factos assentes)
- Com base nessa sentença, a Autora obteve, em 03/03/2008, a inscrição de hipoteca judicial n.º XXXXXC sobre o imóvel em causa, provisória por natureza, nos termos da alínea i) do n.º1 do artigo 86.º do C.R. Predial, conforme fls. 12 do doc. 2 junto com a p.i. (alínea H) dos factos assentes)
- Oficiosamente os serviços de registo rectificaram em 01/11/2012 o dito registo e inscrevendo-o também como provisória nos termos da alínea c) do n.º2 do mesmo artigo 86.º, por virtude da anterior inscrição provisória n.º XXXXXXG supra referida, tudo conforme fls. 13 do doc. 2 junto coma p.i. cujo teor se reproduz. (alínea I) dos factos assentes)
- A Ré B1 não fez o pagamento voluntário das prestações acordadas no prazo de 10 dias estipulado na transacção supra referida a Autora. (alínea J) dos factos assentes)
- Ré B1, representada por D, e a Ré C1, representada por E, celebraram a compra e venda do imóvel supra id. por escritura pública de 10/01/2009, a fls. 16 do L.ºXXX do [Notário Privado(1)], junto com a p.i. como doc. 4 cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos. (alínea K) dos factos assentes)
- E com base nela a Ré C1 promoveu a conversão definitiva da inscrição provisória n.ºXXXXXXG da aquisição id. em D), determinado a caducidade da inscrição da hipoteca id. em H), n.ºXXXXXC, em 01/11/2012, tudo conforme fls. 13 do doc. 2 junto com a p.i. (alínea L) dos factos assentes)
- A Ré B1 outorgou em 11 de Dezembro de 2006 uma procuração a E com poderes de disposição e oneração do imóvel supra id. e com autorização para negócio consigo mesmo, tudo conforme doc. 5 junto com a p.i., fls. 10 a 15, cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea M) dos factos assentes)
- E assinou o contrato-promessa id. em D) na dupla qualidade de procurador da Ré B1 e de administrador da Ré C1. (alínea N) dos factos assentes)
- O Fisco atribui ao imóvel supra descrito o valor de MOP$432.150.000,00 patacas, actualmente averbado à descrição predial. (alínea O) dos factos assentes)
- Ré C1 conhecia o contrato-promessa referido em A), tendo impugnado com embargos de terceiro, liminarmente indeferidos, a providência cautelar requerida pela Autora para acautelar o cumprimento desse contrato, proc. CV3-07-0049-CAO-A, conforme doc. 3 junto com a p.i., fls. 5, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos. (alínea P) dos factos assentes)
- O imóvel supra referido era o único bem da 1ª R. (alínea Q) dos factos assentes)
- A fim de cumprir o “Contrato-promessa de compra e venda” de 6 de Dezembro de 1991, em 28 de Janeiro de 1992, a 1ª Ré apresentou junto da DSSOPT o pedido de concessão da licença para o desenvolvimento do projecto, tendo tal pedido sido negado em 1 de Julho de 1992, tudo conforme doc. 6 junto com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos. (alínea R) dos factos assentes)
- Posteriormente, em 15 de Maio de 1993, a 1ª Ré celebrou com a F o “Contrato-promessa complementar” para a revisão das cláusulas contidas no “Contrato-promessa de compra e venda” de 6 de Dezembro de 1991, passando a F a ser responsável pelo acompanhamento de todas as formalidades relativas à apresentação do projecto na DSSOPT. Esta companhia pagou à 1ª Ré a quantia de HK$247.589.010,00, com vista ao desenvolvimento conjunto do respectivo terreno, tudo conforme doc. 7 junto com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos. (alínea S) dos factos assentes)
- Nos termos do “Contrato-promessa complementar” celebrado no dia 15 de Maio de 1993, a F estava obrigada a responsabilizar-se pela apresentação do projecto junto da DSSOPT, mas tal não chegou a ser concretizado devido ao incumprimento pela F 1ª R. (alínea T) dos factos assentes)
- No momento de assinatura do “Contrato-promessa complementar”, em 15 de Maio de 1993, a 1ª Ré entregou à F a procuração (original) assinada em 28 de Julho de 1992, na qual a 1ª Ré confere a esta companhia os poderes para dispor e gerir o respectivo terreno, tudo conforme doc. 8 junto com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos. (alínea U) dos factos assentes)
- Em 13 de Agosto de 1993, com a procuração acima referida, a F hipotecou o terreno em causa junto do Banco Seng Heng, para garantia do empréstimo contraído pela F e da A1, no montante de MOP$310.000.000,00, tudo conforme doc. 9 junto com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos. (alínea V) dos factos assentes)
- Em 30 de Novembro de 2004 a 1ª Ré intentou uma acção contra a F e a A1, com o Processo n.º CV2-04-0078-CAO, solicitando que estas pagassem à 1ª Ré, no prazo de 10 dias, o montante de MOP$90.033.319,70 ou seja declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda assinado em 15 de Maio de 1993 (isto é o “Contrato-promessa complementar”) e seja distratada a hipoteca bancária que incide sobre o terreno, tudo conforme doc. 10 junto com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos. (alínea W) dos factos assentes)
- Em 23 de Janeiro de 2005, foi enviada uma carta à 1ª Ré por iniciativa conjunta da autora e da F, referindo que devido à insuficiência de capital, não podiam cumprir plenamente as condições constantes no “Contrato-promessa de compra e venda” de 6 de Dezembro de 1991 e no “Contrato-promessa complementar” de 15 de Maio de 1993, pelo que, “aceitaram” a cessação dos dois contratos acima referidos, cabendo, contudo, à 1ª Ré tratar do empréstimo hipotecário da F, no Banco Seng Heng, tudo conforme doc. 11 junto com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos. (alínea X) dos factos assentes)
- Em 27 de Janeiro de 2005, o G e o H que representaram a 1ª Ré desistiram da instância no Processo n.º CV2-04-0078-CAO em que são réus a F e a A1, tudo conforme doc. 12 junto com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos. (alínea Y) dos factos assentes)
- Em 2 de Março de 2005, a 1ª Ré, a Autora e a F, assinaram um acordo para a “anulação” do “Contrato-promessa de compra e venda” de 6 de Dezembro de 1991 e do “Contrato-promessa complementar” de 15 de Maio de 1993, com a condição de que a 1ª Ré teria que tratar da garantia hipotecária a favor do Banco Seng Heng, e concordar em pagar à Autora uma quantia de MOP$160.000.000,00, a título de compensação dos investidores originais, tudo conforme doc. 5 junto com a contestação cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea Z) dos factos assentes)
- Em 9 de Novembro de 2007, a 1ª Ré, representada pelo G, revogou a procuração relativa ao terreno, assinada em 11 de Dezembro de 2006 (id.em M), que conferia poderes ao E1, tudo conforme doc. 16 junto com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos. (alínea AA) dos factos assentes)
- Em Abril de 2008, a 2ª Ré requereu, através do Processo n.º CV3-07-0077-CAO, contra à 1ª Ré, a execução específica do “contrato-promessa de compra e venda” celebrado em 18 de Janeiro de 2007 e id. em D), para aquisição do terreno supra id., tudo conforme doc. 17 junto com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos. (alínea BB) dos factos assentes)
- Em 2 de Abril de 2008, a 1ª Ré apresentou a contestação, onde se opôs à execução específica, com os fundamentos que constam do doc. 18 junto com a contestação e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos, nada se impugnando em relação ao contrato. (alínea CC) dos factos assentes)
- Em 14 de Julho de 2008 a 1ª Ré deduziu uma acção contra a 2ª Ré, através do Processo n.º CV2-08-0048-CAO, alegando a simulação do contrato-promessa de compra e venda assinado em 18 de Janeiro de 2007, bem como requereu que fosse declarada a nulidade deste contrato e do registo provisório de aquisição, tudo conforme doc. 19 junto com a contestação cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea DD) dos factos assentes)
- G, em 5 de Março de 2009 enviou uma carta à 1ªRé, declarando que a relação de locação entre ele e o I poderia ser cessada em qualquer tempo, e que não conheceria circunstâncias sobre arrendamento a terceiros, tudo conforme doc. 20 junto com a contestação cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea EE) dos factos assentes)
- Em 8 de Março de 2009, a 1ª Ré enviou uma carta ao I no sentido de esclarecer que a propriedade do terreno é da C (2.ª Ré), notificando ainda que já cessou a relação de locação e lhe exigiu a desocupação imediata, tudo conforme doc. 21 junto com a contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos. (alínea FF) dos factos assentes)
- Em 22 de Fevereiro de 2012, a filha do G (J) recorreu ao Tribunal de Hong Kong invocando despesas de intermediação, para reclamar três cheques, sem indicação do nome do beneficiário, com as datas de emissão em 31 de Agosto de 2009, 30 de Novembro de 2009 e 31 de Julho de 2011, na importância total de HK$80.000.000,00, tudo conforme doc. doc. 24 junto com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos. (alínea GG) dos factos assentes)

Da Base Instrutória:
- Na sequência do referido em J) a A. e a 1ª R. mantiveram negociações visando o pagamento do que ficou acordado na transacção supra referida. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- A venda referida em K) foi concretizada no decorrer destas negociações. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- A 2ª R. tinha conhecimento da transacção supra referida de 25 de Fevereiro de 2008 e da hipoteca judicial id. em H). (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Em 14 de Março de 2007 a 2ª Ré pagou, por conta da 1ª Ré, no âmbito do processo CV3-05-0042-CEO, a quantia de MOP$581.000.000,00 (fls. 25). (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Tal pagamento foi feito no intuito de evitar a venda em hasta pública do imóvel supra referido. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- Foi emitido pelo G um recibo em que declarou ter recebido a quantia de HK$8.000.000,00, a título de despesa de intermediação sobre o terreno em causa (doc. 23 junto com a contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos). (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- A cessação dos contratos referidos no acordo id. em Z), e segundo este, dependia do cumprimento integral das obrigações nele estipuladas em cada uma das suas cláusula, nomeadamente o que consta da cláusula 1) e 3). (resposta ao quesito 30º da base instrutória)
- A 1ª R. não cumpriu nenhuma das referidas obrigações transcritas na cláusula 1) e 3) do acordo id. em Z), nomeadamente o reembolso do empréstimo ao banco Seng Heng referido em C). (resposta ao quesito 31º da base instrutória)”; (cfr., fls. 1050-v a 1055).

Do direito

3. O presente recurso pela A. interposto tem como objecto o Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado, onde se procedeu a uma alteração da decisão da matéria de facto pelo Tribunal Judicial de Base proferida e, na procedência do recurso da 2ª R., revogou-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente a acção da A. com a absolvição das RR. dos pedidos deduzidos.

Antes de mais, para cabal compreensão do decidido no Acórdão agora recorrido útil é aqui transcrever-se o que aí se expôs para tal decisão.

Tem pois o teor seguinte:

“(…)
3. Da insuficiência da matéria de facto suscitada oficiosamente:
A 2ª Ré, alegou, nos artigos 3º, 4º, 117º e 118º a 121º da contestação os seguintes factos:
- A 1ª Ré apenas pagou à Autora a quantia de HKD$103.000.000,00 com a celebração do contrato promessa de compra e venda do terreno em referência, e esta, através da acção ordinária nº CV3-07-0049-CAO, intentada em 23/07/2007, pediu a restituição do sinal pago em dobro no valor de HKD$206.000.000,00, acrescido de juros moratórios legais, com fundamento no incumprimento culposo do contra por parte da 1ª Ré;
- O preço da venda do imóvel fixado no contrato promessa de compra e venda celebrado entre as 1ª e 2ª Rés é de HKD188.300.000,00, acrescida da responsabilidade pela garantia do empréstimo a favor do Banco Seng Heng, no montante de MOP$493.520.000,00, à data da celebração do referido contrato promessa;
- Nas acções ordinárias nºs CV3-09-0040-CAO e CV3-10-0005-CAO, intentadas por outros indivíduos alegadamente ser credores do terreno em causa, nas quais foi suscitada a questão da simulação do negócio quanto à compra e venda do terreno realizada entre as Rés dos presentes autos. Para o efeito, foi feita a avaliação do valor do terreno e após o julgamento, ficou comprovado que o valor do mercado do terreno em causa em Fevereiro de 2007 era de MOP$503.000.000,00 e de MOP$500.000.000,00, respectivamente.
Estes factos não foram considerados pelo Tribunal a quo como factos relevantes para a boa decisão da causa, pelo que não foram dados como assentes nem seleccionados para a Base Instrutória.
Salvo o devido respeito, achamos tais factos têm alguma relevância para a boa decisão do mérito da causa.
Dispõe o nº 4 do artº 629º do CPC que “Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode o Tribunal de Segunda Instância anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão”.
Uma vez que os factos acima identificados não foram impugnados pela Autora na réplica e estão devidamente comprovados pelos documento juntos aos autos e não impugnados, não nos se afigura ser necessária baixar os autos para o Tribunal a quo proceder ao julgamento da matéria de facto em falta, face aos princípios da economia e da celeridade processuais.
Nesta conformidade, é acrescentada na factualidade apurada os factos acima elencados.

4. Da decisão do mérito da causa:
A sentença recorrida julgou a impugnação paulina procedente nos seguintes termos:
“…
Impugnação pauliana
Por último, vem a Autora recorrer à figura de impugnação pauliana com vista à não produção do efeito do contrato de compra e venda em relação à ela, permitindo-lhe exercer os seus direito de execução sobre o terreno em crise para a satisfação integral do seu crédito.
A impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial, através do qual ao credor é conferida a possibilidade de reagir contra actos praticados pelo devedor, que diminuam o activo ou aumentem o passivo do património.
Diz o artº 605º do C.C. que “Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorreram as circunstâncias: a) ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.”
Por outro lado, diz o artº607º do C.C.M., “1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiveram agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agisse de boa fé. 2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.”
Flui desses preceitos os seguintes requisitos da acção pauliana: a existência de crédito; anterioridade do crédito ou fraude preordenada; o prejuízo da garantia patrimonial e má fé do devedor e terceiro, se o acto for oneroso.
Urge aquilatar se o presente caso preencher os requisitos de impugnação pauliana.
Crédito da Autora
Alegou a Autora que goza de direito de crédito no montante de HK$597.617.324,00, no confronto da 1ª Ré, crédito esse derivado do incumprimento do contrato-promessa imputável a essa Ré e já reconhecido por sentença judicial no processo CV3-07-0049-CAO.
Refutou a 2ª Ré com a excepção da simulação desse crédito cometida pela Autora e a 1ª Ré.
Alegando que após a celebração do contrato-promessa em 2007, a 1ª Ré sempre recusou a celebração da escritura pública, exigindo, através do seu representante, à 3ª Ré o pagamento de mais dinheiro.
No decorrer das negociações com a 1ª Ré, a Autora requereu a providência cautelar comum e obteve a decisão da proibição da 1ª Ré os actos de disposição em relação ao terreno referido.
Na acção ordinária CV3-07-0049-CAO instaurada pela Autora contra a 1ª Ré, aquela imputou à esta a falta de cumprimento do contrato-promessa, exigindo a ser indemnizado o sinal em dobro no montante de HKD206.000.000,00. Mas esse contrato-promessa já tinha sido revogado pelos contraentes, apesar disso, no final, as partes transigiram no pagamento pela 1ª Ré à Autora o montante de HKD597.617.324,00. Entendeu a 2ª Ré que essa acção judicial como a transacção judicial foram simulados pela Autora e a 1ª Ré.
No decorrer dessas negociações, o E2, sócio da 2ª Ré, chegou a firmar um acordo com o representante da 1ª Ré, o G no sentido de este se responsabiliza pela resolução de todo os litígios judiciais pendentes relativos ao terreno, assim como a desocupação dos indivíduos que ocupam o terreno, contra o pagamento de remuneração pelo E ao G no montante de HK$105.000.000,00. O E já pagou ao G o montante de HK$15.000.000,00. Mas como o G não cumpriu o seu compromisso, o tal E recusou o pagamento dos restantes montantes. Assim, a Autora, no conluio com a 1ª Ré, instaurou a presente acção, com o intuito de prejudicar os interesses da 2ª Ré.
Porém, feito o julgamento, não se acha que a 2ª Ré conseguiu provar a matéria de facto quanto à excepção deduzida.
Com efeito, decorre dos factos tidos apurados que a Autora e a 1ª Ré celebraram um contrato-promessa de compra e venda que tem por objecto o terreno situado na [Endereço(1)]. A realização da escritura pública depende, entre outro, da aprovação da área de construção e a desocupação dos inquilinos, cujo cargo incumbe à vendedora, ora 1ª Ré.
No entanto, a 1ª Ré chegou a apresentar o pedido de concessão da licença para o desenvolvimento do projecto, em 1992, mas não obteve o provimento. Assim, a 1ª Ré celebrou com a F1 o “contrato-promessa complementar” para a revisão das cláusulas contidas do contrato-promessa de 1991, passando a F responsável pelo acompanhamento de todas as formalidades relativas à apresentação do projecto na DSSOPT, mas tal também não chegou a ser concretizado.
No âmbito do contrato-promessa complementar, a 1ª Ré passou uma procuração com os poderes para dispor e gerir o terreno a favor da F1, no uso dessa procuração, esta hipotecou o terreno para garantir o empréstimo no montante de MOP$310.000.000,00 contraído por si própria e pela Autora.
A 1ª Ré instaurou, em 30/11/2004, uma acção contra a F1 e a Autora, no processo nº CV2-04-0078-CAO, solicitando que estas pagassem à 1ª Ré o montante de MOP$90.033.319,70 ou seja declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda assinada em 15 de Maio de 1993. Por iniciativa conjunta da Autora e da F, foi manifestada à 1ª Ré que “aceitaram” a cessação dos dois contratos referidos. Em 27/01/2005, a 1ª Ré desistiu a instância desse processo.
Assim, em 2/05/2005, a 1ª Ré, a Autora e a F1 assinaram um acordo para a “anulação” do contrato-promessa de 6/12/1991 e do contrato-promessa complementar de 15/05/1993, com a condição de que a 1ª Ré teria que tratar da garantia hipotecária a favor do Banco Seng Heng e concordar em pagar à Autora uma quantia de MOP$160.000.000,00, a título de compensação dos investidores originais.
A cessação dos contratos acima referidos dependia do cumprimento integral das obrigações nele estipuladas em cada uma das cláusulas, nomeadamente o que consta da cláusula 1) a 3) que se traduz no pagamento da quantia MOP$160.000.000 pela 1ª Ré à Autora e F.
Mas a 1ª Ré não cumpriu nenhuma das referidas obrigações transcritas nessas cláusulas.
Perspectiva a 2ª Ré, tanta a providência cautelar comum, como a seguida acção principal processo nºCB3-07-0049-CAO instauradas pela Autora contra a 1ª Ré, assim como a transacção que as partes chegaram nesse processo, foram intencionalmente falsificados pela Autora e 1ª Ré por que os contratos-promessa tinham sido revogados pelos respectivos contraentes anteriormente às respectivas acções, assim havendo, na realidade, qualquer direito de crédito por parte da Autora para com a 1ª Ré.
Isso não se corresponde à verdade.
Pois, se bem que a Autora e a 1ª Ré chegaram o acordo no sentido de “anular” ou “cessar” o contrato-promessa de 1991 e o contrato-promessa complementar de 1993, mas vem comprovado que existe cláusula suspensiva que consiste no cumprimento das obrigações assumidas pela 1ª Ré traduzido no pagamento de compensação pecuniária à Autora. Está igualmente provado que essa condição não se verificou. Assim, não se pode entender que o contrato-promessa celebrado entre a Autora e a 1ª Ré em 1991 já foi revogado ou “resolvido” por vontade das partes.
Assim, cairá por terra toda a argumentação da 2ª Ré de que o crédito que a 1ª Ré comprometeu a pagar à Autora na transacção homologada carece de fundamento e sendo simulado. Não poderá proceder a excepção de simulação.
Conforme os factos apurados, prova-se que a Autora é credora da 1ª Ré na quantia de HK$597.617.324,00, acrescido de juros de mora à taxa de 1.2%, a partir de 10 dias a contar da transacção, crédito esse já tinha sido homologado por sentença de 25 de Fevereiro de 2008 proferida no processo CV3-07-0049-CAO.
Até à actualidade, a 1ª Ré não devolveu a quantia acima referida à Autora.
Resumido desses factos provados, dúvida não há que a Autora é credora da 1ª Ré no montante acima referido.
- Anterioridade do crédito ou fraude preordenada
Quanto à anterioridade do crédito, não se suscitou questão, visto que o crédito foi reconhecido no processo CV3-07-0049-CAO, tendo em conta o crédito tinha por fundamento o contrato-promessa celebrado em 1991 entre a Autora e a 1ª Ré, esse crédito também é anterior ao acto a ser impugnado.
- Prejuízo de garantia patrimonial
No que tocante ao requisito da impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito por virtude do mesmo acto, está assente que o imóvel em crise era o único bem da 1ª Ré, é mais que cristiano que com a venda do terreno, a Autora não tem qualquer possibilidade de ver a satisfação do seu crédito.
- Má fé das Rés
Outro requisito para concessão de impugnação pauliana é o devedor e o adquirente agiram de má fé se o acto a impugnar for acto oneroso.
Dos factos assentes não temos dúvidas que o acto impugnado é oneroso. Com efeito, pela aquisição do terreno, foi fixado o preço de HK$188.300.000,00. Vem comprovado que a 2ª Ré pagou, por conta da 1ª Ré, pelo menos, a quantia de MOP$581.000,00 (para evitar a venda em hasta pública do terreno em causa).
Pelo que, face à onerosidade do acto, para que proceda a impugnação pretendida pela Autora, é indispensável a má fé das Rés.
*
Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor. Portanto, a má fé não se exige necessariamente a intenção de prejudicar, basta a consciência do devedor e do terceiro que o acto a impugnar irá provocar a impossibilidade para o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou seu agravamento.
Como se disse Antunes Varela, “A formulação da lei também demarca nitidamente da posição dos autores que identificam a má fé com a intenção de prejudicar os credores. O devedor e o terceiro podem agir com outra intenção, em busca dum outro objectivo, mas com perfeita consciência do prejuízo que vão causar. E tanto basta, no pensamento da lei, para que a pauliana proceda.”
*
No que se concerne à 1ª Ré, pelo facto de ter sido ela quem prometeu vender à Autora e quem incumprira o respectivo contrato, é manifesto, segundo o princípio de experiência comum e por lógica, que a mesma tinha o conhecimento de que a alienação do seu bem a tornaria incapaz de satisfazer o crédito que tinha com a Autora.
O problema não é tão delineado em relação à 2ª Ré.
Conforme os factos assentes, a outorga da escritura pública de compra e venda traduz-se no cumprimento da obrigação da prestação derivada do contrato-promessa celebrado entre as Rés em 18/01/2007.
Dos factos tidos por provados, não consta que quando as Rés celebraram o iludido contrato-promessa, a 2ª Ré conhecia do crédito da Autora. Aparentemente, parece-se que a 2ª Ré celebrou o contrato definitivo de compra e venda com a 1ª Ré, no cumprimento do contrato-promessa que tinha celebrado antes, não tinha a intenção ou consciência da possibilidade de prejudicar o direito da Autora.
No entanto, vistas melhores as coisas, a conclusão terá se ser outra.
Não obstante, vem comprovado que a 2ª Ré tinha conhecimento da transacção judicial entre a Autora e a 1ª Ré em 25 de Fevereiro de 2008 e da hipoteca judicial registada a favor da Autora. Ou seja, se a 2ª Ré não tinha conhecimento do crédito da Autora na altura da celebração do contrato-promessa, certamente, já o tomou conhecimento antes da outorga da escritura pública
E não só isso.
Dos factos assentes resulta-se que a Autora já requereu a providência cautelar de proibição da alienação do imóvel em causa, que foi deferida por decisão de 11 de Julho de 2007. Assim, mesmo que a 2ª Ré gozasse da posição do promitente-comprador e o registo provisório a seu favor, ela também não poderia celebrar o contrato definitivo de compra e venda, face à inibição ordenada na referida decisão judicial.
E essa situação é conhecida pela própria 2ª Ré, pois vem comprovado que esta tinha impugnado com embargos de terceiro a providência cautelar requerida pela Autora.
Assim, a 2ª Ré tinha possibilidade de prever, com a outorga da escritura pública de compra e venda contra a referida decisão, impossibilitando à Autora obter a satisfação do seu crédito.
Bem, sem o levantamento da providência cautelar, nunca conseguiriam as Rés a outorga da escritura pública em 08/01/2009.
O problema põe-se em saber como é que o tornaram possível.
Conforme o teor da certidão do registo predial de fls. 868 a 880, foi requerida pela 2ª Ré o cancelamento da referida providência cautela, tendo como título a certidão da sentença homologatória extraída do processo nºCV3-07-0049-CAO.
Portanto, foi a 2ª Ré que por sua iniciativa, requereu o cancelamento da providência cautelar com base na extinção dos autos da acção principal e não da própria acção de providência cautelar que corre por apenso àquela.
Ao abrigo do disposto do artº51º do C.R.P., “o cancelamento da providência cautelar está dependente da certidão passada que comprova a não pendência da acção.” Pelo que o cancelamento está condicionado com a certidão extraída dos autos de providência cautelar e não da acção principal. Ou seja, a providência cautelar não devia ser levantada apenas com base na sentença homologatória da acção principal.
A 2ª Ré estava consciente todas essas circunstâncias? Daquilo que constar dos autos demonstra que essa Ré actuou com plena consciência.
Ora, a 2ª Ré apresentou uma certidão da sentença extraída do processo principal nºCV3-07-00-49-CAO à Conservatória do Registo Predial, para o efeito do cancelamento do registo da providência cautelar, no entanto, constata que no próprio requerimento do cancelamento do registo, preenchido pelo mandatário da 2ª Ré é outra história, que o documento junto para o efeito de cancelamento é a certidão do processo judicial nº CV3-07-0049-CAO-A, a que se correspondia ao processo CB2-07-0006-CPV.
Daí se permite retirar que a 2ª Ré estava bem consciente o que exige a lei é a certidão extraída da própria providência cautelar e não do processo principal. A divergência entre o seu acto e a sua declaração não poderá deixar ser interpretado como conduta tendente de induzir a entidade competente em erro. E esse “erro” foi intencionalmente provocado por 2ª Autora, não sendo, por isso, por ignorância ou negligência dela.
Tendo apurado que a 2ª Ré tinha contribuído efectivamente com a sua conduta maliciosa para o cancelamento da providência cautelar que foi decretada para conservar o direito de crédito da Autora, que não devia ser decretada, é claro que essa Ré actuou com má fé, não podendo ela não saber que o seu acto poderia lesar os interesses da Autora.
Assim, verifica-se também o requisito de má fé por parte dessa Ré.
Em suma, nesse caso concreto, mostram-se preenchidos os requisitos de instituto de impugnação paulina.
…”.

Salvo o devido respeito, não podemos sufragar a posição do Tribunal a quo supra transcrita, por existir erro de julgamento.
Vejamos.
Nos termos do artº 605º do C.C., a impugnação paulina só tem lugar quando:
a) ser o crédito anterior ao acto, ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.
Tratando-se de acto oneroso, exige ainda a má fé do devedor e do terceiro. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (artº 607º do C.C.).
Começamos então analisar o requisito da má fé.
O Tribunal a quo entendeu que as Rés agiram de má fé na compra e venda do imóvel identificado nos autos.
No entanto, a factualidade apurada aponta para justamente o sentido contrário.
Em primeiro lugar, a 1ª Ré, B, após a 2ª Ré, ora Recorrente, liquidar a dívida com o Banco Seng Heng em 14/03/2007 no âmbito do processo de execução nº CV3-05-0042-CEO na quantia de MOP$581.000.000,00 (facto provado do quesito 10º), sempre tentou impedir a concretização do contrato promessa de compra e venda do imóvel em causa celebrado entre ela e a 2ª Ré.
Pois, revogou, em 9/11/2007, a procuração com poderes especiais para realizar negócio consigo mesmo passada a favor do E1 (sócio maioritário da 2ª Ré) – al. AA) dos Factos Assentes.
Não realizou o contrato prometido, o que obrigou a 2ª Ré, em Abril de 2008, requerer a execução específica do contrato promessa de compra e venda em referência (al. BB) dos Factos Assentes).
A 1ª Ré contestou e opôs-se à execução específica (al. CC) dos Factos Assentes).
Mais ainda, em 14/07/2008, a 1ª Ré intentou uma acção contra a 2ª Ré, através do Processo n.º CV2-08-0048-CAO, alegando a simulação do contrato-promessa de compra e venda em causa, bem como requereu que fosse declarada a nulidade deste contrato e do registo provisório de aquisição (al. DD) dos Factos Assentes).
Em segundo lugar, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda do imóvel em referência entre as Rés, isto é, em 18/01/2007, nenhuma das partes contratuais podia contar que a Autora iria obter um “crédito” no valor total de HKD$597.617.324,00, resultante da transacção realizada, em 22/02/2008, no âmbito do processo CV3-07-0049-CAO, instaurado em 23/07/2007, no qual são partes a Autora e a 1ª Ré dos presentes autos, ocupando as posições de Autora e Ré naquele processo, respectivamente (al. F) dos Factos Assentes).
Nem se pode dizer que o contrato promessa de compra e venda do imóvel em referência entre as Rés prejudica ou visa prejudicar os direitos da Autora resultantes do contrato promessa de compra e venda do mesmo imóvel celebrado entre ela e a 1ª Ré, já que as partes contratuais deste contrato acordaram, em 02/03/2005, resolvê-lo nos seguintes termos (al. Z) dos Factos Assentes e documento nº 5 da contestação junto a fls. 223 dos autos, cujo teor foi dado como reproduzido integralmente na al. Z)):
“Acordo

B
(doravante designada simplesmente por "outorgante A")

A
(doravante designada simplesmente por "outorgante B")

F
(doravante designada simplesmente por "outorgante C")

Vista a conjuntura favorável do mercado imobiliário de Macau, é necessário tratar adequadamente da relação de compra e venda relativa ao prédio situado na [Endereço(1)] e ao terreno sobre o qual o prédio se situa (doravante designado simplesmente por "o terreno"), mencionados no “contrato-promessa de compra e venda” e no “contrato-promessa complementar", celebrados respectivamente, em 6 de Dezembro de 1991 e em 15 de Março (sic – nota da tradutora) de 1993, entre as outorgantes A, B e C. Após negociações, as três outorgantes atingiram o seguinte acordo:

Cláusula 1ª: Todas as três outorgantes estão de acordo que a partir da presente data, a outorgante A ficará responsável por negociar directamente com o Banco Seng Heng relativamente à liquidação da quantia determinada pela hipoteca ora existente sobre o terreno; a outorgante A concorda em substituir a outorgante C na liquidação da dívida no montante de MOP$160.000.000,00 a favor dos investidores originais; ficará também responsável pela liquidação do empréstimo hipotecário junto do Banco Seng Heng, enquanto a outorgante B e a outorgante C deixarão de estar envolvidas nisso.
Cláusula 2ª: A outorgante B e a outorgante C concordam em confirmar à outorgante A por escrito que a relação de compra e venda entre as duas partes relativa ao terreno se extinguiu. Revogaram-se o “contrato-promessa de compra e venda” e o “contrato-promessa complementar", celebrados antes com a outorgante A, respectivamente em 6 de Dezembro de 1991 e em 15 de Março (sic – nota da tradutora) de 1993.
Cláusula 3ª: A outorgante A concorda em pagar prioritariamente a favor da outorgante B e da outorgante C o montante de MOP$160.000.000,00, a título de pagamento de dívida contraída com os investidores originais, com o produto da venda subtraído o valor por liquidar correspondente ao capital e aos juros do empréstimo bancário.
Cláusula 4ª: Todas as três outorgantes estão de acordo que sem o consentimento escrito das outras outorgantes, nenhuma outorgante pode revelar e fornecer aos estranhos qualquer conteúdo do presente acordo, em qualquer momento e seja onde for (o presente acordo é nulo para o externo).
Cláusula 5ª: O presente acordo começará a produzir efeitos apenas com a verificação efectiva simultânea e global de todos os termos e condições.
Cláusula 6ª: O presente acordo é celebrado em três vias de idêntico efeito jurídico, ficando um exemplar na posse de cada uma das outorgantes.
…”

Ora, resulta de forma clara da cláusula 3ª do acordo que a Autora dos presentes autos, como parte interveniente do acordo, já sabia ou pelo menos já contava que a 1ª. Ré iria vender o terreno e com o produto da venda, liquidar a dívida do Banco Seng Heng e pagar-lhe e à F1 a quantia de MOP$160.000.000,00.
De qualquer forma, uma vez celebrado o contrato promessa de compra e venda do imóvel, as Rés têm, nos termos do nº 1 artº 404º do C.C., a obrigação de realizar o contrato prometido, isto é, celebrar o contrato de compra e venda do imóvel.
Não é de acolher a posição do Tribunal a quo no sentido de que a 2ª tinha agido de má fé no cancelamento do registo da providencia cautelar da proibição da venda, com fundamento de que em vez de requerer a certidão judicial que comprova a não dependência da acção nos próprios autos da providência, o fez nos autos da acção principal.
Pois, na óptica do Tribunal a quo, a providência cautelar não devia ser cancelada com base na certidão passada na acção principal.
Dispõe o nº 1 do artº 51º do Código do Registo Predial que “O cancelamento dos registos de penhora, arresto e outras providências cautelares, nos casos em que a acção já não esteja pendente, faz-se com base na certidão passada pelo tribunal competente que comprove essa circunstância ou ainda, nos processos de execução fiscal, a extinção ou não existência da dívida à Fazenda Pública” (o realçado e o sublinhado são nossos).
Qual será então o tribunal competente?
Nos termos do nº 3 do artº 318º do CPC, o processo do procedimento cautelar é apensado à acção principal e o juiz da acção principal tem competência exclusiva para os termos subsequentes da apensação.
Ora, perante as disposições legais supra referidas, não se vê por que razão a providência cautelar não poderia ser cancelada com base na certidão passada na acção principal.
Por outro lado, não resulta dos autos de que o mandatário da 2ª R., ao preencher o formulário do requerimento para cancelamento do registo, escreveu de forma intencional o nº do processo como CV3-07-0049-CAO-A, a fim de introduzir o Conservador em erro no sentido de que a certidão foi passada no âmbito do processo do procedimento cautelar.
Aliás, a certidão passada identificou de forma expressa o nº do processo como CV3-07-0049-CAO, e o seu texto é claro quanto à origem e finalidade da mesma (vide documento de fls. 874 dos autos).
Nesta conformidade, o simples erro do nº do processo indicado no formulário do requerimento para cancelamento do registo nunca consegue introduzir o Conservador em erro quanto à origem da certidão, visto que o Conservador antes de proceder ao cancelamento do registo, certamente vai confrontar o teor da certidão e os documentos em anexo.
Assim e face ao quadro fáctico acima referido, a realização da escritura da compra e venda prometida pelas Rés em 10/01/2009, não pode ser vista como um negócio procedido de má fé, pois as partes limitaram-se a cumprir as suas obrigações contratuais resultantes do contrato promessa já celebrado em 18/01/2007.
Em relação ao requisito da impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade, este também não está verificado.
O imóvel vendido é o único bem da 1ª Ré (al. Q) dos Factos Assentes).
No entanto, não se trata de um bem imóvel livre à data da celebração do contrato promessa de compra e venda entre as Rés, antes onerado com um penhora a favor do Banco hipotecário Seng Heng e um arresto inscrito sob o nº XXXXX.
A 2ª Ré aceitou a venda nestas condições.
A penhora do Banco Seng Heng realizada no processo de execução nº CV3-05-0043-CEO e averbada em 02/06/2006, visa para pagamento duma quantia exequenda no valor de MOP$1.252.166.667,56 (documento nº 2 junto com a p.i., fls. 24 e 25 dos autos, cujo teor foi integralmente dado reproduzido na al. C) dos Factos Assentes para todos os efeitos legais).
O arresto inscrito sob o nº XXXXXF em 19/09/2006, convertido em penhora em 20/11/2012, visa assegurar o pagamento da quantia MOP$10.300.000,00 (o documento nº 2 em referência, fls. 26 dos autos).
Como se vê, se a 2ª Ré não tivesse agido em conformidade com o estipulado no contrato promessa de compra e venda celebrado entre ela e a 1ª Ré, isto é, liquidar a quantia exequenda no processo CV3-05-0043-CEO (MOP$581.000.000,00) como parte do preço da venda, evitando desta forma a venda do bem imóvel penhorado em hasta pública (factos provados nos quesitos 10º e 11º), o imóvel em causa seria vendido judicialmente, sendo o seu valor do mercado à data do Fevereiro de 2007, era cerca de MOP$503.000.000,00, que nem chega para o pagamento da quantia exequenda do Banco Seng Heng, muito menos para o outro arresto inscrito sob o nº XXXXXF, que assegura o pagamento da quantia MOP$10.300.000,00.
Ou seja, nunca a Autora pode contar este bem imóvel poder servir de garantia patrimonial do seu “crédito” resultante da transacção.
Pelo exposto, é de concluir que a compra e venda do bem imóvel entre as Rés não causa impossibilidade, para a Autora, de obter a satisfação integral do seu “crédito”, ou agravamento dessa impossibilidade, pois esta impossibilidade já existe desde 02/06/2006.
Quanto à anterioridade do crédito, cumpre-nos dizer o seguinte:
Segundo a factualidade apurada, a 2ª Ré pagou, em 14/03/2007, por conta da 1ª Ré, no âmbito do processo CV3-05-0042-CEO, a quantia de MOP$581.000.000,00. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
Uns meses depois deste pagamento, a Autora dos presentes autos intentou, em 23/07/2007, uma acção contra a 1ª Ré, que correu termos sob o nº CV3-07-0049-CAO, com fundamento no incumprimento culposo desta do contrato promessa de compra e venda celebrado entre elas, pedindo a restituição do sinal em dobro no valor de HKD$206.000.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal.
Esta acção terminou com transacção exarada nos autos em 22 de Fevereiro de 2008, na qual, em resumo, as partes, acordaram em resolver o contrato-promessa em causa, com as seguintes obrigações a cargo da Ré B1:
i. Restituir a quantia de HK$350.589.010,00 recebida como princípio de pagamento do preço da venda prometida;
ii. Pagar a indemnização de HK$247.028.314,00 pela rescisão do mesmo contrato-promessa;
iii. Pagar estas importâncias, no montante global de HK$597.617.324,00, no prazo de 10 dias a contar da transacção, findo o qual se vencem juros de mora à taxa de 1,2% ao ano, tudo conforme doc. 2 da junto com a p.i., fls. 26 a 30, cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea F) dos factos assentes)
A transacção foi homologada por sentença 25 de Fevereiro de 2008, transitada em 10 de Março de 2008, donde resultou a condenação da Ré B1 naquelas prestações, tudo conforme doc. 2 junto com a p.i., fls. 31-32, cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea G) dos factos assentes)
O “crédito” da Autora dos presentes autos nasce da transacção acima referida.
Temos séria dúvida quanto à veracidade e bondade desta transacção.
Em primeiro lugar, tal transacção só surge após o pagamento da 2ª Ré da dívida exequenda no processo de execução nº CV3-05-0042-CEO, no valor de MOP$581.000.000,00, sendo devedores a F e da A1, dívida esta que estava garantida pela hipoteca do terreno dada pela 1ª Ré através do seu procurador a F (al. V) dos Factos Assentes).
Na acção ordinária nº CV3-07-0049-CAO, a Autora, também Autora dos presentes autos, só pediu a restituição em dobro do sinal pago no valor de HKD$206.000.000,00, acrescido de juros moratórios legais.
Ou seja, ela própria admite ter pago a quantia total de HK$103.000.000,00, a título de sinal, no âmbito do contrato promessa de compra e venda do mesmo terreno celebrado entre ela e a 1ª Ré.
Curiosamente, na transacção, a Ré (1ª Ré dos presentes autos), reconheceu que tinha recebido, como princípio de pagamento do preço da venda prometida, a quantia de HKD$350.589.010,00, que é muito superior à quantia que a Autora admitiu ter pago à mesma (HK$103.000.000,00).
Por outro lado, na referida acção, a Autora só pediu a restituição do sinal em dobro no valor de HKD$206.000.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal. No entanto, a Ré, aceitou na transacção, generosamente, pagar à Autora, no prazo de 10 dias, a quantia total de HKD$597.617.324,00, que é mais do que dobro da quantia inicialmente peticionada pela Autora!!!
Nos termos do nº 1 do artº 564º do CPC, o Tribunal não pode condenar em quantidade superior do que se pedir.
Ou seja, se não havendo a transacção das partes, mesmo que a dita acção vier a julgar-se totalmente procedente, a Autora também não pode obter uma condenação da Ré no pagamento duma quantia superior a HKD$206.000.000,00.
Mais ainda, de acordo com a al. Z) dos Factos Assentes e documento nº 5 da contestação junto a fls. 223 dos autos, cujo teor foi dado como reproduzido integralmente na al. Z), a Autora e a 1ª Ré acordaram, em 02/03/2005, resolver o contrato promessa de compra e venda do terreno celebrado em 06/12/1991 e o Acordo Complementar de 15/05/1993, mediante as condições de que a 1ª Ré, com o produto da venda do terreno, liquidava a dívida do Banco Seng Heng e pagava à Autora a quantia de MOP$160.000.000,00.
Neste acordo, não foi fixado qualquer prazo de cumprimento, o que se afigura ser lógica, uma vez que não se sabe quando é que a 1ª Ré iria conseguir vender o terreno.
Ora, tendo a 2ª Ré já liquidou por conta da 1ª Ré a dívida do Banco Seng Heng no âmbito do processo de execução nº CV3-05-0042-CEO, a 1ª Ré, nos termos do acordo acima em referência, só resta pagar à Autora a quantia de MOP$160.000.000,00 para verificar as condições em referência.
Nesta conformidade, porque há de aceitar ainda pagar a quantia avultada de HKD$597.617.324,00 para a mesma finalidade???
Tudo isto aponta que se trata duma transacção que contraria todas as regras de experiência comum e está fora da normalidade.
De qualquer maneira, tendo em conta que:
- as Rés celebraram o contrato promessa de compra e venda em 18/01/2007;
- uma vez celebrado o contrato promessa de compra e venda do imóvel, as Rés têm, nos termos do nº 1 artº 404º do C.C., a obrigação de realizar o contrato prometido, isto é, celebrar o contrato de compra e venda do imóvel;
- a 2ª Ré liquidou, em 14/03/2007, a quantia exequenda no processo CV3-05-0043-CEO no valor de MOP$581.000.000,00, como parte do preço da compra do terreno;
- a transacção foi realizada em 22/02/2008 e homologada por sentença de 25/02/2008;
O “crédito” da Autora não deveria ser considerado como anterior da aquisição do imóvel da 2ª Ré, já que não obstante a escritura definitiva de compra e venda ter sido realizada em 10/01/2009, o respectivo direito de aquisição já nasce com o contrato promessa de compra e venda de 18/01/2007.
Por outro lado, após a celebração do contrato promessa de compra e venda do terreno, a 2ª Ré efectuou o registo da aquisição a título provisório em 16/03/2007 (al. D) dos Factos Assentes), convertido em definitivo em 01/11/2012 (al. L) dos Factos Assentes).
Nos termos do nº 2 do artº 6º do Código do Registo Predial, “o registo convertido em definitivo tem a prioridade correspondente à sua realização como provisória”.
Ou seja, em termos e para efeitos de registo, a 2ª Ré é considerada como proprietária do terreno desde 16/03/2007.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- acrescentar na factualidade apurada os factos elencados no ponto nº 3; e
- conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e passando a julgar improcedente a acção interposta pela Autora, absolvendo das Rés dos pedidos.”; (cfr., fls. 1246-v a 1256-v).

Aqui chegados e merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Pois bem, em síntese, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância:
- alterou a decisão da matéria de facto do Tribunal Judicial de Base; e,
- revogou a sentença que havia dado como procedente o pedido (subsidiário) de “impugnação pauliana” pela A., ora recorrente, deduzido contra as (1ª e 2ª) RR. e que dizia respeito ao negócio de “compra e venda” entre estas celebrado sobre o prédio situado na [Endereço(1)]; (cfr., “ponto K” da matéria de facto).

Em causa não estando a decisão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatada quanto à “matéria de facto”, (cfr., pág. 21 e 22 deste aresto) – pois que no presente recurso esta não vem impugnada, tendo-se assim a mesma como definitivamente fixada dado motivos também não termos para alterar – importa assim apreciar apenas o segmento decisório que declarou inverificados os necessários requisitos legais da pela A. deduzida “impugnação pauliana” e que levou à anulação da sentença do Tribunal Judicial de Base com a consequente (total) absolvição das (1ª e 2ª) RR. dos pedidos.

A tanto se passa.

Inserido no Capítulo respeitante à “Garantia geral das obrigações”, na Secção das “Disposições gerais” e com a epígrafe “Princípio geral”, prescreve o art. 596° do C.C.M. que:

“Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios”.

E, como “institutos” legalmente consagrados para a (referida) “conservação da garantia patrimonial” prevê também o dito C.C.M. a “declaração de nulidade”, (cfr., art. 600°), a “sub-rogação do credor ao devedor”, (cfr., art. 601° a 604°), a “impugnação pauliana”, (cfr., art. 605° a 614°), e o “arresto”, (cfr., art. 615° a 618°), pois que muito embora a lei conceda ao credor a possibilidade de recorrer aos meios judiciais para obter a “realização forçada do seu crédito”, (cfr., art. 807° e segs. do C.C.M.), esta não é a única via ao seu dispor em caso do “não cumprimento voluntário da obrigação”.

De facto, o credor tem também em seu poder outros instrumentos igualmente eficazes, dos quais pode dispor para “defender a sua posição contra atos praticados pelo devedor, capazes de prejudicarem a garantia patrimonial da obrigação”; (cfr., v.g., Antunes Varela in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, pág. 433).

São os chamados e atrás referidos “meios de conservação da garantia patrimonial”, que, obstando a que bens que se deviam manter na esfera patrimonial do devedor de lá saiam, visando permitir a consistência do direito de crédito do credor contra actos do devedor que a possam afectar.

Na verdade, por um lado protege-se – e incentiva-se – a “livre iniciativa económica” que se manifesta na liberdade de gestão e disposição do seu património, porém, certamente se compreenderá também que esta mesma liberdade não pode ser “ilimitada”, necessário sendo conjugá-la com a legítima expectativa do credor que, caso tenha de recorrer ao pagamento forçado do seu crédito através da execução dos bens do devedor, existam no património deste bens (valores) suficientes para assegurar a satisfação do seu direito.

Nas palavras de Luís A. Carvalho Fernandes, pretende-se “a manutenção, tanto quanto possível intacta, da garantia patrimonial, pela conservação do património do devedor em termos de sobre ele poder recair a ação do credor, quando se torne necessário obter a efetiva satisfação do seu interesse”; (in “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 149).

De entre essas “providências” asseguradas pela lei civil figura o instituto da “impugnação pauliana”, meio pela A. utilizado para “atacar” a “compra e venda” entre as (1ª e 2ª) RR. celebrada a fim de garantir o crédito que alega ter sobre a 1ª R..

A sua inserção sistemática no C.C.M. permite-nos, deste logo, confirmar que se trata de um expediente de “conservação da garantia patrimonial”, consistindo na faculdade (normativamente) concedida ao credor, de atacar judicialmente certos actos válidos, anuláveis ou nulos, praticados pelo devedor, que diminuam a garantia patrimonial do seu crédito e que lhe sejam prejudiciais.

Com a “actio pauliana”, o titular do direito de crédito pretende, acima de tudo, “reagir contra atuações jurídicas do devedor”, (não tendo como propósito substituir-se a este último no exercício de alguns direitos de conteúdo patrimonial, como acontece, por exemplo, no instituto da “sub-rogação do credor ao devedor”).

Neste sentido, e como nota Vaz Serra, “a ação pauliana, segundo o ensinamento tradicional, aplica-se aos atos com os quais o devedor empobrece o seu património, e não apenas àqueles com que apenas se abstém de o enriquecer”; (in “Responsabilidade Patrimonial”, B.M.J. 75°-223).

Constitui uma forma de “inintromissão nas relações jurídicas existentes”, o que justifica que só possa ser efectivada por “via judicial”: (v.g.), através da interposição de uma acção declarativa como foi o caso dos autos, (e também, por via de excepção, ou reconvenção).

E, independentemente da forma como é exercida, impõe-se aferir do preenchimento dos seus “requisitos”, (ou pressupostos).

Em síntese que se tem por adequada, (e atento o estatuído no art. 605° do C.C.M.), pacífico se mostra de considerar que o sucesso da impugnação pauliana depende da verificação dos seguintes requisitos:
i) a “existência de um crédito”;
ii) um acto de natureza não pessoal que causa “prejuízo à garantia patrimonial do devedor”, (“eventus damni”); e,
iii) no caso de actos onerosos, a actuação de “má fé do devedor e do terceiro”, (“consilium fraudis”); (cfr., com interesse, e com poucas diferenças, António Menezes Cordeiro in, “Tratado de Direito Civil, X, Direito das Obrigações, Garantias”, pág. 311 e segs., João Cura Mariano in, “Impugnação Pauliana”, 2ª ed., pág. 153 e segs., Antunes Varela in, ob. cit., pág. 445 e segs., Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte in, “Garantias de Cumprimento”, 3ª ed., pág. 15 e segs., podendo-se também ver o Ac. deste T.U.I. de 30.11.2011, Proc. n.° 55/2011).

Em causa estando a “conservação” da garantia patrimonial, em princípio exige-se que o crédito seja “anterior” ao “acto prejudicial” do património do devedor, pois se for posterior, não poderá dizer-se que se alterou a garantia patrimonial com que o credor contava no momento da constituição do crédito.

No entanto, a impugnação pauliana poderá ainda operar na hipótese do “acto prejudicial ser anterior à constituição do crédito”, desde que seja “dolosamente” praticado com a finalidade de “impedir a satisfação do direito do futuro credor”; (cfr., parte final da al. a) do citado art. 605° do C.C.M.).

Como se referiu, e como nota João Cura Mariano, “Destinando-se a impugnação pauliana a proteger o património enquanto garante do cumprimento das obrigações do seu titular, é condição para o seu exercício a existência de um crédito que justifique a sua utilização. E apenas o credor poderá accionar o seu exercício.
O crédito tanto pode ser relativo a uma prestação de coisa como a uma prestação de facto e pode ter origem nas mais diversas fontes de constituição das obrigações.
O crédito deve respeitar a uma obrigação civil. (…)”; (in ob. cit., pág. 155 e 156).

E, como igualmente já se viu, a lei exige “(…) como requisito da pauliana a anterioridade do crédito em relação ao acto impugnado.
Só os titulares de créditos anteriores a esse acto se podem considerar lesados com a sua prática, porque só eles podiam legitimamente contar com os bens saídos do património do devedor como valores integrantes da garantia patrimonial do seu crédito.
Os credores cujos créditos nasceram só depois do acto de disposição ou oneração de bens realizado pelo devedor já não podiam obviamente contar com esses bens como garantia (patrimonial) do seu direito.
(…), porém, neste ponto (…). Admitiu a pauliana, embora a título excepcional, quando o acto, embora anterior à constituição do crédito, tenha sido realizado com dolo, para prejudicar a satisfação do direito do futuro credor.
Os casos que a lei compreensivelmente pretendeu abranger (com a parte final da al. a) do art. 640.º” – cfr., parte final da alínea a) do art. 610° do C.C.M. – “são aqueles a que os autores dão a designação expressiva de fraude preordenada.
Trata-se dos casos em que o devedor, para obter o crédito, faz dolosamente crer ao credor que certos bens por ele alienados ou onerados ainda pertencem ao seu património, como bens livres de quaisquer encargos. (…)”; (cfr., v.g., Antunes Varela in, ob. cit., pág. 447 a 449).

Cabe porém salientar que “(…) para a impugnação do acto anterior ao nascimento da obrigação, não basta demonstrar que o devedor o praticou com a intenção de subtrair o bem alienado à responsabilidade de satisfazer uma dívida a assumir posteriormente, é também necessário provar que o devedor agiu de modo a fazer crer ao credor que esse bem se mantinha no seu património, garantindo a satisfação do respectivo crédito, induzindo-o em erro. Só o credor que constituiu o seu crédito, no pressuposto decisivo que o bem previamente alienado pelo devedor garantia a satisfação daquele, agindo em erro intencionalmente provocado ou não denunciado pelo devedor, poderá impugnar aquela alienação. (…)”; (cfr., v.g., João Cura Mariano in, ob. cit., pág. 161 a 164).

Atentas as considerações tecidas e voltando ao caso dos autos, ponderando na factualidade dada como assente, a decisão de direito pelo Tribunal de Segunda Instância proferida e o que alegado vem em sede do presente recurso, somos de opinião que com o Acórdão recorrido se chegou a uma solução que não merece a mais pequena censura.

Passa-se a (tentar) expor o porque desse nosso entendimento, (necessárias não se apresentando uma muito extensa e elaborada fundamentação).

Vejamos.

Como sem esforço se retira do (próprio) “pedido” pela A., ora recorrente, então, na sua petição inicial deduzido, o mesmo tinha como objecto o “contrato promessa de 18 de Janeiro de 2007 celebrado entre Rés sobre o prédio descrito sob o n.° XXXX na Conservatória do Registo Predial de Macau”, assim como a “compra e venda celebrada entre as Rés sobre o mesmo prédio pela escritura pública de 10 de Janeiro de 2009, a fls. 16 do L.º XXX do [Notário Privado(1)]”; (cfr., pág. 2 e 3 deste aresto e “alínea D” e “alínea K” da matéria de facto provada).

E, sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento, o mesmo sucedendo ao (grande) esforço argumentativo no sentido de se (tentar) demonstrar que o “crédito” da A., ora recorrente, tem origem (e é “datado”), ou, como a mesma alega, “O crédito que fundamenta a presente acção de impugnação pauliana, da ora Recorrente contra a Ré B1, tem por fonte o contrato-promessa de compra e venda de 6 de Dezembro de 1991 e o contrato-promessa de complementar de 15 de Maio de 1993”, (cfr., concl. 1ª), evidente se apresenta que o – verdadeiro – “crédito” aqui reclamado e em questão diz, (aliás), respeito, às “dívidas em que a Ré B1 foi condenada pela sentença homologatória/condenatória de 25 de Fevereiro de 2008, transitada em 10 de Março de 2008, dos seguintes valores:
a) HK$350 589 010,00 em restituição do princípio de pagamento do preço ajustado no contrato promessa de 6/12/1991;
b) HK$247 028 314,00 a título de indemnização pela rescisão do mesmo contrato-promessa;
c) Juros de mora à taxa de 1,2% ao ano sobre a soma daquelas dívidas no montante de HK$597 617 324,00”; (cfr., o já aludido pedido deduzido em sede de p.i., a pág. 3 deste aresto).

Na verdade, vãs e de (absolutamente) nenhum efeito se nos apresentam (quaisquer) outras considerações sobre a matéria, pois que se “provado” está que a A. instaurou uma acção – CV3-07-0049-CAO – contra a dita (1ª) R. que “terminou com transacção exarada nos autos em 22 de Fevereiro de 2008, na qual, em resumo, as partes, acordaram em rescindir o contrato-promessa em causa, com as seguintes obrigações a cargo da Ré B1: (…)”, transacção esta que foi “homologada por sentença 25 de Fevereiro de 2008, transitada em 10 de Março de 2008, donde resultou a condenação da Ré B1 naquelas prestações”, (cfr., alíneas F) e G) da matéria de facto provada), claro e evidente se nos mostra o que se acaba de consignar, (totalmente ociosas e inúteis sendo outras considerações).

Assim, e em conformidade com o até aqui exposto, importa, agora, (e antes de mais), ver se este “crédito (reclamado)” é “anterior” ao “acto prejudicial” pelas RR. praticado.

Ora, olhando para o que se deixou exposto, 3 são as datas que se apesentam possíveis para o crédito da A., ora recorrente:
- a da “transacção exarada nos autos em 22.02.2008”;
- a da sua “homologação, em 25.02.2008”; e,
- a do “trânsito em julgado da sentença homologatória, em 10.03.2008”; (cfr., as referidas alíneas F) e G) da matéria de facto).

Por sua vez, visto está também que em relação ao aludido “acto prejudicial”, 2 datas são as possíveis:
- a da “celebração do contrato-promessa entre as RR., em 18.01.2007”; e,
- a da “outorga da escritura pública, em 10.01.2009”.

Pois bem, independentemente da data relevante em relação à A., ora recorrente, (e ainda que em sede do presente recurso a mesma eleja a data do trânsito em julgado), apenas a data da “celebração do contrato-promessa” entre as RR. é “anterior” ao “crédito” aqui em questão, podendo, assim obstar à pretensão em causa, pois que impediria a consideração de se tratar de um “crédito anterior ao acto prejudicial”.

Ora, in casu, foi exactamente neste sentido que decidiu o Tribunal de Segunda Instância.

Atribuiu-se aí relevância à “data do contrato-promessa”, considerando-se, como se viu, (e agora repete-se), que “não obstante a escritura definitiva de compra e venda ter sido realizada em 10/01/2009, o respectivo direito de aquisição já nasce com o contrato promessa de compra e venda de 18/01/2007”, que, “Por outro lado, após a celebração do contrato promessa de compra e venda do terreno, a 2ª Ré efectuou o registo da aquisição a título provisório em 16/03/2007 (al. D) dos Factos Assentes), convertido em definitivo em 01/11/2012 (al. L) dos Factos Assentes)”, e que “Nos termos do nº 2 do artº 6º do Código do Registo Predial, “o registo convertido em definitivo tem a prioridade correspondente à sua realização como provisória”.
Ou seja, em termos e para efeitos de registo, a 2ª Ré é considerada como proprietária do terreno desde 16/03/2007”; (cfr., pág. 35 deste aresto).

Ora, como já se deixou adiantado, correcto se apresenta o que assim se decidiu e se deixou retratado.

Na verdade, admite-se que se possa (eventualmente) afirmar que apenas a “escritura pública de compra e venda” é que provocou a “diminuição patrimonial” da 1ª R., não tendo o contrato-promessa em causa provocado qualquer alteração a esse respeito, (pelo que, à primeira vista, o “crédito é anterior ao acto que é efectivamente impugnado”).

Não se nega também que se tem considerado “que o contrato-promessa, gerando apenas a obrigação de celebrar o contrato definitivo, não constitui acto diminuidor da garantia patrimonial”, porém, logo se adverte que “um contrato-promessa com eficácia real terá que ser encarado de forma distinta”; (cfr., v.g., Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte in, ob. cit., pág. 17).

E, em nossa opinião, há que se dizer que bem se compreende, atendendo à “finalidade” da impugnação pauliana, enquanto acto que promove a ineficácia relativa (em relação ao credor) do acto de diminuição patrimonial, de modo a permitir que o objecto mediato desse acto de diminuição patrimonial possa continuar a garantir o crédito anterior do credor, e, se for caso disso, a ser executado para pagamento desse crédito.

Todavia, não se pode olvidar que um “contrato-promessa com eficácia real” pode ser oposto a terceiros, o que equivale a dizer que uma impugnação pauliana movida com base num crédito constituído após o contrato-promessa com eficácia real não poderia valer-se da sua anterioridade em relação ao contrato definitivo, visto que uma eventual execução incidente sobre o imóvel ficaria sempre prejudicada pela prioridade obtida com a promessa dotada de eficácia real; (cfr., art°s 2°, n.° 1, al. f), 5° e 6°, n.° 1 do Código de Registo Predial e art. 814°, n.° 2 do C.C.M.).

In casu, apesar do contrato-promessa não gozar de eficácia real, a verdade é que o mesmo foi “inscrito provisoriamente no registo em 16.03.2007”, mediante a inscrição n.° XXXXXXG, a favor 2ª R.; (cfr., alínea D) dos factos assentes).

E, a propósito do “registo provisório”, diz o que se nos mostra de considerar como doutrina especializada da R.A.E.M. que:

“A vantagem do registo provisório antes de titulado o respectivo negócio é evidente. (…) O que se permite com este registo provisório é que os interessados (o promitente-comprador e também o promitente-credor) vejam desde logo garantida a prioridade do seu direito no registo, tornando-o desde logo oponível a terceiros, dada a especial garantia de que, desde que convertidos em definitivos dentro do seu prazo de vigência, os registos manterão a prioridade que tinham como provisórios. (…)”; (cfr., v.g., Vicente João Monteiro in, “Código do Registo Predial de Macau – Anotado e Comentado”, pág. 291 a 293).

Nesse sentido, sustenta-se que:

“(…) quanto ao registo provisório de aquisição o que está em causa é o próprio trato sucessivo, na modalidade do encadeamento tabular dos direitos inscritos da mesma natureza sobre o mesmo imóvel ou de continuidade das inscrições, implicando a provisoriedade por natureza de registos posteriores dependentes ou incompatíveis (artigo 86.º, n.º 2, alíneas b) ou c), do Código)”; (cfr., v.g., Vicente João Monteiro in, ob. cit., pág. 439).

Assim se explica que a recorrente com base na sentença homologatória da transacção concluída com a 1ª R. apenas tenha conseguido obter um “registo provisório da hipoteca judicial” – exactamente – por conta da sua “incompatibilidade”, (cfr., art. 86°, n.° 2, al. c) do Código do Registo Predial), com o registo provisório decorrente do contrato-promessa meramente obrigacional; (cfr., art. 9° da petição inicial).

Daí que se nos mostre de considerar que o crédito da recorrente é “posterior” ao acto alegadamente prejudicial, visto que a escritura de compra e venda limitou-se a “concretizar um contrato-promessa anterior ao crédito da A.”, ora recorrente, e que também lhe era oponível por conta da prioridade do registo provisório.

Aliás, no momento da “constituição dos créditos da A.”, ora recorrente, sobre a 1ª R. através da transacção judicial, já esta estava – ou, pelo menos, devia estar – (clara e totalmente) ciente de que o prédio existente no património da 1ª R. tinha sido prometido vender à 2ª R., com “registo provisório” (oponível a terceiros), pelo que não poderia, com segurança, contar com este bem da dita (1ª) R. como “susceptível de penhora enquanto garantia geral das obrigações”; (cfr., art. 596° do C.C.M.).

Dest’arte, em causa estando um “crédito posterior ao acto alegadamente prejudicial”, cumpria à A., ora recorrente, ter alegado factos que demonstrassem que a 2ª R. actuou de “má fé”, ou seja, com a “consciência da finalidade fraudulenta visada pelo devedor com a outorga do acto”; (cfr., v.g., João Cura Mariano in, ob. cit., pág. 161 a 164).

Não o tendo feito, nem tão pouco assim resultando da matéria de facto dada como assente e provada nos autos, vista está a solução para o presente recurso.

Decisão

4. Nos termos de todo o expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 21 de Setembro de 2022


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
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