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Processo n.º 22/2022
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A (menor, representada pela sua mãe B)
Recorrido: Secretário para a Economia de Finanças
Data da conferência: 19 de Outubro de 2022
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Interpretação da lei
- Imposto do selo
- Isenção da taxa adicional
- Art.º 106.º da Lei Básica da RAEM

SUMÁRIO:
1. O imposto do selo incide sobre os documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão de direitos sobre imóveis, sendo o adquirente desses direitos obrigado a pagar o imposto do selo; e tanto os contratos de compra e venda como a constituição de usufruto de imóveis estão sujeitos a tal imposto.
2. Há ainda lugar à cobrança de uma “taxa adicional” fixada nos artigos 42 ou 43 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que é de 10%, a pagar por parte de pessoas colectivas, empresários comerciais, pessoas singulares, ou não residentes, de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, pela aquisição a título oneroso ou gratuito, exceptuando os casos em que “coexistem dois ou mais adquirentes, sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles”.
3. Está em causa um imposto que incide sobre os documentos, papéis e actos que sejam fonte de transmissão de direitos sobre imóveis, e não sobre as próprias transmissões desses direitos.
4. O art.º 53.º-A do Regulamento do Imposto do Selo foi introduzido pela Lei n.º 15/2012, para reprimir os efeitos negativos sobre a vida quotidiana da população local resultantes da excessiva especulação no mercado imobiliário para habitação.
5. Ao abrigo do art.º 8.º do Código Civil, se é verdade que não se deve fazer uma interpretação meramente literal da lei, sendo relevante para o efeito o pensamento legislativo, não é menos certo que, se o pensamento legislativo não tiver na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal”, então tal pensamento não pode ser tido em consideração. Daí que na interpretação da lei só pode (e deve) ser considerado o pensamento legislativo que tenha na letra da lei uma mínima correspondência verbal.
6. É de salientar que, não obstante a intenção legislativa de combater à especulação imobiliária, revelada com a aprovação da Lei n.º 15/2012, não se encontra nas letras do art.º 53.º-A uma mínima referência correspondente a tal “pensamento legislativo”.
7. Não está legalmente prevista a possibilidade de afastar a aplicação da taxa adicional através da demonstração no caso concreto de que não teve o sujeito passivo a intenção especulativa. Por outro, a lei não prevê mecanismo ao qual se pode recorrer para demonstrar a falta de intenção especulativa e, consequentemente, afastar a tributação de taxa adicional, não obstante a intenção legislativa de combater a actividades especulativas.
8. É um dos pressupostos da isenção de taxa adicional a “coexistência de dois ou mais adquirentes”, que se refere a uma “coexistência no título”, sendo necessário que no título de transmissão figurem como adquirentes duas ou mais pessoas, para que seja aplicado o disposto no n.º 3 do art.º 53.º-A do RIS.
9. É entendimento deste Tribunal de Última Instância que nas alegações do recurso contencioso o recorrente só pode invocar novos vícios do acto administrativo se não lhe fosse exigível o conhecimento deles no momento da apresentação da petição inicial.
10. Não obstante o comando de tomar como referência “a política de baixa tributação anteriormente seguida em Macau”, o art.º 106.º da Lei Básica confere à RAEM o poder de produzir, “por si própria, as leis respeitantes aos tipos e às taxas dos impostos e às reduções e isenções tributárias, bem como a outras matérias tributárias”.
11. A orientação de “baixa tributação” não constitui obstáculo à criação de novas normas tributárias, podendo o legislador da RAEM produzir as leis respeitantes aos tipos e às taxas dos impostos e às reduções e isenções tributárias, até a outras matérias tributárias, o que resulta claramente do art.º 106.º.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A (melhor identificada nos autos e representada pela sua mãe B), interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 18 de Maio de 2020, que manteve o indeferimento do seu pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo, prevista no n.º 3 do art.º 53.º-A da Lei n.º 17/88/M sobre a aquisição do direito de propriedade do imóvel inscrito na matriz fiscal sob o n.º XXXXXD-XX-B23.
Por acórdão proferido nos autos de recurso contencioso n.º 754/2020, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Inconformada, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações a afirmar que:
“Pelos fundamentos aduzidos supra e considerado o teor do Acórdão recorrido, verificando-se que o Tribunal a quo optou por se basear numa interpretação puramente literal da Norma de Isenção, a qual fica muito aquém da intenção e finalidade normativas da Lei n.º 15/2012, a decisão mantida pelo Tribunal, da aplicação da taxa adicional do imposto do selo à Recorrente resulta de uma aplicação errada do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 53.º-A e, consequentemente, em violação do n.º 1 do artigo 8.º em conjugação com o artigo 10.º, ambos do Código Civil, ao não operar a interpretação teleológica ou extensiva da Norma de Isenção, com a consequente violação do artigo 7.º do CPA, ao manter um acto administrativo injusto, e do artigo 106.º da Lei Básica, por se afigurar tal decisão vertida no Acórdão como contrária à política de baixa tributação do sistema fiscal da RAEM.”
E pede que seja revogado o acórdão recorrido, por errar na aplicação dos n.ºs 1 e 3 do art.º 53.º-A da Lei n.º 17/88/M, dos art.ºs 8.º e 10.º do Código Civil e do art.º 106.º da Lei Básica.
Contra-alegou a entidade recorrida, pugnando pela improcedência do presente recurso.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.

2. Factos
Foi dada como assente a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
- Por escritura outorgada em 9.5.2019, C constituiu um direito de usufruto vitalício a favor do seu pai, D, residente permanente de Macau, sobre a fracção autónoma “B23” do prédio descrito sob o n.º XXXXX-C na Conservatória do Registo Predial.
- Sobre o preço do ónus de usufruto vitalício (que foi de HKD5.250.000,00, equivalente a MOP5.407.750,00, para efeitos fiscais), foi pago o imposto do selo no montante de MOP107.337,00, em 28.5.2019.
- Em 21.6.2019, por escritura de compra e venda do imóvel, a recorrente, filha menor do usufrutuário D, representada pela mãe, adquiriu o direito de propriedade do imóvel ao seu irmão C.
- Sobre a compra do direito de propriedade do imóvel incidiu um montante de imposto do selo igual ao que tinha sido pago pelo usufrutuário (salvo a diferença de 5% do conhecimento), no valor de MOP102.225,00, tendo o preço da compra e venda sido igual ao do usufruto (HKD5.250.000,00), equivalente a MOP5.407.750,00.
- A esse montante de imposto do selo cobrado à recorrente, foi liquidada a taxa adicional de 10%, no montante de MOP540.750,00 e, após liquidação adicional em resultado da actualização do valor do imóvel operado pela DSF para o valor de MOP7.869.000,00, foi liquidado mais um montante de MOP335.995,00 do qual constitui nova liquidação da taxa adicional de 10% sobre o valor actualizado do imóvel o montante de MOP246.125,00.
- Sendo assim, a recorrente pagou a taxa adicional de 10% no montante de MOP786.875,00.
- Por requerimento de 18.7.2019, a recorrente apresentou o pedido de isenção da taxa adicional, mas este foi indeferido pela DSF.
- A recorrente apresentou reclamação em 18.9.2019, tendo a mesma sido indeferida por despacho do Sr. Director da DSF.
- Inconformada, a recorrente interpôs recurso hierárquico junto do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças.
- Foi elaborado pela Coordenadora do Núcleo de Apoio Jurídico da DSF o seguinte parecer:
   “I. DOS FACTOS
   1. C adquiriu a fracção autónoma B23 do vigésimo terceiro andar B, para habitação, do prédio denominado [Edifício], situado na [Endereço], por escrito particular datado de 6 de Outubro de 2008.
   2. No dia 20 de Junho de 2014, C, com a transmissão definitiva, apresentou a declaração modelo M/1 n.º 2014/XX/XXXXXX/X, para liquidar o imposto do selo.
   3. No dia 24 de Junho de 2014, o mesmo efectuou o pagamento do imposto do selo devido no montante de MOP18.736.
   4. No dia 9 de Maio de 2019, C constituiu o direito de usufruto vitalício da fracção autónoma referida ao seu pai D por forma de escritura.
   5. D apresentou em 10 de Maio de 2019 a declaração modelo M/1 com n.º 2019/XX/XXXXXX/X, e em 20 de Maio de 2019 a declaração modelo M/5 com n.º 2019/XX/XXXXXX/X, requerendo a liquidação do respectivo imposto sobre a constituição de usufruto.
   6. No dia 28 de Maio de 2019, o mesmo efectuou o pagamento do devido imposto.
   7. Posteriormente, no dia 21 de Junho de 2019, C e a sua irmã A celebraram um contrato de compra e venda da fracção autónoma acima mencionada, a compradora aceitou o ónus do direito de usufruto vitalício, a favor do seu pai D.
   8. Uma vez que A não é residente da RAEM, ao contrato de compra e venda referido, nos termos do art. 53º-A, n.º 1 do Regulamento do Imposto do Selo (RIS), além do imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada nos artigos 42 ou 43 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).
   9. No dia 22 de Julho de 2019, A pagou, sob reserva, o devido imposto do selo.
   10. No dia 18 de Setembro de 2019, representante da recorrente apresentou a reclamação junto dos nossos Serviços, requerendo a isenção da aplicação da taxa adicional previsto no art. 53º-A, n.º 1 do RIS.
   11. O Director da DSF indeferiu o pedido da mesma, por despacho datado 11 de Dezembro de 2019, exarado na proposta n.º XXXX/NIS/DOI/RFM/2019.
   12. A decisão do indeferimento da reclamação, nos termos do art. 2º, n.º 3 do DL n.º 16/84/M, foi notificada da recorrente no dia 26 de Dezembro de 2019, por ofício n.º XXXX/NIS/DOI/RFM/2019.
   13. Inconformada, uma vez mais, com a decisão do Director dos Serviços de Finanças, veio a recorrente, ao abrigo do n.º 3 do artigo 2º da Lei n.º 12/2003, de 3 de Agosto, interpor o presente recurso hierárquico em 3 de Fevereiro de 2020.
   II. DO RECRUSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
   I) Pressupostos processuais
   A recorrente foi notificada em 26 de Dezembro de 2019 pelo Ofício n.º XXXX/NIS/DOI/RFM/2019 do despacho do Director dos Serviços de Finanças, de 11 de Dezembro, exarado na Proposta n.º XXXX/NIS/DOI/RFM/2019 datada de 3 de Dezembro, que indeferiu a reclamação por aquela apresentada a 18 de Setembro de 2019, sendo este o acto administrativo que impugna.
   O recurso é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 30 dias previsto na al. a) do artigo 6º da Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto e no n.º 1 do artigo 155º do Código do Procedimento Administrativo, conjugado com o art. 74º, al. c) do CPA, o termo do prazo que caia em dia em que o serviço não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
   II) Pedido
   A recorrente solicita a revogação do acto do indeferimento do pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo, por assentar numa errada aplicação do n.º 1 e n.º 3 do art. 53º-A do RIS.
   III) Apreciação Jurídica
   Para reprimir os efeitos negativos sobre a vida quotidiana da população local resultantes da excessiva especulação no mercado imobiliário para habitação, o Governo da RAEM entende que é necessário tomar medidas fiscais restritivas destinadas às pessoas colectivas, aos empresários comerciais, pessoas singulares, e aos não residente que adquiram fracções habitacionais.
   Aditamento do art. 53º-A ao RIS pela Lei n.º 15/2012, com a seguinte redacção:
Artigo 53º-A
   1. Aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando o adquirente, a título oneroso ou gratuito, desses bens ou direitos é pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente que não está abrangido pelas isenções do imposto do selo previstas no presente regulamento ou em legislação especial, além do imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada nos artigos 42 ou 43 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
   2. O disposto no número anterior aplica-se aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando coexistem dois ou mais adquirentes, desde que qualquer deles seja pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente.
   3. O disposto no n.º 1 não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando coexistem dois ou mais adquirentes, sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles.
   4. O disposto n.º 1 não se aplica quando os bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação são adquiridos do cônjuge, em consequência de divórcio, anulação do casamento ou separação judicial de bens.
   Alega a recorrente que na norma não se verifica qualquer exigência de contitularidade nem de aquisição conjunta, sendo antes as condições para a aplicação da isenção fiscal a coexistência de adquirentes de direitos reais sobre o mesmo imóvel – i.e., sem qualquer exigência sobre o momento ou título das aquisições, exigindo-se antes uma relação de parentesco muito específica (casamento ou parentesco na linha recta), para salvaguardar as transmissões intrafamiliares entre gerações de residente, nas quais não existe qualquer índole especulativo.
   Antes de mais, esclarecemos as significações de contitularidade e de coexistência:
   A contitularidade significa que situação em que dois ou mais sujeitos são simultaneamente titulares de um dado direito, com acontece, por exemplo, como a compropriedade. Às situações de contitularidade de direito são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à compropriedade.
   E, através de consultar o Dicionário da Língua Portuguesa e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a coexistência significa a existência simultânea.
   Ainda, no quadro fiscal actual, o facto tributário sobre o qual incide o imposto do selo são os documentos, papéis ou actos que titulam transmissões fiscais. São estes títulos que são susceptíveis de gerarem, de serem fonte daquelas transmissões fiscalmente relevantes e não as transmissões que são fonte dos títulos, que criam o facto tributário e, em consequência, que geram a obrigação do imposto.
   In casu, D é residente da RAEM, adquiriu o direito de usufruto vitalício no dia 9 de Maio de 2019 do bem referido, por escritura, e A não é residente da RAEM, adquiriu no dia 21 de Junho de 2019 o direito de nua propriedade sobre mesmo bem, por escritura, entre ambos existindo uma relação de parentesco na linha recta.
   O contrato de constituição de usufruto, e o contrato de compra e venda de bem imóvel, ao abrigo do art. 51º do RIS são, para efeito fiscal, fonte de transmissão, os quais são factos tributários, sujeitam a imposto do selo.
   In casu, existem dois títulos de transmissões que criam dois factos tributários e geram as obrigações tributárias, o título em causa – a escritura de compra e venda, destina-se a transmitir o direito de nua propriedade do imóvel referido, portanto, o art. 53º-A, n.º 3 do RIS deve ser compreendido como quando coexistem dois ou mais adquirentes do direito de nua propriedade do mesmo bem.
   Sendo o facto de adquisição do direito de usufruto de um bem imóvel, considerado pela recorrente como o motivo de dispensa da aplicação de taxa adicional ao título da transmissão do direito de una propriedade, essa afirmação não faz sentido nenhum, cada título de transmissão deve ser por forma independente considerado e tributado.
   O legislador utiliza no artigo 53º-A do RIS a coexistência, em vez de contitularidade, aquisição conjunta e existência, entendemos que a norma referida exige que todos os adquirentes adquirem o mesmo bem ou direito pelo mesmo título, assim, verificando a palavra da coexistência, caso não exigisse a aquisição pelo mesmo título, o legislador deveria utilizar a palavra de existência, além disso, não baste de contitularidade ou aquisição conjunta de dado direito, porque, no quadro do imposto do selo, o facto tributário são os títulos que titulam transmissões e não as transmissões, carecem ainda todos os adquirentes outorgar no mesmo título, se não preencher o requisito de coexistência – existência simultânea.
   Ao respeito pelas regras da interpretação da lei constante do artigo 8º do Código Civil (CC), quer seja na versão portuguesa, quer seja na versão chinesa, o artigo 53º-A, n.º 3 do RIS deve ser entendido como: a taxa adicional não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando de preenchimento dos requisitos seguintes: Primeiro, quando existem simultaneamente dois ou mais adquirentes do mesmo bem imóvel ou direito no mesmo título, sob pena não verificar o requisito de coexistência; segundo, os adquirentes sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles.
   In casu, em cada título existe um único adquirente, e os adquirentes, por cada título, adquiriram direitos distintos, portanto, quer seja o momento da celebração, quer seja o direito adquirido, não satisfaz o requisito da coexistência dos dois ou mais adquirentes.
   Dado que A não é residente da RAEM, e não coexistem dois ou mais adquirentes do direito de nua propriedade do bem referido no mesmo título, não se preenchem os requisitos legais previstos no art. 53º-A, n.º 3 do RIS, aplicando a taxa adicional previsto no art. 53º-A, n.º 1 do RIS ao título referido.
   Por outro lado, a recorrente alega “(…), sendo antes as condições para a aplicação da isenção fiscal a coexistência de adquirentes de direitos reais sobre o mesmo imóvel”, essa afirmação não é verdadeira, porque, nos termos do art. 51º, n.º 3, al. b) do RIS, os contratos-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo, sujeitam também a imposto do selo, o adquirente nem sempre adquirir o direito real, por título de transmissão, pode ser meramente o direito obrigacional, uma vez que preencher os requisitos previstos no art. 53º-A, n.º 3 do RIS, a taxa adicional prevista no art. 53º-A, n.º 1 do RIS não se aplica ao contrato-promessa.
   Por último, a recorrente alega que se a simultaneidade de aquisições fosse o alcance pretendido pelo Legislador, os institutos legais da representação nos negócios do direito civil, em circunstâncias que impedissem a celebração de escritura na mesma data, penalizaria as partes apenas por não o formalizarem na mesma data, esse configuraria uma inadmissível restrição à liberdade contratual dos particulares, sem qualquer arrumo legal sob o ponto de vista dos interesses fiscais visados pela taxa adicional.
   Inconformadas com as alegações da recorrente, entendemos que o requisito de coexistência dos dois ou mais adquirentes do mesmo bem ou direito no mesmo título não restringe a liberdade contratual dos particulares, de facto, os particulares podem determinar por vontade própria o conteúdo do contrato e a data de sua celebração, o contrato ainda pode ser celebrado, de acordo com o art. 251º do CC, pelo instituto legal da representação, que não será o obstáculo para preencher os requisitos legais.
   Quando o adquirente, a título oneroso ou gratuito, de bens imóveis destinados a habitação ou respectivos direitos é pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente, em regra, além do imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada nos artigos 42º ou 43º da TGIS ao respectivo título.
   Os adquirentes têm liberdade para decidir o preenchimento dos requisitos previsto no art. 53º-A, n.º 1 do RIS, ou em contrário, aplicar-se a taxa adicional ao respectivo título, sabendo-se que os requisitos referidos não são os requisitos legais para celebrar o contrato, nem afectam a validade do contrato, as obrigações tributárias não podem ser consideradas como as restrições à liberdade contratual.
   Concluímos que a coexistência de adquirentes de direitos reais sobre o mesmo imóvel não é relevante, mas a coexistência de adquirentes do mesmo bem ou direito no mesmo título com uma relação familiar específica (cônjuge ou parentes ou afins na linha recta), isto é relevante para dispensar a aplicação da taxa adicional prevista no art. 53º-A, n.º 1 do RIS.
   Pelo exposto, a recorrente não é residente da RAEM, pelo que não se preenchem os requisitos legais previstos no art. 53º-A, n.º 3 do RIS, não coexistem dois ou mais adquirentes do direito de nua propriedade no mesmo título de transmissão, nos termos do art. 53º-A, n.º 1 do RIS, além de aplicar o imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada no artigo 42º da TGIS ao título, a intenção de especulação de adquirente não é relevante.
   Os fundamentos alegados pela Recorrente não são susceptíveis de sustentar o deferimento do pedido de revogação do acto de indeferimento do pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo.
   Em conclusão,
   I. Alega a recorrente que na norma não se verifica qualquer exigência de contitularidade nem de aquisição conjunta, sendo antes as condições para a aplicação da isenção fiscal a coexistência de adquirentes de direitos reais sobre o mesmo imóvel – i.e., sem qualquer exigência sobre o momento ou título das aquisições, exigindo-se antes uma relação de parentesco muito específica (casamento ou parentesco na linha recta), para salvaguardar as transmissões intrafamiliares entre gerações de residente, nas quais não existe qualquer índole especulativo.
   II. Alega também que se a simultaneidade de aquisições fosse o alcance pretendido pelo Legislador, os institutos legais da representação nos negócios do direito civil, em circunstâncias que impedissem a celebração de escritura na mesma data, penalizaria as partes apenas por não o formalizarem na mesma data, esse configuraria uma inadmissível restrição à liberdade contratual dos particulares, sem qualquer arrumo legal sob o ponto de vista dos interesses fiscais visados pela taxa adicional.
   III. Inconformadas com as alegações da recorrente, porque, primeiro, l legislador utiliza no artigo 53º-A do RIS a coexistência, em vez de contitularidade, aquisição conjunta ou existência, entendemos que a norma referida exige que todos os adquirentes adquirem o mesmo bem ou direito pelo mesmo título, assim, preenchimento do requisito da coexistência, caso não exigisse a aquisição por mesmo título, o legislador deveria utilizar a palavra da existência, além disso, não basta de exigir apena a contitularidade ou aquisição conjunta de dado direito, porque, no quadro do imposto do selo, o facto tributário são os título que titulam transmissões e não as transmissões, carecem ainda todos os adquirentes outorgar no mesmo título, se não preencher o requisito de coexistência.
   IV. Segundo, in casu, existem dois títulos de transmissões, a escritura de constituição de usufruto e escritura de compra e vende de bem imóvel, que criam dois factos tributários e geram as obrigações tributárias, ao abrigo do art. 51º do RIS, para efeito fiscal, sujeitam a imposto do selo.
   V. O título de transmissão em causa – a escritura de compra e venda, destina-se a transmitir o direito de nua propriedade do bem referido, portanto, o art. 53º-A, n.º 3 do RIS deve ser compreendido como quando coexistem dois ou mais adquirentes do direito de nua propriedade do bem referido, sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles.
   VI. Sendo o facto de adquisição do direito de usufruto de um bem imóvel, considerado pela recorrente como o motivo de dispensa da aplicação de taxa adicional ao título da transmissão do direito de nua propriedade do mesmo bem, essa afirmação não faz sentido nenhum, cada título de transmissão deve ser por forma independente considerado e tributado.
   VII. In casu, em cada título existe um nico adquirente, e os adquirentes, por cada título, adquiriram direitos distintos, portanto, quer seja o momento da celebração, quer seja o direito adquirido, ambos não satisfazem o requisito da coexistência dos dois ou mais adquirentes.
   VIII. Por último, entendemos que o requisito de coexistência dos dois ou mais adquirentes do mesmo direito no mesmo título não restringe a liberdade contratual dos particulares, de facto, os particulares podem determinar por vontade própria o conteúdo do contrato e a data de sua celebração, contrato ainda pode ser celebrado, de acordo com o art. 251º do CC, pelo instituto legal da representação, que não será o obstáculo para preencher os requisitos legais,
   IX. Os adquirentes têm liberdade para decidir o preenchimento dos requisitos previstos no art. 53º-A, n.º 3 do RIS, não se aplicar ao respectivo título a taxa adicional previsto no art. 53º-A, n.º 1 do RIS, ou em contrário, aplicar-se a taxa adicional ao respectivo título, sabendo-se que os requisitos referidos não são os requisitos legais para celebrar o contrato, nem afectam a validade do contrato, as obrigações tributárias não podem ser consideradas como as restrições à liberdade contratual.
   X. Pelo exposto, a recorrente não é residente da RAEM, pelo que não se preenchem os requisitos legais previstos no art. 53º-A, n.º 3 do RIS, não coexistem dois ou mais adquirentes do direito de nua propriedade do imóvel referido no mesmo título, nos termos do art. 53º-A, n.º 1 do RIS, além de aplicar o imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada no artigo 42º da TGIS, a intenção de especulação de adquirente não é relevante.
   XI. Os fundamentos alegados pela Recorrente não são susceptíveis de sustentar o deferimento do pedido de revogação do acto de indeferimento do pedido de isenção da taxa adicional do imposto do selo.
   XII. Consequentemente, deverá o presente recurso ser considerado improcedente, e mantido o Despacho de indeferimento da reclamação.
   À consideração Superior.”
- Tendo o Sr. Director dos Serviços de Finanças emitido o seguinte despacho:
   “Exmo. Senhor Secretário da Economia e das Finanças:
   Atendendo a que o contrato de constituição de usufruto de bem imóvel e o contrato de compra e venda de bem imóvel são dois títulos de transmissão diferentes, sobre cada um dos quais incide respectivamente um imposto de selo por transmissão de bens, nos termos do Regulamento do Imposto de Selo; por outro lado, a recorrente não é residente de Macau, configurando-se no respectivo contrato de compra e venda de bem imóvel como a única adquirente, e não em conjunto com o seu pai, residente de Macau, parece-nos que ela não pode beneficiar legalmente da isenção da taxa adicional do imposto de selo. Por razões acima expostas, solicita-se a V. Exa. que rejeita o recurso hierárquico necessário da recorrente interposto do indeferimento do pedido da isenção do imposto de selo adicional.
   À consideração superior.”
- A 18.5.2020, o Exm.º Secretário para a Economia e Finanças deu o seguinte despacho:
   “De acordo com a análise constante da proposta, com cordo com o parecer do Sr. Director, e no uso das competências delegadas pela Ordem Executiva n.º 181/2019, rejeito o recurso hierárquico.”

3. Direito
Imputa a recorrente o vício de erro na aplicação da lei, concretamente das normas dos n.ºs 1 e 3 do art.º 53.º-A da Lei n.º 17/88/M, dos art.ºs 8.º e 10.º do Código Civil, do art.º 7.º do CPA e do art.º 106.º da Lei Básica.
Vejamos se assiste razão à recorrente.

3.1. No caso vertente, está em discussão a aplicação ou não da norma contida no n.º 3 do art.º 53.º-A da Lei n.º 17/88/M, que prevê a isenção da taxa adicional do imposto do selo sobre a aquisição do direito de propriedade do imóvel.
O imposto do selo é previsto na Lei n.º 17/88/M (Regulamento do Imposto do Selo, doravante RIS).
Nos termos dos art.ºs 1.º e 2.º desse diploma, “o imposto do selo recai sobre os documentos, papéis e actos designados na Tabela Geral anexa ao presente regulamento” e “a Região Administrativa Especial de Macau adquire o direito ao imposto do selo, quer pelo facto da sua liquidação e pagamento, quer pela prática do acto em que o mesmo incida”.
Quanto a transmissões de bens (Capítulo XVII do RIS), estabelece-se que é devido imposto do selo por quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão entre vivos, temporária ou definitiva, a título oneroso ou gratuito de imóveis, sendo consideradas fontes de transmissão de bens para efeitos fiscais todos os documentos, papéis ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto de utilização e fruição do bem; e são sujeitos a imposto do selo os contratos de compra e venda e a constituição de usufruto de imóveis, entre outros – n.º 1, al. a), n.º 2 e n.º 3, al. a) do art.º 51.º do RIS.
E o sujeito passivo do imposto do selo é o adquirente do bem ou direito – n.º 1 do art.º 53.º do RIS.
Por seu turno, dispõe o art.º 53.º-A o seguinte:
“1. Aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando o adquirente, a título oneroso ou gratuito, desses bens ou direitos é pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente que não está abrangido pelas isenções do imposto do selo previstas no presente regulamento ou em legislação especial, além do imposto do selo nos termos do disposto no presente regulamento, aplica-se a taxa adicional fixada nos artigos 42 ou 43 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
2. O disposto no número anterior aplica-se aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando coexistem dois ou mais adquirentes, desde que qualquer deles seja pessoa colectiva, empresário comercial, pessoa singular, ou não residente.
3. O disposto no n.º 1 não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando coexistem dois ou mais adquirentes, sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles.
4. O disposto n.º 1 não se aplica quando os bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação são adquiridos do cônjuge, em consequência de divórcio, anulação do casamento ou separação judicial de bens.”
Dessas normas decorre que o imposto do selo incide sobre os documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão de direitos sobre imóveis, sendo o adquirente desses direitos obrigado a pagar o imposto do selo; e tanto os contratos de compra e venda como a constituição de usufruto de imóveis estão sujeitos a tal imposto.
E para além do imposto do selo normal, há ainda lugar à cobrança de uma “taxa adicional” fixada nos artigos 42 ou 43 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que é de 10%, a pagar por parte de pessoas colectivas, empresários comerciais, pessoas singulares, ou não residentes, de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, pela aquisição a título oneroso ou gratuito, exceptuando os casos em que “coexistem dois ou mais adquirentes, sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles”.
Está em causa um imposto que incide sobre os documentos, papéis e actos que sejam fonte de transmissão de direitos sobre imóveis, e não sobre as próprias transmissões desses direitos.
Como se sabe, sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo sobre bens imóveis cobrava-se o chamado imposto da sisa, ao abrigo do art.º 2.º da Lei n.º 5/99/M (Código do Imposto da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações), diploma este que já foi revogado pela Lei n.º 8/2001.
Ao lado de revogar o imposto de sisa, a Lei n.º 8/2001 aditou o art.º 51.º ao Regulamento do Imposto do Selo1. Daí que se pode dizer, num certo sentido, que o imposto de sisa, que incidia sobre transmissões a título oneroso de direitos reais sobre imóveis foi “substituído” pelo imposto do selo, passando o Governo a cobrar o imposto sobre incide sobre documentos, papéis e actos que sejam fonte de transmissão de direitos sobre imóveis, deixando de ser tributadas as próprias transmissões desses direitos.
Por sua vez, o art.º 53.º-A do RIS foi introduzido pela Lei n.º 15/2012, que fez alteração à Lei n.º 6/2011 (Imposto do selo especial sobre a transmissão de bens imóveis) e ao Regulamento do Imposto do Selo, uma vez que, “para reprimir os efeitos negativos sobre a vida quotidiana da população local resultantes da excessiva especulação no mercado imobiliário para habitação, o Governo da RAEM entende que é necessário tomar medidas fiscais restritivas destinadas às pessoas colectivas, aos empresários comerciais, pessoas singulares, e aos não residentes que adquiram fracções habitacionais”.
Constata-se ainda que “Relativamente ao seu sistema fiscal, a RAEM tem adoptado uma política de baixa tributação. A presente alteração legislativa tem por objecto o estabelecimento de medidas fiscais especiais destinadas a combater a especulação imobiliária relativas às lojas, escritórios e lugares de estacionamento, bem como regular a aquisição de fracções habitacionais por parte de pessoas colectivas, empresários comerciais, pessoas singulares, e não residentes. Estas medidas serão atempadamente avaliadas no futuro, tendo em conta a realidade do mercado imobiliário.”2
É de dizer que atrás dessa alteração, mais concretamente do aditamento do art.º 53.º-A ao Regulamento do Imposto do Selo, se vê a preocupação por parte do Governo da RAEM sobre a excessiva especulação verificada no mercado imobiliário para habitação e a tentativa de combater a tal especulação, para salvaguardar os interesses da “população local”.
Ao lado do combate à especulação imobiliária, encontra-se no n.º 3 do art.º 53.º-A uma norma que revela, a nosso ver, a salvaguarda dos interesses dos residentes de Macau, pois é isento o pagamento de referida taxa adicional quando são dois ou mais adquirentes de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, todas pessoas singulares, sendo alguma (ou alguns) residente(s) de Macau e outra(s) não residente(s), desde que exista a relação de cônjuge, de parentes ou afins na linha recta entre residente(s) e não residente(s).
Trata-se duma norma excepcional (de isenção da taxa adicional), em relação à regra estabelecida no n.º 1 do art.º 53.º-A.
Nos presentes autos é a interpretação dessa norma que está no núcleo da questão em discussão.

3.2. No acórdão ora recorrido, o TSI decidiu manter o acto administrativo impugnado que indeferiu o pedido apresentado pela recorrente de isenção da taxa adicional do imposto do selo, prevista no n.º 3 do art.º 53.º-A da Lei n.º 17/88/M.
Insurgindo-se contra tal decisão, alega a recorrente que o acórdão recorrido “errou na aplicação da norma fiscal do n.º 1 do artigo 53.º-A da Lei n.º 17/88/M, ao não atribuir a isenção prevista n.º 3 do artigo 53.º-A do mesmo diploma (“Norma de Isenção”), apesar da coexistência de direitos reais na data de aquisição entre pai e filha”.
E sustenta que se deve operar a interpretação extensiva da norma em causa, “sob pena de, por via da interpretação literal, ser produzido um resultado manifestamente injusto”, para defender que a sua situação se integra na letra e no espírito da Norma de Isenção.
Salvo o muito respeito, não se nos afigura assistir razão à recorrente.
Nos termos do art.º 10.º do Código Civil de Macau, “As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva”.
Fazendo distinção entre a analogia e a interpretação extensiva, entende-se que neste última “encontra-se um texto embora, para tanto, haja necessidade de estender as palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que ao formular a norma, disse menos do que efectivamente pretendia dizer”.3
Quanto à interpretação da lei, dispõe o art.º 8.º do Código Civil o seguinte:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Por outras palavras, se é verdade que não se deve fazer uma interpretação meramente literal da lei, sendo relevante para o efeito o pensamento legislativo, não é menos certo que, se o pensamento legislativo não tiver na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal”, então tal pensamento não pode ser tido em consideração. Daí que na interpretação da lei só pode (e deve) ser considerado o pensamento legislativo que tenha na letra da lei uma mínima correspondência verbal.
Com o disposto no n.º 2 do art.º 8.º, é afastado “a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer como sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal”4.
No caso vertente, e socorrendo à interpretação teleológica, alega a recorrente que a Lei n.º 15/2012 não teve como intenção tributar os cônjuges e parentes em linha recta dos residentes de Macau, mas tão só combater a especulação do capital estrangeiro.
Ora, tal como foi já referido, na referida nota justificativa apresentada pelo Governo para a Lei n.º 15/2012 nota-se nitidamente a intenção legislativa de combater à especulação imobiliária.
No entanto, é de salientar que não se encontra nas letras do art.º 53.º-A uma mínima referência correspondente a tal “pensamento legislativo”.
E compulsado o Diário da Assembleia Legislativa da RAEM onde se regista a apresentação, discussão e votação na generalidade e o debate na especialidade da proposta da Lei n.º 15/2012, não se vê que foi levantada questão sobre a possibilidade de ponderação de situação concreta do sujeito passivo para depois concluir pela aplicação ou não dessa lei nem o representante do Governo demonstrou tal intenção.5
Compreende-se facilmente a não consideração da situação concreta de cada caso para a aplicação da taxa adicional, no sentido de apurar se o sujeito passivo tem ou não finalidade especulativa na aquisição dos direitos, por falta de “operacionalidade” prática.6
Tal como sustenta a entidade recorrida, não é a opção do Governo da RAEM tratar de situações caso a caso nem definir todas as situações em que é possível haver isenção, por motivo de não operacionalidade.
Não está legalmente prevista a possibilidade de afastar a aplicação da taxa adicional através da demonstração no caso concreto de que não teve o sujeito passivo a intenção especulativa. Por outro, a lei não prevê mecanismo ao qual se pode recorrer para demonstrar a falta de intenção especulativa e, consequentemente, afastar a tributação de taxa adicional, não obstante a intenção legislativa de combater a actividades especulativas.
Assim sendo, improcede o argumento de interpretação extensiva invocado pela recorrente para defender a sua posição, pelo facto de não se encontrar na norma ora em discussão a mínima correspondência verbal do pensamento legislativo que a recorrente considera relevante para a não aplicação da taxa adicional do selo do imposto.
E não se vislumbra a imputada violação do art.º 7.º do CPA, dado que, contrariamente à alegação da recorrente, não estarem em causa alegadas “situações que são materialmente iguais” nem se detectar o tratamento diferente e injusto dessas situações.
A verdade é que estão preenchidos todos os requisitos previstos no n.º 1 do art.º 53.º-A da Lei n.º 17/88/M para aplicação da taxa adicional em causa, não se verificando os pressupostos para a sua isenção.

3.3. Nos termos do n.º 3 do art.º 53.º-A da Lei n.º 17/88/M, a taxa adicional do imposto do selo previsto n.º 1 “não se aplica aos documentos, papéis ou actos que titulam a transmissão de bens imóveis ou direitos sobre bens imóveis destinados a habitação, quando coexistem dois ou mais adquirentes, sendo pessoas singulares residentes e não residentes, e sendo estes últimos cônjuges ou parentes ou afins na linha recta de todos ou de alguns daqueles”.
É um dos pressupostos da isenção de taxa adicional a “coexistência de dois ou mais adquirentes”.
Pondo em discussão a interpretação dessa expressão, sustenta a recorrente que “as condições para a aplicação da isenção fiscal serão somente a coexistência de adquirentes de direitos reais sobre o mesmo imóvel – i.e., sem qualquer exigência sobre o momento ou título das aquisições e uma relação de parentesco muito específico …, pois só assim poderá a Norma de Isenção salvaguardar as transmissões intrafamiliares entre gerações de residentes, em que não há qualquer índole especulativo”.
Simplesmente, entende a recorrente que, para isenção de taxa adicional, é bastante “a coexistência de adquirentes de direitos reais sobre o mesmo imóvel”, podendo as aquisições ser feitas em momentos diferentes e não através do mesmo título.
Mas não tem razão.
Ora, é de frisar, mais uma vez, que, tal como resulta claramente da lei, o imposto do selo (e a taxa adicional) incide sobre os documentos, papéis e actos que sejam fonte de transmissão de direitos sobre imóveis, e não sobre as próprias transmissões. E são consideradas fontes de transmissão de bens todos os documentos, papéis ou actos que titulem tal transferência.
Assim, concordamos com a tese do Digno Magistrado do Ministério Público no sentido de considerar que a falada “coexistência de adquirentes” se refere a “uma coexistência no título”, sendo necessário que “no título de transmissão figurem como adquirentes duas ou mais pessoas”, para que seja aplicado o disposto no n.º 3 do art.º 53.º-A.
Ao contrário daquilo que alega a recorrente, nem a não inclusão na norma da expressão “no mesmo título” nem a utilização do termo “documentos, papéis ou actos” (em sentido plural, igual ao termo constante no n.º 1 do mesmo artigo) se mostram relevantes e constituem obstáculo ao nosso entendimento acima referido.

3.4. No caso vertente, decorre da factualidade assente o seguinte:
- Por escritura outorgada em 9.5.2019, C constituiu um direito de usufruto vitalício a favor do seu pai, D, residente permanente de Macau, sobre a fracção autónoma reportada nos autos, tendo sido pago o imposto do selo.
- Em 21.6.2019 e por escritura de compra e venda do imóvel, a recorrente, não residente e filha menor do usufrutuário D, adquiriu o direito de propriedade do mesmo imóvel ao seu irmão C.
- Para além do montante de imposto do selo cobrado sobre a compra do direito de propriedade do imóvel, foi liquidada a taxa adicional de 10%.
- E foi indeferido o pedido de isenção da taxa adicional apresentado pela recorrente.
Ora, verifica-se a relação de parentesco na linha recta entre a recorrente, não residente de Macau e adquirente do direito de propriedade do imóvel, e o seu pai, residente e adquirente do direito de usufruto sobre o mesmo bem.
Não se vislumbra, porém, a situação de “coexistência de adquirentes” para que haja lugar à isenção da taxa adicional, pois a constituição do direito de usufruto e a aquisição do direito de propriedade sucederam em momentos diferentes e pelos títulos distintos.
Daí que não está preenchido um dos pressupostos necessários de isenção da taxa adicional, não se enquadrando a situação da recorrente na previsão do n.º 3 do art.º 53.º-A da Lei n.º 17/88/M.

3.5. Invoca ainda a recorrente a violação do art.º 106.º da Lei Básica da RAEM, que tem o seguinte teor:
“A Região Administrativa Especial de Macau aplica um sistema fiscal independente.
Tomando como referência a política de baixa tributação anteriormente seguida em Macau, a Região Administrativa Especial de Macau produz, por si própria, as leis respeitantes aos tipos e às taxas dos impostos e às reduções e isenções tributárias, bem como a outras matérias tributárias. O regime tributário das empresas concessionárias é regulado por lei especial.”
No recurso contencioso, o Tribunal recorrido não conheceu da questão por entender extemporânea a sua invocação, apenas nas alegações facultativas.
No presente recurso, vem a recorrente alegar a omissão de pronúncia.
Evidentemente não está em causa uma situação de omissão de pronúncia, uma vez que se encontra no acórdão recorrido a explicação para não apreciação da questão.
Nos termos do n.º 3 do art.º 68.º do CPAC, nas alegações facultativas “o recorrente pode alegar novos fundamentos do seu pedido, cujo conhecimento tenha sido superveniente, ou restringi-los expressamente”.
Considera-se que esta regra não é absoluta, já que varia em função da natureza sancionatória para a invalidade do acto administrativo: nos casos em que os novos vícios já eram do conhecimento do recorrente no momento da apresentação da petição inicial a sua alegação superveniente deixa de ser possível, enquanto nos casos de a nova invocação respeitar a um vício sancionatório com a nulidade do acto pode o recorrente invocar nas alegações facultativas.7
É também entendimento deste Tribunal de Última Instância que nas alegações do recurso contencioso o recorrente só pode invocar novos vícios do acto administrativo se não lhe fosse exigível o conhecimento deles no momento da apresentação da petição inicial.8
E “quando o que interpõe recurso contencioso se limita a qualificar juridicamente com uma nova perspectiva, nas alegações, um vício cujos factos invocara na petição, não há arguição de novo vício”, uma vez que, se o juiz pode fazer nova qualificação e aplicar uma norma diferente daquela que por ele tenha sido erradamente indicada, também o recorrente o pode, por maioria de razão, em momento posterior ao da petição, desde que em peça processual indicada para tal, como é o caso das alegações.9
No presente caso, não está em causa um vício que implicaria a nulidade do acto administrativo, não sendo ele do conhecimento superveniente da recorrente.
Na petição do recurso contencioso, a recorrente alegou os factos atinentes aos vícios já apreciados, sobretudo erro na aplicação da norma de isenção.
Não nos aprece que com base nos mesmos factos se pode invocar a violação do art.º 106.º da Lei Básica, nomeadamente na parte respeitante à “política de baixa tributação anteriormente seguida em Macau”.
Nem a própria recorrente chegou a indicar factos concretos por si alegados na petição inicial, sobre os quais procedeu nas alegações facultativas à nova qualificação jurídica.
Daí que não merece censura a decisão recorrida.
No entanto, mesmo na hipótese de considerar tempestiva a invocação do vício em causa, não se nos afigura plausível o entendimento da recorrente.
Na realidade, não obstante o comando de tomar como referência “a política de baixa tributação anteriormente seguida em Macau”, o art.º 106.º da Lei Básica confere à RAEM o poder de produzir, “por si própria, as leis respeitantes aos tipos e às taxas dos impostos e às reduções e isenções tributárias, bem como a outras matérias tributárias”.
Tal como salienta o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, o legislador da RAEM “goza de uma amplíssima margem de liberdade na concreta configuração do sistema tributário que lhe compete, para além do mais, que, em determinados momentos e tendo em vista a prossecução de concretas finalidades extrafiscais que então se mostrem relevantes, intervir através da criação de concretas normas tributárias que considere adequadas e necessárias para tal efeito e que, isoladamente consideradas, se afastem, para cima, daquele que é, o patrão de indiscutível baixa tributação entre nós vigente. O que revela, na perspectativa da orientação plasmada no artigo art.º 106.º da Lei Básica, é a configuração geral do sistema tributário e não específicas expressões que o mesmo, aqui ou ali, possa assumir”.
A orientação de “baixa tributação” não constitui obstáculo à criação de novas normas tributárias, podendo o legislador da RAEM produzir as leis respeitantes aos tipos e às taxas dos impostos e às reduções e isenções tributárias, até a outras matérias tributárias, o que resulta claramente do art.º 106.º.
Tal como se pode ler na nota justificativa da proposta da Lei n.º 15/2012, ao alterar a Lei n.º 6/2011 (Imposto do selo especial sobre a transmissão de bens imóveis) e ao Regulamento do Imposto do Selo (adiando o art.º 53.º-A), não obstante a consideração de que “relativamente ao seu sistema fiscal, a RAEM tem adoptado uma política de baixa tributação”, decidiu-se estabelecer medidas fiscais especiais destinadas a combater a especulação imobiliária, fortemente notada naquela altura, medidas esta que “serão atempadamente avaliadas no futuro, tendo em cona a realidade do mercado imobiliário.”
Resumindo, não se vislumbra a imputada violação do art.º 106.º da Lei Básica.
Acresce que não se constata dos autos que a recorrente tenha feito uma alegação concreta a demonstrar como o acto administrativo impugnado violou a norma ora em causa.
Improcedo o recurso, também nesta parte.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 10 UCS.

                Macau, 19 de Outubro de 2022
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 Foi enumerado na Lei n.º 8/2001 como artigo 48.º-A.
2 Cfr. Nota justificativa de alteração à Lei n.º 6/2011 e ao Regulamento do Imposto do Selo (proposta de lei).
3 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revistada e Actualizada, pág. 60.
4 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revistada e Actualizada, pág. 58.
5 Diário da Assembleia Legislativa da RAEM, IV Legislatura, 4.ª Sessão Legislativa (2012-2013), I Série, n.º IV-83, em que até se nota na pág. 30 que um dos deputados sugeriu a eliminação da expressão “com vista ao combate a sua especulação” da redação dada ao art.º 1 da Lei n.º 6/2011, para evitar “dar azo a várias interpretações e a várias aplicações desta lei”.
6 Nota-se que, na apresentação, discussão e votação na generalidade da proposta de lei intitulada “Imposto do selo especial sobre a transmissão de bens imóveis destinados a habitação” (Lei n.º 6/2011), respondendo à pergunta colocada por um dos deputados sobre as situações de isenções do imposto do selo especial, revelou o representante do Governo que “está em causa a operacionalidade, não é possível tratar das situações caso a caso, definir todas as situações em que possível haver isenção, …, por uma questão de operacionalidade. … Portanto, considerando os custos de operacionalidade, as circunstâncias que não prevemos não são passíveis de isenções.” – Diário da Assembleia Legislativa da RAEM, IV Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa (2010-2011), I Série, n.º IV-46, pág.s 20 a 22.
7 José Cândido de Pinho, Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, Volume I, Centro de Formação Jurídica e Judiciário, 2018, pág. 491.
8 Cfr. Ac.s do TUI, de 28-7-2004, Proc. n.º 1/2004, de 13-1-2010, Proc. n.º 24/2009, de 27-6-2012, Proc. n.º 35/2012 e de 17-6-2015, Proc. n.º 37/2015, entre outros.
9 Cfr. Ac. do TUI, de 19-11-2014, Proc. n.º 112/2014.
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