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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, advogado e notário privado melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho punitivo de 5 de Junho de 2018, proferido pela então Secretária para a Administração e Justiça no âmbito de processo disciplinar, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão administrativa por dois anos.
Por acórdão constante de fls. 187 a 194 dos presentes autos, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso.
Inconformado com a decisão, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(1) O acórdão recorrido julgou improcedente e rejeitou o recurso contencioso interposto pelo recorrente (vide as fls. 146 a 176 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
(2) Usando das competências delegadas pelo Chefe do Executivo, a Secretária para a Administração e Justiça puniu o recorrente conforme o art.º 18.º do Estatuto dos Notários Privados. A seguir, o recorrente interpôs recurso contencioso desse acto administrativo, e o acórdão recorrido julgou improcedente tal recurso.
(3) Salvo o devido respeito, entendemos que no presente processo, todos os sujeitos processuais incluindo o recorrente são pessoas de reconhecido mérito no sector jurídico de Macau, e alguns deles são ilustres professores, que contribuem, de modo indiscutível, para a profissão jurídica.
(4) Porém, o recorrente não se conforma com o acórdão recorrido e vem interpor o presente recurso.
(5) I. O acórdão recorrido incorreu no vício de falta de “fundamentação especificada”
(6) Na parte de fundamentação do acórdão recorrido, transcreveu-se integralmente o parecer do MP e concordou-se inteiramente com o mesmo, pelo que se rejeitou o recurso contencioso.
(7) O recorrente entende que o acórdão recorrido não fundamentou a sua decisão, ou pelo menos, não “especificou os fundamentos” completamente.
(8) O recorrente não está a negar a faculdade do tribunal no sentido de subscrever integralmente o parecer de qualquer sujeito processual para decidir, mas está a impugnar o acórdão recorrido na parte em que, apenas com poucas palavras, adoptou integralmente o parecer do MP,
(9) o acórdão recorrido não especificou nessa parte as razões de aderir integralmente ao parecer do MP, razão pela qual vem o recorrente imputar ao acórdão recorrido o vício previsto pelos art.ºs 571.º, n.º 1, al. b), e 562.º, n.º 2 e n.º 3 do CPC, aplicável por força do art.º 149.º, n.º 1 do CPAC; pelo que é de declarar nulo o acórdão recorrido.
(10) II. O acórdão recorrido incorreu no vício de “aplicação errada da lei”
(11) O presente recurso tem como objecto o acto administrativo da Secretária para a Administração e Justiça de punir o recorrente, usando das competências delegadas pelo Chefe do Executivo e nos termos do art.º 18.º do ENP, a seguir, o recorrente interpôs recurso contencioso desse acto administrativo, e o acórdão recorrido julgou improcedente tal recurso.
(12) O acto administrativo objecto foi praticado pela Secretária para a Administração e Justiça nos termos da Ordem Executiva n.º 109/2014, do art.º 2.º e do anexo II do Regulamento Administrativo n.º 6/1999.
(13) Na aludida ordem executiva, não foi expressamente delegada a competência executiva de aplicar pena disciplinar aos notários privados.
(14) E mesmo as delegações feitas nos termos dos artigos 37.º a 43.º do CPA, na falta de menção expressa, permitem apenas a prática de “actos de administração ordinária” previstos pelo n.º 2 do art.º 37.º do mesmo Código.
(15) Visto todo o regime jurídico notarial, no pressuposto de prossecução do interesse público, o regime dos notários públicos é lei geral, enquanto o dos notários privados é lei especial.
(16) Nos termos do art.º 19.º do ENP, compete ao Chefe do Executivo aplicar as penas disciplinares aos notários privados, e na falta de delegação expressa, o acto administrativo objecto já incorreu no vício de ilegalidade.
(17) Na história do regime dos notários, que se encontrou acessório, originalmente, aos órgãos judiciais, para que os negócios jurídicos realizados pelos cidadãos correspondessem às disposições legais e produzissem devidos efeitos jurídicos. O regime dos notários que aplicamos é regime latino, que em princípio, não se subordina aos órgãos administrativos (governo), e não se verifica uma relação hierárquica. O acto notarial faz parte da justiça preventiva, e a justiça realizada nos tribunais é justiça de reparação.
(18) Em termos da legislação e do espírito legislativo, podemos ver que o regime dos notários privados é independente do regime dos funcionários da Administração Pública de Macau.
(19) E das duas leis dos notários privados antes do retorno de Macau resulta que, o regime dos notários privados foi criado para suprir a insuficiência dos notários públicos; pelo que o regime dos notários públicos é de carácter geral, enquanto o regime dos notários privados é de carácter especial, até excepcional.
(20) Competiu ao então Governador do Território de Macau, conforme o art.º 13.º, n.º 1 do Estatuto Orgânico de Macau vigente na altura, estabelecer os DL n.º 80/90/M e n.º 66/99/M; e foi estipulada no art.º 31.º do Estatuto Orgânico de Macau, vigente na altura, a exclusiva competência da então Assembleia Legislativa;
(21) Daí que, os notários privados não integraram, em princípio, o sistema orgânico da Administração Pública, e não competeu aos titulares dos órgãos da Administração Pública instaurar procedimento disciplinar e aplicar penas.
(22) Segundo os art.ºs 7.º a 21.º do Estatuto Orgânico de Macau vigente na altura, antes do retorno de Macau, o Governador do Território de Macau tinha duplo estatuto, isto é, era representante da República Portuguesa em Macau, e ao mesmo tempo, representou o Território de Macau e liderou o seu governo.
(23) Assim, recordando a história do regime dos notários e as normas jurídicas antes do retorno de Macau, pode-se ver que, o regime dos notários privados é um regime jurídico especial até excepcional dos notários públicos,
(24) incluindo os notários públicos, os notários privados, os notários privativos, até o director da Conservatória do Registo Predial, o director da Conservatória do Registo Civil, e o director da Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, ao exercer as competências atribuídas pela lei, eles só observam as normas jurídicas, e não precisam de seguir ou obedecer a qualquer instrução “superior”; excepto as disposições em contrário da lei.
(25) Assim, ao exercer as suas funções, os notários privados, até os notários públicos e privativos, usam, na verdade, poderes conferidos pelo Estado para praticar um acto notarial – “acto quase-judicial”,
(26) e no exercício das suas funções, os notários, incluindo os privados, não são funcionários dos órgãos administrativos (governo), e os superiores dos órgãos administrativos (governo) ou os órgãos tutelares não podem dar-lhes directamente instruções, só podendo tomar decisão ou dar instruções conforme a lei através de impugnação dos interessados.
(27) Desta forma, do ponto de vista histórico, e conforme as aludidas normas jurídicas e o espírito legislativo, o então Governador legislou sobre os notários privados na qualidade de representante da República Portuguesa e do Território de Macau, mas não na qualidade de responsável máximo do Governo do Território.
(28) A Lei Básica dispõe que o Chefe do Executivo tem duplo estatuto, sendo o dirigente máximo da RAEM, e também o dirigente máximo do Governo da RAEM.
(29) Na Ordem Executiva n.º 109/2014, o Chefe do Executivo delegou, sem dúvida, na qualidade de dirigente máximo do Governo, as competências, incluindo as relativas aos assuntos referidos no art.º 2.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999. Mas para os notários privados, deve o Chefe do Executivo aplicar o art.º 19.º do ENP usando as atribuições e competências do dirigente máximo da RAEM, e não na qualidade de dirigente máximo da RAEM.
(30) Para o efeito, o referido acto administrativo da Secretária para a Administração e Justiça pertence à autorização de administração ordinária feita pelo Chefe do Executivo na qualidade de dirigente máximo do Governo; pelo que quer na qualidade, quer no âmbito de autorização, o acto administrativo praticado pela Secretária para a Administração e Justiça através da delegação em causa é incompetente.
(31) No regime dos notários privados, a sanção disciplinar não é assunto interno do Governo, e as funções dos notários privados derivam efectivamente dos órgãos judiciais; pelo que o supracitado acto administrativo da Secretária para a Administração e Justiça é viciado de absoluta incompetência, até usurpação de poder.
(32) Deve o tribunal declarar nulo o acto administrativo recorrido por incorrer nos vícios previstos pelas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA, bem como nos vícios referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 21.º do CPAC;
(33) porém, o acórdão recorrido não entendeu assim; nesta parte, o acórdão recorrido aplicou erradamente o art.º 19.º do ENP, a autorização na Ordem Executiva n.º 109/2014 incluindo o art.º 2.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, e o espírito legislativo, padeceu dos vícios previstos pelas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA, e alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 21.º do CPAC, pelo que deve ser declarado nulo.
(34) Entendemos que, contando com o douto suprimento dos MM.º Juízes, deve-se declarar a nulidade do acórdão recorrido e do acto administrativo recorrido.
(35) III. O acórdão recorrido incorreu no vício de “aplicação errada da lei”
(36) Se assim não for entendido, vem o recorrente apresentar os seguintes fundamentos:
(37) No nosso sistema jurídico, derivou-se da autonomia privada, isto é, direito/dever, e em princípio, qualquer pessoa tem que assumir deveres correspondentes aos seus direitos.
(38) O acto administrativo recorrido entendeu que ao prever a punição, o legislador fixou apenas as penas de suspensão até dois anos ou cassação de licença, acabando por aplicar a pena de suspensão de exercício de funções por 2 anos; o acórdão recorrido indeferiu o pedido do recorrente que considerou excessiva e contrária à lei a pena de suspensão por 2 anos aplicada pelo acto administrativo recorrido. (vide as fls. 3, 14 e 15 do acórdão recorrido, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
(39) Já foi provada a respectiva matéria de facto no presente processo, e o recorrente tem “seis circunstâncias atenuantes”; não se verifica qualquer circunstância agravante.
(40) Na falta de intenção dolosa, como no caso do crime de homicídio por negligência p. p. pelo art.º 134.º do CPM, é aplicável a pena de prisão até 3 anos; mas nos casos previstos pelos art.ºs 66.º e 67.º do mesmo Código, pode-se basicamente ter certeza de que não será aplicada pena superior a 3 anos de prisão, até poderá ser suspensa a execução da pena.
(41) Se um arguido pratique o crime acima referido, mas não tenha intenção dolosa, apresente-se voluntariamente à Polícia antes da acusação ou detenção, e fique provado que ele contribuiu para a RAEM, bem como prestou serviços classificados de bom e manteve bom comportamento por pelo menos 10 anos;
(42) cremos que qualquer cidadão normal será disposto a atenuar a pena aplicada ao referido arguido e dar-lhe a oportunidade de suspensão da execução da pena, ou no mínimo, não aplicará a pena máxima.
(43) Considerando a matéria de facto no presente processo, já são verificadas seis circunstâncias atenuantes do recorrente, e atendendo ao decurso da perda dos documentos, à importâncias dos mesmos, ao registo dos documentos, se foi realizado, antes de 2018, o exame aos documentos nas inspecções previstas pelo art.º 17.º do ENP, e não se verificou qualquer irregularidade até ilegalidade.
(44) No nosso regime jurídico, os direitos correspondem aos deveres;
(45) se os direitos dos notários privados são maiores do que os dos notários públicos, também serão mais pesados os seus deveres; em princípio, os direitos e deveres dos notários privados e públicos são os mesmos, verificando-se apenas as seguintes diferenças, por exemplo,
(46) segundo os art.ºs 7.º do ENP, 17.º, n.º 1 e 208.º, n.º 3 do Código do Notariado, 13.º do ENP, e 7.º do Código do Notariado, não se pode dizer que os direitos gozados pelos notários privados são inferiores aos dos notários públicos ou privativos;
(47) e só pode dizer que são iguais aos direitos desses dois tipos de notários, mas não superiores aos mesmos, ou aos direitos dos conservadores até magistrados.
(48) No caso sub judice, o acto administrativo recorrido decidiu aplicar a pena de suspensão de exercício de funções por 2 anos; e o acórdão recorrido entendeu que era matéria do poder discricionário, pelo que negou provimento ao recurso contencioso.
(49) O poder discricionário deve ser exercido em conformidade com as disposições legais, os princípios jurídicos e o espírito legislativo. De acordo com o princípio da proporcionalidade previsto pelo art.º 5.º do CPA, entendemos que ao aplicar a respectiva pena, deve-se encontrar um ponto de equilíbrio entre o interesse público e o interesse pessoal, ou seja, o acto administrativo deve ter como limite a satisfação do interesse público, e não há necessidade de ir mais longe.
(50) No nosso regime jurídico, as penas mais graves são previstas pela lei penal; que também visa a reintegração na sociedade, e implica o alcance, através da educação, das finalidades de prevenção geral e especial.
(51) Damos um exemplo de educação. Uma escola dispõe que quem faça batota no exame é punido com suspensão das aulas por 2 meses ou abandono do estudo. Um aluno fez batota no exame, mas confessou voluntariamente o seu erro antes de ser descoberto pela escola, manteve bom comportamento e teve boas notas nos exames por muitos anos, deu contribuição para a escola, e a batota não se mostrou grave para o exame, nem afectou as notas dos outros alunos;
(52) cremos que mesmo a escola mais severa em Macau não aplicará ao referido aluno o abandono do estudo ou a suspensão das aulas por 2 meses.
(53) É isso o entendimento e valores comuns dos cidadãos gerais. Não esqueça que não fez a batota com negligência, mas sim com intenção dolosa.
(54) Vamos dar um outro exemplo: um magistrado fez uma decisão e declaração penal, mas no dia seguinte, descobriu que a sentença violou obviamente as disposições legais, e devido à extinção da competência, proferiu despacho mandando notificar o MP do referido erro, exigindo que o MP interpusesse recurso.
(55) Assim, deve-se reprovar esse magistrado? Ou elogiá-lo?
(56) Entendemos, como os cidadãos gerais, que é de concordar com e elogiar o acto desse magistrado, e que não será uma decisão correcta instaurar qualquer procedimento disciplinar ou aplicar qualquer pena disciplinar.
(57) Por outro lado, tendo sido perdidos, devido à culpa do recorrente, maços de documentos considerados como de grande quantidade pelos órgãos administrativos, que ao mesmo tempo, atendendo às 6 circunstâncias atenuantes, decidiu aplicar a suspensão de exercício de funções por 2 anos; como se chegou a tal conclusão? Um maço de documento ou os maços de 1 ano em troca duma circunstância atenuante? Ou uma circunstância atenuante em troca de 100 folhas dos documentos? Ou foi a pena fixada e graduada de outra forma?
(58) Na verdade, entendemos que o acto administrativo recorrido não especificou o raciocínio lógico nesta parte;
(59) e vemos que as 6 circunstâncias atenuantes do recorrente reconhecias pelo acto administrativo recorrido incluem “6) h) os diminutos efeitos que a falta tenha produzido em relação aos serviços ou a terceiros”. (sublinhado e destaque nosso) Mas o acto administrativo recorrido também indicou que era grave a infracção do recorrente, a quem devia aplicar uma pena pesada. (vide os pontos 1, 21 e 24 do parecer invocado pelo acto administrativo recorrido, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
(60) Perante tais factos e juízos manifestamente contraditórios, como é que o acto administrativo em causa decidiu aplicar a pena de suspensão por 2 anos? O acórdão recorrido também declarou que o acto administrativo recorrido não incorreu no vício de ilegalidade, e rejeitou o recurso contencioso. É tão pouca a restrição e supervisão do poder discricionário dos órgãos administrativos conferido pela lei? Até a assistência judicial?
(61) O recorrente tem efectivamente seis circunstâncias atenuantes, e se as seis circunstâncias atenuantes só eram suficientes para dispensar a pena de cassação de licença, como indicou o acto administrativo recorrido,
(62) entendemos que violou-se o princípio da proporcionalidade previsto pelo art.º 5.º, n.º 2 do CPA, bem como os dispostos e o espírito legislativo do ETAPM e dos art.ºs 64.º a 67.º do CPM aplicáveis ao presente processo,
(63) isso porque, visto o ETAPM, para a aplicação do seu art.º 315.º, n.º 1, ou seja da aposentação compulsiva ou demissão, é obrigatória a verificação de todos os requisitos constitutivos.
(64) Não se encontra, nos autos, qualquer facto que demonstre a verificação dos supracitados requisitos. Depois de os órgãos administrativos terem conhecimento dos respectivos factos nos autos, até a notificação do procedimento disciplinar ao recorrente, ou até ao presente, nunca foi decidida ou proposta a aplicação ao recorrente da “suspensão preventiva” prevista pelo art.º 331.º do ETAPM.
(65) Por isso, em virtude dos referidos fundamentos, a pena de cassação de licença não deve ser considerada na decisão administrativa. Muito menos a dispensa da pena de cassação de licença por causa das seis circunstâncias atenuantes.
(66) A protecção do interesse público prevista pelo art.º 18.º do ENP visa, claramente, garantir a confiança depositada pelos cidadãos e pela sociedade nos actos notariais, e em consequência, a segurança e a tutela.
(67) De acordo com a matéria de facto provada nos autos, não obstante a culpa do recorrente, este não agiu com intenção dolosa, tomou a iniciativa de declarar a respectiva situação, e confessou toda a negligência, com base nisso, já se pode dispensar a aplicação da pena de cassação de licença, e considerar o prazo da suspensão de exercício de funções, de modo a corresponder a todo o regime jurídico.
(68) Como acima referido, o recorrente tem seis circunstâncias atenuantes reconhecidas, e nenhuma circunstância agravante. Uma das seis circunstâncias atenuantes é o recorrente tomou a iniciativa de declarar a sua negligência aos órgãos administrativos, que demonstrou o seu arrependimento e a atitude de assumir a responsabilidade. E as outras circunstâncias atenuantes também não são obtidas num só dia, tais como a prestação de vários anos de serviço classificados de bom e a contribuição para a RAEM. Assim, é efectivamente excessiva a respectiva decisão, ou seja a suspensão de exercício de funções por 2 anos.
(69) Em virtude do princípio da proporcionalidade previsto pelo art.º 5.º do CPA, ao aplicar a respectiva pena, deve-se encontrar um ponto de equilíbrio entre o interesse público e o interesse pessoal; ou seja, o acto administrativo deve ter como limite a satisfação do interesse público.
(70) Segundo os factos provados, foram reconhecidas circunstâncias atenuantes do recorrente porque a infracção produziu diminutos efeitos em relação aos serviços ou a terceiros, e não causou danos externos;
(71) pelo que a aplicação da pena de suspensão de exercício de funções por 2 anos, ou seja pelo período máximo, ao recorrente excedeu as necessidades de protecção do interesse público.
(72) Relativamente à determinação da moldura punitiva, afigura-se-nos que deve ser legalmente fundamentada e não se vincula apenas ao juízo de valor dos órgãos administrativos;
(73) Ao abrigo do disposto no art.º 21.º do ENP, é aplicável o ETAPM; e nos termos do art.º 277.º do ETAPM, aplicam-se supletivamente ao regime disciplinar as normas de Direito Penal em vigor em Macau, com as devidas adaptações.
(74) São aplicáveis, assim, os termos da atenuação especial no art.º 67.º do CPM; e cada circunstância atenuante reduze independentemente o limite da pena aplicável,
(75) É aplicável à respectiva infracção disciplinar uma pena de suspensão até 2 anos, e devido às seis circunstâncias atenuantes, após cálculo relativamente rigoroso ou arbitrário, o limite máximo da pena aplicada não deve ser superior a 3 meses.
(76) Desta forma, tendo em conta os factos provados, o art.º 18.º do ENP, o princípio da proporcionalidade previsto pelo art.º 5.º do CPA e o seu espírito legislativo; o acto administrativo recorrido devia aplicar ao recorrente uma pena de suspensão de exercício de funções não superior a 3 meses;
(77) mas não o fez; e o acórdão recorrido concordou com o acto administrativo recorrido nesta parte; assim, o acórdão recorrido violou o art.º 18.º do ENP, o princípio da proporcionalidade previsto pelo art.º 5.º do CPA, os art.ºs 64.º a 67.º do CPM aplicável e o espírito legislativo, incorreu nos vícios previstos pelo art.º 124.º do CPA e pelo art.º 21.º, n.º 1, al. d) do CPAC, pelo que deve ser declarada a sua anulação;
(78) Entendemos que, contando com o douto suprimento dos MM.º Juízes, deve-se declarar a anulação do acórdão recorrido e do acto administrativo recorrido.
(79) IV. O acórdão recorrido incorreu no vício de “aplicação errada da lei”
(80) O acórdão recorrido indeferiu o pedido do recorrente que considerou ilegal o acto administrativo recorrido por não ter concedido a suspensão da execução da pena. Salvo o devido respeito, o recorrente está inconformado e vem apresentar os seguintes fundamentos.
(81) O acórdão recorrido citou as fundamentações dos Acórdãos do TSI e do TUI. Além disso, o acórdão recorrido também acolheu o parecer do MP, indeferindo o pedido de suspensão da pena do recorrente. (vide as fls. 3, 14 e 15 do acórdão recorrido, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
(82) Os supracitados acórdãos do TSI e do TUI não declararam que aos notários privados não eram aplicáveis as penas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 300.º, e a suspensão das penas no art.º 317.º do ETAPM, mas tinham por objecto se a circunstância agravante prevista na al. j) do n.º 1 do art.º 283.º do ETAPM era aplicável ou não aos notários privados. Assim, os referidos acórdãos não têm, directamente, qualquer sentido orientador em relação ao presente processo, nem constituem a uniformização de jurisprudência.
(83) É de reiterar que os direitos correspondem aos deveres!
(84) Ao abrigo dos dispostos no ENP, no Código do Notariado, no DL n.º 54/97/M e no Regulamento Administrativo n.º 22/2002, às infracções disciplinares praticadas pelos notários públicos e privativos são aplicáveis as diversas penas acima referidas; e quanto aos professor da faculdade de Direito (da universidade criada por pessoa colectiva pública), solicitador, advogado estagiário, advogado, conservador e assessor jurídico do governo, pode-se aplicar diversas penas e conceder a suspensão da execução conforme o estatuto da própria pessoa colectiva pública, ou o ETAPM aplicável por remissão.
(85) Após o retorno de Macau, são aplicáveis aos magistrados penas disciplinares previstas pelos art.ºs 68.º a 77.º do Estatuto dos Magistrados, e de acordo com o art.º 112.º do Estatuto, aplica-se subsidiariamente o ETAPM; e antes do retorno, aos magistrados em Macau era aplicável o DL n.º 55/92/M – Estatuto dos Magistrados dos Tribunais de Macau e o estatuto dos membros do Conselho Superior de Justiça e do Conselho Judiciário de Macau, bem como a respectiva orgânica, cujos art.ºs 72.º a 85.º previram as penas disciplinares, nomeadamente o art.º 76.º, que aplicou subsidiariamente o ETAPM. Pelo que, quer antes, quer depois do retorno, há diversas formas de punição para infracções disciplinares praticadas pelos magistrados.
(86) Ao definir o art.º 18.º do ENP, o legislador não proibiu expressamente a aplicação do art.º 300.º, n.º 1, al.s a) e b), e do art.º 317.º do ETAPM. Se o art.º 18.º do ENP seja interpretado no sentido de aos notários privados serem aplicáveis apenas as duas penas de suspensão ou de cassação de licença, e ser proibida a suspensão da sua execução; as penas serão, obviamente, muito mais pesadas das aplicáveis aos notários privados, conservadores e magistrados. O que resultará, obviamente, na grave dessintonia do regime jurídico de Macau, especialmente nas formas de punição das infracções disciplinares dos operadores de direito.
(87) Por outro lado, actualmente, o regime dos notários privados de Portugal também prevê outras penas diferentes da suspensão e da cassação de licença.
(88) Deve-se interpretar o art.º 18.º do ENP no sentido de não proibir a aplicação das diversas penas e a concessão da suspensão da sua execução previstas pelos artigos 300.º e seguintes do ETAPM, aplicável por remissão do art.º 21.º do ENP, nem proibir, por mesma razão, o regime jurídico penal aplicável por força do art.º 277.º do ETAPM.
(89) Na verdade, segundo a matéria de facto provada, já se reuniram os requisitos constitutivos previstos pelos art.ºs 316.º e 317.º do ETAPM;
(90) pelo que devia o acto administrativo recorrido considerar a suspensão ou não da pena, e proceder à correspondente fundamentação. Não obstante que sejam discricionários os poderes exercidos pelos órgãos administrativos em matéria de concessão ou não da suspensão das penas nos aludidos artigos, isso não é absolutamente ilimitado, como acima referido; o poder discricionário deve ser exercido em conformidade com as disposições legais, os princípios jurídicos e o espírito legislativo.
(91) De acordo com o princípio da proporcionalidade previsto pelo art.º 5.º do CPA, reiteramos que, como atrás mencionado; ao aplicar a respectiva pena, deve-se encontrar um ponto de equilíbrio entre o interesse público e o interesse pessoal, ou seja, o acto administrativo deve ter como limite a satisfação do interesse público, e não há necessidade de ir mais longe.
(92) A protecção do interesse público prevista pelo art.º 18.º do ENP visa, claramente, garantir a confiança depositada pelos cidadãos e pela sociedade nos actos notariais, e em consequência, a segurança e a tutela.
(93) De acordo com a matéria de facto provada nos autos, não obstante a culpa do recorrente, este não agiu com intenção dolosa, tomou a iniciativa de declarar a respectiva situação, e confessou toda a negligência, com base nisso, já se pode conceder a suspensão da pena, de modo a corresponder a todo o regime jurídico.
(94) Mas o acto administrativo recorrido não entendeu assim, e o acórdão recorrido concordou com o acto recorrido, ou seja não conceder ao recorrente a suspensão da pena,
(95) pelo que o acórdão recorrido violou os art.ºs 316.º e 317.º, bem como o espírito legislativo do ETAPM, aplicável por força do art.º 21.º do ENP, e incorreu nos vícios previstos pelo art.º 124.º do CPA e pelo art.º 21.º, n.º 1, al. d) do CPAC, pelo que deve ser declarada a sua anulação;
(96) Entendemos que, contando com o douto suprimento dos MM.º Juízes, deve-se declarar a anulação do acórdão recorrido e do acto administrativo recorrido.
(97) Enfim, vem o recorrente requerer ao Tribunal que conheça de todos os vícios encontrados nos autos que possam ser oficiosamente apreciados, bem como faça a tão acostumada justiça.

Contra-alegou a entidade recorrida, formulando as seguintes conclusões:
1.a - Por meio do douto Acórdão recorrido, o Venerando Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso interposto da decisão punitiva da Secretária para a Administração e Justiça, datada de 5 de Junho de 2018, aplicada ao ora Recorrente;
2.a - Ao decidir nos termos descritos, o Venerando Tribunal de Segunda Instância procedeu à correcta aplicação da lei substantiva;
3.a - O Acórdão recorrido não enferma de qualquer nulidade.
4.a - O recurso interposto pelo Recorrente e as respectivas alegações e conclusões carecem de qualquer fundamentação válida, não tendo o Recorrente logrado concretizar a alegada violação de lei substantiva em que fundamenta o seu recurso, pelo que este deve improceder e, em consequência, manter-se o douto Acórdão recorrido;
5.a - O douto Acórdão recorrido procedeu a um correcto, fundamentado e criterioso enquadramento do Direito;
6.a - O douto Acórdão recorrido, ao ter julgado improcedente o recurso interposto do acto punitivo em apreço, não violou a lei substantiva, designadamente o disposto nos artigos 18.º e 19.º do Estatuto dos Notários Privados, na Ordem Executiva n.º 109/2014, entre as quais se incluem as competências previstas no artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, nos artigos 316.º e 317.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, no artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo, nos artigos 64.º a 67.º do Código Penal, nem padece dos vícios previstos na alínea b) do n.º l do artigo 571.º e n.º 2 e 3 do artigo 562.º do Código de Processo Civil por remissão do n.º l do artigo 149.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo, nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, no artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do Procedimento Contencioso;
7.ª - O Acórdão recorrido foi devidamente fundamentado e não enferma do vício de falta de fundamentação;
8.ª - A adesão pelo Tribunal aos fundamentos ínsitos no parecer do Ministério Público não comporta qualquer nulidade, na medida em que este não é, in casu, parte no processo.
9.ª - Pelo que a emissão do seu parecer foi feita na qualidade de defensor e garante da legalidade e não como parte.
10.ª - A jurisprudência tem entendido pacificamente que a fundamentação por remissão para Parecer do Ministério Público não enferma a respectiva decisão judicial de qualquer nulidade;
11.ª - Ao aderir a tal parecer, o Tribunal mais não está a fazer do que a ancorar igualmente o sentido da sua decisão nos respectivos fundamentos;
12.ª - A fundamentação do Acórdão recorrido satisfaz plenamente os interesses que o legislador busca satisfazer ao impor a fundamentação das decisões judiciais;
13.ª - A fundamentação ínsita no Acórdão recorrido permitiu ao Recorrente compreender perfeitamente, sem quaisquer dificuldades, os fundamentos em que o mesmo se baseou;
14.ª - O Recorrente conhece os fundamentos do Acórdão recorrido, mas, ao não concordar com eles, interpôs o presente recurso;
15.ª - O acto administrativo recorrido, praticado pela Secretária para a Administração e Justiça, não enferma de qualquer ilegalidade, sendo perfeitamente válido e eficaz;
16.ª - O acto administrativo recorrido foi praticado ao abrigo de competências delegadas pelo Chefe do Executivo, através da Ordem Executiva n.º 109/2014;
17.ª - Tendo, por força da supra indicada delegação de poderes, a Secretária para a Administração e Justiça ficado investida nos poderes que a lei atribui ao Chefe do executivo na área dos registos e do notariado;
18.ª - A competência do Chefe do Executivo para instaurar procedimento disciplinar e aplicar penas aos notários privados é delegável;
19.ª - A lei, ao contrário do que sucede noutras matérias, não configurou como indelegável a competência do Chefe do Executivo para instaurar procedimento disciplinar e aplicar penas aos notários privados;
20.ª - A matéria em causa, a configuração jurídico-administrativa do delegante ou delegado e dos seus poderes e a respectiva posição relativa na estrutura administrativa da RAEM, para além de não justificarem a natureza indelegável da competência disciplinar, sugerem mesmo a necessidade e adequação, quando o Chefe do Executivo entenda apropriado, da prática de delegação de competências pelo Chefe do Executivo nos Secretários em matérias de natureza executiva e administrativa, como é aquela em apreço;
21.ª - O Chefe do Executivo está habilitado por lei a delegar a sua competência disciplinar prevista no Estatuto dos Notários Privados;
22.ª - O acto delegação constante na Ordem Executiva n.º 109/2014 é válido e eficaz;
23.ª - O acto administrativo punitivo objecto de impugnação pelo Recorrente não configura um acto de administração ordinária, mas sim um acto praticado ao abrigo de competências delegadas;
24.ª - A competência disciplinar em apreço foi delegada no respeito pelo regime da delegação de competências, nos termos e no respeito pelos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 37.º do Código do Procedimento Administrativo;
25.ª - A competência disciplinar delegada respeita o disposto nos artigos 45.º e 62.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, o previsto na Lei n.º 2/1999 (Lei de Bases da Orgânica do Governo), no artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999 (Organização, competências e funcionamento dos serviços e entidades públicos), no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto (Bases gerais da estrutura orgânica da Administração Pública de Macau), na Ordem Executiva n.º 109/2014 e no artigo 37.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo;
26.ª - O acto administrativo recorrido é válido e não se encontra viciado de usurpação de poder;
27.ª - O acto em apreço não configura um acto estranho às atribuições da pessoa colectiva em que o autor do acto se integra, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 122.º, n.º 2, al. b), do CPA, já que o Chefe do Executivo e os Secretários não se integram em pessoas colectivas diferentes;
28.ª - Ao julgar improcedente o recurso interposto pelo Recorrente, o Venerando Tribunal de Segunda Instância procedeu à correcta aplicação do artigo 19.º do Estatuto dos Notários Privados,
29.ª - A aplicação de sanções disciplinares aos notários privados inscreve-se no âmbito dos poderes discricionários reservados à Administração;
30.ª - As circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar do arguido, ora Recorrente, foram analisadas e consideradas em sede do procedimento disciplinar;
31.ª - Foram, para além disso, escrupulosamente tidas em conta na apreciação da conduta do arguido, ora Recorrente, todas as demais circunstâncias que rodearam o seu comportamento;
32.ª - A argumentação aduzida pelo Recorrente é improcedente no quadro da natureza e finalidade do recurso contencioso, o qual, de acordo com o disposto no artigo 20.º do CPAC, “é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação dos actos recorridos ou a declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica”;
33.ª - Inscrevendo-se o exercício do poder disciplinar no âmbito dos poderes discricionários da Administração e não tendo havido qualquer erro grosseiro ou manifesto na aplicação da medida disciplinar ou violação dos princípios da proporcionalidade, imparcialidade, ou adequação, impõe a natureza de mera legalidade – e não de plena jurisdição – do recurso contencioso que a actuação da Entidade Recorrida seja, in casu, insindicável, não sendo de admitir, nem a modificação do acto – quer pelos motivos já expostos, quer igualmente por não ser o recurso contencioso o instrumento processual idóneo para concretizar tal pretensão – nem a sua anulação;
34.ª - O Acórdão recorrido não violou o artigo 18.º do Estatuto dos Notários Privados, o princípio de proporcionalidade previsto no artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo, os artigos 64.º a 67.º do Código Penal aplicados por remissão, nem o respectivo espírito legislativo e não padece dos vícios previstos no artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do Código de Processo Administrativo Contencioso;
35.ª - O ordenamento jurídico da RAEM não admite, ainda que com isso o Recorrente não concorde, a suspensão da pena que lhe foi aplicada;
36.ª - A aplicação subsidiária do regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública apenas terá lugar relativamente a aspectos que não se encontrem expressamente tratados no Estatuto dos Notários Privados.
37.ª - A suspensão administrativa até dois anos ou a cassação de licença são as únicas penas disciplinares previstas no Estatuto dos Notários Privados.
38.ª - A suspensão das penas a que se refere o artigo 317.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau só tem lugar quando em causa estejam as penas de repreensão escrita, multa e suspensão previstas nas alíneas a), b) e c) do artigo 300.°.
39.ª - Porque a suspensão prevista na al. c) do artigo 300.º do ETAPM é diferente, na sua estrutura e dimensão, da pena de suspensão administrativa prevista no artigo 18.º do Estatuto dos Notários Privados, não é admissível quanto aos notários privados a suspensão da pena.
40.ª - Os critérios que presidem à escolha da pena e à determinação da sua medida não são os mesmos que devem nortear a suspensão da execução das penas;
41.ª - Ainda que a pena pudesse ser suspensa, não se verificam, in casu, os requisitos de que depende a suspensão da pena, como amplamente foi esclarecido em sede de procedimento disciplinar;
42.ª - A matéria da determinação, graduação e eventual suspensão das penas disciplinares aplicáveis pela Administração inscreve-se no âmbito dos seus poderes discricionários, não sendo objecto de sindicância pelos tribunais, salvo em caso de erro grosseiro;
43.ª - O Acórdão recorrido não viola os artigos 316.º e 317.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau por remissão do artigo 21.º do Estatuto dos Notários Privados, tal como não viola o princípio da proporcionalidade e o espírito legislativo presente no artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo, nem padece dos vícios previstos no artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do Procedimento Contencioso;
44.ª - Deve manter-se na íntegra o decidido pelo Douto Tribunal de Segunda Instância e ser o presente recurso julgado improcedente.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de negar provimento ao recurso jurisdicional.
Foram corridos vistos,
Cumpre apreciar e decidir.

2. Factos
O Tribunal de Segunda Instância deu como assente a seguinte matéria de facto:
- O recorrente Dr. A é Notário Privado, detentor da licença nº XX/94, actualmente com domicílio profissional na [Endereço].
- Exerce tais funções desde há cerca de 24 anos.
- Em 24 de Novembro de 2017 a Exma. Senhora Conservadora / Inspectora Dra. B, e na sequência de comunicação de 23 de Novembro de 2017 – Ofício nº XXX/DSAJ/DARN/2018, deslocou-se ao cartório notarial do recorrente, com vista à realização de uma inspecção geral ordinária.
- Nessa mesma altura foi informada pelo recorrente de que estariam em falta alguns maços de documentos, designadamente os respeitantes aos actos lavrados nos livros de notas para escrituras diversas nºs 78 a 140, correspondentes a instrumentos notariais realizados entre os anos de 2007 e 2010.
- Perante tal declaração prestada pelo recorrente, a Exma. Senhora Conservadora / Inspectora e mediante informação oportunamente prestada – Informação nº XX/DSAJ/DARN/2018 de 24 de Novembro de 2017 – propôs a suspensão da visita de inspecção geral ordinária e a realização de uma inspecção especifica, o que foi aceite, determinado e realizado.
- Esta inspecção iniciou-se em 28 de Novembro de 2017 tendo sido concluída em 22 de Fevereiro de 2018.
- Foi apurado que efectivamente se encontravam em falta os maços de documentos respeitantes aos actos lavrados nos livros de notas para escrituras diversas nºs 78 a 140, ou seja, 62 maços de documentos, estando em causa mais de mil documentos.
- Tais maços de documentos terão desaparecido na sequência de obras de remodelação realizadas no edifício onde se localiza o escritório de advocacia e o cartório notarial do recorrente, as quais determinaram operações de mudança de instalações.
- Para realização das referidas obras de remodelação e remoção de todo o lixo o recorrente contratou uma empresa.
- A falta dos maços de documentos foi detectada pelo recorrente após a conclusão das obras e quando se procedia à arrumação dos maços do seu arquivo.
- As obras tiveram lugar durante o ano de 2017.
- O recorrente já encetou diligências no sentido de proceder à reconstituição dos documentos em falta, tendo já sido emitida pela DSF a primeira remessa de certidões de dados matriciais respeitantes aos primeiros três Livros de Notas e adquiridas certidões de registos comerciais junto à Conservatória respectiva.
- O recorrente não apresenta antecedentes disciplinares:
- O recorrente tem cerca de 24 anos de serviço com notação de Bom Desempenho.
- O recorrente é pessoa considerada na RAEM, já exerceu cargos públicos de relevo, incluindo o de Deputado à Assembleia Legislativa, sendo que preside a diversas instituições de carácter associativo e cultural.
- Os factos ocorridos não são do domínio público, não tendo havido até ao momento qualquer alarme social devido ao desaparecimento dos documentos, não sendo conhecida a existência de qualquer acção judicial relacionada com estes factos.
- Até ao momento, os factos não se revelaram danosos para os Serviços ou para terceiros.

3. Direito
No presente recurso foram colocadas as seguintes questões:
- Nulidade do acórdão por falta de fundamentação;
- Usurpação de poder;
- Falta de competência;
- Excesso da sanção disciplinar; e
- Suspensão da execução da sanção disciplinar.
Vejamos.

3.1. Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação
Na tese do recorrente, ao transcrever integralmente o parecer emitido pelo MP e concordar inteiramente com o mesmo, o acórdão recorrido não fundamentou a sua decisão, ou pelo menos, não “especificou os fundamentos” completamente, na medida em que não especificou as razões de aderir integralmente ao parecer do MP, pelo que enferma do vício previsto pelos art.ºs 571.º n.º 1, al. b), e 562.º n.º 2 e n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do art.º 149.º n.º 1 do CPAC, que gera a nulidade do acórdão recorrido.
Nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, é nulo a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Por sua vez, o art.º 562.º do CPC prevê a estrutura da sentença, onde se dispõe:
“Artigo 562.º
(Sentença)
1. A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
3. Na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
4. Se tiver sido oral a discussão do aspecto jurídico da causa, a sentença pode ser logo lavrada por escrito ou ditada para a acta.”
Desde logo, é de salientar que, relativamente à sentença no recurso contencioso, como é o nosso cado concreto, encontra-se no CPAC uma norma própria sobre a matéria, que é o artigo 76.º e que dispõe:
“Artigo 76.º
(Conteúdo da sentença e acórdão)
A sentença e o acórdão devem mencionar o recorrente, a entidade recorrida e os contra-interessados, resumir com clareza e precisão os fundamentos e conclusões úteis da petição e das contestações, ou das alegações, especificar os factos provados e concluir pela decisão final, devidamente fundamentada.”
Resulta desta norma que a lei determina que a sentença especifique os factos provados, mas não os factos não provados nem o exame crítico das provas, pelo que, tendo a norma aplicação directa ao nosso caso, não há lugar à aplicação subsidiária do art.º 562.º do CPC.1
Imputa o recorrente o vício de falta de fundamentação, alegando que o Tribunal recorrido transcreveu integralmente o parecer do MP sem que tenha especificado as razões de sua adesão inteira ao mesmo.
Ora, tal como resulta do acórdão posto em questão, depois de transcrição do parecer do Ministério Público, considera o Tribunal de Segunda Instância que “todas as questões efectivamente colocadas e delimitadas nas conclusões de recurso já foram correcta e exaustivamente debatidas no Douto parecer do Ministério Público acima integralmente transcrito, com que estamos inteiramente de acordo, não nos resta outra alternativa melhor do que a de aproveitarmos integralmente esse parecer, convertendo-o na fundamentação do presente recurso para julgar improcedente o presente recurso contencioso de anulação”.
Sobre a questão ora colocada, este Tribunal de Última Instância teve já oportunidade de se pronunciar, tendo entendido que:
   «A questão que se coloca é se é legal a fundamentação jurídica por remissão para o parecer do Magistrado do Ministério Público.
   A doutrina considera que “Não se pode considerar fundamentação de direito a que seja feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes”,2 invocando para tal a norma semelhante ao n.º 2 do artigo 108.º, atinente ao dever dos magistrados fundamentarem a decisão, de acordo com o qual “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição”.
   Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo, como quando o juiz manda proceder à partilha, como indicado pelo Digno Magistrado do Ministério Público.
   Em conclusão, não cometeu nulidade o acórdão recorrido ao ter aderido aos fundamentos constantes de parecer do Ex.mo Magistrado do Ministério Público. »3
Ora, não se vislumbra qualquer razão para alterar tal posição, que deve ser mantida e continua a ser válida no presente caso.
Por outro lado, é de salientar que no seu parecer junto aos autos (fls. 178 a 183) o Digno Magistrado do Ministério Público fez analise exaustiva de todas as questões suscitadas no recurso contencioso, emitindo a respectiva pronúncia.
Com a adesão à fundamentação exposta no douto parecer do Ministério Público, o acórdão recorrido fica devidamente fundamentado.
Deve julgar-se improcedente o recurso, nesta parte.

3.2. Da usurpação de poder
Na óptica do recorrente, não cabendo nas atribuições do Governo a punição disciplinar dos notários privados, cujas funções derivam efectivamente dos órgãos judiciais; o acto punitivo em causa praticado pela então Secretária para a Administração e Justiça está viciado de absoluta incompetência, até usurpação de poder.
Desde logo, a questão de usurpação de poder não tinha sido colocada antes no recurso contencioso.
No entanto, tratando-se dum dos vícios que conduzem à nulidade de actos administrativos, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 122.º do CPA, como é sabido, a questão é de conhecimento oficioso.
Como ensina o Prof. Diogo Freitas do Amaral, há usurpação de poder em todos os casos em que a Administração pública se intrometer na esfera própria da competência dos tribunais judiciais, isto é, sempre que o poder administrativo invadir a esfera privativa do poder judicial.4
E a usurpação de poder consiste na prática, por um órgão administrativo, de acto incluído nas atribuições dos tribunais judiciais. Trata-se de uma forma agravada de carência de competência do autor do acto.5
Nos termos do art.º 19.º do DL. n.º 66/99/M, de 1 de Novembro, que aprova o Estatuto dos Notários Privados, a competência disciplinar sobre os notários públicos é atribuída ao Chefe do Executivo, ao qual compete “instaurar procedimento disciplinar e aplicar as respectivas penas”.
Resulta expressa e inequivocamente desta norma que a competência para a aplicação de sanções disciplinares aos notários privados é da Administração, mais concretamente do seu órgão máximo, o Chefe do Executivo, tal como salienta o Digno Magistrado do Ministério público no seu parecer.
Alega o recorrente que a Lei Básica da RAEM dispõe que o Chefe do Executivo tem duplo estatuto, sendo o dirigente máximo da RAEM, e também o dirigente máximo do Governo da RAEM; para os notários privados, deve o Chefe do Executivo aplicar o art.º 19.º do ENP, “usando as atribuições e competências do dirigente máximo da RAEM, e não na qualidade de dirigente máximo da RAEM”.
Evidentemente sem razão, mesmo do ponto de vista lógico.
E segundo a previsão da Lei Básica, o Chefe do Executivo é o dirigente máximo da RAEM e do Governo da RAEM, responsável perante o Governo Popular Central e a RAEM, competindo-lhe dirigir o Governo da RAEM – art.ºs 45.º e 50.º, al. a) e 62.º da Lei Básica e art.º 2.º da Lei n.º 2/1999.
E relativamente à estrutura do Governo da RAEM, este dispõe de Secretarias, Direcções de Serviços, Departamentos e Divisões e cada Secretaria dispõe de um secretário que a dirige – art.ºs 62.º da Lei Básica, 3.º e 5.º da Lei n.º 2/1999.
As competências do Chefe do Executivo e do Governo da RAEM são respectivamente definidas nos art.ºs 50.º e 64.º da Lei Básica e nos art.ºs 15.º e 16.º da Lei n.º 2/1999.
Nos termos dos art.ºs 15.º e 16.º da Lei n.º 2/1999, o Chefe do Executivo, bem como o Governo, exerce as competências previstas na Lei Básica e noutras leis ou regulamentos administrativos.
E através da Ordem Executiva n.º 109/2014, e usando da faculdade conferida pela al. 4) do art.º 50.º da Lei Básica da RAEM e nos termos do art.º 15.º da Lei n.º 2/1999 e do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto, foram delegadas na então Secretária para a Administração e Justiça “as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999”, onde se encontra a área de governação respeitante à “orientação e coordenação dos sistemas registral e notarial”, em que se inclui, a nosso ver, a matéria ora em causa.
Assim sendo, não se verifica o vício imputado pelo recorrente, dado que o Chefe do Executivo delegou na então Secretária para a Administração e Justiça a competência que tinha, na qualidade do dirigente máximo do Governo da RAEM, na área dos registos e notariado, podendo a Secretária instaurar procedimento disciplinar e aplicar as respectivas penas aos notários privados.

3.3. Da falta de competência da Secretária para a Justiça
Questiona ainda o recorrente a competência que a então Secretária para a Justiça detinha para praticar o acto punitivo em causa.
Está em causa o vício da incompetência relativa, que se verifica quando um órgão de uma pessoa colectiva pratica um acto que pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva.
Tal questão também não tinha sido suscitada no recurso contencioso.
Como se sabe, distingue-se a incompetência relativa da absoluta e só esta modalidade de incompetência gera a nulidade do acto administrativo.6
Contrariamente ao vicio de usurpação de poder, a incompetência relativa, que implica apenas a anulabilidade do acto, não é de conhecimento oficioso do tribunal.
Daí que estamos perante uma questão nova, sobre a qual se deve o tribunal pronunciar oficiosamente.
Ora, o recurso para o Tribunal de Última Instância tem como objecto o acórdão de segunda Instância e não para apreciar questão que nunca tinha sido alegada e conhecida, a não ser de conhecimento oficioso, pelo que não é de conhecer a questão em causa.
Mesmo assim não se entendendo, certo é que, face à delegação feita pelo Chefe do Executivo em termos legais, já supra exposta, estava delegada na autora do acto administrativo a competência disciplinar, pelo que cremos não assistir razão ao recorrente que impugna a legalidade do acto administrativo com invocação de incompetência da entidade recorrida.

3.4. Do excesso da sanção disciplinar
Imputa o recorrente o vício de erro na aplicação de lei, por violação do disposto no art.º 18.º do ENP, do princípio da proporcionalidade e dos art.ºs 64.º a 67.º do Código Penal, alegando que é excessiva e contrária à lei a aplicação da pena de suspensão administrativa por 2 anos e invocando seis circunstâncias atenuantes.
Nos termos do n.º 1 do art.º 18 do Estatuto dos Notários Privados, “aos notários privados são aplicáveis as penas disciplinares de suspensão administrativa até dois anos ou de cassação de licença quando infrinjam os deveres a que se encontram sujeitos”.
Está em causa a matéria respeitante à aplicação, graduação e escolha da medida concreta da pena disciplinar, que cabe na discricionariedade da Administração.
E só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável – art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC.
Daí que a intervenção do juiz fica reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas situações em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção infligida e a falta cometida pelo agente.
É a jurisprudência firme deste Tribunal de Última Instância que a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo como os da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.7
Nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais acima referidas.
Sendo entendimento uniforme e pacífico, este TUI tem também afirmado que “a intervenção dos tribunais na anulação de actos exercidos no exercício de poderes discricionários, com fundamento em violação de princípios como da proporcionalidade ou da justiça, só deve ter lugar naqueles casos flagrantes, evidentes, de violações intoleráveis destes princípios”.
E “no âmbito da discricionariedade ou, em geral, naqueles casos em que é reconhecida uma margem de livre apreciação e decisão à Administração, não cabe ao Tribunal dizer se a decisão da Administração foi aquela que o tribunal teria proferido se a lei lhe cometesse essa atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.”8
Para Ana Fernanda Neves, “O poder de acertamento da sanção é um poder discricionário da Administração, cujo controlo judicial do seu exercício já não é questionável, nem reduzido ao (inoperativo) desvio de poder e ao erro manifesto de apreciação, entendido que está hoje, aos seus limites intrínsecos, os princípios gerais da actividade administrativa, como os princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade”.9
No caso vertente, e tal como salienta o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, “da leitura do acto recorrido e, em particular, do parecer que o mesmo integra resulta que nele foi feita uma análise exaustiva de todas as circunstâncias relevantes para a concreta determinação da pena disciplinar aplicável, em obediência e por referência ao estatuído no artigo 316.º do ETAPM.” (cfr. fls. 265 a 268 do Processo Administrativo)
Efectivamente, a entidade recorrida ponderou todas as circunstâncias apuradas no caso, incluindo seis circunstâncias atenuantes invocadas pelo recorrente e o facto de não haver “quaisquer fatores de agravação”, tendo concluído pela aplicação da pena disciplinar impugnada.
Não se nos afigura existir erro manifesto ou grosseiro na aplicação da pena disciplinar concreta nem manifestamente desproporcional tal sanção disciplinar.
Por outro lado, não se coloca a questão de aplicação dos art.ºs 64 a 67 do Código Penal, nomeadamente do art.º 66.º, já que, ao abrigo do disposto no art.º 21.º do ENP, “são subsidiariamente aplicáveis aos notários privados, com as necessárias adaptações, as disposições sobre regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública”, sendo as disposições do ETAPM o “direito disciplinar subsidiário”, em que se encontram as normas que regulam os critérios para a graduação das penas e para a atenuação da pena (art.º 316.º do ETAPM).
Não se verifica o vício imputado pelo recorrente.

3.5. Da suspensão da execução da sanção disciplinar
Pretendendo a suspensão da execução da pena disciplinar concretamente aplicada, alega o recorrente que o art.º 18.º do ENP deve ser interpretado no sentido de não proibir a aplicação das diversas penas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 300.º e a concessão da suspensão da sua execução ao abrigo do art.º 317.º do ETAPM, aplicável por remissão do art.º 21.º do ENP.
Ora, independentemente da discussão sobre a aplicação das penas previstas nas al.s a) e b) do n.º 1 do art.º 300.º do ETAPM (repreensão escrita e multa), mostra-se irrelevante a questão para o presente caso, pois no art.º 18.º do ENP estão expressamente previstas apenas as duas penas disciplinares (de suspensão administrativa até dois anos ou de cassação de licença) nos casos em que “não sejam encontrados livros ou documentos” – al. c) do artigo.
Quanto à suspensão da execução da pena disciplinar, no n.º 1 do art.º 317.º do ETAPM estabelece-se que “As penas disciplinares previstas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 300.º podem ser suspensas, quando, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, se concluir que a censura do facto e a ameaça de pena bastarão para satisfazer as necessidades de prevenção e reprovação da infracção”.
Sem prejuízo da dúvida que se pode suscitar quanto à aplicação dessa norma no presente caso, certo é que, tal como já foi dito, cabem na discricionariedade da Administração a aplicação, graduação e escolha da pena disciplinar, em princípio insindicável contenciosamente, salvo nos casos excepcionais. Também é o caso de suspensão da execução da pena disciplinar.
A decisão de suspender, ou não, a pena disciplinar é também tomada pela Administração no exercício dos poderes discricionários, portanto sindicável apenas nos casos em que se verifique erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo.
Na óptica do recorrente, conforme a factualidade assente, estão reunidos os requisitos previstos no art.º 317.º do ETAPM, pelo que pode ser concedida a suspensão da pena.
Repare-se que, no que respeita à não suspensão da pena, não foi imputado o “vício de erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários que, de resto, de todo não se verifica”, tal como frisa, e muito bem, o Digno Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer.
Improcede o recurso, também nesta parte.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 10 UC.

8 de Março de 2023
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
Sam Hou Fai
Choi Mou Pan

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

1 Cfr. Ac.s do Tribunal de Última Instância, de 29 de Junho de 2009 e 14 de Novembro de 2012, Proc.s n.º 32/2008 e n.º 65/2012, respectivamente.
2 J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 669.
3 Cfr. Ac.s do TUI, de 14 de Julho de 2004, Proc. n.º 21/2004; de 13 de Setembro de 2006, Proc. n.º 22/2006 e de 11 de Novembro de 2020, Proc. n.º 156/2020.
4 Direito Administrativo, Vol. II, p. 11 a 12.
5 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, p. 498 a 499.
6 Lini Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, págs. 698 e 708.
7 Cfr. Ac.s do TUI, de 28 de Julho de 2004, 21 de Janeiro de 2015 e 4 de Abril de 2019, respectivamente, nos Processos n.ºs 27/2003, 26/2014 e 11/2019, entre outros.
8 Os acórdãos do TUI de 19 de Novembro de 2014, 5 de Dezembro de 2018 e 4 de Abril de 2019, respectivamente, nos Processos n.ºs 112/2014, 65/2018 e 11/2019, entre outros.
9 Ana Fernanda Neves, O princípio da tipicidade no direito disciplinar da função pública, em Caderno de Justiça Administrativa, n.º 32, pág. 27, em anotação ao acórdão de 19 de Março de 1999 do Supremo Tribunal Administrativo.
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Processo n.º 158/2020