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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Nos autos de inventário facultativo para partilha das heranças abertas por falecimento de E (ou E1 ou E2 ou E3 ou E4 ou E5, primeiro inventariado) em 1 de Dezembro de 1989 e de F (ou F1 ou F2 ou F3 ou F4 ou F5 ou F6, segunda inventariada) em 21 de Janeiro de 2010, em que são interessados D (cabeça-de-casal), G, H, A, I, B e C, todos melhor identificados nos autos, e perante a impugnação das declarações da cabeça-de-casal e a reclamação contra a relação de bens apresentada, o Mmo. Juiz do Tribunal Judicial de Base proferiu o despacho constante de fls. 310 a 312v. dos presentes autos, ordenando a rectificação das declarações da cabeça de casal no que respeita ao regime de bens do casamento dos inventariados, que deve ser o supletivo da lei da China e a inclusão do imóvel “D2R/C” na relação de bens da segunda inventariada, como bem próprio seu, e indeferindo a reclamação no que concerne aos imóveis “JR/C”, “KR/C”, “LR/C”, “OR/C”, “D1R/C”, “D2R/C” e “G2”, que no entendimento dos reclamantes deviam ser considerados como bens próprios do primeiro inventariado.

Inconformados, recorreram A, B e C para o Tribunal de Segunda Instância (Processo n.º 155/2020), que decidiu conceder provimento ao recurso, passando a:
- Revogar a decisão recorrida no que concerne à titularidade das fracções autónomas “JR/C”, “KR/C”, “LR/C”, “OR/C”, “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” por violação do caso de julgado da decisão proferida no processo CV2-10-0007-CIV a qual já definiu a situação; e
- Revogar a decisão recorrida no que concerne ao regime de bens do casamento celebrado pelos Autores da herança determinando que estes casaram entre si segundo o regime de bens que resulta do Código dos Usos e Costumes dos Chins de Macau aprovado pelo Decreto de 17.06.1909, publicado no Boletim Oficial do Governo da Província de Macau de 31 de Julho de 1909, sem prejuízo do que resultar das alterações e interpretações resultantes do direito aplicável posteriormente.

Desse acórdão vêm A, B e C recorrer para o Tribunal de Última Instância, pretendendo:
- a revogação do acórdão recorrido na parte respeitante à excepção do caso julgado e à interpretação sobre o disposto nos art.ºs 3.º a 5.º do Código dos Usos e Costumes dos Chins de Macau, determinando-se os imóveis “JR/C”, “KR/C”, “LR/C”, “OR/C”, “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” como bens próprios do primeiro inventariado; e
- subsidiariamente, a revogação do acórdão recorrido na parte respeitante à interpretação sobre o disposto nos art.ºs 3.º a 5.º do Código dos Usos e Costumes dos Chineses de Macau de 1909, determinando-se os imóveis “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” como bens próprios do primeiro inventariado. (cfr. alegações apresentadas de fls. 529 a 554 dos autos)

Contra-alegou a cabeça-de-casal, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido. (cfr. fls. 560 a 578 dos autos)

Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Fundamentação
No presente recurso foram colocadas as duas questões, uma referente à excepção de caso julgado e outra à interpretação das normas legais contidas no Código dos Usos e Costumes dos Chineses de Macau de 1909, respeitante ao regime de bens do casamento dos dois inventariados.

2.1. Da excepção do caso julgado
A primeira questão que importa resolver é a de saber se existe ou não caso julgado material por força da decisão tomada no Processo n.º CV2-10-0007-CIV e, no caso afirmativo, apurar a extensão desse caso julgado.
Ora, constata-se nos autos que correu termos no TJB o processo de inventário sob o n.º CV2-10-0007-CIV, em que se envolveram os mesmos inventariados e interessados dos presentes autos.
No referido processo de inventário, a fls. 485 e 486, foi proferida uma decisão sobre a correcção da relação de bens requerida pela cabeça de casal, já transitada em julgado porque dela não foi interposto recurso, com o seguinte teor:
   «A cabeça de casal requereu a correcção da relação de bens para que as verbas nºs 5 a 8 passem a ser bens próprios da inventariada F e não bens comuns dos dois inventariados, justificando para tal que nas escrituras públicas da aquisição dos respectivos imóveis constam expressamente que os tais bens foram adquiridos pela F como bens próprios.
   Posteriormente, foram juntos pela cabeça-de-casal, a certidão do registo predial respeitantes as fracções autónomas supra referidas, na qual passa a constar o na alínea de facto: aquisição, como bem próprio.
   Notificado o requerimento da cabeça-de-casal aos restantes interessados, vêm os I, B, C e A oporem-se à correcção da relação de bens, com os fundamentos constantes do requerimento a fls. 471 a 475.
   Conhecendo.
   Os inventariados casaram segundo os usos e costumes chineses em Macau em 1942.
   Na data de celebração do casamento, vigorava em Macau o Código Civil de 1 de Julho de 1867.
   Por Decreto promulgado em 17 de Junho de 1909. Porém, ao casamento celebrado entre os cidadãos da nacionalidade chinesa e segundo os usos e costumes chineses são aplicáveis o regime previsto no Código dos Usos e Costumes Chinês.
   Preceitua-se o artº 3º do referido Código relativo ao regime dos bens do casal:
   “O marido pode, sem outorga da mulher, dispor dos bens próprios e estar em juízo, salvo estipulação antenupcial em contrário.
   §1º - São bens comuns do casal os bens imóveis dotais, destes o marido só pode dispôr com outorga da mulher.
   §2º - São bens próprios da mulher os bens denominados Tai Ki, as jóias e vestuários dados pelo pai em dote do casamento, e deles pode ela dispor livremente.
   §3º - Todos os mais bens são considerados próprios do marido.
   §4º - Entendem-se por Tai Ki, os bens que a mulher leva para o casal, dados pelo pais ou adquiridos por ela antes do casamento mas não mencionados no contrato ante-nupcial.”
   A questão de cerne assenta em saber se a estipulação expressa de aquisição como bem próprio da contraente-mulher F, com o consentimento do seu marido, constante da escritura pública de 30 de Abril de 1982 que titulou a aquisição das fracções autónomas em causa vale para as considerarem como bens próprios daquela.
   Na óptica dos interessados I, B, C e A, apesar dessa declaração, como segundo as disposições do Código de Usos e Costumes Chineses, são considerados como bens próprios da mulher os bens denominados por “Tai Ki”, os que não sejam assim denominados hão de ser integrados nos bens comuns do casal.
   Afigura-se que essa posição não deixa de ser uma interpretação restritiva da norma em causa.
   Com efeito, essa norma visa-se determinar quais os bens devem ser considerados como bens próprios da mulher.
   Apesar de na escritura pública de compra e venda não ter mencionado expressamente que os imóveis foram adquiridos pela F com “Tai Ki” ou “Si Ki” ou fazem parte do “Tai Ki”, mas não é menos verdade que consta aí expressamente que esses bens são adquiridos por ela como bens próprios.
   No fundo, quer bens próprios quer bens comuns são conceitos abstractos que carece da definição por lei, isto é, a determinação dos factos concretos que se encaixam nesses conceitos. Segundo o Código de Usos e Costumes Chines, são considerados bens próprios os bens denominados por “Tai Ki”, os vestuários e as jóias dados pelo pai, etc.
   No caso em apreço, em vez de menção de bens denominados por “Tai Ki”, os contraentes declararam directamente que esses imóveis eram bens próprios da mulher. O termo adoptado talvez não se correspondesse exactamente com os respectivos normativos acima referidos. Mas a vontades dos declarantes não é muito clara no sentido de atribuir a esses bens a natureza de bens próprios da mulher?
   Não é absurdo e ilógico a desconsideração desses bens como bens próprios da mulher somente por não ter usado o termo de “Tai Ki” mas ter dito expressamente se tratarem de bens próprios de um dos cônjuges.
   Ademais, o termo “Tai Ki” ou “Si Ki” utilizado no Código de Usos e Costumes Chineses tem a sua origem na palavra chinesa “體己” ou “私己” ou “私房”, o que tem o sentido específico de poupança ou dinheiro próprio da mulher.1 Portanto, a palavra “Tai Ki” ou “Si Ki” é semelhante à expressão de bens próprios em português.
   Assim sendo, com a expressa menção dos outorgantes na escritura pública de aquisição dos imóveis, não restam quaisquer dúvidas que esses bens devem ser considerados como bens próprios da mulher, ou seja, a inventariada F.
   Pelo que, verificada efectivamente a existência do erro manifesto e relevante na descrição dos activos sob as verbas nº 5 a 8, deve proceder a sua rectificação.
   Nem se diga que com o decurso do prazo de reclamação a que se refere o artº 985º do C.P.C, a relação de bens não pode ser alterada por força do caso julgado formal.
   Para já, até ao momento, não há decisão judicial sobre a homologação da relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal.
   Mesmo haja sentença homologatória da partilha, se tiver erro de facto na relação ou qualificação dos bens, é sempre permitida a sua emenda ao abrigo do disposto do artº 1024º e 1025º do C.P.C..
   Pelo que não se vê qualquer obstáculo legal na rectificação da relação de bens, nesse momento processual, ao verificar a manifesta discrepância na qualificação desses bens com a indicada nos documentos comprovativos da aquisição dos mesmos imóveis.
   Nestes termos, é admitida a correcção da relação de bens nos termos requeridos pela cabeça-de-casal.
   Em consequência da correcção, notifique a cabeça-de-casal para pronunciar sobre a natureza do direito de crédito inerentes aos imóveis em causa e indicados sob as vernas nº 1 a 3º.
   Custas do incidente em 3 Uc pelos interessados I, B, C e A.
   Notifique.»

No acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância entende que, tendo em consideração a decisão proferida no Processo n.º CV2-10-0007-CIV, em relação às fracções autónomas “JR/C”, “KR/C”, “LR/C”, “OR/C”, “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” já houve uma pronúncia transitada em julgado no sentido de que estes bens são próprios da inventariada F, pelo que, por força do caso julgado, não pode o tribunal voltar a ser colocado na situação de apreciar novamente essa questão, não havendo assim dúvidas de que os bens em causa são bens próprios da 2.ª inventariada.
Insurgindo-se contra tal decisão, entendem os recorrentes que não há caso julgado porque: i) naquele processo a cabeça de casal não apresentou a nova relação de bens corrigida de acordo com a decisão do juiz (nem se pronunciou sobre a natureza do direito de crédito inerentes aos imóveis em causa, fazendo com que os recorrentes não tiveram oportunidade de exercer o direito previsto no n.º 1 do art.º 985.º do CPC de reclamar contra a relação de bens; ii) não foi proferida a sentença que confirmou a relação de bens, podendo ainda ser alterado o conteúdo dessa relação; iii) tratando-se apenas dum despacho interlocutório proferido no incidente da reclamação da relação de bens, a decisão aí tomada não pode ter um valor superior ao do simples caso julgado formal.
Resumidamente, não tendo aquele processo culminado na partilha das heranças, as Instâncias poderiam voltar a apreciar a questão que já antes tinha sido apreciada naqueloutro processo de inventário, até porque a própria sentença de partilha num processo de inventário pode ser emendada.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos não assistir razão aos recorrentes.

Desde logo, com a decisão acima transcrita, foi admitida a correcção da relação de bens, ordenando-se a notificação da cabeça-de-casal “para pronunciar sobre a natureza do direito de crédito inerentes aos imóveis em causa e indicados sob as vernas nº 1 a 3º”. Da mesma decisão não resulta que foi ordenada a notificação da cabeça de casa para apresentar de novo a relação de bens corrigida de acordo com a decisão do juiz.
E constata-se na mesma decisão que, quanto ao requerimento de correcção da relação de bens apresentada pela cabeça de casal, no sentido de as verbas nºs 5 a 8 passarem a ser bens próprios da segunda inventariada F e não bens comuns dos dois inventariados, foram os restantes interessados notificados para se pronunciarem, tendo os ora recorrentes apresentado a oposição à correcção da relação de bens, com os fundamentos constantes do requerimento a fls. 471 a 475 daquele autos.
Assim, tal como entende o Tribunal recorrido, nada mais havendo a fazer, não tiveram os interessados vencidos direito de emitir pronúncia sobre a questão, “uma vez que já o haviam feito e a questão dos bens serem próprios ou comuns já estava decidida”.
E a não apresentação da nova relação de bens (já corrigida) não pode assumir a relevância de prejudicar o efeito de caso julgado da mesma decisão no que concerne à propriedade dos bens em causa.
Não se verifica o vício imputado pelos recorrentes de violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do art.º 985.º do CPC.

Por outro lado, é verdade que, nos termos dos art.ºs 1024.º e 1025.º do CPC, “se tiver havido erro de facto na relação ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes”, a partilha, mesmo depois de transitar em julgado a sentença homologatória, pode ser emendada no próprio inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes ou, na falta de acordo dos interessados, através da acção proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.
No nosso caso contrato, não estamos perante as situações previstas nessas normas legais.
De facto, verificada a discrepância entre os interessados sobre a propriedade dos imóveis, a questão já foi decidida por despacho judicial, que não pode deixar de formar o caso julgado.

No que respeita ao alegado caso julgado formal dessa decisão, é de dize que os recorrentes não têm razão, pugnando antes com base em meras considerações gerais sobre o caso julgado relativo a Incidentes da Instância, sem tomar em devida conta o disposto no art.º 971.º do CPC, onde se determina que:
“1. Consideram-se definitivamente resolvidas as questões que, no inventário, sejam decididas depois de confrontados o cabeça-de-casal, os interessados directos na partilha e os demais interessados a que alude o artigo 966.º, desde que tenham sido regularmente admitidos a intervir no procedimento que precede a decisão e não seja expressamente ressalvado o direito às acções competentes.
2. Só é admissível a resolução provisória, ou a remessa dos interessados para os meios comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a resolver torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias das partes.”.
Citem os recorrentes
Note-se que se dá a curiosa circunstância dos Interessados recorrentes se apoiarem em José Alberto dos Reis para defender a mera existência de caso julgado formal quanto às questões incidentais, quando esse mesmo Autor defendia a verificação de caso julgado material quanto às questões decididas no decurso do processo de inventário.

Com efeito, a propósito de norma semelhante à do artigo 971.º do CPC da RAEM2, escrevia José Alberto dos Reis:
“Há evidentemente questões que podem e devem decidir-se no processo de inventário; quanto a elas, o inventário funciona precisamente como uma acção e assume o aspecto de processo contencioso. Tanto isto é exacto que o art. 1436.º expressamente eleva à categoria de caso julgado as decisões proferidas, em determinadas circunstâncias, no processo de inventário.
Uma das matérias que pode ser definitivamente resolvida no inventário é exactamente a aprovação e pagamento de dívidas (arts. 1393.º, alínea a), 1394.º e segs.). Desta maneira, se o credor, tendo pedido no inventário a aprovação da dívida, propõe seguir acção destinada a fazer valer o mesmo direito de crédito, sem que no inventário a dívida tenha sido desaprovada, pode o réu deduzir, com todo o fundamento, a excepção de litispendência.”3
É que o processo de inventário tem natureza contenciosa “porque nele se discutem e decidem questões sobre as quais os interessados estão em conflito: questões concernentes à própria razão de ser do inventário e à posição das pessoas citadas (art. 1374.º), questões respeitantes aos bens que hão-de ser inventariados (arts. 1379.º e segs.), questões referentes ao pagamento de dívidas (arts. 1394.º e segs.) e sobretudo questões importantes de direitos de família e sucessão (art. 1414.º). (…)
(…) o inventário é um processo contencioso sui generis, um processo contencioso de feição particular.”4
No mesmo sentido, aponta João Lopes Cardoso que “Já se sustentou que a partilha é mais um acto de carácter administrativo do que um acto de carácter jurisdicional e que o processo de inventário é de sua natureza essencialmente gracioso, enquadrando-se com mais rigor nos processos de jurisdição voluntária.
A opinião peca por excesso.
Certamente que o inventário pode revestir esta feição e algumas vezes a reveste, mas noutras apresenta-se como um processo contencioso nitidamente definido. É um processo complexo que pode revestir uma e outra natureza, consoante no seu decurso surgem ou não questões entre os interessados e a actividade jurisdicional é ou não provocada para decidir controvérsias.
Quer dizer: - se o Juiz, no inventário, é solicitado para autenticar o deliberado pelos interessados, sem oposição de ninguém, pode dizer-se que ele é um processo gracioso; se, pelo contrário, os interessados não estão de acordo, suscitam questões quanto à falta de descrição de bens, validade ou interpretação do testamento ou doação, impugnam a legitimidade própria ou alheia, opõem-se à prática de determinados actos …, o juiz é forçado a decidir, a administrar justiça e o processo transforma-se em contencioso.
Ali a jurisdição exerce-se «inter volentes», aqui «inter invictos».
Nem o Cód. Proc. Civil de 1939 se afastou destes princípios na classificação e enumeração dos processos de jurisdição voluntária. No capítulo XVIII, do título IV, não se continha o processo de inventário e a questão, quanto a ele, chegou a ser suscitada na revisão do respectivo Projecto.
Desta maneira, as opiniões extremas são inaceitáveis.
Não pode sustentar-se com rigor que o inventário seja de natureza graciosa, nem pode atribuir-se-lhe exclusivamente natureza contenciosa.
Processo «misto», «complexo», lhe chamaremos nós e talvez com mais propriedade.”5
Este posicionamento da doutrina foi também sufragado pela jurisprudência de Portugal, citada a título de direito comparado.
“O inventário é um processo complexo, de natureza mista – tanto graciosa como contenciosa, consoante no seu decurso surjam ou não questões entre os interessados, susceptíveis de desencadear actividade jurisdicional tendente à decisão das respectivas controvérsias. (…)
No inventário, resolvem-se, assim em princípio, além de todas as questões de direito, aquelas questões de facto de que dependa a descrição e partilha, pelo que só excepcionalmente deverão os interessados ser remetidos para os meios comuns.
A solução, dentro do processo de inventário, das questões que podem influir na determinação da partilha é condicionada, por conseguinte, à possibilidade de poder produzir-se prova sumária relativamente a essas questões. Tratando-se de questões de larga transcendência, que exijam prova demorada e vasta, isto é, questões cuja “resolução definitiva se não compadeça com a instrução sumária do processo de inventário” (art. 1397), elas deixarão de ser resolvidas no inventário para passarem a ser decididas no processo comum. (…)
A definição da propriedade dos bens – reclamados como pertencentes à herança – “representa uma verdadeira reivindicação feita por processo diferente do que normalmente competiria ao caso”. Por isso, só mediante o chamamento desse estranho, ou decisão, uma vez transitada, poderá produzir em relação a ela eficácia de caso julgado (cfr. Lopes Cardoso, op. cit., vol. I, pág. 468, 478 e 481, e vol. II, págs. 239 e 248; ver, também, Simões Pereira, “Processo de Inventário”, págs. 213 e 214).
Em suma, quanto às questões que podem e devem decidir-se no processo de inventário, este funciona precisamente como uma acção, assume o aspecto de processo contencioso”, é uma verdadeira “causa”. E isto é tanto exacto que o art. 1397.º expressamente eleva à categoria de caso julgado as decisões judiciais proferidas, em determinadas circunstâncias, no processo de inventário. O que se compreende, porquanto, sendo irrelevante, em princípio, “a forma processual em que a decisão se formou” nenhuma razão haveria para, respeitados os limites subjectivos, “excluir em processos ordinários a relevância do caso julgado formado em processo de inventário” (cfr. Alberto dos Reis, “Anotado”, vol. III, pág. 117, e Castro Mendes, “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pág. 243).”6
Entendimento que, de resto, tem vindo a ser reiterado na jurisprudência comparada, como se pode retirar do sumário do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 9 de Janeiro de 2001:
“I - A solução dentro do processo de inventário das questões que podem influir na determinação da partilha é condicionada à possibilidade de poder produzir-se prova sumária relativamente às mesmas.
II - A definição da propriedade dos bens - reclamados como pertencentes à herança no âmbito de tal incidente - representa uma verdadeira reivindicação ainda que feita por processo diferente do que normalmente competiria ao caso.
III - A lei processual eleva à categoria de caso julgado material a decisão sobre tais questões, sendo certo que, para que possa funcionar como excepção dilatória, é necessário igualmente que se verifique a identidade de sujeitos, identidade do pedido e identidade da causa de pedir. (…)”

Do memso modo entendeu-se que:
“Dispõe o artigo 1336º n.º 1 do Código Civil que, consideram-se definitivamente resolvidas as questões que, no inventário, sejam decididas no confronto do cabeça de casal ou dos demais intervenientes a que alude o artigo 1327º, desde que tenham sido regularmente admitidos a intervir no procedimento que precede a decisão, salvo se for expressamente ressalvado o direito às acções competentes.
Dispõe ainda o n.º 2 do citado artigo que “só é admissível a resolução provisória, ou a remessa dos interessados para os meios comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias das partes”.
Tendo sido decidido no processo de inventário que as verbas reclamadas – acções e dinheiro – não faziam parte do acervo hereditário, o que levou à decisão de improcedência do incidente (nesta parte), está prejudicada a acção tendente a apurar a existência das mesmas verbas (neste sentido, Ac. do STJ de 12/07/07- proc. n.º 07 A1218 – disponível na internet em www.dgsi.pt).
Com efeito, no incidente respectivo houve contraditório e nele não ficou ressalvado o recurso às acções competentes, pelo que ficou definitivamente resolvida a questão, nos termos do citado artigo 1336º.
Em síntese, dir-se-á que transitada em julgado a decisão proferida no âmbito de um processo de inventário, na qual foi indeferida, após oposição e instrução, a pretensão de alguns dos interessados no sentido de o cabeça-de–casal relacionar verbas em dinheiro e acções, tal constitui obstáculo à apreciação da mesma pretensão em sede de acção autónoma, respeitando-se deste modo a excepção de caso julgado.”7
Exposta tais considerações doutrinais e jurisprudenciais, é de afirmar que os recorrentes não têm razão quando defendem a inexistência de caso julgado material a propósito das questões decididas no âmbito de um processo de inventário, visto que tal posição vai contra a letra do art.º 971 do CPC.
De nada vale, portanto, procurar tratar como um mero incidente da instância aquilo que traduz antes uma questão decidida no âmbito do próprio processo de inventário (e não como um seu incidente), não estando aqui em causa, propriamente, situações de remoção do cabeça-de-casal, a prestação de contas do cabeça-de-casal, a divisão de coisa comum, o direito de preferência ou a habilitação resultante do falecimento de herdeiro antes de concluído o inventário (exemplos de incidentes dados por João Lopes Cardoso em Partilhas Judiciais, Volume II).
Assim, dúvidas não há de que no âmbito de um processo de inventário se podem proferir decisões que produzem caso julgado material, sob pena de total inutilidade e irracionalidade do art.º 971.º do CPC.
É de voltar ao nosso caso concreto.
Ora, como se apontou no acórdão recorrido, da decisão proferida no Processo n.º CV2-10-0007-CIV não foi interposto recurso, tendo a mesma transitado em julgado, vindo depois aquela instância a ser julgada deserta por inércia das partes.
E foi depois instaurado novo processo de inventário.
Não está em discussão a identidade de sujeitos, de objecto e também de causa de pedir, verificada evidentemente nos dois processos de inventário, daí que a repetição da causa (art.º 417.º do CPC).
Concluindo, faz caso julgado material a decisão proferida no Processo n.º CV2-10-0007-CIV, no sentido de considerados como bens próprios da inventariada F os imóveis referidos na descrição dos activos sob as verbas nº 5 a 8, pelo que bem andaram as Instâncias ao dar por verificada a referida excepção de caso julgado no que concerne a essas fracções autónomas.

Aqui chegados, é de reparar que há divergência entre a primeira instância e a segunda instância quanto aos bens imóveis abrangidos pelo caso julgado formado no Processo n.º CV2-10-0007-CIV, apesar de ambas instâncias considerarem os bens como próprios da segunda inventariada.
Na verdade, o Tribunal Judicial de Base considerou que o caso julgado anterior apenas abrangia as fracções autónomas “JR/C”, “KR/C”, “LR/C” e “OR/C”, enquanto no acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância considerou que o caso julgado anterior decorrente do Processo n.º CV2-10-0007-CIV abrangia não só as fracções autónomas “JR/C”, “KR/C”, “LR/C” e “OR/C”, mas também “D1R/C”, “D2R/C” e “G2”.
Após a consulta dos autos n.º CV2-10-0007-CIV, verifica-se que as verbas nº 5 a 8 se referem aos fracções autónomas “JR/C”, “KR/C”, “LR/C” e “OR/C”.
É de julgar que as fracções autónomas “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” não estão incluídas na decisão que faz caso julgado.
Assim, cabe apurar a propriedade desses imóveis.

2.2. Do regime de bens do casamento dos dois inventariados
A segunda questão que se coloca no presente recurso prende-se com o regime de bens do casamento dos dois inventariados, pois os recorrentes entendem que o regime de bens adoptado pelos inventariados implica, necessariamente, que os bens adquiridos pela segunda inventariada após o casamento teriam de ser considerados como bens próprios do primeiro inventariado em face do regime de casamento vigente entre os inventariados, fundamentando a sua pretensão no art.º 3.º do Código dos Usos e Costumes dos Chineses de Macau de 1909.
Tanto a primeira instância como a segunda instância consideram as fracções autónomas “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” como bens próprios da segunda inventariada.
A questão de propriedade desses bens está relacionada com o regime de bens do casamento dos dois inventariados vigente na altura da aquisição dos mesmos.
Ora, tal como se constata nos autos, os dois inventariados casaram em 1942 segundo os usos e costumes chineses em Macau.
Apesar de na data de celebração do casamento vigorar em Macau o Código Civil de 1 de Julho de 1867, certo é que, por Decreto promulgado em 17 de Junho de 1909, ainda vigente em 1942, ao casamento celebrado entre os cidadãos da nacionalidade chinesa e segundo os usos e costumes chineses é aplicável o regime previsto nesse Código de 1909.
As escrituras públicas de compra e venda dos imóveis “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” foram assinadas em 1971 e 1973, respectivamente.
Quanto ao regime dos bens do casal, o art.º 3.º do referido Código dispõe que: …
Com base nesta norma, insistem os recorrentes que, vigorando para o casamento dos dois inventariados o regime de bens previsto no Código de 1909, os imóveis “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” devem ser considerados como bens próprios do primeiro inventariado, e não bens próprios da segunda inventariada, nem bens comuns.
Sobre a questão, foi decidido na primeira instância que o regime de bens dos inventariados era o “regime de bens supletivo da lei da China”, uma vez que, quanto à impugnação das declarações da cabeça de casal no que respeita ao regime de bens do casamento dos inventariados, o Juízo “concorda com o ponto de vista dos interessados A, B e C, sendo que em situação de não haver convenção antenupcial, o regime de bens do casamento dos dois autores da herança não deve ser simplesmente considerado como regime da comunhão de adquiridos, no entanto, o respectivo regime de bens não pode também ser considerado como regime de separação de bens”, pelo que determinou rectificar o regime de bens do casamento dos dois autores da herança nas declarações da cabeça-de-casal para o regime de bens supletivo da lei da China.
De forma similar, o Tribunal de Segunda Instância na sequência dos recursos apresentados por aqueles interessados veio a decidir nos seguintes termos:
   «O conteúdo da decisão recorrida não é outro que não seja o de mandar aplicar aos “de cujus” o regime de bens supletivo vigente na lei chinesa ao tempo em que aqueles casaram um com o outro, ou seja, em 1942.
   Pretende o 1.º Recorrente que o tribunal determine em substituição que os “de cujus” casaram entre si segundo o regime de bens regulado no art.º 3.º e 5.º do Código dos Usos e Costumes dos Chineses de Macau e pretendem os 2.º e 3.º Recorrentes que se diga que o regime de bens daqueles é o supletivo da lei Chinesa.
   Ora, face a tudo quanto se diz na decisão recorrida após o momento em que se determina que o regime de bens do “de cujus” é o supletivo da lei da China, somos a entender que a decisão é no sentido de que se aplica ao caso o disposto nos art.º 3.º e 5.º do Código dos Usos e Costumes dos Chins de Macau aprovado por Decreto de 17.06.1909 publicado no Boletim Oficial de Governo da Província de Macau de 31.07.1909.
   No entanto entre o que se diz na decisão recorrida e nas alegações de recurso há alguma imprecisão nos termos usados que levam à confusão e alguma dúvida sobre o sentido da decisão.
   Consta do indicado decreto de 1909 o seguinte:
   «Considerando que o decreto de 18 de Novembro de 1869, tornando extensivas às províncias ultramarinas as disposições do Código Civil de 1 de Julho de 1867, ressalvou na província de Macau (artigo 8., §1.) os usos e costumes dos chins nas causas da competência do procurador dos negócios sínicos;
   Considerando a necessidade de elevar à categoria de direitos e obrigações jurídicas alguns usos e costumes dos chins de Macau no tocante à constituição de famílias e sucessões;
   Attendendo ao que me representou o governador da província de Macau;
   Tendo ouvido a Junta Consultiva do Ultramar e o Conselho de Ministros; e
   Usando da faculdade concedida ao Governo pelo §1. do artigo 15. do Primeiro Acto Addicional a Carta Constitucional da Monarchia;
   Hei por bem decretar o seguinte:
   Artigo 1.º são mantidos e ressalvados aos chins de Macau os seus usos e costumes especiaes e privativos revistos e coditicados nas disposições seguintes.
   § único. Não são aplicáveis aos chins catholicos as disposições deste código contrarias as leis que regem o casamento catholico.
   Art. 2.º O casamento celebrado entre contrahentes chins, segundo o rito da sua religião, produz todos os efeitos civis que as leis do reino reconhecem no casamento catholico e no civil.
   Art. 3.º O marido pode, sem outorga da mulher, dispor dos bens próprios e estar em juízo, salvo estipulação antenupcial em contrario.
   § 1.º São bens communs do casal os bens immoveis dotaes, destes o marido só pode dispor com outorga da mulher.
   § 2.º São bens próprios da mulher os bens denominados Tai-Ki, as jóias e vestuários dados pelo pae em dote do casamento, e deles pode ella dispor livremente.
   § 3.º Todos os mais bens são considerados próprios do marido.
   § 4.º Entendem-se por Tai-Ki os bens que a mulher leva para o casal, dados pelo pae ou adquiridos por ella antes do casamento, mas não mencionados no contrato antenupcial.
   Art. 4.º Ao marido incumbe a administração dos bens do casal.
   § único. Exceptuam-se os bens denominados Tai-Ki, cuja administração pertence a mulher.
   Art. 5.º É licito aos cônjuges, em acto antenupcial, estipular que os bens que a mulher levar para o casal e ainda os que por qualquer titulo venha a adquirir na constancia do matrimonio sejam administrados por ella.».
   Face à redacção do diploma em causa dúvidas não há que no caso em apreço, tendo os “de cujus” casado entre si segundo os usos e costumes chineses em 1942, o regime de bens que se lhes aplicava ao tempo do casamento é o que resulta daquele Decreto de 17.06.1909.
   Sem prejuízo de que o que ali consta quanto ao regime de bens poder ser igual ao regime de bens aplicável ao tempo na então China8 (ainda imperial), o que nesta sede não cabe de cuidar, o certo é que, o Decreto que institui o chamado Código de Usos e Costumes dos Chins de Macau não remete para qualquer outra legislação nem tão pouco para o regime supletivo da China.
   Tão pouco fala de algum regime de separação de bens.
   Institui normas que podem ser iguais ou semelhantes àqueles regimes, mas não remetendo para eles nem lhes dando nome e tendo normas próprias a única forma correcta de o designar será o regime de bens de casamento regulado no Código de Usos e Costumes dos Chins de Macau aprovado por Decreto de 17.06.1909 publicado no BO de 31.07.1909.
   Quanto às especificidades do regime são as que daquele diploma legal – transcrito supra nesta parte – resultam, sendo bens próprios do cônjuge mulher, bens próprios do cônjuge marido e bens comuns os ali indicados9.» (fls. 510v. a 512 dos autos)
Ora, à primeira vista, as duas Instâncias reconheceram razão aos recorrentes neste ponto, apesar de a decisão do TJB não ser muito clara, o que levou o TSI a revogá-la no que no que concerne ao regime de bens do casamento celebrado pelos inventariados, determinando que estes casaram entre si segundo o regime de bens que resulta do Código de Usos e Costumes dos Chins de Macau de 1909 (sem prejuízo do que resultar das alterações e interpretações resultantes do direito aplicável posteriormente).

E quanto à propriedade das fracções autónomas “D1R/C”, “D2R/C” e “G2”, o TJB considerou-as como bens próprios da segunda inventariada, pelas seguintes razões:
   «A escritura pública de compra e venda envolvida nos imóveis “D1R/C” e “D2R/C” assinada em 1973 junta-se aos autos a fls. 420 a 426.
   A escritura pública de compra e venda envolvida no imóvel “G2” assinada em 1971 junta-se aos autos a fls. 408 a 419.
   No acto de assinatura das duas escrituras públicas em 1971 e 1973 envolvidas nos imóveis “D1R/C” e “D2R/C” e “G2”, participaram simultaneamente os dois autores da herança. Nas supracitadas escrituras públicas, o 1.º autor da herança declarou claramente consentir que a 2.ª autora da herança adquiriu os supracitados imóveis por forma de “Si Ki”, nestas circunstâncias e em situação de não haver prova em contrário neste processo, devem ser considerados os respectivos bens como o “Si Ki” indicado nos usos e costumes chineses, ou seja, os bens próprios da 2.ª autora da herança.»
A decisão acima exposta tem, evidentemente, como pressuposto a aplicação do regime de bens do casal decorrente do referido Código de 1909, que prevê a figura de “Tai Ki”, designação própria para bens próprios da mulher.
Por sua vez, o Tribunal de Segunda Instância também considerou os mesmos como bens próprios da segunda inventariada, pela sua inclusão no caso julgado da decisão proferida no Processo n.º CV2-10-0007-CIV.
No entanto, como foi já demonstrado, julgamos pelo contrário, no sentido de que tais imóveis não se encontram abrangidas pelo caso julgado, daí que cabe reapreciar a questão da propriedade desses imóveis.
Normalmente, o regime de bens de um casamento fixa-se no momento em que esse casamento é celebrado, já que o casamento é um contrato cujos termos não podem ser alterados em função de uma simples mudança legislativa.
No entanto, nem sempre é assim, tendo em consideração a possibilidade de vir a ser depois alterado o regime de bens estabelecido no momento de celebração do casamento.
Nos termos do n.º 1 do art.º 1578.º do Código Civil da RAEM, através de convenção pós-nupcial, os cônjuges podem, durante o casamento e por acordo de ambos, alterar a convenção antenupcial, celebrar pela primeira vez a convenção matrimonial, nomeadamente com o fim de substituírem o regime de bens supletivo, ou modificar uma anterior convenção pós-nupcial.
Assim, ao contrário do que alegam os recorrentes, a decisão ora posta em causa não contende com o alegado princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens legalmente fixado, princípio esse que não só não é necessariamente absoluto (em face de sucessões de leis que proíbam regimes iníquos, por exemplo e como se demonstrará infra) como, hoje em dia, nem existe na RAEM em face do disposto no art.º 1578.º do Código Civil.
No caso vertente, importa afirmar que o casamento e as relações jurídicas e patrimoniais resultantes do mesmo não se podem alhear das evoluções históricas, culturais e legislativas que se vão verificando ao longo do tempo na sociedade.
Neste sentido, afigura-se-nos que o Tribunal recorrido tem toda a razão ao determinar que os dois inventariados casaram entre si segundo o regime de bens que resulta do Código de Usos e Costumes dos Chins de Macau de 1909, “sem prejuízo do que resultar das alterações e interpretações resultantes do direito aplicável posteriormente”.

A este propósito, e após a apreciação sobre o Decreto de 17 de Junho de 1909, o Tribunal recorrido faz ainda consignar no seu acórdão o seguinte:
   «Contudo, posteriormente, em 24 de Julho de 1948 pelo Decreto n.º 36987 vêm a ser alteradas as regras aplicáveis aos casamentos celebrados entre os Chineses naturais de Macau que não fossem portugueses de nacionalidade.
   Dos elementos a fls. 143 e 155 resulta que os “de cujus” tinham nacionalidade chinesa, pelo que lhes era aplicável o art.º 2.º do mencionado Decreto o qual determinava que «os chineses naturais de Macau que não forem portugueses de nacionalidade, e bem assim os indivíduos de nacionalidade chinesa, ficam sujeitos às leis civis chinesas em tudo o que se refere a direitos de família e sucessórios».
   Atente-se que no preâmbulo do diploma se justifica a alteração legislativa por na China ter passado a vigorar a igualdade de tratamento entre homens e mulheres.
   O art.º 3.º do indicado Decreto é inócuo para a questão que nos ocupa, uma vez que ressalva apenas que produzem efeitos civis, isto é, que são válidos os casamentos celebrados entre chineses de acordo com as formalidades próprias da sua religião, leia-se independentemente da nacionalidade que tenham. Ou seja, de nacionalidade portuguesa, chinesa ou outra são válidos os casamentos de acordo com os usos e costumes chineses.
   Os artigos 4.º e 5.º do indicado diploma podem já ter interesse para a decisão do caso em apreço, uma vez que o art.º 4.º ressalva as situações criadas ao abrigo do Código de Usos e Costumes Chineses – onde a situação dos autos não se enquadra porque a aquisição dos bens aqui em causa é posterior – e o art.º 5.º estabelece que por acordo de todos os beneficiários vivos os bens que hajam sido separados para sacrifício da família são alienáveis, o que pressupõe, que havendo acordo dos cônjuges – como foi o caso dos autos na aquisição dos bens que se concluiu serem próprios do cônjuge mulher –, nada obsta que se alterem as regras e o destino dos bens que antes resultava do regime fixado.
   Destarte, contrariamente ao que os Recorrentes sustentam nas suas alegações o que resulta deste diploma não é que o regime do Código dos Usos e Costumes Chineses se perpetuou, bem antes pelo contrário, uma vez que a partir desta manda aplicar aos chineses naturais de Macau que não tenham nacionalidade portuguesa o direito de família e sucessório da China Continental por força da igualdade de direitos entre homens e mulheres, situação que o Código de Usos e Costumes de modo algum salvaguardava e que os Recorrentes querem perpetuar (a desigualdade). (…)
   De realçar que as normas quanto à administração de bens, disposição e possibilidade de aquisição de bens passam a aplicar-se às situações existentes por estarem em causa direitos fundamentais tais como o da igualdade dos cônjuges consagrado no Decreto-Lei n.º 496/77.
   Logo a partir da entrada em vigor em Macau do Código Civil de 1966, por força do art.º 13.º da citada Portaria n.º 22869, estando o regime de bens resultante do Código dos Usos e Costumes dos Chins de Macau mais próximo do regime da separação de bens e do Dotal, é à luz destes regimes de bens que deve ser interpretado em caso de dúvida. (…)
   Aqui chegados, e uma vez que a decisão recorrida não é clara quanto ao regime de bens aplicável aos “de cujus”, entendemos ser de conceder provimento ao recurso nesta parte, no sentido de fixar que o regime de bens do casamento celebrado pelos Autores da herança entre si é o regime que resulta do Código de Usos e Costumes dos Chins de Macau aprovado pelo decreto de 17.06.1909 sem prejuízo do que resultar das alterações e interpretações resultantes do direito aplicável posteriormente.» (fls. 512 a 514v. dos autos)
No entendimento do Tribunal recorrido, não se pode apenas considerar como relevante o Código dos Usos e Costumes Chineses de 1909, perpetuando a legislação ali consagrada e atentando contra o espírito subjacente à evolução legislativa posterior.
Salvo o devido respeito por opinião diferente, concordamos com tal entendimento.
No entanto, o Tribunal recorrido abordou apenas a questão respeitante ao regime de bens sem daí retirar as consequências em relação à titularidade das fracções autónomas “D1R/C”, “D2R/C” e “G2”, por entender que a sua titularidade já se encontrava decidida por caso julgado, o que não merece a nossa concordância, repetindo.
Passamos a ver a questão relativa à titularidade dos referidos imóveis.
Se é certo que, como os dois inventariados casaram em 1942, o regime de bens seria, à primeira vista, o resultante do Código dos Usos e Costumes Chineses de 1909, não é menos verdade que, a partir desse casamento até à aquisição dos imóveis nos anos de 1971 e 1973, verificou-se uma mudança profunda provocada pela alteração das leis no que concerne às relações jurídicas e patrimoniais entre os cônjuges, alteração esta que não pode deixar de assumir muita relevância na solução a encontrar para o presente caso.
Ora, é mais que evidente que esse Código de 1909 configurava um regime que tratava de forma desigual os cônjuges.
Foi publicado (já depois da celebração de casamento entre os inventariados) o Decreto n.º 36987, de 24 de Julho de 1948, onde se pode ler o seguinte:
“Atendendo ao que propôs o Governo da colónia de Macau no sentido de ser actualizada naquela colónia a legislação respeitante aos usos e costumes dos chineses, aprovada por Decreto de 17 de Junho de 1909;
Considerando que se impõe a necessidade de tal providência legislativa, pelo facto de, particularmente em resultado do movimento revolucionário nacionalista ocorrido naquele país, terem evoluído os usos e costumes chineses, sofrendo radicais transformações, destacando-se, entre outras, a igualdade de tratamento concedida pelas actuais leis aos homens e mulheres;
Atendendo a que ao Governo da colónia têm sido apresentadas exposições solicitando a revogação do Código de Usos e Costumes Chineses, posto em vigor pelo Decreto de 17 de Junho de 1909, por estar desactualizado quanto às leis chinesas, podendo advir graves prejuízos aos chineses residentes em Macau; (…)
…, o Governo decreta e eu promulgo o seguinte: (…).
Artigo 1.º Ficam sujeitos às leis civis portuguesas os indivíduos naturais de Macau que, nos termos do Decreto de 3 de Novembro de 1905, forem portugueses de nacionalidade.
Art. 2.º Os chineses naturais de Macau que não forem portugueses de nacionalidade, e bem assim os indivíduos de nacionalidade chinesa, ficam sujeitos às leis civis chinesas em tudo o que se refere a direitos de família e sucessórios.
Art. 3.º O disposto nos dois artigos precedentes não impedirá, todavia, que produzam todos os efeitos civis os casamentos que se celebrem entre contraentes chineses com as formalidades próprias da sua religião.
Art. 4.º Ressalvam-se as situações criadas anteriormente à promulgação deste decreto, ao abrigo dos usos e costumes chineses codificados pelo Decreto de 17 de Junho de 1909.
Art. 5.º Os bens que na vigência dos usos e costumes chineses codificados pelo Decreto de 17 de Junho de 1909 foram separados para sacrifícios da família são alienáveis, mediante acordo expresso de todos os beneficiários vivos.”
Tal como decorre do transcrito decreto, o Código de 1909 mostrava-se desactualizado quanto às leis chinesas, face ao movimento revolucionário ocorrido na China, com radicais transformações dos usos e costumes chineses, entre as quais se destacam a igualdade de tratamento entre homens e mulheres, pelo que houve necessidade de revogação do mesmo Código.
Considerando a razão de ser do Decreto n.º 36987 e o teor das respectivas normas, afigura-se claro que foi revogado tacitamente o Código dos Usos e Costumes Chineses de 1909.
Não obstante a entrada em vigor do Código Civil Português de 1966, cuja aplicação se tornou extensível a Macau por Portaria n.º 22 869, certo é que nem por isso foi afastada a aplicação do Decreto n.º 36987 de 24 de Julho de 1948, face ao disposto no art.º 3.º dessa Portaria que dispõe expressamente que:
“3.º - 1. Desde que principie a vigorar o Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias por ele abrangidas.
2. É, porém, ressalvada a legislação privativa de natureza civil, emanada dos órgãos legislativos metropolitanos ou provinciais, que vigorar em cada província ultramarina.”
Com a ressalva feita na norma citada, sem dúvida manteve-se plenamente em vigor o Decreto n.º 36987 de 24 de Julho de 1948 e o regime que dali resultava.10
É de realçar que este Decreto n.º 36987 só veio a ser expressamente revogado pelo art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 32/91/M, que teve como preocupação principal “a necessidade de esclarecer o estatuto pessoal da comunidade de etnia e cultura chinesas residente em Macau.”11.
Assim sendo, afigura-se que estamos perante um claro problema de sucessão de leis entre o Código dos Usos e Costumes Chineses de 1909 e o Decreto n.º 36987 de 1948 que, com o seu art.º 2.º, remeteu para “as leis chinesas em tudo o que se refere a direitos de família e sucessórios”, sendo estas, no que respeita às relações familiares, o Código Civil de 1930 (que deixou de vigorar após o estabelecimento da República Popular da China em 1949), a Lei do Casamento da RPC de 1950 e a Lei de Casamento da RPC de 1980, que foram sucessivamente entrando em vigor durante o período contido entre 1948 e 1991.
E aquando da aquisição dos imóveis “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” nos anos de 1971 e 1973, estava em vigor a Lei do Casamento de 1950.

Para resolver este problema de sucessão de leis parece-nos, desde logo, importante observar com atenção os artigos previstos no Decreto n.º 36987, o que se diz sem prejuízo de se reforçar a solução ali consagrada com o recurso aos princípios de sucessão de leis que estão hoje consagrados no Código Civil da RAEM.
Tal como já foi referido e conforme o que se consta do Preâmbulo do Decreto n.º 36987, tal diploma foi elaborado precisamente para atender à “radical” transformação dos usos e costumes chineses e para responder aos anseios da população chinesa que não queria ficar gravemente prejudicada com as diferenças existentes entre a China e o regime previsto no Código de 1909 a que estava sujeita a população chinesa em Macau.
Sem intenção de ignorar o disposto no art.º 4.º do Decreto n.º 36987, com o qual se ressalvava “as situações criadas anteriormente à promulgação deste decreto, ao abrigo dos usos e costumes chineses codificados pelo Decreto de 17 de Junho de 1909”, a verdade é que essa norma tem de ser devidamente interpretado (isto é, restritivamente) por força da interpretação da globalidade e da ratio subjacente ao Decreto n.º 36987.
No que concerne à matéria de casamentos e regimes de bens resultantes do Código dos Usos e Costumes Chineses de 1909, o alcance do art.º 4.º é apenas o de salvaguardar a validade dos casamentos celebrados anteriormente e os efeitos do regime de bens até à entrada em vigor do Decreto n.º 36987, não abrangendo a matéria relativa ao regime de bens entre o casal.
Evidentemente, com esse art.º 4.º não significa nem poderia significar que as pessoas casadas antes da promulgação do Decreto n.º 36987 continuassem sob o regime de bens desigual prescrito naquele Código de 1909, o que não faria sentido por trairia toda a lógica subjacente ao Decreto n.º 36987 e prevista no seu preâmbulo.
Pelo que ressalvando as situações já criadas, a partir do Decreto n.º 36987, as relações familiares e sucessórias (incluindo o regime de bens matrimonial) passaram a desenrolar-se no âmbito do regime prescrito pela lei chinesa.
É esta a interpretação que se impõe no âmbito do Decreto n.º 36987, não se devendo perpetuar um regime matrimonial assente na desigualdade entre homens e mulheres para além da entrada em vigor daquele diploma12.

De resto, esta solução não surpreende nem é contrária aos princípios gerais de sucessão de leis, previsto hoje no artigo 11.º do Código Civil da RAEM.
Com efeito, importa observar que, segundo Pires de Lima e Antunes Varela, “para fixar o conteúdo do direito de propriedade, ou de qualquer outro direito real, é aplicável a lei nova e não a lei da data da sua constituição. Não interessa, na verdade, saber qual foi o título constitutivo, nem qual foi, por consequência, a data da formação do direito (…) O mesmo acontece, geralmente, com os direitos de natureza perpétua, como os relativos ao estado de casado, de filho, de adoptado, etc.”13
E como apontava especificamente o Prof. Baptista Machado, “a lei que venha alterar o regime das relações pessoais dos cônjuges ou o regime de administração dos bens do casal, ou que venha alterar o conteúdo do direito de propriedade, aplica-se, respectivamente, aos casamentos já celebrados antes do seu IV14 ou aos direitos de propriedade constituídos ou adquiridos antes da mesma data. (…)
Especificando os diferentes “estatutos” (à maneira de certa tradição doutrinal do direito internacional privado), poderemos reter os seguintes critérios: os regimes jurídicos gerais das pessoas e dos bens (“estatuto pessoal” e “estatuto real” – incluindo certos princípios fundamentais de direito económico e social) estariam sujeitos ao princípio da aplicação imediata da LN: o “estatuto do contrato”, na parte em que não entre em conflito com regras imperativas do “estatuto pessoal” e do “estatuto real”, seria regulado pela lei vigente ao tempo da conclusão do contrato (…)”.15
Note-se bem que mesmo que se considere que o regime de bens imperativo ou supletivo resulta de um contrato (o casamento), não é impossível, como diz João Baptista Machado, que esse contrato fique sujeito aos princípios de aplicação imediata da lei nova.
Como de modo esclarecedor afirma o Professor Baptista Machado16, citado por Rute Teixeira Pedro, “«a lei (a L[ei] A[ntiga] e a L[ei] N[ova]) ao permitir que os particulares individualizem o regime das suas relações ad libitum (dentro de certo âmbito) e ao sancionar esses decretos das suas estipulações negociais, como que dá a tais estipulações o efeito que elas próprias se determinam, quer dizer, faz suas as consequências jurídicas dos factos declarativos (das declarações negociais) proporcionais ou correlativas aos mesmos factos». Assim, quando a lei nova, tendo natureza imperativa, regula «matéria institucional», «pode perfeitamente – e deve – agir sobre a regulamentação contida num contrato anterior». Consequentemente, «no futuro, pertence à L[ei] N[ova], a lex contractus seria como que expulsa pelas normas institucionais que com ela sejam incompatíveis». Logo, a norma da Convenção Antenupcial que previsse um dado regime de bens, também como sistema de partilha, «enquanto» (…), norma de conduta que “preocupe um certo espaço jurídico”, um certo “espaço de regulamentação”, ela vai, depois da entrada em vigor da L[ei] N[ova], encontrar-se com um meio jurídico diferente do seu meio originário, para aí coexistir com outras normas que sendo normas relativas ao conteúdo de S[ituações] J[urídica]s legais, são de aplicação imediata». Portanto, havendo um concurso de leis competentes, «a lei de autonomia privada» - constante da Convenção Antenupcial – «tem de ceder perante uma lei imperativa motivada por um interesse público»”.
Pelo que “Estará aqui em causa, portanto, uma mera eficácia imediata e não uma hipótese de eficácia retroactiva em sentido estrito (…) Tratar-se-á, então, de uma retroactividade de segundo grau, ou grau mínimo, também denominada de retroactividade normal inautêntica ou mera retrospectividade.” 17
Em suma, a solução que entrámos não só não contende com os princípios gerais de sucessão de leis, como também corresponde precisamente à intenção do Decreto n.º 36987, de sujeitar os chineses residentes em Macau às leis da China, obviando ao regime que antes se encontrava consagrado no Código dos Usos e Costumes Chineses de 1909 por ser prejudicial em face da radical transformação daqueles usos e costumes verificada na China. A ressalva das situações “criadas” não obstava à alteração do regime de bens para todas as situações após a entrada em vigor do Decreto n.º 36987.
Pelo exposto, afigura-se-nos que à época em que as fracções autónomas “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” foram adquiridas vigorava, entre os dois Inventariados, o regime de bens previsto na lei da China, ou seja, na Lei do Casamento da RPC de 1950, por remissão do decreto n.º 36987.
Nos termos do art.ºs 7.º e 10.º da Lei do Casamento de 1950, o marido e a mulher gozam de igual estatuto na família e têm direitos iguais na propriedade e na disposição dos bens da família.
Não se encontra nessa lei de 1950 nenhuma previsão sobre a convenção nupcial quanto ao regime de bens nem referência aos bens próprios do marido ou da mulher, com excepção do art.º 23.º, segundo o qual no caso de divórcio os outros bens da família, para além dos bens adquiridos pela mulher antes do casamento que serão atribuídos a ela, são distribuídos por acordo de ambos e, na falta de acordo, cabe ao tribunal tomar decisão.
Daí resulta que, não estando expressamente prevista a noção de bens próprios, são bens comuns todos os bens da família, sobre os quais o marido e a mulher têm direitos iguais na propriedade e na disposição dos mesmos.
Mesmo em relação aos bens adquiridos pela mulher antes do casamento, que ficam para ela no caso de divórcio, são considerados bens comuns na constância do matrimónio.
Em suma, o regime legal de bens dessa Lei de 1950 é o de comunhão geral, sem prejuízo de que no caso de divórcio os bens pertencentes à mulher antes do casamento são distribuídos a ela.
Evidencia-se manifestamente a igualdade entre o marido e a mulher.
É de salientar ainda a notória diferença entre a Lei de 1950 e a Lei de Casamento de 1980, em que, conforme o disposto nos art.ºs 17.º, 18.º e 19.º, se distinguem os bens comuns dos bens próprios de um dos cônjuges, podendo ainda os cônjuges determinar, por convenção escrita, os bens adquiridos na constância do matrimónio e os bens que lhes pertenciam à data do casamento, sendo de domínio próprio de cada um dos cônjuges, de comunhão geral ou de parcialmente em domínio próprio de cada um dos cônjuges, de parcialmente em comunhão.
Assim, não obstante o reconhecimento expresso do primeiro inventariado feito nas escrituras públicas que titularam a aquisição dos imóveis, no sentido de considerá-los como bens próprios da segunda inventariada, certo é que, face ao regime de bens definido na Lei do Casamento de 1950, vigente na altura da aquisição dos bens, e à falta de previsão sobre a convenção nupcial, os mesmos imóveis devem ser considerados como bens comuns dos dois inventariados, e não próprios de qualquer um deles.

Concluindo, é de negar provimento ao recurso, alterando-se no entanto o acórdão recorrido na parte que considera as fracções autónomas “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” como bens próprios da segunda inventariada F, determinando-se que as mesmas pertencem aos bens comuns dos inventariados E e F.

3. Decisão
Face ao exposto, acordam em:
- negar provimento ao recurso;
- revogar o acórdão recorrido na parte que considera as fracções autónomas “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” como bens próprios da segunda inventariada F, determinando que as mesmas pertencem aos bens comuns dos inventariados E e F.
Custas pelos recorrentes.

19 de Abril de 2023
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

1 Ver Dicionário “辭海”, editora 中華書局, pág.987.
2 Artigo 1436.º do Código de Processo Civil de 1939, aprovado pelo Decreto-lei n.º 29:637, onde se dizia:
“As questões que forem decididas no inventário consideram-se definitivamente resolvidas, tanto em relação ao cabeça de casal e às pessoas citadas na qualidade de herdeiros, como em relação àqueles que intervierem na solução, salvo se for expressamente ressalvado o direito às acções competentes.
Esta ressalva não é admissível quando se tratar de questões de direito ou de facto que possam ser resolvidas em face dos documentos produzidos ou requisitados. Quanto às questões de facto que demandem a produção de outras provas, só devem remeter-se as partes para os meios comuns, ou decidir-se provisoriamente, deixando salvo o direito às acções competentes, quando a resolução definitiva se não compadeça com a instrução sumária do processo de inventário.
§ único. Entender-se-á que intervieram na solução de uma questão as pessoas que a suscitaram ou sobre ela se pronunciaram, e ainda as que foram ouvidas, embora não tenham dado resposta.”
3 José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª Edição, pág. 117.
4 José Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II, págs. 380 e 381.
5 João Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Volume I, 4.ª Edição, págs. 40 e 41.
6 Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Junho de 1992; Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII, 1992, Tomo III, págs. 218 e 219.
7 Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21 de Janeiro de 2010, Proc. n.º 858/09.8TBVCT.G1.
8 A então República da China só foi criada em 1 de Janeiro de 1912 em Nanjing, tendo existido até 1949, ano que passa a chamar-se República Popular da China.
9 Atenção que isto em nada afecta a decisão tomada no processo que correu termos no TJB sob o nº CV2-10-0007-CIV quanto às fracções “JR/C”, “KR/C”, “LR/C”, “OR/C”, “D1R/C”, “D2R/C” e “G2” onde já está decidido por decisão transitada em julgado que são bens próprios do cônjuge mulher.
10 Cfr. também acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de Julho de 1993, Proc. n.º 0056172, que afirma expressamente que a disposição contida no art.º 2 do Decreto n.º 36987, de 24/07/1948, segundo o qual os indivíduos de nacionalidade chinesa ficam sujeitos às leis civis chinesas em tudo o que se refere a direitos de família e sucessórios, “mantem-se em vigor nos termos da Portaria n.º 22689, de 4/09/1967”.
11 Bastantes anos depois da compra das fracções autónomas “D1R/C”, “D2R/C” e “G2”.
12 Seria absurdo supor que uma mulher, apenas porque se casou em 1947, ficaria para sempre sujeita a um regime imperativo desigual quando outra, casando-se em 1949, já beneficiaria da igualdade de tratamento.
13 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, pág. 61.
14 “IV” significa “Início de vigência” ou “entrada em vigor”, como se retira de João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 219.
15 João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, págs. 233 e 234.
16 João Baptista Machado,Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil. Casos de aplicação imediata. Critérios fundamentais, Coimbra Editora, 1968, pág. 343.
17 Rute Teixeira Pedro, A Partilha do Património Comum do Casal em caso de divórcio – Reflexões sobre a nova redacção do art.º 1790.º do Código Civil, em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Volume III, pág. 457.
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Processo n.º 18/2021