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Processo nº 52/2019
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), e sua mulher B (乙), (1° e 2ª) AA., propuseram, no Tribunal Judicial de Base, acção declarativa com processo na forma ordinária contra “D”, (“丁”), “E”, (“戊”), F (己), e G (庚), (1ª, 2ª, 3° e 4°) RR., (todos com os restantes sinais dos autos), e imputando aos ditos RR. a culpa pela morte do seu filho, (C – 丙), pediram, a final, a sua condenação solidária no pagamento a seu favor de:

“A) MOP$1.500.000,00 pelos Danos Não Patrimoniais da infeliz vítima, acrescida de juros legais a contar da citação;
B) MOP$1.500.000,00 pelo Dano Morte a ser compensado à infeliz vítima, acrescida de juros legais a contar da citação;
C) MOP$1,000.000,00 a cada um dos Autores, ou seja, o total de MOP$2,000,000.00 a título de Danos Não Patrimoniais, acrescida de juros legais a contar da citação;
D) MOP$4.676.285,46, aos Autores a título de Danos Patrimoniais, sendo a quantia de MOP$2.072.285,46 despendida em despesas e MOP$2.064.000,00 a título de lucro cessante em alimentos aos Autores, acrescida dos juros legais a contar da citação.
Os Autores relegam para execução de sentença a liquidação dos danos patrimoniais que sofreu e venha ainda a sofrer resultantes da inactividade profissional do Autor A, em consequência do acidente e morte do filho, bem como os juros que os Autores continuem a pagar em razão das hipotecas referidas nos artigos 189° a 192° desta peça.
(…)”; (cfr., fls. 2 a 60 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

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O processo seguiu os seus normais termos e, oportunamente, proferiu a Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base sentença com a qual foi o peticionado julgado totalmente improcedente; (cfr., fls. 8605 a 8616-v).

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Inconformados, os AA. (A e B) recorreram para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 22.11.2018, (Proc. n.° 671/2017), decidiu “conceder parcial provimento ao recurso, condenando a 1ª Ré D e a 2ª Ré E a pagar solidariamente aos Autores A e B as seguintes quantias:
- Danos não patrimoniais sofridos pela vítima, no montante de MOP$120.000,00 (MOP$30.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$90.000,00 a cargo da 2ª Ré);
- Danos não patrimoniais pela perda do direito à vida, no montante de MOP$400.000,00 (MOP$100.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$300.000,00 a cargo da 2ª Ré);
- Danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, no montante de MOP$80.000,00 cada (MOP$20.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$60.000,00 a cargo da 2ª Ré);
- Danos patrimoniais referentes a despesas, nos montantes de MOP$229.698,14, HKD$2.102,00 e RMB$317.835,26 (MOP$57.424,53, HKD$525,50 e RMB$79.458,82 a cargo da 1ª Ré e MOP$172.273,60, HKD$1.576,50 e RMB$238.376,45 a cargo da 2ª Ré), convertíveis em patacas de acordo com as respectivas taxas de câmbio;
- Danos patrimoniais referentes a alimentos a título de lucros cessantes, no montante de MOP$264.005,28 cada (MOP$66.001,32 a cargo da 1ª Ré e MOP$198.003,96 a cargo da 2ª Ré).
Custas pelos recorrentes e recorridas na proporção do decaimento”; (cfr., fls. 8862 a 8884).

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Do assim decidido, vem (novamente) os AA. e (agora também) as referidas 1ª e 2ª RR. recorrer para este Tribunal de Última Instância.

Os AA., (A e B), produzem as seguintes conclusões:

“1 - Vem o presente recurso interposto do douto Acordão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos, que julgou parcialmente procedente o recurso apresentado pelos oras Recorrentes e, em consequência, condenou as Recorridas D e E a pagar-lhes solidariamente as seguintes quantias: MOP$120.000,00 (sendo MOP$30.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$90.000 a cargo da 2ª Ré) a título de danos não patrimoniais sofridos pela infeliz vítima; MOP$400.000,00 (MOP$100.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$300.000 a cargo da 2ª Ré) a título de danos não patrimoniais pela perda do direito à vida; e MOP$80.000,00 (MOP$20.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$60.000,00 a cargo da 2ª Ré) a cada um dos ora recorrentes, a título de danos não patrimoniais sofridos pelos Autores; MOP$264.005,28 (MOP$66.001,32 a cargo da 1ª Ré e MOP$198.003,96 a cargo da 2ª Ré) a cada um dos ora recorrentes a título de Danos patrimoniais referentes a alimentos a título de lucros cessantes; e Danos Patrimoniais referentes a despesas, nos montantes de MOP$229.698,14, HKD$2.102,00 e RMB$317.835,26 (MOP$57.424,53, HKD$525,50 e RMB$79.458,82 a cargo da 1ª Ré e MOP$172.273,60, HKD$1.576,50 e RMB$238.376,45 a cargo da 2ª Ré).
2. Os ora Recorrentes, sempre com todo o respeito não se conformam com a decisão assim proferida pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, vindo impugnar a decisão proferida relativamente aos seguintes pontos: (i) Quanto à não procedência do recurso respeitante à responsabilidade do 3º Réu F; (ii) Quanto ao grau de culpa atribuído à 1ª e 2ª Rés e à infeliz vítima; (iii) Quanto aos montantes de indemnização fixados, designadamente a título de Danos sofridos pela infeliz vítima, Danos não patrimoniais pela de perda do Direito à Vida e Danos não patrimoniais dos Autores; e (iv) Da não previsão no Douto Acordão recorrido dos juros legais tal como requerido pelos Autores na sua petição inicial.
3. Estas questões foram, salvo o devido respeito, e que é muito, pelo Venerando Tribunal incorrectamente julgadas, já que o Acordão proferido a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento estando em crer que a decisão assim proferida padece do vício de erro na aplicação do Direito.
4. A factualidade com interesse para o presente recurso tida por assente e provada foi a constante na alínea A), B), C), D), E), F), G), 1-1, I), alínea, K e L, dos Factos Assentes e ainda dos quesitos 1º, 2ºA, 3º, 4º, 8º, 9º, 10º, 14ºA, 14ºB, 14ºC, 16º, 17º, 22º, 25º, 26º, 27º, 28º, 32º, 33º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º a 46º, 46ºA, 47º, 47ºA, 48º a 67º, 69º, 70º, 77º, 78º, 79º, 80º, 82º e 83º da Base Instrutória.
5. Quanto à responsabilidade do Recorrido F, pela relevância que ocupa na leitura das seguintes alegações não pode deixar de se transcrever os fundamentos aduzidos pelo Venerando Tribunal no douto Acordão “No que respeita à responsabilidade dos 3º e 4º Réus, julgamos não assistir razão aos recorrentes, devendo confirmar a sentença nesta parte, pois aqueles Réus apenas intervieram na outorga do contrato de cedência temporária de determinado espaço do Hotel com vista à organização da festa, tendo agido em representação das 2ª e 1ª Ré, respectivamente. (…) Como se refere na sentença recorrida, e bem, não se logrou a prova de que os 3º e 4º Réus teriam praticado em nome próprio factos de que resultaram danos para os Autores, pois aqueles apenas outorgaram em nome das respectivas sociedades o contrato de cedência temporária do espaço do Hotel, pelo que, inaplicável seria o disposto do artigo 250º do Código Comercial, não devendo os mesmos assumir qualquer responsabilidade perante os Autores. Improcede o recurso quanto a esta parte.” Ora, o 3º Réu é Administrador da 2ª Ré e tal como ficou provado e foi respondido ao quesito 70º da Base Instrutória “O 3º Réu foi o responsável pela contratação do evento, tendo o mesmo dado a designação ‘Summer Hangover Party’”.
6. Ou seja, foi este administrador o responsável pela contratação do evento, tendo o mesmo dado a designação e promovido a festa da ressaca ao evento por si organizado, não cuidando de salvaguardar a existência e provisão de meios de salvamento próprios e esta responsabilidade directa dos administradores face aos sócios ou terceiros, faz com que os administradores respondam também, nos termos gerais, para com terceiros, in casu, os Autores, pelos danos que a estes directamente causaram no exercício das suas funções, conforme estatuído no artigo 250º do Código Comercial, e a verdade é que o 3º Réu através da sua conduta omissa causou danos ao filho dos Autores no exercício das suas funções.
7. E com a inversão do ónus da prova, e não tendo o Recorrido demonstrado ter tomado todas as diligências para evitar que o dano ocorresse, considera-se que o mesmo agiu com culpa e foi directamente responsável através dos seus actos, ou falta deles, pelo afogamento do filho dos Autores, isto porque tendo a morte resultado do afogamento, não tendo os Recorridos demonstrado que tomaram todas as diligências aptas a garantir a segurança e afastar o dano são solidariamente responsáveis pelo acidente ocorrido,
8. Devendo, por isso, o Recorrido F ser também directamente responsável pela ocorrência do acidente e consequentemente pela morte do filho dos Autores, ora Recorrentes, respondendo solidariamente com as 1ª e 2ª Rés tendo por isso o Venerando Acordão recorrido violado, salvo melhor e douto entendimento, o estatuído no artigo 250º do Código Comercial, devendo a decisão ser revogada nesta parte e ser o recorrido F condenado a pagar solidariamente com a 1ª e 2ª Rés aos Autores as quantias indemnizatórias a serem fixadas por este Venerando Tribunal.
9. Já quanto ao grau de culpa atribuído à 1ª e 2ª Rés e à infeliz vítima, julgou o Venerando Tribunal de Segunda Instância que a 1ª e 2ª Rés tiveram culpa no acidente, já que a omissão da 1ª e 2ª Ré ao não terem tomado as providências necessárias para garantir a segurança dos utentes da piscina contribuíram para o acidente e consequentemente para o afogamento do filho dos Autores, considerando ser adequado repartir a responsabilidade em 10% para a 1ª Ré, 30% para a 2ª Ré e 60% para a infeliz vítima e os Recorrentes, com todo o respeito, não com concordam com tal repartição de culpas.
10. Já que não pode o Venerando Tribunal basear a atribuição de 60% da culpa na ocorrência do acidente no filho dos Autores pelo facto de no seu corpo terem sido encontradas substâncias psicotrópicas, nomeadamente Ketamina e Benzodiazepina. Isto porque foi apenas isto que ficou provado nos autos, designadamente, na resposta ao quesito 80º da base instrutória. Nada mais! Com efeito, se a actividade promovida, como se viu deve ser qualificada corno sendo uma actividade perigosa, atendendo aos elementos cumulativos de perigosidade criados pelos Recorridos é sobre estes e não sobre os Autores que deverá resultar o ónus de demonstrar que tomaram todas as diligências que assegurassem a não verificação do dano.
11. E o que se provou foi que esse afogamento ocorreu nas circunstâncias perigosas criadas pelos Recorridos, não tendo logrado demonstrar, pelos Réus, ora Recorridos, qualquer nexo de causalidade entre esse eventual consumo e o afogamento do filho dos Autores. Pelo que nenhuma culpa poderá ser assacada ao filho dos Autores, não podendo, por isso, o Venerando Tribunal, concluir corno conclui “Ora, considerando que o lesado chegou a consumir as tais substâncias psicotrópicas, depreendemos que a sua conduta também contribuiu para o resultado (morte), sendo assim não deixa de ter culpa na produção do dano.” e assim decidir atribuir a maior parte da culpa (60%) na produção do dano ao filho dos Autores.
12. Isto porque, tal como muito bem fundamentado pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância “No caso vertente está em causa uma actividade realizada durante a noite (das 21: 00 às 5:00 da madrugada), num espaço dentro do hotel em que havia uma piscina onde os clientes podiam nadar ou brincar na água, forma-lhe servidas bebidas alcoólicas e não alcoólicas (conforme a escolha dos clientes), podiam também os clientes dançar e ver jogos do campeonato mundial de futebol. Ponderando todo o circunstancialismo acima descrito, ou seja, tendo a festa sido realizada à noite, num espaço com acesso à piscina mas em havendo nadador salvador destacado no local, nem o sistema de videovigilância ali instalado estava em funcionamento para observar situações da piscina, atento ainda o facto de que foram servidas bebidas alcoólicas aos participantes da festa, somos a tender que existiam naquele local factores potenciadores de causar danos a terceiros. Isto posto, não tendo a 1ª Ré (proprietária da piscina) e a 2ª Ré (empresa organizadora da actividade) tomado providencias adequadas que deviam ter tomado com vista a evitar a ocorrência de factos danosos, as suas condutas omissivas são dignas de censura.”
13. Tendo ainda considerado que: “(…) Nesta senda, considerando que as circunstancias verificadas naquela noite são susceptíveis de causar danos a terceiros, deviam as rés ter tomado providências necessárias destinadas a evitá-los, mas não assim procederam, sobre aquelas recai a responsabilidade civil por omissão. (…) No caso dos autos, bem sabendo as 1ª e 2ª Rés que durante a realização da festa a piscina seria aberta aos clientes, entretanto não forma tomadas providencias necessárias e suficientes para evitar danos, nomeadamente proceder à afectação de nadador – salvador ou por em funcionamento o sistema de videovigilância para observar situações da piscina com vista a zelar pela segurança dos seus utentes, temos que concluir que a Rés tiveram culpa no acidente.”
14. Ora, os Recorrentes concordam com os fundamentos aqui apresentados pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância. Aliás louvam a posição do Tribunal de Segunda Instância ao não permitir que, face a tão grave e trágico acidente, a culpa morra solteira. E neste sentido, os ora Recorrentes reconhecem que foi feita justiça e que tal decisão funcione como um alerta social servindo de exemplo para prevenir futuros acontecimentos trágicos e evitar que situações semelhantes possam passar impunes. Os Recorrentes não concordam é com o apuramento na repartição de culpa na produção dos danos.
15. É verdade, tal como doutamente afirmado no Acordão recorrido, que na determinação da culpa a lei manda atender à diligência do homem médio ou de um bom pai de família, no entanto, consideram os Autores, sempre com todo o respeito, que um bom pai de família decidiria de outra forma já que atenderia às circunstâncias em como os acontecimentos ocorreram bem como à responsabilidade que a lei impõe aos estabelecimentos hoteleiros e seus equipamentos e ainda a quem organiza eventos e actividades, fazendo incorrer sobre os Recorridos um especial dever de cuidado.
16. Já que tal como se lê na Veneranda decisão ora em recurso “o preâmbulo do Decreto-Lei nº 46/96/M de 1 de Abril, que regula a actividade hoteleira, a finalidade daquela regulamentação consiste em elevar a qualidade da actividade hoteleira, criando condições e definindo regras para que aquela actividade possa ser exercida segundo parâmetros internacionalmente reconhecidos, sobretudo em matéria de higiene segurança e conforto dos clientes”. Isto é, atribuindo grande responsabilidade às unidades hoteleiras em termos de segurança dos utilizadores dos hotéis, segurança essa que se deverá adequar ao caso concreto e às actividades que com o conhecimento e a permissão do Hotel são realizadas nas respectivas instalações, não sendo por acaso que o diploma legal atribua menção especial e particular à segurança geral do estabelecimento no nº 2 do artigo 45º.
17. Isto porque a segurança é cada vez mais um factor de grande importância não só para os clientes dos hotéis mas também para os utilizadores dos espaços e equipamentos afectos aos hotéis os quais são em cada vez maior número em Macau, sendo também cada vez maior a afluência de visitantes a Macau e cada vez mais também os programas de diversão que são oferecidos pelos Hotéis à população de Macau, em particular, festas em piscinas.
18. Ora, no caso concreto, a Ré D era a proprietária do Hotel onde se encontrava a piscina e ao permitir que à mesma tivessem acesso terceiros, no caso concreto os convidados de uma festa com o nome “E Summer Hangover party”, deveria ter tomado todas as medidas adequadas para prover com toda a segurança, não só com nadadores salvadores mas também com meios de vídeo vigilância, os quais, por incúria da Ré, se encontravam inoperacionais não permitindo a visualização da parte da piscina onde ocorreu o afogamento do filho dos Autores. E a 2ª Ré E, como entidade organizadora da festa e fornecedora das bebidas alcoólicas, deveria ter também providenciado por todas as medidas de segurança de forma a evitar a ocorrência do acidente, facto que não aconteceu.
19. Assim, a conduta dos Recorridos não pode deixar de se considerar ilícita e culposa, consubstanciando-se a ilicitude nas lesões sofridas pelo filho dos Recorrentes e a culpa na omissão dos deveres de cuidado que sob os Recorridos impendiam. E demonstrada que está a ilicitude, a culpa e o nexo causal entre o facto (no caso a omissão de fiscalização e segurança) e o dano sofrido, terá de se concluir pela obrigação de indemnizar dos Recorridos.
20. Considerando os Recorrentes que foram violadas as normas contidas nos artigos 480º, nº 2, 486º e 564º do Código Civil, devendo o douto Acordão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene a 1ª, 2ª e 3º Réus como os únicos culpados na produção do acidente e afogamento do filho dos ora Recorrentes e consequentemente a responderem solidariamente e a pagarem aos Autores a totalidade das indemnizações que já foram e vierem a ser condenados.
21. No que respeita aos quantitativos indemnizatórios fixados pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância também aqui os Recorrentes não concordam com algumas das indemnizações fixadas, nomeadamente, a título de Dano de Perda do Direito à Vida em que o Venerando Tribunal de Segunda Instância entendeu que seria equitativa uma indemnização de MOP$1.000.000,00 contudo, sempre com todo o respeito os Autores, consideram que o valor atribuído é, no entanto, desajustado nada conforme com os princípios equitativos que devem orientar a fixação desta compensação.
22. Já que tendo por referência outros processos que foram julgados pelos Tribunais Superiores de Macau, designadamente a decisão de 3 de Março de 2010 do processo nº 535/2010 proferida por este Venerando Tribunal, cujo caso se tratava, à semelhança do filho dos ora Recorrentes, de uma jovem de 22 anos, foi fixada uma compensação por danos não patrimoniais de pela perda do Direito à vida de MOP$1.500.000,00, e tendo em conta a data do referido Acordão de 2010 e ainda o custo de vida e a evolução social e os índices inflacionários, entendem os ora Recorrentes que será adequado e razoável atribuir a título de indemnização por Danos não patrimoniais pela Perda do Direito à Vida o valor de MOP$1.500.000,00.
23. Pelo que entende a Recorrente que a Douta sentença recorrida violou aqui o disposto no artigo 489º, nº 3 do Código Civil, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que atribua nesta parte ao ora Recorrentes a título de danos não patrimoniais pela Perda do Direito à Vida do filho no valor de MOP$1.500.000,00 a ser pago solidariamente pelos 1ª, 2ª e 3º Réus.
24. Já quanto ao montante atribuído pelo Venerando Tribunal de Segunda Instancia a título de indemnização por danos não patrimoniais dos pais à infeliz vítima também os Recorrentes se não conformam com o mesmo, pois os Tribunais Superiores em situações semelhantes à dos autos têm atribuído compensações em valor substancialmente superiores, já que a título de exemplo no Acordão do Tribunal de Última Instancia proferido em 17 de Dezembro de 2009, no processo nº 32/2009, este Tribunal fixou o montante de MOP$300.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, por cada um dos progenitores de uma jovem de 22 anos, solteira, saudável e falecida num acidente de viação, tendo a morte ocorrido no mesmo dia.
25. In casu, tal com ficou provado e foi dado resposta aos quesitos 35º a 42º da Base Instrutória, os Recorrentes desde o dia 4 de Julho de 2010 sofreram todos os dias enquanto o seu filho permaneceu em coma e continuam a sofrer agora com a sua morte e durante todo este tempo assistiram impotentes à degradação gradual da saúde do filho e tiveram que assistir todos os dias à degradação gradual e sistemática do corpo do filho, prostrado numa cama de hospital, ligado a uma máquina que lhe fornecia oxigénio para sobreviver, tendo o sentimento de impotência e angústia dos Autores aumentado quando constataram que não podiam mais suportar os custos para tratamento médico.
26. O facto de todos os dias, desde o incidente, viverem este sofrimento levou a que o Autor pai deixasse de trabalhar, encerrasse a sua empresa durante quase dois anos e durante o mesmo período a Autora mãe entrou em depressão nervosa e face a estes factos dados como provados, entendem os Autores que tendo em conta o já fixado pelo Tribunal de Última Instância em casos semelhantes, tendo ainda em conta factores de evolução social e ainda atendendo às circunstâncias do caso concreto, designadamente ao prolongado sofrimento dos Autores durante os dois anos em que a infeliz vítima esteve em estado de coma, consideram os Autores, sempre com todo respeito, que seria adequada e justa, atribuir a quantia de MOP$500.000,00 a cada um dos progenitores, tendo por isso sido violado o disposto no artigo 489º do CC devendo o Douta Acordão recorrido ser revogado e alterado por uma outra decisão que nesta caso arbitre aos ora Recorrentes os montantes indemnizatórios acima requeridos a serem pagos solidariamente pelos 1ª, 2ª e 3º Réus.
27. Finalmente e quanto à não previsão no Douto Acordão recorrido dos juros legais tal como requerido pelos Autores na sua petição inicial os Autores no seu pedido inicial requeriam que fossem arbitradas as indemnizações aí pedidas “acrescida dos juros legais a contar da citação”, contudo o Venerando Tribunal de Segunda Instância, olvidou-se, e estamos certos que por mero lapso, de se pronunciar sobre este pedido de juros, bem como quando arbitrou as aludidas compensações a serem pagas pelos Réus se esqueceu de condenar os Réus no pagamento dos respectivos juros legais, requerendo ao ora Recorrentes que o Acordão seja rectificado neste ponto e que sejam os 1ª, 2ª e 3º Réus condenados no pagamento das respectivas indemnizações, acrescidas dos respectivos juros legais, tal como pedido na sua petição inicial”; (cfr., fls. 8916 a 8951).

A 1ª R., (“D”), apresentou, por sua vez, as seguintes conclusões:

“1. O objecto do presente recurso ordinário é o teor do Acórdão proferido no âmbito dos presentes Autos pelo Tribunal de Segunda Instância, datado 22 de Novembro de 2018.
2. Entende a Recorrente que nenhuma razão assiste ao Tribunal a quo, porquanto a lei aplicável ao caso concreto exigia uma decisão em sentido diametralmente oposto, mais concretamente uma decisão que viesse confirmar o douto Acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Base, tendo desse modo o Tribunal a quo violado as disposições normativas constantes dos artigos 477.º, 479.º e 486.º do Código Civil, assim como do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril, sendo este um dos fundamentos do presente recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 639.º do Código de Processo Civil.
3. Entende igualmente a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo na condenação da mesma ao pagamento de indemnização aos Autores a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima e a título de danos patrimoniais referentes a alimentos a título de lucros cessantes, tendo desse modo o Tribunal a quo violado as disposições normativas constantes do artigo 489.º do Código Civil e do n.º 1 do artigo 558.º do mesmo diploma legal, afigurando-se tal violação também fundamento do presente recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 639.º do Código de Processo Civil.
4. Ao abrigo do artigo 479.º do Código Civil, constituem pressupostos da responsabilidade civil a ilicitude da omissão, a culpa e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
5. Para que a omissão possa dar lugar ao dever de indemnizar, exige-se que houvesse um dever específico de agir, algo que não sucede no caso em concreto.
6. Não existe qualquer norma expressa ou uma obrigatoriedade legal específica de assegurar a vigilância nem de manter um nadador-salvador para zelar pela segurança dos utentes das piscinas sitos nos estabelecimentos hoteleiros e similares.
7. O conceito de “segurança geral do estabelecimento” constante do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril, não pode ser alvo de uma interpretação extensiva que imponha o dever específico de afectar um nadador-salvador em piscinas localizadas em estabelecimentos hoteleiros e similares.
8. Nem se poderia sequer afirmar que o afogamento de C se deveu a questões de segurança geral do estabelecimento ou, mais concretamente, da piscina ora em apreço.
9. A piscina encontrava-se perfeitamente visível, esteve sempre iluminada ao longo do período da festa, tinha uma profundidade máxima de 1,40m, não tinha qualquer perigo oculto nem existiu qualquer anomalia técnica ou de construção que tivesse despoletado o acidente ora em análise.
10. Para além disso, ficou demonstrado até à exaustão de que existiam seguranças não só no Hotel, como no local onde o evento organizado pela E teve lugar, como ficou igualmente demonstrado que existiam bóias e equipamentos de salvamento, equipamento de primeiros-socorros e até de um médico ao serviço da Recorrente e que acorreu ao local, assim como existiam câmaras de videovigilância (vide resposta aos quesitos n.º 12, 13, 14, 14A, 14B, 14C e 17).
11. Na altura do acidente, encontravam-se várias pessoas dentro da piscina, não tendo nenhuma delas se apercebido da situação que desembocou no acidente em apreço nos presentes Autos.
12. Não existiu nenhuma conduta omissiva (ou outra) por parte da Recorrente que se afigure passível de violar qualquer dever de prevenção do perigo ou de segurança no tráfego que sobre si impendessem.
13. A única actividade praticada pela D1, no específico caso que ora nos ocupa, foi a exploração da piscina sita no 6.º andar do [Hotel(1)], em Macau.
14. Tal actividade não é, para qualquer efeito, uma actividade perigosa.
15. Esse juízo de perigosidade deve ser aferido a priori e não em função ou em consequência dos resultados danosos ocorridos, em caso de acidente.
16. Do mesmo modo, não se pode assacar à D1 qualquer responsabilidade decorrente da organização da festa onde ocorreu o evento fatídico em apreço nos presentes Autos, uma vez que – como denota e bem o Tribunal Judicial de Base – a D1 foi absolutamente alheia a toda essa concreta actividade.
17. Nenhum dos pressupostos que seriam exigidos pela cláusula geral do artigo 477.º do Código Civil (ex vi do artigo 479.º do mesmo diploma legal) para que se estabelecesse a responsabilidade da Recorrente no caso em concreto se encontram verificados.
18. A perigosidade inerente à vivência humana decorre da sua própria condição enquanto ser mortal.
19. No caso sub judice, a fonte referida pelo Tribunal a quo como perigosa é a piscina sobejamente identificada nos autos, piscina essa que, para pessoas adultas e com a altura do filho dos Recorrentes (1,73m), não apresentava qualquer perigo digno de relevo, até pela sua profundidade máxima ser de l,4m, a mesma se encontrar iluminada, de a mesma não conter qualquer perigo oculto ou qualquer defeito na sua construção passível de integrar um conceito de perigosidade especial ou acrescida.
20. Nem mesmo considerando que nessa piscina decorria uma festa, que decorria em condições normais, à noite, mesmo que se considere que nessa mesma festa eram disponibilizadas, para quem quisesse consumir, bebidas alcoólicas.
21. Aquilo que à partida não apresentava qualquer perigo (a piscina), revelou-se fatal, não porque na piscina decorria uma festa, à noite, nem tão-pouco porque nessa festa podiam e foram servidas bebidas alcoólicas, mas sim porque o C, por sua própria conta e de forma voluntária, decidiu consumir bebidas alcoólicas e substâncias psicotrópicas (Benzodiazepinas e Ketamina) que fizeram com que este se tivesse auto-colocado numa situação de incapacidade de reacção, algo que é demonstrado pelo facto de este não se ter debatido pela sua vida ou, pura e simplesmente, ter logrado colocar-se em pé, algo que afastaria de per se qualquer perigo de afogamento.
22. O consumo das substâncias psicotrópicas e do álcool foi – isso sim – a única actividade perigosa em causa nos presentes Autos, actividade perigosa essa que se deve exclusivamente ao falecido filho dos Autores C, e que (infelizmente) teve o desfecho que todos conhecemos.
23. Também não é pelo facto de a ora Recorrente ser proprietária da piscina aqui em causa, que sobre si impendia um dever de agir diferentemente de como agiu.
24. 1nexistindo assim, salvo melhor e fundamentada opinião, qualquer circunstância passível de respaldar uma qualquer responsabilidade civil por parte da Recorrente relativamente à morte de C.
25. Sem jamais conceder, e apenas por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que no que respeita aos supostos danos não-patrimoniais alegadamente sofridos por C, o douto Tribunal Judicial de Base considerou os factos em que tal pretensão se baseava como não provados (vide Resposta aos Quesitos 29.º a 31.º).
26. Uma vez que a matéria de facto estabelecida em sede própria não foi colocada em crise, não pode o Tribunal a quo, salvo melhor e fundamentada opinião, condenar a Recorrente e a E ao pagamento de uma indemnização por alegados danos não patrimoniais sofridos por C, sem que estes estejam factualmente respaldados, tendo o Acórdão objecto do presente recurso violado neste ponto em concreto a disposição legal constante do artigo 489.º do Código Civil.
27. Do mesmo modo, em termos de lucros cessantes, a Recorrente entende que o Tribunal a quo violou a disposição legal contida no n.º 1 do artigo 558.º do Código Civil, porquanto o critério utilizado deveria ter sido o período de tempo provável em que os alimentos seriam prestados pelo filho dos Autores, isto é, o número de anos por que os Autores provavelmente se manterão vivos, com recurso à diferença entre a data do acidente e a data em que os Autores completariam a idade fixada como a sua esperança média de vida (veja-se, no mesmo sentido, Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, no âmbito do Processo n.º 64/2011)”; (cfr., fls. 8955 a 8981).

Pela 2ª R., (“E”), alegou e produziu as conclusões seguintes:

“A. Salvo o devido respeito, ando mal o douto Tribunal de Segunda Instância na imputação à 2ª Ré de Responsabilidade Civil por omissão e, consequentemente, culpa da lesante.
B. Entendeu o douto Tribunal a quo que sobre os Réus impedia um dever especial de cuidado, o que não pode proceder, como se demonstrou.
C. A Responsabilidade Civil, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 477.º do CC, funda-se em 3 elementos-base, a saber, (1) dolo ou mera culpa, (2) violação ilícita de direitos de terceiros ou violação de normas legais e (3) nexo de causalidade.
D. Acresce que o artigo 479.º, também do CC, reza que “simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.” (itálico nosso).
E. Em termos factuais, entendeu o douto Tribunal de Segunda Instância que a organização de uma festa, à noite, onde foi disponibilizado álcool e num local onde existia uma piscina constituíram “factores potenciadores de causar danos a terceiros”, o que, como se demonstrou, não poderá proceder,
F. Porquanto foi totalmente desconsiderado pelo Tribunal a quo que o filho dos Autores se havia voluntariamente colocado em estado de incapacidade, através do consumo de substâncias psicotrópicas (facto provado nos autos), contribuindo assim e de forma conclusiva, para o seu afogamento.
G. O Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril, que estabelece as normas administrativas para o licenciamento e inspecção dos estabelecimentos e similares em Macau contém (artigo 45.º) uma norma genérica tendo em vista a melhoria das condições providenciadas pelos estabelecimentos hoteleiros.
H. Dispõe o n.º 2 da norma referida que “Ao responsável (…) cabe também providenciar, através dos meios adequados, pela segurança geral do estabelecimento.”.
I. Salvo o devido respeito, andou mal o douto Tribunal de Segunda Instância ao fazer uma interpretação extensiva de tal preceito, tentando nele enquadrar situações como a dos presentes autos.
J. A Responsabilidade Civil por omissão funda-se no dever, legal ou contratual, de praticar o acto omitido.
K. Entendeu o douto Tribunal de Segunda Instância que foi violado o artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 16/96/M, de 1 de Abril, pelo que a 2ª Ré deverá ser responsabilizada por omissão.
L. A este propósito, andou bem o Tribunal Judicial de Base ao decidir que “Ora, para poder qualificar a falta de nadador salvador como omissão carece de existir o dever de prática por força da lei ou do negócio jurídico. Mas não existe norma jurídica que exige, obrigatoriamente, a afectação do nadador salvador nas piscinas do estabelecimento hoteleiro, o facto de não haver nadador salvador na piscina nas horas em que decorreu a festa não lhe poderá incorrer na violação de dever legal” (vide página 17 do Acórdão do Tribunal Judicial de Base, a fls. 8605 e ss. dos autos).
M. Acresce ainda que segundo orientações dos Serviços de Turismo de Macau (publicadas no seu website), é recomendável (e não obrigatório) a afectação de nadador salvador nos estabelecimentos hoteleiros no horário em que estão em funcionamento.
N. Assim, deverá necessariamente improceder a tese sustentada pelo douto Acórdão recorrido, repristinando-se a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base.
O. Não resultou provada nos presentes autos, a culpa da 2ª Ré, porquanto não havendo qualquer norma legal que obrigue a 2ª Ré a afectar nadador salvador à piscina, não havendo norma legal que obrigue à existência de sistema de videovigilância, não havendo qualquer pedido de ajuda por parte do filho dos Autores, que se encontrava sob efeito de Ketamina e Benzodiazepinas, não poderá ser assacada qualquer culpa à 2ª Ré.
P. Veja-se a este propósito que estavam cerca de 400 pessoas na festa em apreço e apenas uma pessoa, a que se encontrava sob efeito de Ketamina e Benzodiazepinas, é que sofreu qualquer dano.
Q. Por outro lado, salvo o devido respeito, também andou mal o douto Tribunal de Segunda Instância, ao decidir pela existência de nexo de causalidade entre a festa e o afogamento do filho dos Autores.
R. Corno ficou amplamente demonstrado, acaso pudesse ser estabelecido qualquer nexo de causalidade, este deveria ser estabelecido entre o consumo de Ketamina e Benzodiazepinas e o afogamento.
S. Nesta esteira, o artigo 564.º, n.º 1 do CC dispõe que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”.
T. Ora, concluindo-se que a culpa do filho dos Autores foi determinante para a ocorrência do dano, deverá ser totalmente excluída a obrigação de indemnizar por parte dos Réus, o que se requer”; (cfr., fls. 8899 a 8913).

*

Notando-se que por decisão já transitada em julgado não foi admitido o recurso dos AA. relativamente ao “segmento decisório que absolveu o (3°) R. F”, (cfr., fls. 9102), e, nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base considerou provados os factos seguintes (que não foram objecto de alteração pelo Tribunal de Segunda Instância e que por não estarem impugnados se tem como definitivamente adquiridos):

“Da Matéria de facto Assente:
- A 1ª R. é uma sociedade comercial cujo objecto social consiste, em instalar, operar e gerir jogos de fortuna ou azar em casino e outras actividades conexas; desenvolver, gerir, melhorar, vender, arrendar ou alugar, trocar, investir, reinvestir, estabelecer, conceder licenças, autorizações, ónus, opções, servidões e quaisquer outros direitos sobre, ou fazer negócios relativos a todo ou parte do património da sociedade, activo e passivo (presente ou futuro), incluindo subscrição de capital, e a quaisquer direitos, interesses e privilégios da dita sociedade, adquirir, vender, possuir ou ser proprietária, locar, alugar, administrar, gerir, controlar, operar, construir, reparar, alterar, equipar, fornecer, acomodar, decorar, melhorar e por qualquer outro forma tomar e negociar trabalhos de construção civil, prédios, projectos, escritórios e estruturas de qualquer tipo; prosseguir toda e qualquer actividade de hotelaria e restauração, patrocínio, gestão e licenciamento de todos os tipos de desportos, competições, actividades sociais e de recreio e de clubes, associações e eventos sociais de todos os tipos e fins; ser parte em quaisquer acordos com governos, autoridades, sociedades, ou pessoas e realizar ou submeter-se a quaisquer leis, ordens, estatutos, contratos, decretos, direitos, privilégios ou faculdades, licenças, franquias, autorizações e concessões para quaisquer fins e levar a cabo, exercer e cumprir os mesmos e fazer, executar, ser parte, iniciar, prosseguir, fazer cumprir e defender todos os actos, contratos acordos, negociações, acções legais ou outras, compromissos e esquemas e levar a cabo todos os outros actos, matérias e factos que sejam considerados necessários ou convenientes para a prossecução dos fins ou protecção da sociedade; prosseguir qualquer outro negocio e efectuar qualquer acto ou actividade em que os sócios acordem que seja de interesse ou necessário fazer ou levar a cabo em conexão com qualquer dos acima referidos, ou que pareça apropriado para, directa ou indirectamente, aumentar o valor de toda ou parte das propriedades ou bens da sociedade, ou torna-los mais rentáveis, ou por qualquer modo favorecer os interesses da sociedade ou dos sócios nomeadamente, na instalação, operação e gestão de jogos de fortuna ou azar em casino e outras actividades conexas, conforme certidão de registo comercial que ora se junta como Documento 2 e se dá por integralmente reproduzido. (alínea A) dos factos assentes)
- No âmbito do exercício da sua actividade comercial, a Ré D é proprietária do [Hotel(1)], estabelecimento comercial com número de cadastro XXXXX, sito na [Endereço(1)] Macau, conforme certidão da Direcção dos Serviços de Finanças que se junta como documento número 4 e que a aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legas. (alínea B) dos factos assentes)
- A Ré E, é uma sociedade comercial e cujo objecto social se refere à produção de entretenimento conforme certidão de registo comercial. (alínea C) dos factos assentes)
- No dia 4 de Julho de 2010, por volta das 4 horas da madrugada, decorria uma festa na piscina que vinha denominada como “E Summer Hangover”. (alínea D) dos factos assentes)
- O filho dos Autores, C, participou na referida festa como cliente. (alínea E) dos Factos Assentes)
- A festa foi organizada pela 2ª Ré, a E, na sequência da celebração de um contrato com a D, ora 1ª Ré. (alínea F) dos factos assentes)
- O qual foi assinado por F, 3º Réu e representante e administrador da E e assinado por G, 4º Réu, em representação da D. (alínea G) dos factos assentes)
- E no qual a 2ª Ré arrendou o espaço ao [Hotel(1)], durante o período das 21 horas do dia 3 de Julho até às 5 horas da manhã do dia 4 de Julho de 2010. (alínea H) dos factos assentes)
- Que compreendia a piscina e o bar do 6º andar do referido Hotel, local designado como “Reflections”. (alínea I) dos factos assentes)
- A profundidade máxima da piscina era de 1,40 metros. (alínea J) dos factos assentes)
- O filho dos Autores tinha à data do incidente 21 anos de idade. (alínea K) dos factos assentes)
- O filho dos Autores faleceu no dia 2 de Julho de 2012 em Macau. (alínea L) dos factos assentes)

Da Base Instrutória:
- Na festa referida em D) os clientes podiam beber, ouvir música, dançar, assistir ao jogos de futebol do Campeonato do Mundo, nadar e brincar na piscina. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Para ter acesso à festa denominada “E Summer Hangover” era necessário ser maior de 18 anos e comprar o respectivo bilhete. (resposta ao quesito 2-Aº da base instrutória)
- Por volta das 3h15m, a maioria dos convidados estavam a consumir bebida alcoólica. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Alguns deles atirando-se e atirando outros para a piscina. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- O filho dos Autores foi atirado para a piscina. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- O filho dos Autores, após ter saído da piscina, sentou-se no seu lugar e depois de ter retirado a sua roupa voltou para a piscina. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Perto das 4h17m da manhã, um conhecido de nome H apercebeu-se que o filho dos Autores estava debaixo de água, no fundo da piscina e sem se mover. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- A piscina não tinha nadador salvador. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- A piscina tinha duas câmaras de CCTV. (resposta ao quesito 14-Aº da base instrutória)
- A câmara de CCTV que estava no local da piscina onde correu o acidente encontrava-se tapada por um guarda-sol, não existindo por isso qualquer registo de imagens naquele sítio. (resposta ao quesito 14-Bº da base instrutória)
- As únicas imagens que existem são as captadas por uma câmara situada num lugar mais distante de local onde ocorreu o acidente. (resposta ao quesito 14-Cº da base instrutória)
- As câmaras apesar de estarem a gravar, não estavam a ser visionadas pelos funcionários do Serviços de Vigilância e Fiscalização do [Hotel(1)], que estavam ao serviço naquele noite. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- A médica do [Hotel(1)] chegou ao local do incidente às 4h28m. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Os Réus sabiam qual é o tema da referida festa. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- Os danos causados ao filho dos Autores resultaram de pneumonia de aspiração, inflamação pulmonar que impede as trocas gasosas (ARSD), Consumo de factores de coagulação (DIC) originando hemorragias, isquémia e hipoxia cerebral. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- Consequência do afogamento. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- O afogamento do filho dos Autores conduziu ao seu estado de coma durante dois anos. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- O qual foi a causa da sua morte em 2 de Julho de 2012. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
- Desde a data do incidente até à sua morte o filho dos Autores tinha tido respiração assistida a todo o tempo. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- Era alimentado de forma intravenosa. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
- Os Autores desde o dia 4 de Julho de 2010 sofreram todos os dias enquanto o seu filho permaneceu em coma e continuam a sofrer agora com a sua morte. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- Durante todo este tempo assistiram impotentes à degradação gradual da saúde do filho. (resposta ao quesito 36º da base instrutória)
- Tiveram que assistir todos os dias à degradação gradual e sistemática do corpo do filho, prostrado numa cama de hospital, ligado a uma máquina que lhe fornecia oxigénio para sobreviver. (resposta ao quesito 37º da base instrutória)
- Vendo-o a ser alimentado através de uma sonda. (resposta ao quesito 38º da base instrutória)
- O sentimento de impotência e angústia dos Autores, adensou-se quando viram que não podiam mais suportar os custos para tratamento médico. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
- O facto de todos os dias, desde o incidente, viverem este sofrimento levou a que o Autor pai deixasse de trabalhar. (resposta ao quesito 40º da base instrutória)
- Tendo chegado a encerrar a sua empresa durante quase dois anos. (resposta ao quesito 41º da base instrutória)
- Durante o mesmo período a Autora mãe entrou em depressão nervosa. (resposta ao quesito 42º da base instrutória)
- Os Autores deslocaram-se a várias regiões da China, designadamente, a Pequim, Foshan e Hong Kong para procurar outras opiniões médicas. (resposta ao quesito 43º da base instrutória)
- O filho dos Autores permaneceu no [Hospital(1)] desde o dia do incidente, 4 de Julho de 2010 até 18 de Agosto de 2010. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
- Onde aí recebeu tratamentos que comportaram despesas na quantia de MOP$409.340,00. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
- No dia 18 de Agosto de 2010, o filho dos Autores foi transferido para o [Hospital(2)] em Cantão. (resposta ao quesito 46º da base instrutória)
- O filho dos Autores foi transferido para o [Hospital(3)] no dia 25 de Março de 2011 e aí permanecido até a sua morte em 2 de Julho de 2012. (resposta ao quesito 46-Aº da base instrutória)
- Os Autores gastaram a quantia de RMB¥751.368,00 e ainda RMB¥4.130,70 em suplementos médicos em [Hospital(2)] de Cantão. (resposta ao quesito 47º da base instrutória)
- Quando o filho foi transferido para o [Hospital(2)] de Cantão e aí permaneceu cerca de 7 meses, a Autora também para aí se deslocou em companhia da filha mais velha e aí viveram durante aquele período de tempo primeiro num hotel e depois numa casa arrendada. (resposta ao quesito 47-Aº da base instrutória)
- Tendo aí despendido na estadia do Hotel e no arrendamento da casa a quantia de RMB¥18.596,55. (resposta ao quesito 48º da base instrutória)
- Tendo gasto também a quantia de RMB¥772,00 em relatórios médicos. (resposta ao quesito 49º da base instrutória)
- Em transportes de táxi em Cantão gastaram a quantia de RMB¥178.00. (resposta ao quesito 50º da base instrutória)
- Em autocarro nas viagens de Cantão – Macau os Autores gastaram a quantia de RMB¥6,830.00. (resposta ao quesito 51º da base instrutória)
- Em autocarro nas viagens de Cantão – Nanlang os Autores gastaram a quantia de RMB¥2.158,00. (resposta ao quesito 52º da base instrutória)
- Tendo gasto em deslocações para consultas médicas em Pequim RMB¥5.878,20. (resposta ao quesito 53º da base instrutória)
- Gastaram em deslocações para consultas médicas em Foshan a quantia de RMB¥546,00. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)
- Em Hong Kong gastaram em consultas médicas a quantia de HK$5.255,00. (resposta ao quesito 56º da base instrutória)
- E em Macau gastaram a quantia de MOP$370,00. (resposta ao quesito 57º da base instrutória)
- Por seu lado, no [Hospital(3)] os Autores têm que pagar a quantia de MOP$67.733,00 em tratamentos médicos e internamento do filho. (resposta ao quesito 58º da base instrutória)
- Pagaram MOP$2.082,84 em chamadas telefónicas internacionais. (resposta ao quesito 60º da base instrutória)
- Pagaram ainda a quantia de MOP$975,00 em despesas de relatórios médicos e MOP$6.345,00 em despesas médicas. (resposta ao quesito 61º da base instrutória)
- Pagaram também em produtos paliativos, tais como fraldas para o seu filho, a quantia de RMB¥4.130,70. (resposta ao quesito 62º da base instrutória)
- Por sua vez em certidões de casamento, de óbito e de nascimento pagaram a quantia total de MOP$540,00. (resposta ao quesito 63º da base instrutória)
- E na realização da habilitação de herdeiros pagaram a quantia total de MOP$590,00. (resposta ao quesito 64º da base instrutória)
- Os Autores tiveram também que pagar pelo funeral do filho a quantia de MOP$86.269,50. (resposta ao quesito 65º da base instrutória)
- Os Autores pagaram ainda a quantia de MOP$15.000,00 até ao momento em honorários de advogado. (resposta ao quesito 66º da base instrutória)
- Para fazer face a todas estas despesas os Autores tiveram que hipotecar três imóveis que possuíam e contrair dois empréstimos. (resposta ao quesito 67º da base instrutória)
- O filho dos Autores vivia com os Autores e contribuía para a economia do agregado familiar com MOP$5.000,00 mensais. (resposta ao quesito 69º da base instrutória)
- O 3º Réu foi o responsável pela contratação do evento, tendo o mesmo dado a designação “Summer Hangover Party”. (resposta ao quesito 70º da base instrutória)
- Foi o E, quem fixou as regras de admissão e de comportamento durante a festa. (resposta ao quesito 77º da base instrutória)
- A E, encarregou-se do fornecimento e venda de bebidas. (resposta ao quesito 78º da base instrutória)
- A E, encarregou-se sozinha da música da festa. (resposta ao quesito 79º da base instrutória)
- Foi detectado no organismo do filho dos Autores substância psicotrópicas, nomeadamente Ketamina e Benzodiazepinas. (resposta ao quesito 80º da base instrutória)
- O filho dos Autores havia consumido álcool antes de ter sido transportado para o [Hospital(1)]. (resposta ao quesito 82º da base instrutória)
- O filho dos AA. tinha resíduos de alimentos na boca quando foi admitido no hospital. (resposta ao quesito 83º da base instrutória)”; (cfr., fls. 8606 a 8610-v).

Do direito

3. Três são os recursos trazidos a este Tribunal de Última Instância.

Um, pelos AA., A e B, e os restantes dois, pelas (1ª e 2ª) RR., “D” e “E”.

Em abreviada síntese que se nos afigura adequada, e atento o teor das “conclusões” produzidas em sede do seu recurso, (que como se sabe, identificam as questões a tratar e decidir), entendem os AA. – para além do alegado relativamente ao 3° R. que, como atrás se fez constar, já não constitui objecto de pronúncia – que inadequada é a decisão do Tribunal de Segunda Instância que considerou que ao seu filho, (a “vítima” do acidente que deu origem aos presentes autos), devia caber “60% de culpa” pelo mesmo, pedindo a condenação dos (agora tão só 1ª e 2ª) RR. como seus únicos e exclusivos responsáveis, considerando também injustos os montantes fixados a título de indemnização pelo “dano da perda do direito à vida” e pelos seus “danos não patrimoniais”, (pedindo, respectivamente, MOP$1.500.000,00, e MOP$500.000,00 para cada um), pugnando ainda pela contagem dos juros desde a data da citação.

Por sua vez, são – essencialmente – as (1ª e 2ª) RR., ora também recorrentes, de opinião que o Tribunal de Segunda Instância fez uma “errada aplicação do direito”, considerando inexistir qualquer base legal para a sua condenação, pedindo, por isso, a sua total absolvição, e pugnando subsidiariamente a 1ª R. pela revogação do decidido quanto aos “danos não patrimoniais da vítima” assim como a título de “lucros cessantes”.

Isto dito, identificadas que assim nos parecem ficar as “questões” a decidir, tendo-se por definitivamente fixada a decisão da matéria de facto que, como se viu, não vem impugnada nem se mostra de alterar, e ponderando nos possíveis efeitos que as soluções para aquelas podem produzir em termos de decisão a proferir a final, (pois que a procedência dos recursos das RR. quanto à sua responsabilidade implica a inutilidade do recurso dos AA.), mostra-se adequado começar pela apreciação dos recursos das ditas RR..

–– Nesta conformidade, debrucemo-nos sobre os “recursos das (1ª e 2ª) RR.”, onde se coloca – essencialmente – em causa, a decisão da sua “responsabilização” e consequente condenação no pagamento de quantias indemnizatórias pelos AA. peticionadas a título de compensação por danos patrimoniais e não patrimoniais relacionados com o afogamento e morte do seu filho C.

Antes de mais, e para boa – cabal – compreensão (dos contornos) das “questões” a tratar, vale a pena recordar as “razões” que levaram o Tribunal de Segunda Instância a decidir pela responsabilidade e condenação das ditas (1ª e 2ª) RR., ora recorrentes.

O Acórdão recorrido tem, na parte em questão, o seguinte teor:

“Entende ainda a sentença recorrida que as 1ª e 2ª Rés não precisam de assumir qualquer responsabilidade pela morte do filho dos Autores.
Salvo o devido respeito por opinião diferente, não acompanhamos a tal posição.
Dispõe o artigo 479.º do Código Civil que “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido”.
Como observa Antunes Varela1, “a omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano.”
Desta forma, a omissão só é ilícita se alguém tem o dever de agir e não agiu, podendo esse dever ser criado por contrato ou ser imposto por lei.
Entende a sentença recorrida que, não existindo norma jurídica que exige obrigatoriamente a afectação de nadador-salvador nas piscinas do estabelecimento hoteleiro, o facto de não ter colocado nadador-salvador na piscina durante a festa, não incorreram as Rés em violação de nenhum dever legal.
Vejamos.
Preceitua-se no artigo 45º do Decreto-Lei n.º 46/96/M, de 1 de Abril o seguinte:
“1. Os estabelecimentos hoteleiros e similares deve existir um responsável, a quem cabe zelar pelo bom funcionamento do estabelecimento, atendimento correcto da clientela, rapidez e eficiência do serviço e pelo cumprimento das disposições legais aplicáveis.
2. Ao responsável a que se refere o número anterior cabe também providenciar, através dos meios adequados, pela segurança geral do estabelecimento.”
Conforme elucida o preâmbulo2 daquele diploma legal, a finalidade de nova regulamentação consiste em elevar a qualidade da actividade hoteleira, criando condições e definindo regras para que aquela actividade possa ser exercida segundo parâmetros internacionalmente reconhecidos, sobretudo em matérias de higiene, segurança e conforto dos clientes.
A nosso ver, é verdade que não se estipula expressamente nesse artigo 45.º que os estabelecimentos hoteleiros e similares terão que proceder à afectação de nadador-salvador para zelar pela segurança dos utentes das suas piscinas, mas não é menos verdade que essa exigência legal de “providenciar, através dos meios adequados, pela segurança geral do estabelecimento” vai depender do tipo de serviços a fornecer pelo respectivo estabelecimento hoteleiro.
Na generalidade dos casos, para os hotéis que só fornecem serviços de hospedagem, basta o hotel, por exemplo, reunir as condições de segurança contra incêndio ou contratar guardas de segurança suficientes para zelar pelo bem-estar e segurança dos seus hóspedes.
Mas hoje em dia, há hotéis que proporcionam outras actividades para além dos serviços de hospedagem, nomeadamente piscinas, corredeiras ou actividades para crianças. Nessas situações, é natural que as exigências em termos de segurança são muito maiores, sendo que para zelar pela segurança do hotel e reflexamente segurança dos seus clientes, o hotel é obrigado a tomar providências adequadas quando fornece aqueles serviços.
Nesta medida, sendo a 1ª Ré proprietária da piscina, ao permitir o seu uso por pessoas terceiras, aquela norma impõe-lhe que tome providências adequadas a assegurar a segurança do hotel e, reflexamente, a dos seus clientes, mas não o fez, teve uma conduta omissiva, devendo, assim, responder civilmente pelos danos causados a terceiros.

Ademais, uma boa parte da doutrina portuguesa já tem vindo a alargar a responsabilidade delitual por omissão para além dos casos legalmente típicos, entendendo que “alguém possui coisas ou exerce uma actividade que se apresentam como potencialmente susceptíveis de causar danos a outrem, tem igualmente o dever de tomar as providências adequadas a evitar a ocorrência de danos, podendo responder por omissão se o não fizer”3.
Também a jurisprudência portuguesa, citado a título de direito comparado, defende no mesmo sentido: “Daí que para alguém ser responsável por omissão pelos danos sofridos por outrem se exija, para além dos outros pressupostos da responsabilidade delitual, um dever específico, que torne um particular sujeito garante da não ocorrência desses danos. Tal específico dever pode resultar de contrato, ou ser imposto por lei, como ocorre na previsão dos artigos 491.º, 492.º e 493.º, havendo ainda que ter em consideração, neste domínio, os denominados deveres de prevenção do perigo (ou, noutra terminologia, deveres de segurança no tráfico), cujo acolhimento permite estender a responsabilidade delitual por omissão a todo aquele que, exercendo o domínio de facto sobre uma coisa, móvel ou imóvel, ou determinada actividade, sendo aquela e esta susceptíveis de causar danos a terceiro, não tome as providências destinadas a evitá-los. A existência de um dever genérico de prevenção impõe assim ao criador ou mantenedor de uma situação especial de perigo que proceda à sua remoção, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão…”4 – sublinhado nosso
A nosso ver, julgamos ser essa a melhor doutrina.
No caso vertente, está em causa uma actividade realizada durante a noite (das 21:00 até as 5:00 da madrugada), num espaço dentro do hotel em que havia uma piscina onde os clientes podiam ir nadar ou brincar água, foram-lhes servidas bebidas alcoólicas e não alcoólicas (conforme a escolha dos clientes), podiam também os clientes dançar e ver jogos do campeonato mundial de futebol.
Ponderando todo o circunstancialismo acima descrito, ou seja, tendo a festa sido realizada à noite, num espaço com acesso à piscina mas sem havendo nadador-salvador destacado no local, nem o sistema de videovigilância ali instalado estava em funcionamento para observar situações da piscina, atento ainda o facto de que foram servidas bebidas alcoólicas aos participantes da festa, somos a entender que existiam naquele local factores potenciadores de causar danos a terceiros.
Isto posto, não tendo a 1ª Ré (proprietária da piscina) e a 2ª Ré (empresa organizadora da actividade) tomado providências adequadas que deviam ter tomado com vista a evitar a ocorrência de factos danosos, as suas condutas omissivas são dignas de censura.
É verdade que existia bóias, equipamentos de salvamento e de primeiros socorros no local, mas se ninguém tinha aptidão técnica para salvar alguém de afogamento, para quê serviam aqueles equipamentos?
Também é verdade que a parte mais profunda da piscina só tinha 1,40 metros e que os participantes da festa eram pessoas adultas, mas mesmo assim, não constituía razão suficiente para as Rés não tomar medidas de precaução necessárias para evitar o dano, contanto que, sendo o acesso à piscina livre para os participantes da festa, o risco de os clientes sofrerem acidente na piscina é acrescido e previsível, sobretudo quando os clientes tiver ingerido bebidas alcoólicas. Nesta senda, considerando que as circunstâncias verificadas naquela noite são susceptíveis de causar danos a terceiros, deviam as Rés ter tomado providências necessárias destinadas a evitá-los, mas não assim procederam, sobre aquelas recai a responsabilidade civil por omissão.

Por outro lado, para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário ainda que o lesante tenha agido com culpa, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 477.º do Código Civil.
Como observa Luís Menezes Leitão5, “a culpa pode ser assim definida como o juízo de censura ao agente por ter adoptado a conduta que adoptou, quando de acordo com o comando legal estaria obrigado a adoptar conduta diferente”.
E segundo Antunes Varela6, “agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo”.
Assim, há culpa do lesante se, em face das circunstâncias do caso, o mesmo não só devia, mas também podia ter agido de outro modo.
E na apreciação da culpa, manda a lei atender, na falta de outro critério legal, o seu grau em função da diligência do homem médio ou de um bom pai de família.
No caso dos autos, bem sabendo as 1ª e 2ª Rés que durante a realização da festa, a piscina seria aberta aos clientes, entretanto não foram tomadas providências necessárias e suficientes para evitar danos, nomeadamente proceder à afectação de nadador-salvador ou pôr em funcionamento o sistema de videovigilância para observar situações da piscina com vista a zelar pela segurança dos seus utentes, temos que concluir que as Rés tiveram culpa no acidente.
(…)”; (cfr., fls. 8875 a 8878-v, pág. 27 a 34 do referido Ac.).

Quid iuris?

Ora, tendo presente a atrás retratada “matéria de facto” dada como provada, inviável se nos apresenta considerar as ditas RR., ora recorrentes, como (total e absolutamente) “irresponsáveis” e que em nada “contribuíram” para o (infeliz e trágico) “acidente” dos autos.

Como é evidente, à data dos factos, (em 04.07.2010), tinha a vítima, (nascida em 05.09.1988), mais de 18 anos, sendo, portanto, “maior” para todos os legais efeitos, (“civis” e “penais”, cfr., art. 118° do C.C.M. e art. 18° do C.P.M.), e, como tal, “habilitado a reger a sua pessoa e bens”, e, assim, responsável pelos seus próprios actos e decisões…

Porém, ainda que assim seja, (e com todo o respeito), esta constituiria uma abordagem da questão que não se apresenta adequada em face do “enquadramento jurídico” que, em nossa modesta opinião, deve ser efectuado relativamente ao “sucedido”, havendo, pois, que se extrair – todo – o verdadeiro “sentido útil” do que vem especialmente prescrito no (pelo Tribunal de Segunda Instância também invocado) art. 486° do C.C.M..

Sem mais demoras ou rodeios, passa-se a (tentar) explicitar o nosso ponto de vista.

Vejamos.

Em sede de “Responsabilidade civil”, e no que toca à “Responsabilidade por factos ilícitos”, prescreve o art. 477° do C.C.M. que:

“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

Sendo o transcrito comando legal um “princípio fundamental” em matéria de “responsabilidade civil”, (aliás, esta é a sua epígrafe), e relevante sendo para a situação que agora nos ocupa o estatuído no seu n.° 1, mostra-se também útil recordar que nos termos do art. 479° do citado Código:

“As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido”.

Por sua vez, e sob a epígrafe “Culpa”, preceitua igualmente o art. 480° do mesmo Código que:

“1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”.

Feitas as referências legais que se deixaram expostas, importa, ainda, dada a sua especial relevância para a matéria dos presentes autos, atentar que nos termos do (referido) art. 486°:

“1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
3. Não é aplicável o disposto no número anterior à responsabilidade civil emergente de acidentes de viação terrestre, salvo quando haja especial e acrescida perigosidade da actividade ou dos meios utilizados em face dos riscos normais implicados pela circulação viária”.

Aqui chegados, e, exposto, (digamos assim), o “quadro jurídico” relevante para a solução a adoptar, vejamos.

Tratando de situação semelhante à ora em apreciação, (e a propósito do identicamente estatuído no transcrito art. 486°), assim ponderou recentemente o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal:

“(…) ainda que se concluísse pela não qualificação da exploração do complexo de piscinas dos autos como actividade perigosa, sempre se teria de ter em conta que é ainda de convocar o regime relativo ao dever de vigilância de coisa imóvel – no caso, o complexo de piscinas – previsto no n.º 1 do mesmo art. 493.º do CC («Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar (...) responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua».).
Como, no caso sub judice, o dever de vigilância se encontra normativamente regulado, a desoneração da aqui R. obrigada à vigilância depende, em primeira linha, da prova da observância das regras de segurança aplicáveis; ou, numa segunda linha, da prova de que, a ter havido incumprimento, não foi culposo, ou, em alternativa, de que é aplicável a ressalva da parte final da referida norma («se provar (...) que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua»), cuja natureza e alcance são doutrinalmente controvertidos (cfr., a este respeito, a síntese de Maria da Graça Trigo/Rodrigo Moreira, anotação ao artigo 493.º, in Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pág. 322).
Temos, pois, que, também por este fundamento, pode a R. ser responsabilizada caso se verifique a inobservância das regras de segurança aplicáveis, desde já se adiantando que a defesa da R. se reconduziu à alegação de factos demonstrativos do cumprimento de tais regras, sem a alegação de factos que pudessem integrar qualquer das exclusões da parte final do n.º 2 do art. 493.º do CC”; (cfr., Ac. de 31.03.2022, Proc. n.° 13112/18, in “www.dgsi.pt”).

Ora, sem perder de vista o douto entendimento que se deixou exposto, (e que desde já se consigna que se nos apresenta inteiramente válido para a “situação” que agora nos ocupa), avancemos.

Pois bem, para a decisão relativa à responsabilidade das (1ª e 2ª) RR., ora recorrentes, (pelo afogamento que foi a causa da morte do filho dos AA.), importa, antes de mais, decidir se a “exploração de uma piscina” – que no caso, integra um espaço de um hotel pertença da 1ª R., e cujo uso foi por esta cedido para a realização de uma festa organizada pela 2ª R. – é uma “actividade perigosa” para os efeitos do referido art. 486°, n.° 2 do C.C.M..

Sendo esta a “questão” essencial que nos é trazida para pronúncia, afigura-se-nos que adequado é salientar desde já que, no dito comando legal – art. 486°, n.° 2 do C.C.M. – se estabelece uma “presunção de culpa” quando os danos resultem do “exercício de uma actividade perigosa, «por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados»”, (como por exemplo sucede em situações de fabrico de explosivos, navegação aérea, transporte de matérias inflamáveis, aplicação médica de raios X, ondas curtas), devendo, tratar-se, pois, de actividade que, mercê de qualquer dessas duas “razões”, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar dano do que a verificada nas restantes actividades em geral, sendo apenas “excluída a responsabilidade derivada de tais danos, se o agente «mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir»”, sendo ainda de referir que “o legislador limitou-se a fornecer ao intérprete uma directriz genérica para identificação das actividades perigosas”; (cfr., v.g., M. J. Almeida Costa in, “Direito das Obrigações”, 12ª ed., pág. 587 a 588).

Sobre a mesma matéria e questão nota também Antunes Varela que “O carácter perigoso da actividade (causadora dos danos) pode resultar, como no texto legal (art. 504.º, n.º 2) se explicita, ou da própria natureza da actividade (fabrico de explosivos, confecção de peças pirotécnicas, navegação aérea, etc.) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento médico com ondas curtas ou raios X, corte de papel com guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca, transporte de combustíveis, etc.)”; (in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª ed., pág. 595).

Por sua vez, para Luís Menezes Leitão, “O art. 493.º, n.º 2, vem ainda prever a responsabilidade por culpa presumida daquele que causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados. (…)”, referindo, igualmente, “que a presunção de culpa no art. 493.º, n.º 2, não envolve simultaneamente a dispensa da prova do nexo da causalidade, exigindo-se, por isso, a demonstração de que a actividade perigosa foi juridicamente a causa da ocorrência daqueles danos”; (in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 5ª ed., pág. 324 a 325, onde se indica que a jurisprudência comparada tem considerado que constituem “actividades perigosas” as de monda química por meios aéreos, construção de barragens, fabrico de produtos pirotécnicos, abate de árvores, utilização de explosivos, realização de escavações no sopé de encosta por máquinas escavadoras, captação, condução e transporte de água potável, organização de corridas de karting e lançamento de fogos de artifício).

E, desenvolvendo a noção de “actividades perigosas” também já se salientou que “o n.º 2 do artigo 493.º do C. Civil não definindo embora o que seja actividade ou meio perigoso, pressupõe o exercício de uma actividade, em si própria perigosa, ou através de meio perigoso, e não propriamente uma anomalia, como seja a avaria ou o ruir de um bem. E a recorrente parece confundir a eventual perigosidade do evento com o que seria próprio da actividade ou dos meios.
Decerto a perigosidade da actividade ou do meio depende das circunstâncias de cada caso (cfr. Profs. P. de Lima e A. Varela, “Anotado”, I – 4.ª ed., pág. 495). Nem repugna admitir que uma actividade ou um meio sejam perigosas em dadas situações, e o não sejam noutras.
De todo o modo, trata-se, sempre, de uma natureza intrínseca, embora valorável face ao seu contexto.
Ora, uma simples conduta de abastecimento de água, resguardada, e construída sem evidência de erro técnico, não pode, no seu normal funcionamento, ser havida como algo, por natureza, perigoso. Já o seria se, por exemplo, se encontrasse a céu aberto ou sem protecção adequada e, dessa forma, pudesse constituir perigo para as pessoas ou para veículos o que, de forma nenhuma, vem provado. (…)”; (cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 06.12.1996, in C.J.S.T.J., Ano IV, Tomo I, 1996, pág. 77 e 79).

No mesmo sentido ainda entendeu-se (igualmente) a “perigosidade” nos seguintes termos: “efectivamente esta norma só deve aplicar-se àquelas actividades que sejam essencial e intrinsecamente perigosas, isto sem prejuízo de quaisquer outras poderem ser, também elas, passíveis de causar danos a terceiros; como, aliás, aconteceu no caso dos autos, só que por essa perigosidade não ser essencial e verdadeiramente intrínseca, não haverá lugar à aplicabilidade da norma ora em apreciação, como bem se salienta no acórdão recorrido.
Não se diz em tal disposição legal o que deve entender-se por actividade perigosa, e apenas se admite genericamente, que a perigosidade deriva da própria natureza da actividade, sendo matéria para apreciar em cada caso, segundo as circunstâncias”; (cfr., vg., o Ac. de 04.12.1996, in C.J.S.T.J., Ano IV, Tomo III, 1996, pág. 124, podendo-se, ainda ver o Ac. de 17.01.2012 e o atrás referido Ac. de 31.03.2022, onde se considerou, também, e nomeadamente, que: “a qualificação do funcionamento de uma piscina (em especial de uma piscina aberta ao público de forma geral ou limitada) como actividade perigosa dependerá do circunstancialismo de cada caso concreto, podendo a qualificação variar em função das características da piscina e do espaço envolvente, assim como dos utentes que a utilizam ou do tipo de actividades náuticas que nela praticam. Assinale-se, aliás, que mesmo os acórdãos deste Supremo Tribunal que se pronunciaram no sentido da qualificação genérica como actividade perigosa (acórdão de 08.03.2005, proc. n.º 04A4412, disponível em www.dgsi.pt) ou como actividade não perigosa (acórdão de 13.10.2009, proc. n.º 318/06.9TBPZ.S1, consultável em www.dgsi.pt), fizeram-no necessariamente em razão do caso concreto subjacente (no primeiro acórdão, o afogamento de uma criança não vigiada e que não sabia nadar; no segundo acórdão, o afogamento de um mergulhador federado que, aquando do acidente, praticava natação em apneia).
(…)
Temos, pois, que o sinistro ocorreu numa piscina de grandes dimensões, dotada de equipamento de saltos de trampolim e de uma zona de elevada profundidade (quase 3 metros) zona na qual, precisamente, se deu o afogamento do CC. Além de que, nessa tarde de Verão de 2017, se encontravam no complexo de lazer cerca de 200 pessoas.
Nestas circunstâncias concretas, nas quais se conjuga o factor dimensão da piscina com os factores profundidade da piscina e existência de equipamento de saltos de trampolim e ainda, e sobretudo, com o factor número elevado de utentes, é de acompanhar o entendimento do tribunal a quo segundo a qual o funcionamento do complexo de piscinas dos autos integra o conceito de actividade perigosa para efeitos do regime do n.º 2 do art. 493.º do Código Civil, no qual se prescreve:
«Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.»”).

Ora, mostrando-se-nos justas e acertadas as doutas considerações que se deixaram expostas, cremos que adequado – razoável – será dizer-se que, uma (simples) “piscina”, para a prática de natação ou lazer, com (relativamente) pouca profundidade, ou, como a referida nos autos, com uma profundidade máxima de “um metro e quarenta centímetros”, (cfr., al. J) dos factos assentes), não envolve (especiais) “perigos”, sobretudo, (e especialmente), quando o acesso à mesma é reservado a maiores de 18 anos; (cfr., resposta ao quesito 2°-A da base instrutória).

No entanto, afigura-se-nos que a “situação” pode “mudar – ou, muda mesmo – completamente de figura”, em face das suas “concretas circunstâncias envolventes”, (como de forma clara se aponta no citado Ac. do S.T.J. de 31.03.2022), e, então, não se pode perder de vista que, in casu, (precisamente) no espaço – da 1ª R. – onde se encontrava a piscina em causa, se desenrolava uma “festa” – organizada pela 2ª R. – com acesso livre a todos aqueles que se dispusessem a pagar a “entrada”, cujo período de duração ia das 21:00 do dia 03.07.2010 às 05:00 da manhã do dia 04.07.2010, (cfr., al. H) dos factos assentes), festa essa (expressivamente) denominada “E SUMMER HANGOVER”, (cfr., al. D) dos factos assentes), na qual os seus participantes podiam consumir bebidas alcoólicas (à sua discrição), dançar ao som da música, assistir a jogos de futebol do Campeonato do Mundo, nadar e brincar na dita piscina, (cfr., resposta ao quesito 1° da base instrutória), sendo que, por volta das 03:15, a maioria dos convidados estava a consumir bebidas alcoólicas, (cfr., resposta ao quesito 3° da base instrutória), havendo já alguns dos participantes a se atirarem, e atirando outros, para a piscina; (cfr., resposta ao quesito 4° da base instrutória).

E, nesta conformidade, (e ressalvando melhor opinião), parece-nos que, nestas concretas “circunstâncias” descritas, (igualmente) razoável é concluir que foi (efectivamente) criado um “risco”, (adicional, acrescido), que não existia numa situação de “normal” utilização daquela piscina.

Na verdade, e como cremos que já se deixou explicitado, “A qualificação de uma actividade como perigosa – quer em si mesma, quer no seu exercício – deve ser feita casuisticamente atentando no estado de perigo anormal criado em concreto e baseando-se em indícios consistentes na experiência comum, no sentir do homem médio e na sensibilidade do legislador (que, em regra baseado em pareceres técnico-científicos) a regulou como tal”; (cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 14.05.2009, Proc. n.° 162/09, valendo a pena atentar que em termos similares ao dos presentes autos, se considerou também que “A propósito de um grave acidente sofrido por uma aluna ao executar um salto mortal durante uma aula de ginástica, entendeu-se que não sendo o exercício físico, em si mesmo, uma actividade perigosa – art. 493.º, n.º 2, do Código Civil – importava, casuisticamente, averiguar, se no caso concreto, um certo exercício físico envolvia um risco especialmente agravado a demandar redobrada prudência e vigilância daquele sob as ordens de quem eram executados, (…), considerando que as deficiências técnicas na execução do salto, imputáveis à aluna (não enrolou o corpo, caindo no chão sobre a cabeça e ombros), que poderiam fundamentar a “culpa” da lesada, não infirmavam a causalidade normativa entre a violação dos deveres de acompanhamento, vigilância e auxílio (o professor estava a 5m de distância quando o salto foi executado) e a lesão danosa”; cfr., v.g., Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde in, “Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego”, pág. 498 e 499).

Cremos assim que, em face das já referidas “circunstâncias concretas da situação” dos presentes autos, idêntico raciocínio se deve efectuar e aplicar, na medida em que, como se referiu, ainda que não seja a fruição de uma piscina uma actividade que represente uma “especial perigosidade”, a sua utilização, como no caso sucedeu, por um grupo de pessoas em festa nocturna, com música e luzes (próprias de um estabelecimento de diversão nocturna), tendo como tema o “consumo de bebidas alcoólicas”, (sem qualquer limite ou controlo), aumenta, de forma clara, efectiva e exponencial, o risco de acidentes e lesões por conta dos (naturalmente) previsíveis estados de “euforia” e de “consciência diminuído” ou de “incapacidade acidental” (por embriaguez) dos seus participantes, (bastando para tanto recordar que até já havia clientes que se estavam a atirar e a atirar outros para a piscina…), não podendo assim deixar de configurar uma “actividade perigosa” para efeitos do prescrito no art. 486°, n.° 2 do C.C.M., pois que foi criado um (efectivo) “perigo” para todos os participantes da “festa” em questão, sem que fosse – minimamente – acautelado (ou reduzido) o seu potencial lesivo, o que impõe a natural e necessária conclusão no sentido da “responsabilização das RR.”, ora recorrentes, (tal como alegado foi pelos AA. na sua petição inicial).

Com efeito, outra solução não nos parece existir, pois que, as (1ª e 2ª) RR., ora recorrentes – a 1ª R. ao ceder o espaço a pedido da 2ª R. para esta organizar uma “festa” cujas “condições” que se deixaram descritas ambas conheciam – aumentaram, (real e efectivamente), o “risco de acidentes”, e de o mesmo se transformar num “evento lesivo”, sem que, como – clara e obviamente – deviam, tivessem tomado qualquer “medida” (ou cautelas mínimas) para os evitar, respondendo, assim, nos termos do já indicado art. 486°, n.° 2 do C.C.M., (note-se, aliás, que nos “documentos” de fls. 88 e de fls. 517, pelos AA. e 1ª R., respectivamente, juntos com a sua petição inicial e contestação, consta, expressamente, que se agradecia o “patrulhamento à volta da piscina…”).

Aqui chegados, e cremos nós que clarificado estando o “aspecto” que se deixou tratado, continuemos.

Pois bem, dizem ainda as RR. que demonstrada não está a existência de um “nexo de causalidade” entre a festa, a omissão ou a falta de segurança, e o afogamento do filho dos AA., razão pela qual não podiam ser “responsabilizadas” pelo mesmo (acidente).

Por sua vez, e como se deu nota, vale a pena atentar que em sede do seu recurso, consideram também os AA. que o Tribunal de Segunda Instância incorreu em erro quando pelo facto de no corpo da vítima se ter encontrado vestígios de “Ketamina” e benzodiazepina, (cfr., resposta ao quesito 80° da base instrutória), atribuiu “60% de culpa” pela ocorrência do acidente à própria vítima, (filho dos AA.), afirmando (estes) que o acidente ocorreu tão só por conta das “circunstâncias perigosas” criadas pelas (1ª e 2ª) RR., não estando demonstrado qualquer nexo de causalidade entre o aludido consumo e o afogamento, devendo assim o Acórdão recorrido ser (também nesta parte) revogado.

Ora, como cremos que sem esforço se alcança, está (essencialmente) em causa a mesma “questão”, pelo que sendo matéria – de direito – que esta Instância pode conhecer, da mesma se passa a apreciar de “forma conjunta”.

Pois bem, na sequência do que se deixou dito a propósito da responsabilidade das (1ª e 2ª) RR., impõe-se desde já observar que a presunção de “culpa” prevista no art. 486°, n.° 2 do C.C.M. só pode ser afastada quando o lesante prove “que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar”; (cfr., v.g., Pires de Lima e Antunes Varela in, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed., pág. 496).

Como a este respeito igualmente salienta António Menezes Cordeiro, “havendo uma actividade perigosa, a pessoa que dela se sirva ou que a desencadeie tem deveres de prevenção e de cuidado, a seu cargo: os deveres do tráfego. Tais deveres têm o conteúdo de, nas condições existentes e de acordo com as (boas) técnicas aplicáveis, prevenirem danos, pessoais ou materiais.
Quando a actividade seja perigosa e dela decorra danos, é ao beneficiário que cumpre provar o efectivo cumprimento de tais deveres: tal é o concreto sentido que, aqui, assume a ‘presunção de culpa’”; (in “Tratado de Direito Civil”, Vol. VIII, 2014, pág. 587).

Com efeito, “provado pelo lesado que o dano foi causado pela actuação de incapazes naturais (artigo 491.º), ruína de construções (artigo 492.º), facto de coisas ou animais (artigo 493.º/1) ou pelo exercício de actividades perigosas (artigo 493.º/2), presume-se que o evento lesivo se deu como consequência do incumprimento dos deveres legais que impendiam, respectivamente, sobre os vigilantes, possuidores ou exercentes, devolvendo-se ao vinculado o ónus de ilidir essa inferência, demonstrando o facto contrário ao presumido, isto é, que cumpriu os deveres jurídicos a que estava adstrito”; (cfr., v.g., Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde in, ob. cit., pág. 868 e 869, podendo-se uma vez mais ver o que se escreveu no citado Ac. de 31.03.2022 do S.T.J., onde se apreciou a questão de várias perspectivas, todas conducentes à mesma conclusão).

In casu, verifica-se que as (1ª e 2ª) RR. não foram capazes de demonstrar que tomaram – efectivamente – quaisquer “providências” (minimamente exigíveis pelas circunstâncias da situação) para acautelar a produção de danos pessoais e materiais.

Pelo contrário, constata-se que, (embora até solicitada), não havia (qualquer) “fiscalização da piscina”, (seja por nadador-salvador seja por qualquer outra pessoa), não estando tão pouco o serviço de videovigilância a funcionar nos termos devidos, (cfr., as respostas aos quesitos 11°, 14°-A, 14°-B, 14°-C e 16° da base instrutória), não obstante estar a decorrer, como já se referiu, uma “festa” com as circunstâncias já referidas: durante a noite, com música e luzes, onde se forneciam aos clientes bebidas alcoólicas sem limites, e onde se permitia à clientela nadar e brincar na piscina, havendo até alguns clientes a atirar outros para a piscina.

Assim, e olhando para a matéria de facto atrás descrita, há que concluir que a responsabilidade das (1ª e 2ª) RR. assenta em “culpa efectiva”, (além de se mostrar de consignar, igualmente, que, em todo o caso, as mesmas RR. não afastaram a “presunção de culpa” resultante do art. 486°, n.° 2 do C.C.M.), verificado estando desta forma o necessário “nexo de causalidade”.

–– Quanto à “percentagem de culpa”, vejamos.

Pronunciando-se sobre esta questão assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância no Acórdão agora recorrido.

“Feita a autópsia, foi encontrado no organismo do filho dos Autores substâncias psicotrópicas, nomeadamente Ketamina e Benzodiazepina.
De acordo com os nossos conhecimentos gerais, as substâncias psicotrópicas causam distúrbios no nível de consciência, cognição, percepção, afecto ou comportamento do consumidor, sendo a reacção ainda mais grave se forem consumidas juntamente com álcool.
Quanto aos efeitos da Ketamina, refere-se nas informações constantes da página electrónica https://azarius.pt/encyclopedia/39/ketamina/, o seguinte:
“Em doses baixas tem um efeito ligeiro, sonhador, semelhante ao do óxido nítrico. Os utilizadores relatam sentirem-se a flutuar e ligeiramente fora do corpo. A falta de sensação nas extremidades é também comum. Doses mais altas produzem um efeito alucinogénio (tripante), e podem causar ao utilizador a sensação de estar muito longe do seu corpo. Esta experiência é muitas vezes referida como a entrada num buraco (estado “K-hole”) e tem sido comparada a experiências de quase-morte com a sensação de sair do corpo e pairar acima deste. Muitos utilizadores acham a experiência espiritualmente significante, enquanto que outros a consideram assustadora. Enquanto se está num “buraco-Ketamina” é muito difícil mover-se. As pessoas normalmente permanecem sentadas durante a experiência.”
Ora, considerando que o lesado chegou a consumir as tais substâncias psicotrópicas, depreendemos que a sua conduta também contribuiu para o resultado (morte), sendo assim, não deixa de ter culpa na produção do dano.
(…)
Preceitua o n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Efectivamente, a lei confere ao tribunal a possibilidade de manter, reduzir ou excluir a indemnização, de acordo com o comportamento censurável do lesado.
No caso dos autos, atendendo às circunstâncias do caso concreto e a culpa de cada uma das partes, achamos adequado repartir a responsabilidade em 10% para 1ª Ré, 30% para a 2ª Ré e 60% para o próprio lesado”; (cfr., pág. 35 a 36 e 42 do Ac. recorrido).

Ora, admitindo-se que sobre a questão outra opinião se possa ter, (e que, obviamente, se respeita), e inegável se nos apresentando que em matérias desta natureza intervém sempre algum “subjectivismo”, cremos que a decisão recorrida se mostra clara e razoável, e, por isso, de confirmar, sendo de se avançar para os “montantes indemnizatórios”, (matéria essencialmente trazida à apreciação desta Instância em sede do “recurso dos AA.”).

–– Pois bem, relativamente ao “quantum das indemnizações”, esta foi a decisão do Tribunal de Segunda Instância:

“Pedem os Autores a quantia de MOP$1.500.000,00 pelo sofrimento da vítima e MOP$1.500.000,00 pela perda do direito à vida.
Dispõe o artigo 489.º do Código Civil: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de facto e aos filhos ou outros descendentes na falta destes, ao unido de facto e aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.”
Conforme se decidiu no Acórdão do STJ, de 24.1.1995, Proc. n.º 85834, BMJ 443, 366, citado a título de direito comparado: “A indemnização pela perda do direito à vida atribuída ao cônjuge sobrevivente, traduz o dano moral causado pela morte da vítima – dano específico da perda da vida. O dano mencionado na conclusão anterior é distinto do dano não patrimonial sofrido pela falecida, no período temporal, ainda que curto, que ocorre entre o momento do acidente e o seu decesso.”
De facto, o sofrimento da vítima antes da morte e a perda do direito à vida são bens juridicamente tutelados e indemnizáveis.
Na fixação do valor da indemnização, o Código manda fixar o montante da indemnização equitativamente, tendo em conta as circunstâncias previstas no artigo 487.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Seguramente, o filho dos Autores morreu por afogamento, apesar de entre a queda na água e a morte ter durado cerca de dois anos, mas está provado que durante esse período de tempo, o mesmo ficou em coma, ou seja, perdeu basicamente consciência, pelo que, socorrendo-nos dos valores fixados pela jurisprudência recente em acções semelhantes, sobre os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, entendemos justo fixar o montante de MOP$300.000,00 pelo sofrimento da vítima antes da morte.

Sobre o dano resultante da privação da vida, considerando que se trata de um mero acidente, atendendo ainda aos actuais índices económicos, financeiros e sociais, é ajustada a quantia de MOP$1.000.000,00 pela perda do direito à vida.

Pedem ainda a fixação dos danos não patrimoniais sofridos pela perda do filho, na quantia de MOP$1.000.000,00 para cada um dos Autores.
Ponderando o desgosto e a dor que os Autores tiveram com a morte do seu filho, que era ainda um jovem, socorrendo-nos dos padrões jurisprudencialmente definidos, entendemos que é justo fixar o valor dos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores em MOP$200.000,00 cada.
(…)
Pedem ainda os Autores danos patrimoniais, na perspectiva de perda de alimentos que o lesado, se fosse vivo, teria de prestar-lhes.
Provado está que o filho do Autor tinha à data do acidente 21 anos e vivia com os Autores, a quem contribuía para a economia do agregado familiar com MOP$5.000,00 por mês.
Segundo a corrente jurisprudencial, entende-se que os titulares do direito de indemnização têm direito a receber, a título de lucros cessantes, os alimentos que deixaram de poder receber por causa da morte da vítima, até esta completaria 65 anos.
De acordo com a matéria provada, o filho dos Autores contribuía mensalmente para a economia do agregado familiar com MOP$5.000,00.
Uma vez que o próprio lesado também fazia parte do referido agregado familiar, constituído pelo próprio e pelos pais, há-de descontar a quota-parte que o próprio falecido filho dos Autores consumia.
Desta forma, fixa-se os alimentos devidos a favor de cada um dos Autores em MOP$1.666,70 por mês.
Fazendo o respectivo cálculo aritmético, conclui-se que a indemnização a título de lucros cessantes em relação a cada um dos Autores é o seguinte:
- MOP$1.666,70 x 12 meses x 44 anos = MOP$880.017,60
Entretanto, considerando que os Autores irão receber de uma só vez o valor total dos alimentos a título de lucros cessantes, entendemos dever haver uma redução do valor da indemnização em virtude do benefício obtido pelos Autores pela antecipação do pagamento integral da prestação, sendo, a nosso ver, justo e razoável reduzir a tal quantia até 75%, ou seja, MOP$660.013,20.
(…)”; (cfr., pág. 37 a 42 do Ac. recorrido).

Sendo o “direito à vida”, o bem supremo, comecemos pelo quantum da sua indemnização.

Pois bem, se bem ajuizamos, no que toca à “indemnização do direito à vida” incidem duas opiniões.

Em conformidade com certa corrente, há que ter presente que o dano morte é o prejuízo “supremo”, sendo a lesão de um bem superior a todos os outros, o que equivale a dizer que a indemnização não deve ser aferida pelo custo da vida para a sociedade ou para os parentes da vítima, mas sim pelo valor da vítima enquanto “Ser”, sendo assim um “prejuízo igual para todos os Homens”.
Por sua vez, também se defende que a vida é um bem não só pessoal, mas também da comunidade, de onde são beneficiários mais próximos os elementos da “família nuclear”. E, nesta ordem de ideias, embora constitua – repete-se – um “bem sem preço”, as realidades da sociedade exigem que pela sua perda se fixe uma indemnização onde se deve atender à “situação concreta”.
No fundo, coloca-se a questão de se saber se, (apenas) para efeitos compensatórios, é a vida de (v.g.) uma pessoa com elevadas e exigentes responsabilidades públicas, ou de um cientista, equiparável à de um operário não qualificado, se a vida de uma jovem, recém casada e grávida, saudável e com desafogada situação económica, é equiparável a de um idoso, enfermo, em fase terminal de um maleita e com dificuldades económicas, ou de alguém que nunca cuidou da sua saúde…
Estatuindo o art. 487° do C.C.M. que no cálculo da indemnização se deve atender a critérios de “equidade”, ao “grau de culpa” e “às demais circunstâncias do caso”, adequado parece o entendimento segundo o qual se deve atender à “situação concreta”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 25.05.2011, Proc. n.° 15/2011).

Nesta conformidade, face ao que provado está, especialmente, quanto à idade da vítima – com 21 anos – à data da ocorrência do acidente que lhe causou a morte, e não se olvidando que em matérias como a ora em questão se deve também acompanhar a “evolução sócio-económica das coisas” (e, também, a própria “inflação”), crê-se adequado o montante de MOP$1.300.000,00, assim, nesta parte procedendo parcialmente o recurso.

Passemos agora para a “indemnização pelos danos não patrimoniais”.

Como é sabido, os “danos não patrimoniais” são aqueles que afectam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa-biológica e mental, física e psíquica, e que, “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito” nos termos do art. 489°, n.° 1 do C.C.M..

Sobre esta matéria teve já este Tribunal de Última Instância oportunidade de se pronunciar, considerando-se, nomeadamente, que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 01.07.2020, Proc. n.° 9/2020, de 18.12.2020, Proc. n.° 187/2020 e de 27.07.2022, Proc. n.° 71/2022).

Na verdade, e como é sabido, a reparação dos danos não patrimoniais não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).

Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.

Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma possibilidade compensatória, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida.

Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais” confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias “situações concretas” e atento o estatuído nos art°s 489° e 487°.

Nesta conformidade, ponderando no que provado está, em especial, no inegável “sofrimento” (infelizmente natural) de um afogamento para a vítima, e no “sofrimento” dos seus pais que, para além do demais, acompanharam por cerca de 2 anos a situação do seu estado de coma, assistindo à sua degradação física, evidente se apresenta merecerem tais “danos” adequada tutela do direito.

Dest’arte, e por nada terem os AA. recorrentes requerido quanto ao montante arbitrado à vítima, mantém-se o valor à mesma já fixado, mostrando-se-nos de aumentar para MOP$350.000,00 o quantum da indemnização para cada um dos demandantes.

No que concerne ao montante devido a “título de alimentos”, afigura-se-nos que a 1ª R. tem razão.

Com efeito, o Tribunal de Segunda Instância tomou em consideração a “idade do filho” dos AA., e não, como devia, a idade de cada um destes, e o período de tempo que decorreria até ao fim das suas vidas (activas); (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 16.04.2004, Proc. n.° 7/2004).

Assim postas as coisas, claro se apresenta que o valor arbitrado tem de ser reavaliado, e em face dos elementos existentes (e disponíveis) nos autos, adequado se mostrando o valor base de MOP$1.666,70 por mês para cada um dos AA., e não se perdendo de vista que em causa está o valor (e efeito) de uma “prestação única”, cremos que adequado é o montante individual de MOP$400.008,00; (MOP$1.666,70 X 12 meses X 20 anos).

Por fim, quanto aos peticionados “juros”, cremos que nenhuma censura merece o decidido, já que o crédito pelos AA. reclamado era “ilíquido”, inviável sendo assim a condenação das (1ª e 2ª) RR. com “juros de mora a partir da citação”; (cfr., v.g., o Ac. de 02.03.2011, Proc. n.° 69/2010).

Dest’arte, apreciadas que se nos mostram assim ficar todas as questões colocadas, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, acordam:
- conceder parcial provimento aos recursos dos AA. A e B, e da (1ª) R. “D”;
- negar provimento ao recurso da (2ª) R. “E”;
- ficando as referidas (1ª e 2ª) RR. solidariamente condenadas a pagar aos AA. o quantum total de MOP$1.240.006,40; [(MOP$1,300,000.00 + MOP$300,000.00 + MOP$350,000.00 X 2 + MOP$400,008.00 X 2) X 40%].

Custas pelos recorrentes nas proporções dos seus respectivos decaimentos.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 22 de Março de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei [Não obstante o muito respeito pelo douto entendimento exposto no veredicto que antecede, concordo com a sentença de 1.ª instância que decidiu absolver as 1.ª e 2.ª Rés dos pedidos formulados pelos Autores, pois no meu ponto de visto não parece uma actividade perigosa a exploração e fruição de uma piscina, com a profundidade máxima de 1,40 metros e o acesso reservado a maiores de 18 anos, mesmo nas concretas circunstâncias descritas nos autos, daí que não há aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 486.º do Código Civil].
1 Das obrigações em geral, 7.ª edição, pág.518
2 “…Não basta porém a intenção de investir, amplamente demonstrada aliás, mas importa que o resultado desse investimento, traduzido nos bens de equipamento hoteleiro e similar, tenha qualidade e obedeça no mínimo aos parâmetros internacionalmente reconhecidos e que os serviços que o suportam e animam disponham de igual nível de qualidade.
Torna-se assim indispensável rever e actualizar o normativo regulador da actividade hoteleira e similar, desonerando os serviços oficiais de turismo da competência licenciadora e fiscalizadora em relação a certo tipo de estabelecimentos similares que, assim, é remetida para o âmbito das atribuições dos Municípios. Reformulam-se as disposições respeitantes aos requisitos dos estabelecimentos, designadamente os que concernem a matérias de higiene, segurança e conforto dos clientes.
Redefine-se outrossim os mecanismos de controlo e fiscalização, reúne-se num só documento o título de licenciamento e reajusta-se o sistema sancionatório agravando-se nomeadamente as sanções em matérias de higiene e segurança."
3 Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações Vol. I, 5.ª edição, pág. 287
4 Acórdão da RC, de 14-1-2014, in dgsi, 1393/11.0TBVIS.C1
5 Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações Vol. I, 5.ª edição, pág. 311
6 Das obrigações em geral, Vol. I, 7.ª edição, pág. 554
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