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Processo nº 52/2019(I)
(Autos de recurso civil e laboral)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), e sua mulher B (乙), (1° e 2ª) AA., propuseram, no Tribunal Judicial de Base, acção declarativa com processo na forma ordinária contra “D”, (“丁”), “E”, (“戊”), F (己), e G (庚), (1ª, 2ª, 3° e 4°) RR., (todos com os restantes sinais dos autos), e imputando aos ditos RR. a culpa pela morte do seu filho, (C – 丙), pediram, a final, a sua condenação solidária no pagamento a seu favor de:

“A) MOP$1.500.000,00 pelos Danos Não Patrimoniais da infeliz vítima, acrescida de juros legais a contar da citação;
B) MOP$1.500.000,00 pelo Dano Morte a ser compensado à infeliz vítima, acrescida de juros legais a contar da citação;
C) MOP$1,000.000,00 a cada um dos Autores, ou seja, o total de MOP$2,000,000.00 a título de Danos Não Patrimoniais, acrescida de juros legais a contar da citação;
D) MOP$4.676.285,46, aos Autores a título de Danos Patrimoniais, sendo a quantia de MOP$2.072.285,46 despendida em despesas e MOP$2.064.000,00 a título de lucro cessante em alimentos aos Autores, acrescida dos juros legais a contar da citação.
Os Autores relegam para execução de sentença a liquidação dos danos patrimoniais que sofreu e venha ainda a sofrer resultantes da inactividade profissional do Autor A, em consequência do acidente e morte do filho, bem como os juros que os Autores continuem a pagar em razão das hipotecas referidas nos artigos 189° a 192° desta peça.
(…)”; (cfr., fls. 2 a 60 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, proferiu a Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base sentença com a qual foi o peticionado julgado totalmente improcedente; (cfr., fls. 8605 a 8616-v).

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Inconformados, os AA. (A e B) recorreram para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 22.11.2018, (Proc. n.° 671/2017), decidiu “conceder parcial provimento ao recurso, condenando a 1ª Ré D e a 2ª Ré E a pagar solidariamente aos Autores A e B as seguintes quantias:
- Danos não patrimoniais sofridos pela vítima, no montante de MOP$120.000,00 (MOP$30.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$90.000,00 a cargo da 2ª Ré);
- Danos não patrimoniais pela perda do direito à vida, no montante de MOP$400.000,00 (MOP$100.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$300.000,00 a cargo da 2ª Ré);
- Danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, no montante de MOP$80.000,00 cada (MOP$20.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$60.000,00 a cargo da 2ª Ré);
- Danos patrimoniais referentes a despesas, nos montantes de MOP$229.698,14, HKD$2.102,00 e RMB$317.835,26 (MOP$57.424,53, HKD$525,50 e RMB$79.458,82 a cargo da 1ª Ré e MOP$172.273,60, HKD$1.576,50 e RMB$238.376,45 a cargo da 2ª Ré), convertíveis em patacas de acordo com as respectivas taxas de câmbio;
- Danos patrimoniais referentes a alimentos a título de lucros cessantes, no montante de MOP$264.005,28 cada (MOP$66.001,32 a cargo da 1ª Ré e MOP$198.003,96 a cargo da 2ª Ré).
Custas pelos recorrentes e recorridas na proporção do decaimento”; (cfr., fls. 8862 a 8884).

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Do assim decidido, vieram os AA. e as referidas 1ª e 2ª RR. recorrer para este Tribunal de Última Instância.

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Por Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 22.03.2023 decidiu-se:

“- conceder parcial provimento aos recursos dos AA. A e B, e da (1ª) R. “D”;
- negar provimento ao recurso da (2ª) R. “E”;
- ficando as referidas (1ª e 2ª) RR. solidariamente condenadas a pagar aos AA. o quantum total de MOP$1.240.006,40; [(MOP$1,300,000.00 + MOP$300,000.00 + MOP$350,000.00 X 2 + MOP$400,008.00 X 2) X 40%]”; (cfr., fls. 9120 a 9153 e 9162).

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Notificada do assim decidido, e alegando pretender “proceder ao cumprimento do julgado no mais breve trecho possível”, veio a (2ª) R., “D”, pedir a aclaração do referido Acórdão, considerando que o mesmo “não oferece resposta à questão de saber a partir de quando é que os juros são devidos”, requerendo decisão “sobre o momento do vencimento da obrigação de pagamento da indemnização e, consequentemente, sobre o momento da constituição em mora”; (cfr., fls. 9172 a 9174-v).

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Pronunciando-se sobre o referido peticionado esclarecimento, dizem – em síntese – os AA. A e B que: “os juros serão devidos, pelo menos a partir da data da prolação do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, relativamente às indemnizações que não sofreram alteração com a ora decisão deste Colendo Tribunal de Última Instância”, “Sendo que, in casu, essas indemnizações foram o Dano Não patrimonial da vítima e Danos patrimoniais relativos a consultas, tratamentos médicos e outras despesas relacionadas com o acidente objecto dos presentes autos, conforme constam na decisão do Tribunal de Segunda Instância”; (cfr., fls. 9177 a 9179).

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Sem mais demoras, passa-se a apreciar o pedido deduzido.

Fundamentação

2. Como resulta do que se deixou relatado, pretende a (2ª) R. “D” saber “a partir de quando são devidos juros” sobre as quantias arbitradas a título de indemnização aos AA. dos presentes autos.

Pois bem, notando-se que tal “questão” não tinha sido – expressamente – colocada em sede dos recursos para esta Instância trazidos nos presentes autos, e considerando-se que útil e adequado é proceder-se ao seu esclarecimento, vejamos.

Antes de mais, vale a pena recordar o que sobre esta matéria se considerou no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Tribunal de Última Instância de 02.03.2011, Proc. n.° 69/2010.

Ora, pronunciando-se – exactamente – sobre a questão do “Momento da constituição em mora do devedor”, consignou-se no referido veredicto o seguinte:

“A simples mora, ou seja, o mero o atraso no cumprimento da obrigação de indemnizar, constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (artigo 793.º, n.º 1 do Código Civil), sendo que “O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido” (artigo 793.º, n.º 2 do Código Civil).
Resta saber – e é este o fulcro da questão a resolver neste processo – quando é que se dá a constituição do devedor em mora.
A regra geral é a de que “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir” (artigo 794.º, n.º 1 do Código Civil).
Há casos, no entanto, em que a interpelação não é necessária para que o devedor fique constituído em mora e, assim, obrigado a indemnizar os danos causados por esta.
Um destes casos, em que há mora do devedor independentemente de interpelação para cumprir, é o de a obrigação provir de facto ilícito [artigo 794.º, n.º 2, alínea b) do Código Civil].
Desta norma, com origem no Direito Romano, resulta que quando a obrigação provem de facto ilícito extracontratual a mora conta-se a partir do facto ilícito1.
Contudo, mesmo que a obrigação provenha de facto ilícito, “Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor” (artigo 794.º, n.º 4 do Código Civil).
Esta regra (in illiquidis non fit mora) “é correntemente justificada pelo facto de o devedor não poder cumprir, enquanto se não apura o objecto da prestação. É necessário, em primeiro lugar, que o obrigado saiba quanto deve”2.
Ora, conjugando este preceito com aquele outro, atrás mencionado, segundo o qual “... a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (n.º 5 do artigo 560.º do Código Civil), temos que, em caso de litígio judicial quanto ao valor dos danos, o crédito só se torna líquido quando o juiz o fixa, seja na sentença em 1.ª instância, seja na decisão em recurso, quando o valor fixado anteriormente é alterado ou quando em 1.ª instância, por uma razão ou por outra, nenhum valor foi fixado. Podendo mesmo acontecer que o devedor só entre em mora na execução, se o montante dos danos só nesta fase for liquidado (artigo 564.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Embora se não considere aplicável o n.º 5 do artigo 560.º do Código Civil à fixação dos danos não patrimoniais, a solução descrita também é aplicável a estes danos, já que estes devem ser determinados no momento mais recente possível, como se disse atrás.
Relegar tal momento para a ocasião em que a decisão final transitasse em julgado seria premiar injustificadamente o lesante à custa do lesado, incentivando o uso dilatório dos meios processuais, apenas com o fim de protelar o momento de constituição em mora.
(…)”.

A final, concluiu-se que:

“A indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n. os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação”.

Em conformidade com o assim entendido e decidido, vejamos, (notando-se que acertadas se nos apresentam as considerações pelos AA. tecidas no expediente que atrás se fez referência).

–– Desde já, um esclarecimento.

Verifica-se que no Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 22.03.2023 se não fez (expressa) referência aos montantes pelo Tribunal de Segunda Instância fixados a título de “danos patrimoniais referentes a despesas, nos montantes de MOP$229.698,14, HKD$2.102,00 e RMB$317.835,26 (MOP$57.424,53, HKD$525,50 e RMB$79.458,82 a cargo da 1ª Ré e MOP$172.273,60, HKD$1.576,50 e RMB$238.376,45 a cargo da 2ª Ré), convertíveis em patacas de acordo com as respectivas taxas de câmbio”; (cfr., pág. 4 deste aresto).

Ora, certo sendo que tal segmento decisório não foi objecto de contestação e/ou alteração pelo decidido no Acórdão deste Tribunal de Última Instância, (e atento o estatuído no art. 570°, n.° 1 do C.P.C.M.), evidente é que os mesmos se devem ter como incluídos como montantes indemnizatórios a pagar aos AA., sendo os seus juros de contar desde a data do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.

–– Em relação ao montante relativo aos “danos não patrimoniais próprios da vítima”, (fixado em MOP$300.000,00), e visto que, igualmente, não sofreu alteração com o decidido no Acórdão por esta Instância prolatado, adequado se mostra pois que os seus juros se devem igualmente contar desde a data do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.

–– Quanto aos “restantes montantes”, considerando que foram objecto de impugnação e alteração com o decidido no referido veredicto deste Tribunal de Última Instância, devem os seus juros ser contados desde a data da sua prolação.

Tudo visto, resta decidir como segue.

Decisão

3. Em face do exposto, consigna-se que o Acórdão desta Instância de 22.03.2023 incluiu os aludidos “danos patrimoniais referentes a despesas (…)”, procedendo-se à requerida aclaração nos exactos termos consignados.

Sem tributação.

Notifique.

Macau, aos 09 de Junho de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., Volume II, reimpressão da 7.ª edição, 2001, p. 119.
2 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume II, 3.ª edição, 1986, p.65.
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