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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso judicial do despacho da Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (doravante DSEDT) que lhe recursou o registo para a marca APP CLIP, que tomou o número N/XXXXXX, para assinalar produtos incluído na classe 9.
Nos autos n.º CV2-21-0060-CRJ, o Tribunal Judicial de Base julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão da DSEDT.
Inconformada com a decisão, recorreu A para o Tribunal de Segunda Instância que, por acórdão proferido no Processo n.º 417/2022, decidiu negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Desse acórdão vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando nas suas alegações as seguintes conclusões:
Da capacidade distintiva inerente da marca registanda
a. Foi o recurso interposto pela Recorrente julgado improcedente e decidido manter o despacho da DSEDT que recusou o registo da marca N/XXXXXX por entender essencialmente que a marca “APP CLIP” não goza de capacidade distintiva.
b. A Recorrente discorda profundamente do entendimento do Tribunal a quo, que é contrária a todos os cânones pelos quais se rege a propriedade industrial em Macau e no resto do mundo.
c. Por outro lado, entende a Recorrente que o Tribunal a quo interpretou erradamente os critérios de avaliação da distintividade de uma marca.
d. Como é sabido, é um princípio comum em propriedade industrial que a distintividade de uma marca tem de ser aferida no contexto dos bens e serviços que visa distinguir.
e. A avaliação do carácter distintivo inerente do sinal e, neste caso, de um slogan, depende da marca em si e do contexto dos produtos e serviços que distingue.
f. Ora, o artigo 199.º, n.º 1, al. b) do RJPI apenas deverá ser aplicado quando o conteúdo descritivo da marca é imediato, claro e inconfundivelmente óbvio.
g. O registo apenas deverá ser recusado se a marca tiver um significado descritivo que seja imediatamente óbvio para o consumidor médio, sendo que marcas sugestivas ou alusivas são passíveis de registo.
h. Efectivamente, a marca só é efectivamente descritiva se, como referimos, for exclusiva e directamente descritiva.
i. Tal como refere o Tribunal de Segunda Instância de Macau “(...), é na marca, como um todo, que há-de afirmar-se ou negar-se o carácter distintivo ou a adequação para distinguir a origem comercial dos bens que se destina marcar.”
j. O fundamental é que a análise da distintividade da marca seja feita relativamente aos produtos que visa distinguir.
k. Analisada a marca é óbvio que a marca registanda não corresponde ao nome originário dos produtos que a marca distingue, pelo que não corresponde a uma marca genérica, nem é um sinal descritivo destes produtos.
l. Visto que não indica qualquer qualidade, caracteristica ou função dos produtos.
m. O fundamento de recusa invocado apenas deverá ser aplicado quando o conteúdo descritivo da marca é imediato, claro e inconfundivelmente óbvio para o consumidor médio.
n. Ao deparar-se com a marca registanda “APP CLIP”, os consumidores não associam imediatamente, e sem hesitação, à marca um significado obviamente descritivo dos produtos designados.
o. A especificidade é aqui fundamental.
p. Duas ou mais palavras comuns (mesmo que relacionadas com os produtos em questão) podem, juntas, formar uma marca suficientemente distintivas para cumprir a função diferenciadora.
q. Enquanto expressões como CLIPPING APP ou CLIP APP podem ser vistas como descritivas de uma aplicação usada para editar imagens, o mesmo não sucede com “APP CLIP”, que consiste numa combinação não-usual (de facto, inédita) que não é imediatamente ou obviamente descritiva dos produtos designados, nomeadamente de software de computador.
r. Como referido supra, a falta de um significado evidente e imediato relacionado com os serviços em questão determinam a necessidade de um esforço intelectual para atingir uma conclusão quanto ao referido significado.
s. E enquanto for necessário esforço mental, não há motivos para ser recusado o registo da marca registanda.
t. Adicionalmente, etimologicamente “clip” reflecte o facto de que a sua criação exigia originalmente um conjunto de tesouras para (re)cortar filmagens ou artigos de jornais.
u. Em contraste, software de computador não pode ser cortado ou recortado de forma alguma, e não existe tal coisa como um “clip de software”.
v. Adicionalmente uma marca não precisa ser obviamente distintiva para poder ser registada – marcas sugestivas são passíveis de registo.
w. A questão fulcral é se dado sinal é capaz de funcionar como um emblema de origem comercial ou se é provável que seja usado por diferentes comerciantes como um termo descritivo.
x. Assim que o limite mínimo de distintividade é atingido, o registo de um sinal deverá ser concedido, independentemente de o mesmo ser mais ou menos inerentemente distintivo.
y. Assim, às marcas sugestivas, alusivas ou evocativas não está vedado o registo. Tal é observado pela Associação Internacional de Marcas (“INTA”).
z. Ora, o significado da marca registanda é ambíguo, está aberto a interpretação e apela à imaginação do consumidor. Não descreve ao consumidor os produtos que assinala.
aa. Não é, de modo algum, descritiva dos produtos que distingue, mas sim, sugere ou evoca de uma maneira fantasiosa uma característica do produto.
bb. Nesta senda, releva-se uma decisão do Tribunal Judicial de Base num caso em tudo semelhante que concedeu registo à marca “APP CLIPS” por entender, resumidamente, que não é meramente uma indicação directa das características dos produtos e serviços, nem é “difícil para os consumidores perceberem uma relação estabelecida entre o registo proposto e os produtos ou serviços fornecidos pelo recorrente”.
cc. Concluindo que uma vez que a marca registanda não só expressa as características dos produtos e serviços, mas também é o nome de um pedido propriedade do recorrente, a marca proposta não é uma marca meramente descritiva, mas uma marca sugestiva que tem a capacidade identificadora.
dd. Ora, por maioria de razão, a marca registanda “APP CLIP” deverá também ser considerada como distintiva, visto que a única diferença é um “S” no final de CLIP na marca supra, isto é, a marca decidida no processo CV1-21-0059-CRJ é a marca registanda no plural – diferença que é extremamente ténue, até insignificante, para justificar a recusa do registo da marca registanda.
ee. Pelo que a abordagem a aplicar no exame e concessão de registo de marcas deverá ser a mesma.
ff. Assim, deve considerar-se que a marca registanda é passível de cumprir a sua função de marca, gozando de capacidade distintiva inerente para identificar no mercado os produtos da Recorrente.
gg. Pelo que não se poderá recusar a marca registanda com fundamento no artigo 199.º, n.º 1, b) do RJPI.
hh. Aqui, é ainda importante reconhecer que o software de computador constitui uma categoria única de produtos.
ii. E para avaliar se uma marca é passível de distinguir serviços relacionados com software, o examinador deverá considerar a natureza dos referidos serviços ou do software, em vez do que se pode fazer com este.
jj. O Tribunal a quem deverá, portanto, ter a atenção necessária de modo a evitar uma aplicação excessiva do teste descritivo a marcas que procurem distinguir software ou serviços relacionados com software. A avaliação deve-se limitar a considerar se a marca realmente descreve esses produtos ou serviços, e não o que o software de computador pode fazer.
kk. Como tal, ainda que o software de computador possa ser utilizado para criar clips de vídeo e áudio, não significa que a palavra CLIP ou a imagem de uma câmara ou microfone seja obviamente descritiva da natureza do software de computador, algo intangível e não pode funcionar sem uma máquina ou instrumento compatível.
ll. Deverá então considerar-se que “APP CLIP” está apta a cumprir a sua função de marca, gozando de capacidade distintiva inerente para identificar no mercado os produtos e serviços da Recorrente.
mm. Por outro lado, é ainda extremamente relevante aferir quem é o público consumidor!
nn. É amplamente reconhecido que os produtos e serviços da Recorrente gozam de um nível excepcional de fama e popularidade entre os consumidores.
oo. Portanto, ao considerar o carácter distintivo da marca, seria irrealista ignorar o facto de que os consumidores estarem provavelmente mais familiarizados com os produtos e marcas da Recorrente, em comparação com qualquer outro comerciante.
pp. É assim evidente que os consumidores terão mais atenção relativamente aos produtos adquiridos desta marca e saberão, com certeza, que os produtos adquiridos sob a marca “APP CLIP” pertencem à Recorrente.
qq. A marca registanda “APP CLIP” foi registada em várias jurisdições em todo o mundo, nomeadamente em Hong Kong, Taiwan, China e Portugal.
rr. Note-se que os procedimentos de exame de marca nas jurisdições referidas supra não são menos rigorosos que os praticados em Macau.
ss. Ora, se os consumidores de Macau partilham a mesma língua e contexto cultural semelhante aos consumidores de Taiwan, Hong Kong e China, se a marca “APP CLIP” foi considerada como distintiva pelo examinador daquela jurisdição, não há motivo para que o mesmo não aconteça em Macau.
tt. A haver qualquer dúvida sobre a capacidade distintiva e registrabilidade da marca registanda, esta não teria sido aprovada pelos examinadores naquelas jurisdições.
uu. Deste modo, e tendo em consideração todo o exposto supra, as marcas cujo registo ora se solicita são, no entendimento da Recorrente, inerentemente distintiva e devem ser registadas em Macau, uma vez que não se verificam os alegados fundamentos de recusa previstos no 214.º, n.º 1, a), 9.º, n.º 1, a) e 199.º, n.º 1, al. b) e c) do RJPI.

Oportunamente notificado das alegações, veio o Director da DSEDT a oferecer o merecimento dos autos, mantendo o despacho de recursa da marca em causa.

2. Os Factos
Nos autos foi dada por assente a seguinte factualidade:
A) Em 9 de Dezembro de 2020, a recorrente contenciosa apresentou à então DSE o pedido de registo da marca n.º N/XXXXXX, destinada a assinalar produtos/serviços da classe 09, com os produtos e serviços concretamente constantes do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) É o seguinte o sinal da marca cujo registo se pretende:

C) Em 6 de Julho de 2021, a entidade recorrida proferiu despacho em que, concordando com o teor do relatório n.º 362/DPI/DRM/2021, recusou os pedidos de registo de três marcas, incluindo a marca n.º N/XXXXXX (despacho constante no processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
D) O despacho supra referido que recursou o registo foi publicado no B.O. da Região Administrativa Especial de Macau, n.º XX, Série II, de X de X de 2021 (constante no processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
E) Em 6 de Setembro de 2021 e através de telecópia, a recorrente interpôs o recurso judicial para o Tribunal Judicial de base. (fls. 2 dos autos).
F) a recorrente é titular das seguintes marcas:
­ N/XXXXXX, destinada a assinalar produtos/serviços da classe 09, com o sinal de “”, marca esta registada em 13 de Novembro de 2018, com prazo de validade até 13 de Novembro de 2025; e
­ N/XXXXX, destinada a assinalar produtos/serviços da classe 09, com o sinal de “”, registada em 12 de Junho de 2014, com prazo de validade até 12 de Junho de 2028.

3. O Direito
No acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso interposto pela ora recorrente por entender que a expressão “APP CLIP”, de carácter descritivo e sem elemento figurativo, não tem capacidade distintiva para distinguir em função da sua fonte comercial os serviços/produtos que se destina a assinalar, nem tem o necessário carácter distintivo para merecer ser protegido por via do registo como marca, pelo que se deve recusar o respectivo pedido de registo, pois não é a marca registanda susceptível de protecção face ao disposto nos art.ºs 197.º e 199.º, n.º 1, al.s b) e c) do RJPI.
E sustenta a recorrente que a marca cujo registo pretende é inerentemente distintiva e deve ser registada, uma vez que não se verificam os alegados fundamentos de recusa previstos no art.º 214.º, n.º 1, al. a), no art.º 9.º, n.º 1, al. a) e no art.º 199.º, n.º 1, al.s b) e c) do RJPI.
Vejamos se assiste razão à recorrente.

Nos presentes autos, a marca pretendida pela recorrente é composta por 2 palavras inglesas em letras maiúsculas pretas “APP” e “CLIP”, desacompanhadas de quaisquer outros elementos, tais como desenhos gráficos ou outras cores.
Nos presentes autos, está em discussão a capacidade distintiva dessa marca.
Constata-se no despacho da DSEDT que o pedido de registo da marca apresentado pela recorrente foi recusado ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 214.º e na al. a) do n.º 1 do art.º 9.º, conjugado com as al.s b) e c) do n.º 1 do art.º 199.º, todos do RJPI, pois na óptica daquela entidade a marca em causa é composta por vocábulos de uso comum, que são normalmente utilizados pelo público em geral, faltando-lhe a capacidade distintiva, sendo ainda certo que o consumidor não consegue identificar a marca a produtos ou serviços.
E tanto o Tribunal Judicial de Base como o Tribunal e Segunda Instância também entendem que a marca registanda não possui capacidade distintiva, não merecendo a protecção legal nos termos dos art.ºs 197.º e 199.º, n.º 1, al.s b) e c) do RJPI.
Salvo o muito respeito por entendimento diferente, achamos que deve ser outra a resposta dada à questão posta em causa.

Como se sabe, a marca é um dos direitos de propriedade industrial, que confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei – art.º 5.º do RJPI.
Nos termos do art.º 197.º do RJPI, que prevê o objecto da protecção da marca, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Daí que a marca deve ser adequada a distinguir produtos ou serviços, sendo ela “um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
No que respeita à recusa do registo de marca, é previsto como um dos fundamentos “o objecto não ser susceptível de protecção” – art.ºs 9.º, n.º 1, al. a) e 214.º, n.º 1, al. a) do RJPI.
E dispõe o art.º 199.º o seguinte:
“Artigo 199.º
(Excepções e limitações à protecção)
1. Não são susceptíveis de protecção:
a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
2. Os elementos genéricos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior que entrem na composição de uma marca não são considerados de utilização exclusiva do requerente, excepto quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
3. A pedido do requerente ou de reclamante, a DSE indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de utilização exclusiva do requerente.”

Por outras palavras, não obstante a liberdade de que as empresas e pessoas gozam na constituição da morca, certo é que só são registados como marca e merecem a proteção legal os sinais que tenham capacidade distintiva, susceptíveis de fazer distinguir de forma adequada os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras.
Prevê o art.º 199.º do RJPI as excepções e limitações à protecção das marcas, estipulando expressamente que não são susceptíveis de protecção “os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos” bem como “os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio” – al.s b) e c) do n.º 1 do art.º 199.º.
E nos termos do n.º 3 do art.º 214.º do mesmo diploma legal, “o facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo”.

No caso vertente, e tendo em conta a composição da marca registanda, não parece haver dúvida quanto à não verificação da situação prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 199.º.
Quanto à al. c), como se explica no Código da Propriedade Industrial Anotado, com coordenação geral de ANTÓNIO CAMPINOS e coordenação científica de LUÍS COUTO GONÇALVES, referindo-se a norma semelhante do Código português: «Decorre que deve ser vedado o registo de sinais somente compostos por vocábulos ou figuras comummente utilizados no mercado, que, sendo elementos usuais na prática comercial, não só não podem ser retirados da livre disponibilidade de todos os que se dediquem a determinada actividade, como também não são aptos a permitir que o consumidor, através deles, distinga produtos ou serviços.
Nesta proibição enquadra-se qualquer termo ou representação figurativa que sirva usualmente para referenciar o produto ou serviços indicados no pedido de registo (ou as suas características). Exemplo disso são expressão como “bica”, em relação ao “café”, e “fino”, no que respeita a “cerveja”.
Deve excluir-se também, através desta alínea, o registo de todo um conjunto de expressões mediante as quais vulgarmente se publicita e promove bens ou prestações no mercado (“super”, “fantástico”, entre muitas outras).
Há que sublinhar, todavia, que o registo deve ser negado apenas quando os sinais ou indicações de que a marca for exclusivamente composta se tiverem efectivamente tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio em relação aos produtos ou aos serviços para que tiver sido requerido o registo da referida marca, podendo ser concedido se não existir essa relação ..., ou se a marca incluir outros elementos que lhe forneça suficiente capacidade distintiva. »2
Nas palavras de FERRER CORREIA, quando fala na disposição semelhante à al. c) do n.º 1 do art.º 199.º do RJPI, diz que «Aqui já não se trata de elementos indispensáveis à identificação dos produtos, mas antes de expressões ou sinais cujo uso se vulgarizou (entrou no património comum) e que, por consequência, não devem igualmente poder ser monopolizados. Na literatura germânica fala-se, a este propósito, em sinais “francos”. Alguns exs. apontados pela doutrina: a figura de uma lebre, para artigos de caça; o desenho de um peixe, para artigos de pesca; a representação de flores, para artigos de perfumaria; a imagem de fogo, para aquecedores; expressões como “o melhor”, “ideal”, “esplêndido”, “extra”, etc..»3
Postas tais considerações e atenta a marca que está em causa nos presentes autos, afigura-se-nos que também não está preenchida a previsão na al. c) do n.º 1 do art.º 199.º, sem perder de vista o “subjectivismo” que naturalmente intervém na matéria respeitante à capacidade distintiva da marca.
Na verdade, não obstante o uso vulgar na linguagem corrente das duas palavras que compõem a marca registanda, consideradas em separado, certo é que, com a “junção” ou “associação” dessas expressões, a marca em discussão não deixa de ter a necessária capacidade distintiva que justifica a sua protecção legal.
É de recordar que, chamado a pronunciar-se sobre a capacidade distintiva da marca “APP CLIPS”, sinal quase idêntico ao reportado nos presentes autos, este Tribunal de Última Instância fez consignar, no recente acórdão proferido em 19 de Abril de 2023 e no Processo n.º 129/2023, o seguinte:
«In casu, (como se deixou relatado), a “marca” cujo registo pretende a recorrente é “”, para os bens e serviços da “classe 9” atrás já referenciados.
E, se certo se apresenta que uma “frase – puramente – descritiva”, eventualmente, com características “promocionais”, (que se limita a elogiar as qualidades dos produtos ou serviços), não é passível de registo, o mesmo já não sucede com “frases”, (ou expressões), que contenham determinadas “características”, e que, ainda que se possam considerar “simples”, (dada a sua natureza, composição, referência, etc…), não são “comuns”, ao ponto de, à partida, e de imediato, se (poder) excluir qualquer (necessidade de) análise e reflexão, ou qualquer “esforço de interpretação” por parte do público consumidor.
Ora, ponderando na aludida “marca registanda” – composta pela junção das expressões: “APP” e “CLIPS” – somos de opinião que a mesma possui (a necessária) “capacidade distintiva”, pois que as expressões aí empregues, (e muito especialmente pela sua “junção” ou “associação”), não deixam de “instigar a reflexão”, desencadeando e sugerindo, por sua vez, um “processo cognitivo na mente do público” ao qual se dirige, sendo, por isso, passível de (mais fácil) “memorização”, o que a torna capaz de “distinguir” os produtos a que diz respeito dos produtos de empresas concorrentes.
Nesta conformidade, mostra-se pois de considerar que a dita marca registanda, (que em nossa opinião, “não descreve”, mas apenas “sugere”), tem – suficiente – originalidade e impacto, desencadeando, no público relevante um “processo cognitivo” que implica, por sua vez, um “esforço de interpretação”, o que, por si, justifica a sua reclamada “capacidade distintiva”; (a este respeito, veja-se a concepção de Paul Mathély apud Américo da Silva Carvalho in, “Direito de Marcas”, Coimbra, pág. 211, e ainda, Pedro Sousa Silva in, “Direito Industrial – Noções Fundamentais”, pág. 152 a 154).
Compreende-se, e, obviamente, respeitam-se outras opiniões sobre a matéria.
Porém, temos como adequada a solução que se deixou adiantada.
Na verdade, em matérias como a ora em causa, adequado não se mostra de adoptar perspectivas – digamos que algo – “redutoras” das circunstâncias (e outras realidades) que sustentam e esclarecem o pedido apresentado.
Com efeito, (in casu), não se deve olvidar – sendo antes de ponderar e atentar – que a marca agora em questão pertence a uma “família de marcas” já registadas em Macau, compostas pelo referido elemento “APP”, e à mesma recorrente concedidas para idênticos produtos da classe 9ª, (a saber “” N/XXXXXX, e “” N/XXXXX; cfr., doc. 9 e 10, juntos com a petição de recurso judicial), e que a mesma marca registanda em questão, (com as mesmíssimas expressões), encontra-se já registada em várias jurisdições que, tal como a R.A.E.M., são partes de idênticas Convenções Internacionais sobre a matéria – como, v.g., o Brasil, a R.P. da China, países da União Europeia, India, Japão, etc…; cfr., fls. 151 a 154 – afigurando-se-nos, desta forma, válido e razoável considerar, (sem prejuízo da relevância nesta matéria do “princípio da territorialidade”; cfr., art. 4º do R.J.P.I.), que se a dita marca é tida como (suficientemente) “distintiva” noutras jurisdições com regimes legais (e costumes) semelhantes aos de Macau, razão (séria) não parece haver para a decidida recusa, (colocando-se a R.A.E.M. de “costas voltadas” ou, “à margem” da comunidade internacional).»
Face à (quase) identidade dos sinais em causa, APP CLIP nos presentes auto e APP CLIPS no referido Processo n.º 129/2023, ambos para assinalar produtos da classe 9, as considerações supratranscritas também são válidas para o caso vertente, sendo de manter a posição já assumida.
Assim sendo, é de conceder provimento ao recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se as decisões das duas instâncias inferiores e determinando-se o registo da marca pretendida pela recorrente.
Sem custas.

                  26 de Abril de 2023
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
2 Código da Propriedade Industrial Anotado, com coordenação geral de ANTÓNIO CAMPINOS e coordenação científica de LUÍS COUTO GONÇALVES, Almedina, Coimbra, 2.ª edição, 2015, p. 399.
3 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 325 e 326.
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Processo n.º 123/2022