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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso judicial do despacho da Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (doravante DSEDT) que lhe recursou o registo para a marca APP CLIPS, que tomou o número N/XXXXXX, para assinalar produtos incluído na classe 42.
Nos autos n.º CV1-21-0059-CRJ, o Tribunal Judicial de Base julgou procedente o recurso, revogando a decisão da DSEDT.
Inconformada com a decisão, recorreu a DSEDT para o Tribunal de Segunda Instância que, por acórdão proferido no Processo n.º 481/2022, decidiu conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, mantendo-se a sentença de recusa da DSEDT.
Desse acórdão vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando nas suas alegações as seguintes conclusões:
a. Como é sabido, o registo apenas deverá ser recusado se a marca tiver um significado descritivo que seja imediatamente óbvio para o consumidor médio.
b. Adicionalmente, para a marca ser recusada, deverá a mesma designar de forma específica, precisa e objectiva as características essenciais dos produtos em questão.
c. Por um lado, analisada a marca no seu conjunto, é, em primeiro lugar, óbvio que a marca registanda não corresponde ao nome originário dos produtos ou serviços que a marca distingue, pelo que não corresponde a uma marca genérica.
d. É igualmente óbvio que não é um sinal descritivo destes produtos ou serviços, nem indica qualquer qualidade, característica ou função dos produtos ou serviços.
e. Por outro lado, esta expressão apenas existe no léxico comercial com referência EXCLUSIVA à Recorrente e aos seus produtos e serviços.
f. Uma busca simples na internet demonstra que não há QUALQUER situação de utilização da marca APP CLIPS por qualquer entidade que não a Recorrente, nem é esta uma expressão corrente usada habitualmente pelos consumidores.
g. Do mesmo sentido, o Tribunal Judicial de Base considerou que a marca é distintiva e que deve ser atribuída à Recorrente porque a esta associada.
h. Note-se que não estamos perante uma marca relacionada com qualquer “aplicação” ou “apps”, mas uma marca simultaneamente arbitrária e fantasiosa, com óbvia capacidade distintiva.
i. Relembrando ainda (porque o Tribunal a quo o omitiu ou ignorou na sua análise) que a Recorrente é a criadora da marca “CLIPS” e a mesma está protegida por registo junto da DESDT.
j. Adicionalmente, a própria DSEDT citou um acórdão na sua Contra-Alegações em que entende “seria no entanto possível conceder o registo da marca, apesar de todos os elementos serem descritivos, se a marca tiver já adquirido um “secondary meaning” que lhe confira eficácia distintiva, ou seja, quando a marca deixa de ser apreendida pelo público pelo seu sentido descritivo, mas sim por um outro sentido não descritivo ligado a determinada empresa.”
k. Sem conceder na parte em que a Recorrente considera que a sua marca é, efectivamente distintiva, sempre se dirá que também pelo uso dos consumidores e conotação da marca com a Recorrente, se APP CLIPS pudesse em algum momento no passado ter sido considerada descritiva, já teria adquirido neste momento o referido “secondary meaning”, que é reconhecido pelos consumidores.
l. É também demonstrativo da distintividade inerente da marca registanda, é de notar que a Recorrente utiliza o mesmo tipo de letra1 (“San Francisco”) como o seu tipo de letra oficial no interface de todos os seus produtos, incluindo no software da Recorrente utilizados nos macOS, iPadOS, iOS, watchOS etc.
m. Consequentemente, não se poderá recusar a marca registanda com fundamento nas alíneas b) e c), do n.º 1 do art. 199.º do RJPI.
n. Independentemente do já exposto, não podemos deixar de relembrar e reforçar (até porque o Tribunal a quo o omitiu na sua análise) que marcas “sugestivas” ou “alusivas” também são registáveis.
o. Recorde-se que “uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, a combinação oferecer um conjunto distintivo e, ainda, se não for directamente descritiva, ou seja, se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço designando-se, nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa”.
p. Ora, o significado da marca registanda pode, eventualmente, ser ambíguo, aberto a interpretação e apelar à imaginação do consumidor. Não descreve ao consumidor os produtos e serviços que assinala.
q. Neste sentido, quando muito a marca será considerada como sugestiva e, consequentemente, registável.
r. Ora, como se verifica supra e tal como a Recorrente defende (sem que o Tribunal a quo o tenha analisado), o Tribunal Judicial de Base entende que a marca “APP CLIPS” é uma marca intrinsecamente distintiva e, consequentemente, registável.
s. Além de mais, mesmo considerando (sem conceder e por mero dever de patrocínio) que a marca possa ser descritiva de alguns produtos relacionados com vídeo e multimédia, não é obviamente descritiva de software de computador e software para o desenvolvimento de programas informáticos.
t. Para avaliar se uma marca é passível de distinguir serviços relacionados com software de computador, o examinador deverá considerar a natureza dos referidos serviços ou do software, em vez do que se pode fazer com este.
u. Se marcas como “PHOTO BOOTH” (registo de marca n.º N/XXXXXX); “NUMBERS” (registo de marca n.º N/XXXXX); “KEYCHAIN” (registo de marca n.º N/XXXXXX); “PAGES” (registo de marca n.º N/XXXXX); “SPOTLIGHT” (registo de marca n.º N/XXXXX); “METAL” (registo de marca n.º N/XXXXX); “QUICKTYPE” (registo de marca n.º N/XXXXX); “NIGHT SHIFT” (registo de marca n.º N/XXXXXX) etc. foram consideradas como suficientemente distintivas para funcionarem como sinais distintivos de origem para software informático, então a marca registanda “APP CLIPS” será certamente capaz de fazer o mesmo para produtos e serviços relacionados com software.
v. Assim, deverá então considerar-se que o sinal “APP CLIPS” está apto a cumprir a sua função de marca, gozando de capacidade distintiva inerente para identificar no mercado os produtos da Recorrente.
w. Ainda notar que a marca registanda “APP CLIPS” também já foi registada em todas as jurisdições vizinhas, nomeadamente na China, Hong Kong e Taiwan, com Macau como a única excepção.
x. Foi igualmente registada em Portugal, jurisdição raiz do sistema jurídico de Macau com normas e princípios aqui aplicáveis.
y. Concordamos com o entendimento do Tribunal a quo de que “cada jurisdição tem as suas regras próprias e segue padrões diferentes (ainda que tais diferenças não sejam grandes nesta matéria), não podemos olhar a justiça apenas com os “óculos” de outrem sem acautelar devidamente as regras básicas e próprias do ordenamento jurídico a que pertencemos”.
z. Ora quando as regras básicas e próprias do nosso sistema jurídico são semelhantes e o próprio Tribunal a quo admite não existir nesta matéria grande diferença, é surpreendente que a decisão não seja semelhante à adoptada em todas as outras jurisdições referidas.
aa. A marca “APP CLIPS” é uma marca intrinsecamente distintiva e, consequentemente, registável. O facto de, aplicando regras praticamente idênticas, se chegar a uma conclusão oposta, equivale a dizer que apenas Macau decidiu correctamente e que todos os decisores dos outros países não souberam examinar correctamente esta marca(!)
bb. Para além dos requisitos legais estarem relativamente padronizados a nível internacional, os consumidores de Macau também partilham a mesma língua e um contexto cultural muito semelhante aos consumidores da China, Hong Kong e Taiwan, pelo que se a marca “APP CLIPS” foi considerada como distintiva pelo examinador daquelas jurisdições, não há motivo para que o mesmo não aconteça em Macau.
cc. A manutenção da recusa da marca registanda deixaria a marca desprotegida em Macau, em contraste com a protecção obtida na China continental, em Hong Kong, em Taiwan, em Portugal e, na generalidade, a nível internacional.
dd. Deste modo, e tendo em consideração todo o exposto supra, a marca cujo registo ora se solicita é, no entendimento da Recorrente, inerentemente distintiva e deve ser registada em Macau, uma vez que não se verificam os alegados fundamentos de recusa previstos no 214.º, n.º 1, a), 9.º, n.º 1, a) e 199.º, n.º 1, al. b) e c) do RJPI.

Oportunamente notificada das alegações, veio a DSEDT a oferecer o merecimento dos autos.
Foram corridos os vistos.
Cumpre apreciar e decidir.

2. Os Factos
Nos autos foi dada por assente a seguinte factualidade:
1) No Boletim Oficial de Macau de X de X de 2021 foi publicado o pedido da Recorrente, apresentado no dia 9 de Dezembro de 2020, para registo da marca “” número N/XXXXXX.
2) A marca registanda destina-se a assinalar produtos incluídos na Classe 42, a saber: “Fornecimento de software em linha não descarregável; software como serviço; plataformas como um serviço; aluguer de software; aluguer de aparelhos e equipamentos de hardware e periféricos de computador; computação em nuvem; aluguer de memoria de servidor; instalação de software; manutenção de software de computador; atualização de software; serviços de apoio informático ao cliente; serviços de suporte técnico, diagnóstico e resolução de problemas de software de computador; conversão de programas e dados informáticos, excepto conversão física; duplicação de programas de computador; recuperação de dados informáticos; armazenamento eletrónico de dados; conversão de dados ou documentos de suporte físico para formato eletrónico; monitorização de sistemas de computador por acesso remoto; monitoramento de sistemas informáticos para deteção de acessos não autorizados; monitoramento de sistemas informáticos para deteção de avarias; serviço de criptografia de dados; consultoria em segurança de dados; consultoria em segurança de internet; serviços informáticos de proteção antivírus; monitoramento electrónico de informações de identificação pessoal para detecção de roubos de identidade através da Internet; serviços de autenticação de utilizadores utilizando aplicação de software; serviços de autenticação de utilizadores utilizando tecnologia para transacções de comércio electrónico; concepção e desenvolvimento de software informático; programação de computadores; concepção de base de dados para computador; desenvolvimento de plataformas para computadores; design de sistemas de computador; desenvolvimento de software no âmbito de edição de software; serviços de consultadoria em software; serviços de consultadoria para desenvolvimento de sistemas de computadores, base de dados e aplicações; consultoria na conceção e desenvolvimento de hardware; análise de sistemas informáticos; consultoria em tecnologia informática; serviços de consultoria de segurança de computadores; serviços de consultoria em tecnologias de informação [IT]; pesquisa em áreas de tecnologia de telecomunicações; consultadoria técnica; investigação tecnológica; consultoria em tecnologia de telecomunicações; consultoria no que respeita ao design de páginas web; provisão de informação online relacionados com tecnologia informática e programação informática e software informático; serviços de criação, concepção e manutenção de sítios web; serviços de alojamento de sítios web; alojamento de servidores; fornecimento de motores de busca para obtenção de dados através de internet e outras redes de comunicações electrónicas; criação e concepção de índices baseados em websites com informações para terceiros [serviços de tecnologia de informação]; serviços de cartografia e mapas; fornecimento de um portal da Internet que permite aos utilizadores pré-visualizar e descarregar publicações e outros documentos electrónicos.”.
3) Por despacho N.º 062214/2021/DPI/DRM de 4 de Agosto de 2021, a Exma. Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (doravante “DSEDT”) recusou à Recorrente registo para a marca nominativa

que tomou o número N/XXXXXX, para assinalar produtos incluídos na classe 42.
4) A Recorrente é uma empresa multinacional americana líder no fabrico e venda de produtos electrónicos.
5) A Apple (nome pelo qual a Recorrente é tratada e conhecida) foi fundada por Steve Wozniak, Steve Jobs e Ronald Wayne com o nome de Apple Computers INC., em 1976, na Califórnia. Informação mais detalhada sobre a empresa e suas marcas pode ser encontrada no website http://www.apple.com/.
6) A Recorrente é titular de várias marcas sob as quais comercializa os seus produtos, entre as quais as famosas marcas , , ,, , e .
7) A Recorrente tem, nos últimos 10 anos (de 2010 a 2020), sido consistentemente avaliada pela revista “Forbes” com uma das marcas mais valiosas do mundo (sendo que a avaliação foi iniciada em 2010).
8) É amplamente aceite que os produtos e serviços da Recorrente desfrutam de um nível excepcional de fama e popularidade entre os consumidores.
9) A recorrente é criadora e proprietária de uma aplicação denominada “Clips”, que teve o seu início em 2017, cuja função consiste em modificar as imagens de vídeo, incluindo a de criar vídeos com efeitos especiais, filtros artísticos, músicas dinâmicas, textos animados, emojis e strickers, etc. (consulte https://apps.apple.com/us/app/clips/id1212699939), com o seguinte ícone:



3. O Direito
No acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância decidiu conceder provimento ao recurso interposto pela DSEDT por entender que a expressão “APP CLIPS”, de carácter descritivo e sem elemento figurativo, não tem capacidade distintiva para distinguir em função da sua fonte comercial os serviços que se destina a assinalar, nem tem o necessário carácter distintivo para merecer ser protegido por via do registo como marca, pelo que se deve recusar o respectivo pedido de registo.
E sustenta a ora recorrente que a marca cujo registo pretende é inerentemente distintiva e deve ser registada na RAEM, uma vez que não se verificam os alegados fundamentos de recusa previstos no art.º 214.º, n.º 1, al. a), no art.º 9.º, n.º 1, al. a) e no art.º 199.º, n.º 1, al.s b) e c) do RJPI.
Vejamos se assiste razão à recorrente.

Nos presentes autos, a marca pretendida pela recorrente é composta por 2 palavras inglesas em letras maiúsculas pretas “APP” e “CLIPS”, desacompanhadas de quaisquer outros elementos, tais como desenhos gráficos ou outras cores.
Nos presentes autos, está em discussão a capacidade distintiva dessa marca.
Constata-se no despacho da DSEDT que o pedido de registo da marca apresentado pela recorrente foi recusado ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 214.º e na al. a) do n.º 1 do art.º 9.º, conjugado com as al.s b) e c) do n.º 1 do art.º 199.º, todos do RJPI, pois na óptica daquela entidade a marca em causa é composta por vocábulos de uso comum, que são normalmente utilizados pelo público em geral, faltando-lhe a capacidade distintiva, sendo ainda certo que o consumidor não consegue identificar a marca a produtos ou serviços.
E o Tribunal e Segunda Instância também entende que a marca registanda não possui capacidade distintiva, não merecendo a protecção legal.
Salvo o muito respeito por entendimento diferente, achamos que deve ser outra a resposta dada à questão posta em causa.

Como se sabe, a marca é um dos direitos de propriedade industrial, que confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei – art.º 5.º do RJPI.
Nos termos do art.º 197.º do RJPI, que prevê o objecto da protecção da marca, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Daí que a marca deve ser adequada a distinguir produtos ou serviços, sendo ela “um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”2.
No que respeita à recusa do registo de marca, é previsto como um dos fundamentos “o objecto não ser susceptível de protecção” – art.ºs 9.º, n.º 1, al. a) e 214.º, n.º 1, al. a) do RJPI.
E dispõe o art.º 199.º o seguinte:
“Artigo 199.º
(Excepções e limitações à protecção)
1. Não são susceptíveis de protecção:
a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
2. Os elementos genéricos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior que entrem na composição de uma marca não são considerados de utilização exclusiva do requerente, excepto quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
3. A pedido do requerente ou de reclamante, a DSE indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de utilização exclusiva do requerente.”

Por outras palavras, não obstante a liberdade de que as empresas e pessoas gozam na constituição da morca, certo é que só são registados como marca e merecem a proteção legal os sinais que tenham capacidade distintiva, susceptíveis de fazer distinguir de forma adequada os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras.
Prevê o art.º 199.º do RJPI as excepções e limitações à protecção das marcas, estipulando expressamente que não são susceptíveis de protecção “os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos” bem como “os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio” – al.s b) e c) do n.º 1 do art.º 199.º.
E nos termos do n.º 3 do art.º 214.º do mesmo diploma legal, “o facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo”.

No caso vertente, e tendo em conta a composição da marca registanda, não parece haver dúvida quanto à não verificação da situação prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 199.º.
Quanto à al. c), como se explica no Código da Propriedade Industrial Anotado, com coordenação geral de ANTÓNIO CAMPINOS e coordenação científica de LUÍS COUTO GONÇALVES, referindo-se a norma semelhante do Código português: «Decorre que deve ser vedado o registo de sinais somente compostos por vocábulos ou figuras comummente utilizados no mercado, que, sendo elementos usuais na prática comercial, não só não podem ser retirados da livre disponibilidade de todos os que se dediquem a determinada actividade, como também não são aptos a permitir que o consumidor, através deles, distinga produtos ou serviços.
Nesta proibição enquadra-se qualquer termo ou representação figurativa que sirva usualmente para referenciar o produto ou serviços indicados no pedido de registo (ou as suas características). Exemplo disso são expressão como “bica”, em relação ao “café”, e “fino”, no que respeita a “cerveja”.
Deve excluir-se também, através desta alínea, o registo de todo um conjunto de expressões mediante as quais vulgarmente se publicita e promove bens ou prestações no mercado (“super”, “fantástico”, entre muitas outras).
Há que sublinhar, todavia, que o registo deve ser negado apenas quando os sinais ou indicações de que a marca for exclusivamente composta se tiverem efectivamente tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio em relação aos produtos ou aos serviços para que tiver sido requerido o registo da referida marca, podendo ser concedido se não existir essa relação ..., ou se a marca incluir outros elementos que lhe forneça suficiente capacidade distintiva. »3
Nas palavras de FERRER CORREIA, quando fala na disposição semelhante à al. c) do n.º 1 do art.º 199.º do RJPI, diz que «Aqui já não se trata de elementos indispensáveis à identificação dos produtos, mas antes de expressões ou sinais cujo uso se vulgarizou (entrou no património comum) e que, por consequência, não devem igualmente poder ser monopolizados. Na literatura germânica fala-se, a este propósito, em sinais “francos”. Alguns exs. apontados pela doutrina: a figura de uma lebre, para artigos de caça; o desenho de um peixe, para artigos de pesca; a representação de flores, para artigos de perfumaria; a imagem de fogo, para aquecedores; expressões como “o melhor”, “ideal”, “esplêndido”, “extra”, etc..»4
Postas tais considerações e atenta a marca que está em causa nos presentes autos, afigura-se-nos que também não está preenchida a previsão na al. c) do n.º 1 do art.º 199.º, sem perder de vista o “subjectivismo” que naturalmente intervém na matéria respeitante à capacidade distintiva da marca.
Na verdade, não obstante o uso vulgar na linguagem corrente das duas palavras que compõem a marca registanda, consideradas em separado, certo é que, com a “junção” ou “associação” dessas expressões, a marca em discussão não deixa de ter a necessária capacidade distintiva que justifica a sua protecção legal.
É de recordar que, chamado a pronunciar-se sobre a capacidade distintiva da marca “APP CLIPS”, sinal idêntico ao reportado nos presentes autos, embora para assinalar os produtos das classes diversas, este Tribunal de Última Instância fez consignar, no recente acórdão proferido em 19 de Abril de 2023 e no Processo n.º 129/2023, o seguinte:
   «In casu, (como se deixou relatado), a “marca” cujo registo pretende a recorrente é “”, para os bens e serviços da “classe 9” atrás já referenciados.
   E, se certo se apresenta que uma “frase – puramente – descritiva”, eventualmente, com características “promocionais”, (que se limita a elogiar as qualidades dos produtos ou serviços), não é passível de registo, o mesmo já não sucede com “frases”, (ou expressões), que contenham determinadas “características”, e que, ainda que se possam considerar “simples”, (dada a sua natureza, composição, referência, etc…), não são “comuns”, ao ponto de, à partida, e de imediato, se (poder) excluir qualquer (necessidade de) análise e reflexão, ou qualquer “esforço de interpretação” por parte do público consumidor.
   Ora, ponderando na aludida “marca registanda” – composta pela junção das expressões: “APP” e “CLIPS” – somos de opinião que a mesma possui (a necessária) “capacidade distintiva”, pois que as expressões aí empregues, (e muito especialmente pela sua “junção” ou “associação”), não deixam de “instigar a reflexão”, desencadeando e sugerindo, por sua vez, um “processo cognitivo na mente do público” ao qual se dirige, sendo, por isso, passível de (mais fácil) “memorização”, o que a torna capaz de “distinguir” os produtos a que diz respeito dos produtos de empresas concorrentes.
   Nesta conformidade, mostra-se pois de considerar que a dita marca registanda, (que em nossa opinião, “não descreve”, mas apenas “sugere”), tem – suficiente – originalidade e impacto, desencadeando, no público relevante um “processo cognitivo” que implica, por sua vez, um “esforço de interpretação”, o que, por si, justifica a sua reclamada “capacidade distintiva”; (a este respeito, veja-se a concepção de Paul Mathély apud Américo da Silva Carvalho in, “Direito de Marcas”, Coimbra, pág. 211, e ainda, Pedro Sousa Silva in, “Direito Industrial – Noções Fundamentais”, pág. 152 a 154).
   Compreende-se, e, obviamente, respeitam-se outras opiniões sobre a matéria.
   Porém, temos como adequada a solução que se deixou adiantada.
   Na verdade, em matérias como a ora em causa, adequado não se mostra de adoptar perspectivas – digamos que algo – “redutoras” das circunstâncias (e outras realidades) que sustentam e esclarecem o pedido apresentado.
   Com efeito, (in casu), não se deve olvidar – sendo antes de ponderar e atentar – que a marca agora em questão pertence a uma “família de marcas” já registadas em Macau, compostas pelo referido elemento “APP”, e à mesma recorrente concedidas para idênticos produtos da classe 9ª, (a saber “” N/XXXXXX, e “” N/XXXXX; cfr., doc. 9 e 10, juntos com a petição de recurso judicial), e que a mesma marca registanda em questão, (com as mesmíssimas expressões), encontra-se já registada em várias jurisdições que, tal como a R.A.E.M., são partes de idênticas Convenções Internacionais sobre a matéria – como, v.g., o Brasil, a R.P. da China, países da União Europeia, India, Japão, etc…; cfr., fls. 151 a 154 – afigurando-se-nos, desta forma, válido e razoável considerar, (sem prejuízo da relevância nesta matéria do “princípio da territorialidade”; cfr., art. 4º do R.J.P.I.), que se a dita marca é tida como (suficientemente) “distintiva” noutras jurisdições com regimes legais (e costumes) semelhantes aos de Macau, razão (séria) não parece haver para a decidida recusa, (colocando-se a R.A.E.M. de “costas voltadas” ou, “à margem” da comunidade internacional).»
Face à identidade dos sinais em causa, as considerações supratranscritas também são válidas para o caso vertente, sendo de manter a posição já assumida.
Assim sendo, é de conceder provimento ao recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido.
Sem custas.

                  26 de Abril de 2023
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

1 Como anunciado pela Recorrente em 2015 na Conferência “Worldwide Developers Conference (WWDC)”.
2 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
3 Código da Propriedade Industrial Anotado, com coordenação geral de ANTÓNIO CAMPINOS e coordenação científica de LUÍS COUTO GONÇALVES, Almedina, Coimbra, 2.ª edição, 2015, p. 399.
4 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 325 e 326.
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Processo n.º 19/2023