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Processo nº 129/2022
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, com os demais sinais dos autos, interpôs, no Tribunal Judicial de Base, recurso judicial – CV2-21-0059-CRJ – da decisão de 04.08.2021 do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico que recusou o seu pedido de registo da marca n.° N/171614; (cfr., fls. 25 a 47 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Por sentença de 14.01.2022, (CV2-21-0059-CRJ), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 73 a 79).

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Inconformada com o decidido, a dita sociedade recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 22.09.2022, (Proc. n.° 370/2022), confirmou a sentença recorrida; (cfr., fls. 209 a 219).

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Traz agora a mesma sociedade o presente recurso, pedindo a revogação do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância com o consequente registo da sua pretendida marca.

Em sede das suas alegações, produz, a final, as conclusões seguintes:

“a. Da impugnação do despacho de determinação dos efeitos do recurso
b. Vem a Recorrente impugnar a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso interposto pela Recorrente por esta não ter invocado qualquer motivo para a fixação do efeito suspensivo.
c. A ser imediatamente exequível a decisão de manutenção do despacho de recusa de registo da marca registanda, a Recorrente corre o risco de perder a prioridade e a antecedência que lhe é garantida na pendência do pedido de registo (ainda que condicionada à concessão posterior da marca).
d. Ficaria a Recorrente impedida de reagir contra um eventual pedido de registo de marca semelhante apresentado por terceiro na pendência do presente recurso.
e. Inversamente, o efeito suspensivo que se impõe atribuir permite à Recorrente apresentar reclamação contra tal pedido de terceiro.
f. Atribuir ao presente recurso efeito meramente devolutivo tem o potencial de permitir a concessão a um terceiro de marca semelhante a outra já apresentada a registo e ainda não definitivamente recusada (o que é agravado pelo facto de o sinal em causa ser já utilizado e reconhecido como pertencente à Recorrente).
g. Nestes termos, e tendo em consideração os prejuízos que poderão decorrer da atribuição de um efeito devolutivo ao presente recurso, requer-se que seja atribuído o efeito suspensivo nos termos do artigo 607.º, n.º 3, ex vi, artigo 643.º, n.º 1 do CPC.
h. Da capacidade distintiva inerente da marca registanda
i. Foi o recurso interposto pela Recorrente julgado improcedente e decidido manter o despacho da DSEDT que recusou o registo da marca N/171614 por entender essencialmente que a marca "APP CLIPS" não goza de capacidade distintiva.
j. A Recorrente discorda profundamente do entendimento do Tribunal a quo, que é contrária a todos os cânones pelos quais se rege a propriedade industrial em Macau e no resto do mundo.
k. Por outro lado, entende a Recorrente que o Tribunal a quo interpretou erradamente os critérios de avaliação da distintividade de uma marca.
l. Como é sabido, é um princípio comum em propriedade industrial que a distintividade de uma marca tem de ser aferida no contexto dos bens e serviços que visa distinguir.
m. A avaliação do carácter distintivo inerente do sinal e, neste caso, de um slogan, depende da marca em si e do contexto dos produtos e serviços que distingue.
n. Ora, o artigo 199.º, n.º 1, al. b) do RJPI apenas deverá ser aplicado quando o conteúdo descritivo da marca é imediato, claro e inconfundivelmente óbvio.
o. O registo apenas deverá ser recusado se a marca tiver um significado descritivo que seja imediatamente óbvio para o consumidor médio, sendo que marcas sugestivas ou alusivas são passíveis de registo.
p. Efectivamente, a marca só é efectivamente descritiva se, como referimos, for exclusiva e directamente descritiva.
q. Tal como refere o Tribunal de Segunda Instância de Macau "(…), é na marca, como um todo, que há-de afirmar-se ou negar-se o carácter distintivo ou a adequação para distinguir a origem comercial dos bens que se destina marcar".
r. O fundamental é que a análise da distintividade da marca seja feita relativamente aos produtos que visa distinguir.
s. Analisada a marca é óbvio que a marca registanda não corresponde ao nome originário dos produtos que a marca distingue, pelo que não corresponde a uma marca genérica, nem é um sinal descritivo destes produtos.
t. Visto que não indica qualquer qualidade, característica ou função dos produtos.
u. O fundamento de recusa invocado apenas deverá ser aplicado quando o conteúdo descritivo da marca é imediato, claro e inconfundivelmente óbvio para o consumidor médio.
v. Ao depararem-se com a marca registanda "APP CLIPS", os consumidores não associam imediatamente, e sem hesitação, à marca um significado obviamente descritivo dos produtos designados.
w. A especificidade é aqui fundamental.
x. Duas ou mais palavras comuns (mesmo que relacionadas com os produtos em questão) podem, juntas, formar uma marca suficientemente distintiva para cumprir a função diferenciadora.
y. Enquanto expressões como CLIPPING APP ou CLIPS APP podem ser vistas como descritivas de uma aplicação usada para editar imagens, o mesmo não sucede com "APP CLIPS", que consiste numa combinação não-usual (de facto, inédita) que não é imediatamente ou obviamente descritiva dos produtos designados, nomeadamente de software de computador.
z. Como referido supra, a falta de um significado evidente e imediato relacionado com os serviços em questão determinam a necessidade de um esforço intelectual para atingir uma conclusão quanto ao referido significado.
aa. E enquanto for necessário esforço mental" não há motivos para ser recusado o registo da marca registanda.
bb. Adicionalmente, etimologicamente "clips" reflecte o facto de que a sua criação exigia originalmente um conjunto de tesouras para (re)cortar filmagens ou artigos de jornais.
cc. Em contraste, software de computador não pode ser cortado ou recortado de forma alguma, e não existe tal coisa como um "clips de software".
dd. Adicionalmente uma marca não precisa ser obviamente distintiva para poder ser registada - marcas sugestivas são passíveis de registo.
ee. A questão fulcral é se dado sinal é capaz de funcionar como um emblema de origem comercial ou se é provável que seja usado por diferentes comerciantes como um termo descritivo.
ff. Assim que o limite mínimo de distintividade é atingido, o registo de um sinal deverá ser concedido, independentemente de o mesmo ser mais ou menos inerentemente distintivo.
gg. Assim, às marcas sugestivas, alusivas ou evocativas não está vedado o registo. Tal é observado pela Associação Internacional de Marcas ("INTA").
hh. Ora, o significado da marca registanda é ambíguo, está aberto a interpretação e apela à imaginação do consumidor. Não descreve ao consumidor os produtos que assinala.
ii. Não é, de modo algum, descritiva dos produtos que distingue, mas sim, sugere ou evoca de uma maneira fantasiosa uma característica do produto.
jj. Nesta senda, releva-se uma decisão do Tribunal Judicial de Base num caso em tudo, semelhante que concedeu registo à marca "APP CLIPS" por entender, resumidamente, que não é meramente uma indicação directa das características dos produtos e serviços, nem é "difícil para os consumidores perceberem uma relação estabelecida entre o registo proposto e os produtos ou serviços fornecidos pelo recorrente".
kk. Concluindo que uma vez que a marca registando não só expressa as características dos produtos e serviços, mas também é o nome de um pedido propriedade do recorrente, a marca proposta não é uma marca meramente descritiva, mas uma marca sugestiva que tem a capacidade identificadora.
ll. Ora, por maioria de razão, a marca registanda "APP CLIPS" deverá também ser considerada como ·distintiva, visto que a marca é idêntica à da marca decidida no processo CV1-21-0059-CRJ.
mm. Pelo que a abordagem a aplicar no exame e concessão de registo de marcas deverá ser a mesma.
nn. Assim, deve considerar-se que a marca registanda é passível de cumprir a sua função de marca, gozando de capacidade distintiva inerente para identificar no mercado os produtos da Recorrente.
oo. Pelo que não se poderá recusar a marca registanda com fundamento no artigo 199.º, n.º 1, b) do RJPI.
pp. Aqui, é ainda importante reconhecer que o software de computador constitui uma categoria única de produtos.
qq. E para avaliar se uma marca é passível de distinguir serviços relacionados com software, o examinador deverá considerar a natureza dos referidos serviços ou do software, em vez do que se pode fazer com este.
rr. O Tribunal a quem deverá, portanto, ter a atenção necessária de modo a evitar uma aplicação excessiva do teste descritivo a marcas que procurem distinguir software ou serviços relacionados com software. A avaliação deve-se limitar a considerar se a marca realmente descreve esses produtos ou serviços, e não o que o software de computador pode fazer.
ss. Como tal, ainda que o software de computador possa ser utilizado para criar clips de vídeo e áudio, não significa que a palavra CLIPS ou a imagem de uma câmara ou microfone seja obviamente descritiva da natureza do software de computador, algo intangível e que não pode funcionar sem uma máquina ou instrumento compatível.
tt. Deverá então considerar-se que "APP CLIPS" está apta a cumprir a sua função de marca, gozando de capacidade distintiva inerente para identificar no mercado os produtos e serviços da Recorrente.
uu. Por outro lado, é ainda extremamente relevante aferir quem é o público consumidor!
vv. É amplamente reconhecido que os produtos e serviços da Recorrente gozam de um nível excepcional de fama e popularidade entre os consumidores.
ww. Portanto, ao considerar o carácter distintivo da marca, seria irrealista ignorar o facto de que os consumidores estão provavelmente mais familiarizados com os produtos e marcas da Recorrente, do que com os de qualquer outro comerciante.
xx. É assim evidente que os consumidores terão mais atenção relativamente aos produtos adquiridos desta marca e saberão, com certeza, que os produtos adquiridos sob a marca "APP CLIPS" pertencem à Recorrente.
yy. A marca registanda "APP CLIPS" foi registada em várias jurisdições em todo o mundo, nomeadamente em Hong Kong, Taiwan, China e Portugal.
zz. Note-se que os procedimentos de exame de marca nas jurisdições referidas supra não são menos rigorosos que os praticados em Macau.
aaa. Ora, se os consumidores de Macau partilham a mesma língua e contexto cultural semelhante aos consumidores de Taiwan, Hong Kong e China, se a marca "APP CLIPS" foi considerada como distintiva pelos examinadores daquelas jurisdições, não há motivo para que o mesmo não aconteça em Macau.
bbb. A haver qualquer dúvida sobre a capacidade distintiva e registabilidade da marca registanda, esta não teria sido aprovada pelos examinadores naquelas jurisdições.
ccc. Deste modo, e tendo em consideração todo o exposto supra, a marca cujo registo ora se solicita é, no entendimento da Recorrente, inerentemente distintiva e deve ser registada em Macau, uma vez que não se verificam os alegados fundamentos de recusa previstos no 214.°, n.° 1, a), 9.°, n.° 1, a) e 199.°, n.° 1, al. b) e c) do RJPI”; (cfr., fls. 232 a 258).

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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal Judicial de Base (e Tribunal de Segunda Instância) foram considerados como “provados” os factos como tal indicados nas suas decisões, importando, agora, reter, (essencialmente), que a ora recorrente pretende o registo da marca “”, (N/171614), para os seguintes bens e serviços (da classe 9):

“Computadores; hardware de computadores; hardware de computador utilizável; computadores portáteis; computadores de tablete; aparelhos e instrumentos de telecomunicações; telefones; telemóveis; telefones inteligentes; dispositivos de comunicação sem fios para transmissão de voz, dados, imagens, áudio, vídeo, e conteúdo multimédia; aparelhos de comunicação para redes; dispositivos electrónicos digitais portáteis capazes de proporcionar acesso à Internet e para o envio, recepção e armazenamento de chamadas telefónicas, correio electrónico e outros dados digitais; dispositivos electrónicos digitais utilizáveis capazes de proporcionar acesso à internet para enviar, receber e armazenar chamadas telefónicas, correio electrónico e outros dados digitais; relógios inteligentes; rastreadores utilizáveis para actividades físicas; pulseiras (instrumentos de medição); leitores de livros electrónicos; software de computador; software informático para instalação, configuração, operação ou controle de dispositivos móveis, telefones móveis, dispositivos portáteis, computadores, periféricos para computador, codificadores/descodificadores (set-top boxes), televisões, e leitores de áudio e vídeo; software para o desenvolvimento de programas informáticos; software de jogos de computador; áudio, vídeo e conteúdo multimédia pré-gravado descarregável; dispositivos periféricos de computador; dispositivos periféricos para computador, telemóveis, dispositivos electrónicos móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, auriculares, auscultadores, codificadores/descodificadores (set-top boxes), e leitores e gravadores de áudio e vídeo; periféricos de computador utilizáveis; periféricos de computador utilizáveis para uso com computadores, telemóveis; dispositivos electrónicos móveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, televisões, codificadores/descodificadores (set-top boxes), leitores e gravadores de áudio e vídeo; acelerómetros; altímetros; aparelhos para medição de distâncias; aparelhos para gravação de distâncias; pedómetros; aparelhos para medição da pressão; indicadores de pressão; monitores, ecrãs de exibição, ecrãs de exibição montados e fones de ouvido para uso com computadores, telefones inteligentes, dispositivos electrónicos móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, televisões, e codificadores/descodificadores (set-top boxes), e leitores e gravadores de áudio e vídeo; óculos inteligentes; óculos 3D; óculos; óculos de sol; lentes para óculos; vidro óptico; artigos ópticos; aparelhos e instrumentos ópticos; câmaras; flashes para máquinas fotográficas; ecrãs para computadores, telefones móveis, dispositivos electrónicos móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, e leitores e gravadores de áudio e vídeo; teclados, ratos, almofadas para rato, impressoras, unidades de disco, e discos rígidos; aparelhos para gravar e reproduzir sons; leitores e gravadores digitais de áudio e vídeo; altifalantes; amplificadores e receptores de áudio; aparelhos de áudio para veículos motorizados; aparelhos de gravação de voz e reconhecimento de voz; auriculares, auscultadores; microfones; televisões; televisores e ecrãs de televisão; codificadores/descodificadores (set-top boxes); rádios; transmissores e receptores de rádio; aparelhos de sistemas de posicionamento global (GPS); instrumentos de navegação; aparelhos de controlo remoto para controlar computadores, telemóveis, dispositivos electrónicos móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, leitores e gravadores de áudio e vídeo, televisões, altifalantes, amplificadores, sistemas teatrais domésticos, e sistemas de entretenimento; dispositivos utilizáveis para controlar computadores, telefones móveis, dispositivos electrónicos móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, leitores e gravadores de áudio e vídeo, televisões, altifalantes, amplificadores, sistemas teatrais domésticos, e sistemas de entretenimento; aparelhos para armazenamento de dados; chips de computador; baterias; carregadores de bateria; conectores, acopladores, fios, cabos, carregadores, acopladores, estações de acoplamento e adaptadores eléctricos e electrónicos para utilização com todos os produtos atrás referidos; interfaces para computadores, periféricos para computador, telemóveis, dispositivos electrónicos digitais móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, televisões, codificadores/descodificadores (set-top boxes), e leitores e gravadores de áudio e vídeo; protector de ecrã adaptados a monitores de computador; capas, sacos, estojos, capas protectoras, correias e cordões para computadores, telemóveis, dispositivos electrónicos digitais móveis, dispositivos electrónicos utilizáveis, relógios inteligentes, óculos inteligentes, auriculares, auscultadores, codificadores/ descodificadores (set-top boxes), e leitores e gravadores de áudio e vídeo; varas para selfies (monopods manuais); carregadores de bateria para cigarros electrónicos; colares electrónicos para treinar animais; agendas electrónicas; aparelhos para verificar a selagem de correio; caixas registadoras; mecanismos para aparelhos operados com moedas; máquinas para ditar; marcadores de bainhas para a costura; máquinas de votar; etiquetas electrónicas para bens; máquinas de escolha de prémios; máquinas de telefax; aparelhos e instrumentos de pesagem; medições; quadros de avisos electrónicos; aparelhos de medir; pastilhas de silício [para circuitos integrados]; circuitos integrados; amplificadores; ecrãs fluorescentes; controlo remote; fios condutores de raios luminosos [fibras ópticas]; instalações eléctricas para o controlo remoto de operações industriais; pára-raios; electrolisadores; extintores de incêndio; aparelhos radiológicos para fins industriais; aparelhos e equipamentos salva-vidas; avisadores de apito de alarme; desenhos animados; ensaiadores [aparelhos para o controlo] de ovos; apitos para chamar os cães; ímanes decorativos; vedações electrificadas; retardadores de carro com controlo remoto portáteis; peúgas aquecidas electricamente; aparelhos electrónicos de comando e reconhecimento de voz para controle de operações dispositivos electrónicos de consumo e sistemas residenciais; assistentes digitais pessoais; aparelhos para regular o calor; termóstatos; monitores, sensores, e controles para dispositivos e sistemas de ares condicionados, aquecimento, e ventilação; aparelhos eléctricos para regularização; reguladores de luz eléctrica (reguladores de intensidade da luz eléctrica); aparelhos de controle da electricidade; tomadas elétricas; interruptores eléctricos e electrónicos; alarmes, sensores de alarme e sistemas de monitorização de alarmes; detectores de fumo e monóxido de carbono; fechaduras e fechos eléctricos e electrónicos para portas e janelas; controles eléctricos e electrónicos para portas de garagem; sistemas de segurança e de vigilância residencial”; (cfr., fls. 73 a 75-v e 211-v a 213-v).

Do direito

3. Vem interposto recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 22.09.2022, (Proc. n.° 370/2022), que negou provimento ao recurso que a ora recorrente interpôs da sentença do Tribunal Judicial de Base com a qual se confirmou o despacho que recusou o registo da (atrás referida) marca – N/171614 – pela mesma requerido junto da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico de Economia para os bens e serviços também já identificados.

Em apertada síntese que se tem como adequada, (e ultrapassada que está a questão do efeito da presente lide recursória; cfr., fls. 282), importa apreciar e decidir se a “marca” agora em questão – “” – reúne os pressupostos legais para o pela ora recorrente pretendido registo.

Pela Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico, e, posteriormente, pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância, foi (uniformemente) entendido que de sentido “negativo” devia ser a resposta, considerando-se que o referido “sinal” não possuía “capacidade distintiva” dado tratar-se de uma expressão que se tornou usual na linguagem corrente do comércio, não permitindo uma adequada distinção dos bens e serviços em questão, negando-se, assim, à ora recorrente, a sua pretensão registral.

Porém, da análise e reflexão que se nos foi possível efectuar sobre a matéria e questão, e sem prejuízo do muito respeito por diversa opinião, cremos que nada obsta ao registo da aludida marca.

Passa-se a (tentar) expor o porque deste nosso ponto de vista.

Vejamos.

Como – nos Acórdãos de 28.01.2022, Proc. n.° 159/2021 e de 02.03.2022, Proc. n.° 3/2022 – já teve esta Instância oportunidade de considerar:

“(…) por um bom número de vezes foi esta Instância chamada a decidir “questões análogas” à agora colocada (relacionada com o “direito de registo de uma marca”), e, como já tivemos oportunidade de considerar, em causa estando uma questão de “Direito da Propriedade Industrial” (em grande parte) regulada pelo D.L. n.° 97/99/M que aprovou o “Regime Jurídico da Propriedade Industrial”, (R.J.P.I.), útil se mostra de atentar que em sede do seu preâmbulo se consignou que:
“A propriedade industrial é assumida, no mundo contemporâneo, como um factor fundamental de promoção do desenvolvimento económico.
Efectivamente, ela contribui de forma decisiva para o estímulo da actividade inventiva, uma vez que, face à considerável mobilização de recursos que a investigação tecnológica implica, só a protecção assegurada pelo sistema da propriedade industrial tende a garantir a compensação económica adequada aos investimentos efectuados na busca de novos produtos e de novos processos.
Por outro lado, a propriedade industrial constitui um factor favorável à transferência de tecnologia, na medida em que os detentores de conhecimentos tecnológicos, no exterior, estarão muito mais abertos a efectuar essa transferência se existir em Macau um adequado sistema de protecção dos seus direitos de exclusividade sobre essa tecnologia.
(…)
Quanto às marcas e outros sinais distintivos, a sua importância também não pode ser contestada: elas tendem a garantir a identificação do produto com o produtor, significando essa identificação uma determinada garantia de qualidade ou de origem e, consequentemente, criam a segurança na manutenção das qualidades e características do produto. Estes sinais distintivos contêm em si, portanto, um factor muito relevante de estímulo à diferenciação das empresas pela qualidade e uma fonte de segurança dos consumidores.
(…)”.
Por sua vez, importa ter presente que nos termos do art. 1° deste referido R.J.P.I.:
“O presente diploma regula a atribuição de direitos de propriedade industrial sobre as invenções e sobre as demais criações e os sinais distintivos nele previstos, tendo em vista, designadamente, assegurar a protecção da criatividade e do desenvolvimento tecnológicos, da lealdade da concorrência e dos interesses dos consumidores”.
Daí que se diga que a “Propriedade Industrial” seja a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, científico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado período de tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.
Cabendo-nos agora apreciar de um reclamado (direito de) “registo de uma marca” e decidir se acertada foi a sua “recusa”, vejamos que solução adoptar.
Nos termos do art. 197° do aludido R.J.P.I.: “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
E, assim, não obstante de um ponto de vista “económico”, a uma marca caiba essencialmente desempenhar as funções de “indicação da origem” dos produtos ou serviços, de “garantia de qualidade” e ainda a função “publicitária”, (cfr., v.g., Luís M. Couto Gonçalves in, “Direitos de Marcas”, pág. 15), atento ao preceituado no referido art. 197° é de se concluir que a “função jurídica” da marca é a de identificar a proveniência de um produto ou serviço ao consumidor para, assim, permitir a sua distinção de outros produtos ou serviços produzidos ou postos no mercado, devendo assim ser entendida como “um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços”; (cfr., v.g., O. Ascensão in, “Direito Comercial”, Vol. II, “Direito Industrial”, pág. 139, assim como, entre outros, os Acs. deste T.U.I. de 18.11.2020, Proc. n.° 174/2020 e de 21.04.2021, Proc. n.° 42/2021).
Por sua vez, (em face da “natureza” da questão a tratar), importa aqui atentar, especialmente, no estatuído no art. 214° do dito R.J.P.I., onde se preceitua que:
“1. O registo de marca é recusado quando:
a) Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;
c) A marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los.
2. O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a) Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina;
b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c) Medalhas de fantasia ou desenhos susceptíveis de confusão com as condecorações oficiais ou com as medalhas e recompensas concedidas em concursos e exposições oficiais;
d) Brasões ou insígnias heráldicas, medalhas, condecorações, apelidos, títulos e distinções honoríficas a que o requerente não tenha direito, ou, quando o tenha, se daí resultar o desrespeito e o desprestígio de semelhante sinal;
e) A firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
f) Sinais que constituam infracção de direitos de autor ou de propriedade industrial.
3. O facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.
4. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea b) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo ou o faça simultaneamente com o pedido de recusa.
5. O interessado na recusa do registo da marca a que se refere a alínea c) do n.º 1 só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo para os produtos ou serviços que lhe deram grande prestígio, ou o faça simultaneamente com a reclamação”.
E pronunciando-se sobre “questão idêntica” à ora em apreciação, igualmente já teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de considerar (nomeadamente) que:
“(…)
A marca é um dos direitos de propriedade industrial.
O direito de propriedade industrial confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei [artigo 5.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI)].
(…)
A marca destina-se a distinguir produtos ou serviços. Sendo ela “… um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
Como se sabe, vigora em matéria de marcas o princípio da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
(…)
Como explica FERRER CORREIA2 “A marca não pode, portanto, ser igual ou semelhante a outra já anteriormente registada. O grau de semelhança que a marca não deve ter com outra registada anteriormente é definido por este elemento: possibilidade de confusão de uma com outra no mercado. Mas não pode haver confusão entre a marca adoptada para certo produto e a marca adoptada para outro que daquele seja completamente distinto. Por isso a lei restringe o princípio da especialidade da marca aos produtos da mesma espécie ou afins, nessa conformidade tendo substituído ao sistema do registo por classes o sistema de registo por produtos”.
(…)
Na lição de FERRER CORREIA3 “… a imitação de uma marca por outra existirá, obviamente, quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda, convém sublinhá-lo, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento. Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger – o interesse em que se não confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos. Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória”.
Relembra CARLOS OLAVO4 que, da constatação de que a comparação das marcas não é simultânea, mas sucessiva, decorrem os seguintes corolários, “Se dois sinais são comparados um perante o outro, são as diferenças que ressaltam.
Mas quando dois sinais são vistos sucessivamente, é a memória do primeiro que existe quando o segundo aparece, pelo que, nesse momento, apenas as semelhanças ressaltam”.
Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve
proceder-se à comparação das marcas5”; (cfr., v.g., os Acórdãos de 20.05.2015, Proc. n.° 19/2015, de 23.10.2015, Proc. n.° 64/2015, de 07.02.2017, Proc. n.° 77/2016, de 27.09.2018, Proc. n.° 36/2018, de 19.06.2019, Proc. n.° 130/2014, de 19.07.2019, Proc. n.° 42/2015, de 18.09.2019, Proc. n.° 84/2016, e, mais recentemente, de 31.07.2020, Proc. n.° 9/2018 e de 09.09.2020, Proc. n.° 64/2019)”.

Isto dito, ponderando sobre a “situação” em questão – em causa estando saber se a marca registanda tem “capacidade distintiva” – e reconhecendo-se que em “matérias” como a que agora nos ocupa, intervém, sempre, algum “subjetivismo”, cremos, (como deixamos adiantado), que tem a recorrente razão.

De facto, como sabido é, podem existir os seguintes tipos de “marcas”:
- nominativas (ou denominativas): compostas apenas por elementos verbais, sejam palavras, letras ou números;
- figurativas: compostas apenas por elementos figurativos, como desenhos ou imagens;
- mistas: compostas por elementos verbais e figurativos; e,
- tridimensionais: compostas pela forma do produto ou da respetiva embalagem; (havendo ainda as “marcas de posição”, de “padrão”, de “cor”, de “movimento”, de “holograma”, assim como as “sonoras”, compostas por sons, e as “olfativas”, compostas pelo odor).

In casu, (como se deixou relatado), a “marca” cujo registo pretende a recorrente é “”, para os bens e serviços da “classe 9” atrás já referenciados.

E, se certo se apresenta que uma “frase – puramente – descritiva”, eventualmente, com características “promocionais”, (que se limita a elogiar as qualidades dos produtos ou serviços), não é passível de registo, o mesmo já não sucede com “frases”, (ou expressões), que contenham determinadas “características”, e que, ainda que se possam considerar “simples”, (dada a sua natureza, composição, referência, etc…), não são “comuns”, ao ponto de, à partida, e de imediato, se (poder) excluir qualquer (necessidade de) análise e reflexão, ou qualquer “esforço de interpretação” por parte do público consumidor.

Ora, ponderando na aludida “marca registanda” – composta pela junção das expressões: “APP” e “CLIPS” – somos de opinião que a mesma possui (a necessária) “capacidade distintiva”, pois que as expressões aí empregues, (e muito especialmente pela sua “junção” ou “associação”), não deixam de “instigar a reflexão”, desencadeando e sugerindo, por sua vez, um “processo cognitivo na mente do público” ao qual se dirige, sendo, por isso, passível de (mais fácil) “memorização”, o que a torna capaz de “distinguir” os produtos a que diz respeito dos produtos de empresas concorrentes.

Nesta conformidade, mostra-se pois de considerar que a dita marca registanda, (que em nossa opinião, “não descreve”, mas apenas “sugere”), tem – suficiente – originalidade e impacto, desencadeando, no público relevante um “processo cognitivo” que implica, por sua vez, um “esforço de interpretação”, o que, por si, justifica a sua reclamada “capacidade distintiva”; (a este respeito, veja-se a concepção de Paul Mathély apud Américo da Silva Carvalho in, “Direito de Marcas”, Coimbra, pág. 211, e ainda, Pedro Sousa Silva in, “Direito Industrial – Noções Fundamentais”, pág. 152 a 154).

Compreende-se, e, obviamente, respeitam-se outras opiniões sobre a matéria.

Porém, temos como adequada a solução que se deixou adiantada.

Na verdade, em matérias como a ora em causa, adequado não se mostra de adoptar perspectivas – digamos que algo – “redutoras” das circunstâncias (e outras realidades) que sustentam e esclarecem o pedido apresentado.

Com efeito, (in casu), não se deve olvidar – sendo antes de ponderar e atentar – que a marca agora em questão pertence a uma “família de marcas” já registadas em Macau, compostas pelo referido elemento “APP”, e à mesma recorrente concedidas para idênticos produtos da classe 9ª, (a saber “” N/135746, e “” N/81342; cfr., doc. 9 e 10, juntos com a petição de recurso judicial), e que a mesma marca registanda em questão, (com as mesmíssimas expressões), encontra-se já registada em várias jurisdições que, tal como a R.A.E.M., são partes de idênticas Convenções Internacionais sobre a matéria – como, v.g., o Brasil, a R.P. da China, países da União Europeia, India, Japão, etc…; cfr., fls. 151 a 154 – afigurando-se-nos, desta forma, válido e razoável considerar, (sem prejuízo da relevância nesta matéria do “princípio da territorialidade”; cfr., art. 4° do R.J.P.I.), que se a dita marca é tida como (suficientemente) “distintiva” noutras jurisdições com regimes legais (e costumes) semelhantes aos de Macau, razão (séria) não parece haver para a decidida recusa, (colocando-se a R.A.E.M. de “costas voltadas” ou, “à margem” da comunidade internacional).

Dest’arte, adequado se mostra de decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam revogar a decisão recorrida, concedendo-se provimento ao recurso.

Sem custas.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 19 de Abril de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
2 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
3 FERRER CORREIA, Lições …, p. 328 e 329.
4 CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Volume I, Sinais Distintivos do Comércio, Concorrência Desleal, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2005, p.101 e 102.
5 CARLOS OLAVO, Propriedade …, p 102. No mesmo sentido, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Coimbra, Almedina, 4.ª edição, 2003, Volume I, p. 375.
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