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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I - Relatório.
A interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, para o Tribunal de Última Instância, do Acórdão de 30 de Outubro de 2008, do Tribunal de Segunda Instância (TSI), no Processo n.º 450/2008, alegando que este Acórdão está em oposição, sobre a mesma questão de direito, com o Acórdão do mesmo Tribunal, de 14 de Junho de 2007, no Processo n.º 437/2006.
De acordo com o recorrente, a questão sobre a qual há divergência jurídica é a seguinte:
O acórdão recorrido decidiu que:
- A entrega de subornos do corruptor activo ao funcionário corrompido (crime antecedente) integra já o crime de branqueamento de capitais.
Por sua vez, no Acórdão de 14 de Junho de 2007 (acórdão fundamento), do Tribunal de Segunda Instância, decidiu-se que:
- O acto de pagamento de dinheiro, proveniente do crime de rapto, enquanto acto integrante da fase de execução do crime precedente ou antecedente, não integra o crime de branqueamento de capitais.
Por conseguinte, na tese do recorrente, a questão jurídica relativamente à qual existe oposição entre os dois acórdãos, é esta:
- Num caso decidiu-se que o acto de pagamento de dinheiro do crime que antecede o crime de branqueamento de capitais não integra este crime;
- No segundo caso decidiu-se que o acto de pagamento de dinheiro do crime que antecede o crime de branqueamento de capitais integra este crime.
O Ministério Público respondeu, defendendo que o recurso deve ser rejeitado, pelas seguintes razões:
- No acórdão fundamento não se deu como verificada a existência de actos de execução do crime de branqueamento de capitais, razão pela qual foi afastada expressamente a própria tentativa;
- No acórdão recorrido deram-se como preenchidos tais actos de execução;
- Não há, por isso, oposição relevante, já que os acórdãos não outorgaram sentidos diferentes à mesma disposição legal;
- Deve o recurso ser rejeitado.
Neste Tribunal, o Ex. mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida pelo Ministério Público.

II - Fundamentos
1. Os requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, em processo penal.
Cabe proferir a decisão a que se refere o n.º 1 do art. 423.º, do Código de Processo Penal, isto é, decidir se o recurso deve prosseguir ou se deve ser rejeitado, por ocorrer motivo de inadmissibilidade ou por não existir oposição de julgados.
Dispõe o art. 419.º do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pelo art. 73.º da Lei n.º 9/1999, de 20.12:
“Artigo 419 º
Fundamento do recurso
1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Última Instância proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil podem recorrer, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido em último lugar.
2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando o Tribunal de Segunda Instância proferir acórdão que esteja em oposição com outro do mesmo tribunal ou do Tribunal de Última Instância, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Tribunal de Última Instância.
3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”.

Trata-se de saber:
- Se foram proferidos dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas;
- Se as decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação;
- Se o acórdão fundamento é anterior ao acórdão recorrido e se transitou em julgado;
- Se do acórdão recorrido não era admissível recurso ordinário;
- Se o recurso foi interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (n.º 1 do art. 420.º do Código de Processo Penal).

2. Existência de dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas
Relativamente ao pressuposto em questão – existência de dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas - tem-se considerado que:
As decisões devem ser diversas, opostas, não necessariamente contraditórias.
A oposição entre as decisões deve ser expressa e não meramente implícita. Não basta que numa das decisões possa ver-se aceitação tácita de doutrina contrária a outra decisão.
A questão decidida pelos dois acórdãos deve ser idêntica e não apenas análoga. A este respeito tem-se entendido que os factos fundamentais sobre os quais assentam as decisões, ou seja, os factos nucleares e necessários à resolução do problema jurídico, devem ser idênticos.
A questão sobre a qual se verifica a oposição deve ser fundamental. Ou seja, a questão de direito deve ter sido determinante para a decisão do caso concreto.
A questão sobre a qual há oposição tem de ser uma questão de direito. Não pode ser uma questão de facto, até porque o Tribunal de Última Instância não aprecia, normalmente, matéria de facto.

3. O caso dos autos
Estamos em condições de decidir se se verifica a existência de dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas.
O acórdão recorrido, de 30 de Outubro de 2008, considerou que, no caso1, a entrega de subornos do corruptor activo ao membro do Governo corrompido (crime antecedente) integra o crime de branqueamento de capitais.
Mas não existe a oposição alegada pelo recorrente, pela simples razão de que o acórdão fundamento, de 14 de Junho de 2007, não decidiu que o acto de pagamento de dinheiro, proveniente do crime de rapto, enquanto acto integrante da fase de execução do crime precedente ou antecedente, não integra o crime de branqueamento de capitais.
O TSI, no mencionado acórdão, não emitiu a pronúncia que o recorrente lhe imputa.
Neste acórdão fundamento, o TSI considerou que o montante em dinheiro, proveniente do crime antecedente, o de rapto, ainda não chegou ao poder dos arguidos, pelo que não houve qualquer acto de execução do crime de branqueamento de capitais. Por isso, diz-se no mesmo acórdão, que nem sequer há tentativa do crime de branqueamento de capitais.
É que, como se sabe, só há tentativa de um crime quando se praticam actos de execução (um pelo menos) do crime, sem que o crime se chegue a consumar (artigo 21.º, n.º 1 do Código Penal).
Mas o acórdão do TSI, de 14 de Junho de 2007, nunca afirma, nem implícita, nem explicitamente, que o acto de pagamento de dinheiro, proveniente do crime de rapto, enquanto acto integrante da fase de execução do crime precedente ou antecedente, não integra o crime de branqueamento de capitais.
Não há, portanto, qualquer oposição entre os dois acórdãos sobre a mesma questão de direito, pelo que falta o requisito essencial para que se pudesse efectivar a uniformização de jurisprudência pelo Tribunal de Última Instância.
Está, pois, prejudicado o exame dos restantes requisitos do recurso.

III - Decisão
Face ao expendido, rejeita-se o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC.

Macau, 11 de Março de 2009
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

1 Isto é, a doutrina jurídica que se pode extrair é que o TSI entendeu que a entrega de subornos do corruptor activo ao corrompido (crime antecedente) pode integrar o crime de branqueamento de capitais (desde que se verifiquem os elementos constitutivos deste crime).
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Processo n.º 6/2009