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Processo nº 12/2023
(Autos de recurso jurisdicional relativo a uniformização de jurisprudência em processo penal)




ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL E MARÍTIMO”, (F.G.A.M.), (“汽車及航海保障基金”), interpôs – “ao abrigo do n.° 2 do artigo 419.° e atento o disposto no n.° 1 do artigo 420.°, ambos do Código de Processo Penal de Macau” – o presente “recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência” para este Tribunal de Última Instância.

A final das suas alegações produziu as seguintes conclusões:

“I. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância em 22 de Setembro de 2022 nos autos de recurso penal n.° 356/2021, transitado em julgado em 18 de Outubro de 2022 (acórdão recorrido), restrito à parte cível e apenas no que respeita à questão da validade do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, por se encontrar em oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, com o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 30 de Maio de 2019, proferido nos autos de recurso penal n.° 620/2017 (acórdão fundamento);
II. A oposição entre os dois acórdãos decorre da interpretação do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 57/94/M, de 28 de Novembro, nomeadamente face à aplicabilidade e quando em conjugação com os n.os 1 e 2 do artigo 988.° do Código Comercial e com os n.os 1 e 2 do artigo 987.° do mesmo Código;
III. No acórdão fundamento decidiu-se que o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel está sujeito a um mecanismo de renovação automática e que a seguradora é obrigada por lei a cumprir o acto essencial de rescisão, notificando o segurado de que o seguro caducará trinta dias após a data de envio da notificação por correio registado, quando se verifique o não pagamento do prémio;
IV. O acórdão recorrido, por seu turno, confirmou que a apólice de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel emitida para um período de 12 meses, do dia 22 de Dezembro de 2017 às 24 horas do dia 21 de Dezembro de 2018, caducara nesta última data e, por conseguinte, não era válida nem eficaz no dia 1 de Janeiro de 2019, data em que ocorreu o acidente de viação em causa, mesmo sem se mostrar cumprido o acto essencial de rescisão nem as outras diligências prévias de notificação;
V. Conforme prescreve o n.° 2 do artigo 992.° do Código Comercial de Macau, na falta de comunicação em sentido contrário, o contrato de seguro renova-se por períodos de um ano;
VI. Ainda conforme resulta do disposto do n.° 3 do mesmo artigo, a comunicação a que se refere o número anterior deve ser feita com um pré-aviso de um mês, mediante carta registada;
VII. Do mesmo modo dispõe o n.° 2 do artigo 13.° do Decreto-Lei n.° 57/94/M, de 28 de Novembro, que "[a] caducidade do contrato pode ser invocada pela seguradora decorridos trinta dias sobre a data do registo do aviso de anulação do contrato";
VIII. Significa isto que, findo o prazo, o contrato de seguro renova-se automaticamente pelo período de um ano, excepto quando tenha havido denúncia do contrato ou comunicação da caducidade, feita com antecedência mínima de um mês ou trinta dias;
IX. A mesma lógica se aplica no caso de falta de pagamento do respectivo prémio. Neste âmbito, estatuem o n.° 1 do artigo 987.° do Código Comercial de Macau, o n.° 1 do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 57/94/M, de 28 de Novembro, assim como o n.° 1 do artigo 21.° da Portaria n.° 249/94/M, de 28 de Novembro, que incumbe sempre à seguradora pôr o respectivo recibo à cobrança, mediante aviso, por escrito, recaindo sobre esta o ónus da prova relativo a tal aviso (cfr. n.° 3 do artigo 987.° do Código Comercial de Macau);
X. Resulta ainda, do disposto no n.° 2 do artigo 987.° do Código Comercial, que do referido aviso de cobrança devem obrigatoriamente constar as consequências da falta de pagamento do prémio;
XI. Posto este a pagamento e não sendo o mesmo liquidado, estipulam então o n.° 3 do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 57/94/M, de 28 de Novembro, bem como o n.° 3 do artigo 21.° da Portaria n.° 249/94/M, de 28 de Novembro, que "[n]a falta de pagamento do prémio, a seguradora deve informar o titular da apólice de que o seguro caduca no prazo de trinta dias contados da data do registo postal do aviso." (nossos destaque e sublinhado);
XII. Do exposto conclui-se que a seguradora, quando confrontada com a falta de pagamento do prémio, apenas pode proceder à anulação do contrato de seguro findo o prazo de trinta dias contados da data do registo postal do aviso;
XIII. Durante o prazo de trinta dias contados da data do registo postal do aviso, o segurado/titular da apólice está unicamente em mora, mantendo-se o contrato plenamente em vigor, nos termos do n.° 2 do artigo 988.° do Código Comercial, e atento o disposto nos n.os 3 e 5 do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 57/94/M, de 28 de Novembro, e, nos n.os 3 e 5 do artigo 21.° da Portaria n.° 249/94/M, de 28 de Novembro;
XIV. Face à natureza específica - obrigatória - do contrato de seguro automóvel, a caducidade não opera ope legis, estando sim dependente de uma declaração de vontade nesse sentido por parte da companhia seguradora, por força das referidas normas imperativas;
XV. Nada se sabendo quanto à comunicação, sob registo postal, da anulação do contrato por falta de pagamento do prémio, nem quanto à caducidade - nos termos do n.° 2 do artigo 13.° do Decreto-Lei n.° 57/94/M, de 28 de Novembro - do contrato de seguro, este ter-se-á renovado pelo período de um ano, atento o disposto no n.° 2 do artigo 992.° do Código Comercial de Macau;
XVI. Neste específico ramo de seguro - obrigatório -, as formas de extinção do contrato, como caducidade, invalidade ou resolução, têm, necessariamente, de ter lugar, e, consequentemente, de produzir efeitos extintivos do aludido contrato, em momento anterior à ocorrência do sinistro;
XVII. Se a seguradora quiser prevalecer-se dos efeitos da caducidade, deve sempre declará-la antes da ocorrência do acidente;
XVIII. A apólice em causa era formalmente válida até 21 de Dezembro de 2018, pelo que, na falta de pagamento do prémio, a mesma estaria sempre vigente, pelo menos, até 30 dias depois daquela data, ou seja 20 de Janeiro de 2019;
XIX. E, se o acidente ocorreu em 1 de Janeiro de 2019, então o seguro estava válido naquela data;
XX. Atento o disposto no n.° 3 do artigo 987.° do Código Comercial, o ónus de prova relativo aos factos que determinam a caducidade, designadamente quanto à existência dos respectivos aviso de pagamento do prémio, comunicação da anulação do contrato e declaração da caducidade, recai sobre a seguradora.
(…)”; (cfr., fls. 2 a 18 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Atento o estatuído no art. 422° do C.P.P.M., em sede de exame preliminar, e considerando-se, (em síntese), que o recurso tinha sido apresentado “após o prazo legal de 30 dias a contar do trânsito em julgado do Acórdão recorrido”, suscitou o ora relator a questão da “extemporaneidade do recurso”, consignando-se que o mesmo não devia ser admitido; (cfr., fls. 118 a 120-v).

*

Notificados para, querendo, sobre tal questão dizerem o que por bem entendessem, veio o Exmo. Ilustre Procurador Adjunto opinar no sentido de que se verificava a referida “extemporaneidade”, batendo-se o recorrente pela tempestividade do seu recurso; (cfr., fls. 122 e 123 a 128).

*

Adequadamente processados os autos, e colhidos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, cumpre decidir; (cfr., art. 423° do C.P.P.M.).

A tanto se passa.

Fundamentação

2. Em causa estando um “recurso – extraordinário – para a fixação de jurisprudência”, mostra-se-nos desde já adequado recordar a seguinte consideração pelo Prof. A. dos Reis tecida a propósito das “razões da admissibilidade de recursos contra decisões transitadas em julgado”: “Justifica-se assim: pode suceder que a sentença tenha sido proferida em condições de tal maneira irregulares e viciosas, que o interesse superior da justiça deva prevalecer sobre o interesse social da segurança e certeza. Quer dizer, o recurso extraordinário pressupõe um vício estranho e anormal na pronúncia jurisdicional, vício tão grave e tão infeccioso, que não deva ser coberto e sanado pela autoridade do caso julgado.
O respeito e homenagem pelo caso julgado cede perante a necessidade irreprimível de dar satisfação a um alto clamor de justiça”; (in “C.P.C. Anotado”, Vol. V, pág. 216 e 217).

Mais recentemente, e abordando a mesma questão considerou igualmente Gama Lobo que:

“A legitimidade do Direito assegura-se também pela sua capacidade de julgar casos iguais ou semelhantes de forma igual ou semelhante. Por tal razão o ordenamento jurídico prevê este mecanismo de fixação de jurisprudência, que mais não visa do que uniformizar as interpretações jurídicas e a sua aplicação, garantindo a coerência e a estabilidade da jurisprudência. E se alguma critica há a fazer a este sistema é a de que devia haver mais decisões uniformizantes, para gerar mais tranquilidade dos operadores judiciários e credibilidade da Justiça. (…)”; (in “C.P.P. Anotado”, Almedina, pág. 878).

Isto dito – e como nota Manuel Leal-Henriques in, “Anotação e Comentário ao C.P.P.M.”, Vol. III, pág. 370 – importa atentar que o “recurso para fixação de jurisprudência é um mecanismo que se desenvolve em duas fases:
- uma fase preliminar – com carácter meramente formal e que se destina exclusivamente a verificar se estão reunidos os requisitos ou pressupostos enumerados na lei para a sua admissibilidade;
- uma fase final ou subsequente - com carácter substancial ou de fundo e que tem como objectivo proceder ao julgamento de mérito, isto é, decidir qual a interpretação que deve ser dada à lei aplicável à questão sob conflito, fixando consequentemente jurisprudência.
Esta fase, como é bom de ver, só terá lugar se o recurso passar à triagem da fase preliminar”.

Em face da “questão” suscitada em sede de exame preliminar – quanto à “tempestividade e (consequente) admissibilidade do presente recurso” – e sendo este o momento para a sua apreciação e decisão, vejamos.

Pois bem, (como se deixou adiantado), é sabido que a Lei – no caso – processual penal, (agora aqui em causa face à “natureza dos processos” cujas decisões pelo recorrente são consideradas em oposição), faz depender a “admissibilidade” do “recurso extraordinário para fixação de jurisprudência” da verificação de determinados pressupostos.

Uns, de natureza “formal”, e outros, de natureza “substancial”.

Entre os primeiros, a lei enumera: a legitimidade dos recorrentes, a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido, a identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição, (e, se este estiver publicado, o lugar da publicação), e a menção do seu trânsito em julgado.

Entre os segundos, conta-se: a justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência e a verificação da identidade de legislação à sombra da qual foram aquelas proferidas; (cfr., art°s 419° e 420° do C.P.P.M.).

Neste – mesmo – sentido, (e também em sede de processo de natureza penal, como o ora em causa), teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de se pronunciar, consignando-se, nomeadamente, que:

“I - Quando, em processo penal, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Segunda Instância proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil podem recorrer, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido em último lugar.
II - As decisões devem ter sido proferidas no domínio da mesma legislação; o acórdão fundamento deve ser anterior ao acórdão recorrido e ter transitado em julgado; o acórdão recorrido não deve admitir recurso ordinário; o recurso para uniformização de jurisprudência tem de ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
III - Para que se possa considerar haver oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito é necessário que:
- A oposição entre as decisões seja expressa e não meramente implícita;
- A questão decidida pelos dois acórdãos seja idêntica e não apenas análoga. Os factos fundamentais sobre os quais assentam as decisões, ou seja, os factos nucleares e necessários à resolução do problema jurídico, devem ser idênticos;
- A questão sobre a qual se verifica a oposição deve ser fundamental. Ou seja, a questão de direito deve ter sido determinante para a decisão do caso concreto.
(…)”; (cfr., v.g., os Acs. de 11.03.2009, Proc. n.° 6/2009, de 15.12.2010, Proc. n.° 69/2010, de 31.07.2018, Proc. n.° 53/2018, de 12.09.2018, Proc. n.° 51/2018, e de 08.04.2022, Proc. n.° 36/2022).

Em causa (agora) estando a questão da “tempestividade do presente recurso” – e valendo então a pena aqui transcrever o n.° 1 do art. 420° do C.P.P.M., onde sobre a matéria se prescreve que “O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar” – adequado se mostra de recordar o que – de essencial – sobre a mesma (questão) se consignou em sede de “exame preliminar”:

“(…) afigura-se-nos pois que o ora recorrente não terá tomado em consideração que o Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância era “irrecorrível”, tendo assim contabilizado um “prazo de 20 dias” (a contar da sua notificação) para o respectivo trânsito em julgado.
Porém, há que atender à correcta delimitação da noção legal de “trânsito em julgado”, sendo de se atentar no estatuído no art. 582° do C.P.C.M., onde se preceitua que:
“A decisão considera-se transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos artigos 571.º e 572.º”; (podendo-se sobre a questão, cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 25.06.2009, Proc. n.° 107/09, onde se consignou, nomeadamente, que “As decisões judiciais consideram-se transitadas em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ordinário, sendo que no caso de decisões inimpugnáveis o trânsito se verifica findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de reforma (correcção) ou de aclaração – é o que estabelece o art. 677.º do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP –, ou seja, o prazo-regra fixado no n.º 1 do art. 105.º do CPP, qual seja o de dez dias”).
Nesta conformidade, o trânsito em julgado do “Acórdão recorrido” do Tribunal de Segunda Instância deu-se ao fim de 10 dias contados da respectiva notificação às partes, pelo que o referido “prazo de 30 dias” (para o presente recurso) deveria iniciar-se a partir do termo daquele prazo, (para apresentação de eventual reclamação).
De resto, e, aliás como bem consta da certidão de fls. 61 dos presentes autos, o trânsito em julgado do “Acórdão recorrido” deu-se em 06.10.2022, e não, como aponta o recorrente, (no intróito do seu recurso extraordinário), no dia 18.10.2022.
*
Pelo exposto, o presente “recurso extraordinário” ao ser apresentado no dia 15.11.2022, não respeitou o prazo de 30 dias, e, como tal, por extemporaneidade, não deve ser admitido; (cfr., art. 420°, n.° 1 do C.P.P.M.).
Notifique-se o recorrente e Exmo. Magistrado do Ministério Público do ora consignado para, querendo, dizerem o que entenderem conveniente.
(…)”; (cfr., fls. 119 a 120-v).

E, como se deixou relatado, pronunciando-se sobre o assim considerado, bate-se o recorrente pela “tempestividade” do seu recurso, afirmando, essencialmente, que a “indemnização” em questão “é-lhe desfavorável em montante superior a metade da alçada do Tribunal de Segunda Instância”, “que sempre existiria a possibilidade legal de as partes virem interpor recurso dessa decisão para o TUI, no prazo processualmente aplicável e contado da notificação da mesma, lançando mão de qualquer um dos fundamentos a que alude o n.° 2 do artigo 583.° do CPC de Macau, aplicável ex vi do artigo 4.° do CPP de Macau, que, como se sabe, se configuraria como recurso ordinário”, alegando ainda que, “Saber se no caso em apreço se verificariam – ou não – os concretos pressupostos elencados para tal nas alíneas a) a e) do n.° 2 do artigo 583.° do CPC é outra questão que, só mais tarde e depois do respectivo recurso ter sido interposto, competiria ao TUI indagar; mas, até lá, sempre teria que se contar com a possibilidade, legalmente prevista, de vir a ser interposto esse recurso ordinário de carácter excepcional, devendo, por isso, os autos ficar a aguardar o decurso do prazo legal previsto para esse efeito”; (cfr., fls. 123 a 128).

Ora, sem se deixar de reconhecer o mérito de tal argumentação, e, ressalvando-se o devido respeito por melhor entendimento, cremos que não se pode reconhecer razão ao ora recorrente.

Comecemos pelo “invocado art. 583°, n.° 2 do C.P.C.M.”, onde se prescreve que:

“O recurso é sempre admissível, independentemente do valor:
a) Se tiver por fundamento a violação das regras de competência, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 34.º, ou a ofensa de caso julgado;
b) Se a decisão respeitar ao valor da causa, de incidente ou de procedimento cautelar, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;
c) Se a decisão tiver sido proferida contra jurisprudência obrigatória.
d) Se se tratar de acórdão do Tribunal de Última Instância que esteja em contradição com outro proferido por este tribunal no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se aquele acórdão for conforme com jurisprudência obrigatória;
e) Se se tratar de acórdão do Tribunal de Segunda Instância que, não admitindo recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, esteja em contradição com outro por ele proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se aquele acórdão for conforme com jurisprudência obrigatória”.

E, atento o assim preceituado, desde já se mostra de consignar que o recorrente (certamente) olvida a “natureza” (“especial”, “extraordinária”), do presente recurso, pois que – se bem ajuizamos – em justificação da sua tempestividade, limita-se a tecer “considerações abstractas”, (e hipotéticas), que, em nossa (modesta) opinião, não se apresentam de adoptar porque “incompatíveis” com a referida “natureza” e “situação” dos autos.

Importa atentar que em causa no presente recurso está uma decisão – o pelo recorrente invocado “Acórdão recorrido” – pelo Tribunal de Segunda Instância proferido em sede de recurso, e, onde, (independentemente do demais), não foram os alegados “fundamentos” do art. 583°, n.° 2 do C.P.C.M. invocados ou “objecto de decisão” pelo Tribunal Judicial de Base nem tão pouco constituíram “objecto de apreciação” no dito Acórdão recorrido, não nos parecendo assim que possam ser, neste momento, “introduzidos” (para efeitos de ponderação da questão da sua “recorribilidade”) nos termos em que o faz o ora recorrente, sendo ainda de notar, igualmente, que não se pode perder de vista que a verdadeira “questão”, ou “objectivo”, do presente “recurso extraordinário”, consiste, nem mais nem menos, na resolução da alegada “oposição de decisões”, (com trânsito em julgado), atenta a sua “matéria” e “sentido”.

Com efeito, (e como em face da referida natureza “extraordinária” do presente recurso, cremos que sem esforço se alcança), cabe consignar igualmente que (temos para nós) que apenas se (deve) pode(r) fazer uso do presente “recurso extraordinário” (tão só) após (efectivamente) esgotadas (todas) as possibilidades de se impugnar o que decidido foi por “recurso ordinário”, ou seja, após comprovada insusceptibilidade de, pelas “vias (digamos) normais”, se poder obter uma alteração da decisão recorrida.

Aliás, nisto, cremos nós, reside – exactamente – o pressuposto que exige que do “acórdão recorrido” – em sede do presente recurso – “não caiba recurso ordinário”.

E, então, (como pelos vistos defende o ora recorrente), se era o “Acórdão (agora) recorrido” do Tribunal de Segunda Instância passível de “recurso ordinário” (para este Tribunal de Última Instância), o mesmo, (independentemente do seu fundamento), devia ter sido (oportunamente) interposto, adequado não se nos mostrando desta forma que, sem que tal tenha sucedido, (e, deixando-se assim deliberadamente transitar o decidido), se venha, posteriormente, a fazer uso do presente recurso, como se o mesmo constituísse uma via processual “alternativa”, (e facultativa), à livre escolha e opção do recorrente colocada.

Como se referiu, compreende-se, (e respeita-se), o ponto de vista do ora recorrente.

Porém, (como cremos que igualmente se tentou deixar referido), em nossa opinião, o mesmo não se apresenta “compatível” (e em harmonia) com a “especialidade” (e “finalidade”) do instituto processual aqui em questão.

*

Contudo, e seja como for, outro “aspecto” – não menos relevante – importa aqui ponderar.

É que a “decisão” do “Acórdão recorrido” que o ora recorrente alega estar em oposição com o “Acórdão fundamento” (e que com o presente recurso pretende ver revogada) diz respeito a uma questão relacionada com a sua “(i)legitimidade processual”, pelo recorrente suscitada em sede da sua contestação ao pedido civil deduzido e que foi objecto de pronúncia através de despacho do Mmo Juiz titular do processo no Tribunal Judicial de Base, e cujo “recurso interlocutório” pelo recorrente (oportunamente) interposto subiu ao Tribunal de Segunda Instância com o recurso do Acórdão do Colectivo do Tribunal Judicial de Base a final proferido, e que, como tal, e relativamente ao respectivo “segmento decisório” do Acórdão recorrido em questão incide necessariamente o estatuído na alínea d) do n.° 1 do art. 390° do C.P.P.M. onde se preceitua que: “1. Não é admissível recurso: d) De acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal de Segunda Instância, que não ponham termo à causa”.

Nesta conformidade, constituindo o objecto de decisão do “segmento decisório” do Acórdão recorrido – que o ora recorrente alega estar em oposição com o decidido no “Acórdão fundamento” – uma “questão processual” apreciada por “decisão intercalar” do Tribunal Judicial de Base (e contra a qual foi interposto “recurso interlocutório” que subiu ao Tribunal de Segunda Instância com o Acórdão a final prolatado), inegável se apresenta, pois, (para os efeitos em questão), como um “segmento decisório” do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que “não pôs termo ao processo”, e que, nos termos do art. 390°, n.° 1, al. d) do C.P.P.M., não era susceptível de recurso, natural se mostrando, desta forma, de concluir também que, no que lhe diz respeito, transitou em julgado “decorridos 10 dias da sua notificação”, inteiramente válidas e acertadas se mostrando assim (igualmente) as considerações tecidas em sede do despacho proferido em sede de exame preliminar quanto à “extemporaneidade” do presente recurso, e que para os devidos efeitos se confirmam.

Dest’arte, e pela constatada “extemporaneidade” do presente recurso, evidente se apresenta que o mesmo não pode ser admitido, havendo que se decidir em conformidade.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos que se deixam expendidos, em conferência, acordam rejeitar o presente recurso; (cfr., art. 423° do C.P.P.M.).

Sem custas por delas estar o recorrente isento; (cfr., art. 45°, n.° 6 do D.L. n.° 57/94/M).

Registe e notifique.

Macau, aos 03 de Maio de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 12/2023 Pág. 2

Proc. 12/2023 Pág. 3