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Processo nº 110/2022
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base – e na parte que agora releva – julgou-se parcialmente procedente a acção por A ou A1 (甲), proposta contra B (乙) e C (丙), 1° e 2ª RR., anulando-se o negócio de compra e venda da fracção do “21° andar L” devidamente identificada nos autos e entre os ditos RR. celebrado, julgando-se assim procedente o “pedido subsidiário” da A., e, improcedente o pedido reconvencional pela 2ª R. deduzido; (cfr., fls. 344 a 353 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformados, os RR. recorreram para o Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 387 a 396-v e 408 a 412).

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Por Acórdão de 09.06.2022, (Proc. n.° 191/2022), negou-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida; (cfr., fls. 425 a 435).

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Ainda inconformados, trazem os referidos RR. o presente recurso, pedindo a revogação do decidido assim como a procedência do seu deduzido pedido reconvencional; (cfr., fls. 444 a 455-v).

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Adequadamente processados os autos – com resposta da A. a pugnar pela improcedência do recurso; cfr., fls. 461 a 470 – cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está provada a “matéria de facto” como tal elencada a fls. 8 a 13 do Acórdão recorrido e que, oportunamente, se fará adequada referência.

Do direito

3. O presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que confirmou a sentença proferida pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base que, como se deixou relatado, anulou o negócio de compra e venda da referida fracção do “21° andar L” entre os (1° e 2ª) RR. celebrado, julgando improcedente o pedido reconvencional deduzido.

Entenderam as Instâncias recorridas que provado estava que, no momento da celebração do aludido “negócio”, era – continuava a ser – a dita “fracção do 21° andar L” a “casa de morada da família” da A. e do 1° R., e, nesta conformidade, por “falta de consentimento” da A., anulável era o contrato de compra e venda sobre a mesma efectuada.

Por sua vez, e na sequência da decretada anulação, entendeu-se que sem qualquer fundamento se apresentava o pedido reconvencional pela 2ª R. deduzido no sentido de ser declarada “proprietária” da referida fracção.

Em sede do presente recurso, e em apertada síntese que se nos mostra adequada, três são as questões colocadas.

Consideram os RR. ora recorrentes:
(1ª) – que a decisão da matéria de facto padece de erro por nela não se ter incluído um facto relevante e que se devia considerar provado;
(2ª) – que se incorreu em erro na aplicação do direito por se ter indevidamente considerado que a fracção do “21° andar L” (ainda) era a “casa de morada da família” da A. e 1° R.; e, nesta conformidade,
(3ª) – que válido foi o negócio de compra e venda sobre a mesma efectuado, devendo-se julgar procedente o pedido reconvencional deduzido; (cfr., fls. 443 a 455 e 34 a 72 do Apenso).

Identificadas que assim se nos apresentam ter ficado as “questões” pelos recorrentes suscitadas e a tratar em sede da presente lide recursória, eis a solução que se nos mostra adequada.

–– Relativamente à “1ª questão”, alegam os RR. que a A. “confessou” na sua petição inicial que “em Agosto de 2017 trocou a fechadura da fracção do 21° andar L”.

Nesta conformidade, e considerando tal facto relevante, entendem que motivos não existiam para a sua não inclusão na decisão da matéria de facto dada como provada.

Ora, verifica-se que tal “facto” foi efectivamente alegado pela A. na sua petição inicial, (cfr., art. 14°, a fls. 3), e, como tal, em harmonia com o estatuído no art. 351°, n.° 1 do C.C.M. e art. 80° do C.P.C.M., impõe-se reconhecer razão aos ora recorrentes, devendo tal facto passar a integrar a matéria de facto provada nos termos do art. 649°, n.° 2 do referido C.P.C.M.; (notando-se que, mais adiante, nos pronunciaremos sobre os eventuais “efeitos” do assim decidido).

–– Passemos, agora, para a “2ª questão”, que consiste em saber se correcta foi a decisão que considerou a aludida “fracção do 21° andar L” como “casa de morada da família” da A. e do 1° R., e que, no seguimento do assim entendido anulou o negócio de compra e venda entre o 1° e 2ª RR. celebrado por “falta de consentimento” da A..

Pois bem, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância subscreveu (inteiramente) a decisão do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base que, no ponto em questão, ponderou nos termos que se passam a transcrever:

“4.2 Pedido subsidiário da autora
O pedido subsidiário da autora fundamenta-se em que, o Apartamento L do 21º andar em apreço é a residência da família comum, porém, o 1º réu vendeu-o à 2ª ré sem consentimento da autora, portanto, o negócio deve ser anulado.
Os 2 réus não concordam em considerar o apartamento em causa como residência da família comum.
A 2ª ré acredita que o apartamento em causa é apenas possuído pelo 1º recorrente próprio, que não mora nele, portanto, não é a residência da família do 1º réu e os familiares.
O 1º réu alega que, o apartamento foi a residência da família do 1º réu, a autora e o filho somente durante o período de duração do casamento, todavia, desde meados do ano 2013, a autora começou por ela própria a dormir separadamente do 1º réu, em Março de 2017 o 1º réu até deslocou-se do apartamento em apreço e tem tomado de arrendamento um outro apartamento até hoje, esse período constitui a “separação de facto” prevista pelo art.º 1638.º do CC; em conjugação com as alegações da petição inicial da autora, ela trocou por ela própria a fechadura do apartamento em causa, para impossibilitar ao 1º réu voltar, o que demonstra que, pelo menos desde Agosto de 2017, a autora também considera que o apartamento deixou de ser a residência da família do 1º réu e a autora.
Antes de mais, é de analisar se o apartamento era a residência da família em 26 de Janeiro de 2018.
No acórdão n.º 129/2014 de 9 de Outubro de 2014, o TSI define a residência da família da forma seguinte:
“A “residência da família” é uma noção jurídica, o legislador não a define expressamente.
No direito comparado, a jurisprudência e a doutrina de Portugal, cujo regime jurídico é semelhante, apoiam que1:
Doutrina:
Nuno Gomes da Silva entende que: “é a casa de residência comum dos cônjuges, o local em que os cônjuges, no exercício do seu comum poder de imprimir uma direcção unitária à vida familiar (…) determinaram fixar a residência da família” («Posição sucessória do cônjuge sobrevivo», pág. 72).
J. A. Lopes Cardoso entende que: “a casa que serviu de residência efectiva e permanente da família constituída.” («Partilhas judiciais», Vol. III, pág. 373).
Jurisprudência:
No acórdão de 6 de Março de 1986, o Supremo Tribunal de Justiça traduz a residência da família em “sede da vida familiar em condições de habitualidade e de continuidade; o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar” (B.M.J., n.º 355, pág. 346 e ss.).
No acórdão de 28 de Abril de 1987, o Tribunal da Relação de Coimbra indica que: “morada da família é a situação fáctica que resulta da residência dos cônjuges e persiste enquanto nela se mantiver o cônjuge beneficiário da respectiva protecção legal” (B.M.L., n.º 366, pág. 571).
No acórdão de 6 de Fevereiro de 1992, o Tribunal da Relação de Lisboa traduz a residência da família em “centro de referência ou centro aglutinador da unidade familiar (…); como base ou sede do núcleo essencial da sociedade familiar (…)” (C.J., Ano XVII, Vol. I, pág. 154).
Da jurisprudência e doutrina acima invocadas, mostra-se que a “residência da família” tem que ser a habitação em que os cônjuges (e os filhos) vivem ou viveram juntos.”
No caso, os art.º 13.º a 15.º dos factos demonstram a seguinte situação:
“- Depois de feitura do registo do casamento no Interior da China por parte da autora e o 1º réu em 20 de Dezembro de 2002, em todas as visitas da autora a Macau e desde a autorização de fixação de residência da autora em Macau até Março de 2017, a autora, o 1º réu e o seu filho moraram sempre juntos no Apartamento L, situado em [Endereço], 21º andar.
- No dia incerto de Março de 2017, o 1º réu removeu-se do Apartamento L, situado em [Endereço], 21º andar.
- Depois de o 1º réu deslocar-se do referido Apartamento L do 21º andar, a autora e o filho continuaram a morar naquele Apartamento. Em Março a Abril de 2018, o fornecimento de água e energia eléctrica ficou suspenso, portanto, a autora e o filho sucessivamente tomaram de arrendamento o Apartamento O do 21º andar e o Apartamento J do 11º andar do mesmo Edifício, agora a autora aproveita simultaneamente o Apartamento J do 11º andar e o Apartamento L do 21º andar.”
De acordo com os factos supracitados, sem dúvida, antes de deslocação do 1º réu em Março de 2017, o apartamento foi sempre a residência da família da autora, o 1º réu e o filho.
Não se altera a natureza do apartamento como residência da família pelo facto de deslocação do 1º réu em Março de 20172, ou, como ele salienta, pelo facto de troca da fechadura em Agosto de 2017, confessado pela autora no art.º 14.º da sua petição inicial, o qual faz com que o 1º réu não tenha a chave da nova fechadura.
Na verdade, o art.º 1648.º do CC e o art.º 1249 n.º 4 do CPC apoiam suficientemente que, para uma determinada casa de morada, a separação de facto ou o divórcio dos cônjuges não levam necessariamente à perda da sua posição da residência da família. A razão não é de difícil percepção, mesmo que os cônjuges estejam separados e um deles já se remova da residência da família3, é muito possível que os filhos ainda tenham a casa de morada original como centro da vida, merecem protecção os interesses do cônjuge e os filhos que ainda moram na residência da família.4
Voltando ao presente caso, mesmo que o 1º réu se abandone do apartamento em causa em Março de 2017 e a autora confesse a sua troca da fechadura, em 26 de Janeiro de 2018, altura em que os réus celebraram oficialmente a escritura pública de compra e venda, a autora e o filho ainda moravam no apartamento em apreço (vide o art.º 15.º dos factos provados); naquele dia, a autora e o 1º réu ainda não estavam divorciados e a autora nunca concordou em renunciar ao aproveitamento do apartamento como residência da família (vide o art.º 1534.º n.º 1 do CC).
A conduta de troca da fechadura praticada pela autora não é igual à sua deixa de aproveitar o apartamento em questão como a casa de morada da família dela própria e o filho.
Pelas razões acima expostas, têm que considerar o apartamento intrínseco à sua natureza da residência da família no dia 26 de Janeiro de 2018, a qual não se altera pelo facto de deslocação do 1º réu em Março de 2017 e pelo facto de troca da fechadura por parte da autora. Se, em 26 de Janeiro de 2018, na situação da separação de facto, a autora tenha o direito de solicitar a atribuição da casa de morada da família nos termos do art.º 1249.º do CPC, o bem imóvel vendido pelo 1º réu sem o consentimento da autora obviamente deve ser considerada como casa de morada da família, protegida pelo art.º 1548.º n.º 2 do CC.
Se negarem o que acima disse, decorre a seguinte situação: um dos cônjuges pode decidir por ele próprio e contra a vontade do outro deslocar-se da casa de morada da família, fazendo com que o respectivo apartamento perda a sua posição da casa de morada da família e proporcionando-se assim àquele que se abandone dispor da propriedade do apartamento sem a vinculação do art.º 1548.º n.º 2 do CC, o cônjuge e os filhos que continuem a morar no apartamento terão de remover-se, o que, sem dúvida, vai levar à falha da esperança do legislador de proteger a casa de morada da família através do art.º 1548.º n.º 2 do CC.5
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Dispõe o art.º 1548.º do CC que,
“1. Carece do consentimento de ambos os cônjuges a alienação, oneração, locação ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis ou empresa comercial comuns, sem prejuízo do disposto na lei comercial.
2. A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges.”
No tocante à sanção para a violação da norma supracitada, dispõe o art.º 1554.º n.º 1 do CC que,
“Os actos praticados contra o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 1547.º, nos artigos 1548.º e 1549.º e na alínea b) do artigo 1550.º são anuláveis a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento ou dos seus herdeiros, ressalvado o disposto nos n.os 3 e 4 deste artigo.”
De acordo com o art.º 19.º dos factos provados, a autora nunca concordou em deixar o 1º réu vender o apartamento em causa, que, no dia 26 de Janeiro de 2018, altura em que os 2 réus celebraram oficialmente a escritura pública de compra e venda, ainda tinha a posição da casa de morada da família.
Pelo que, ao abrigo dos art.º 1548.º n.º 2 e 1554.º n.º 1 do CC, deve-se julgar procedente o pedido subsidiário da autora e, por conseguinte, anular o negócio realizado em 26 de Janeiro de 2018 pelos 2 réus.
É de acrescentar que, a circunstância sobre a impossibilidade de aproveitamento completo do apartamento por parte da autora e o filho devido à suspensão de fornecimento da água e energia eléctrica durante o período de Março a Abril de 2018, mencionada no art.º 15.º dos factos provados, não impede a anulabilidade do negócio dos 2 réus de forma qualquer, uma vez que já existiu o vício do negócio desde o momento da sua realização, não se extingue pelas influências das circunstâncias supervenientes.
(…)”; (cfr., fls. 349-v a 351-v, 431-v a 434 e 23 a 30 do Apenso).

Quid iuris?

Pois bem, reflectindo sobre o que se deixou transcrito, cremos que – na parte agora em questão – nenhuma censura merece o decidido, pois que se nos apresenta claro na fundamentação e correcto na solução a que se chegou, tendo-se adoptado um adequado entendimento quanto ao alcance e sentido do conceito de “casa de morada da família”, efectuando-se, igualmente, um enquadramento jurídico da factualidade dada como provada isento de qualquer reparo, pouco se nos mostrando de acrescentar.

Porém, não se deixa de consignar o que segue.

Desde logo, para salientar que o “facto” relativamente à “troca da fechadura” que (agora) passou a integrar a factualidade provada não deixou de ser objecto de adequada ponderação, tendo-se mesmo afirmado que “A conduta de troca da fechadura praticada pela autora não é igual à sua deixa de aproveitar o apartamento em questão como a casa de morada da família dela própria e o filho”; (cfr., fls. 351).

Isto dito, vale ainda a pena ponderar no seguinte:

Nos termos do art. 1461° do C.C.M.:

“São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção”.

Por sua vez, estatui o art. 1462° que:

“Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código”.

A “família”, constitui assim, inegavelmente, um elemento fundamental de qualquer sociedade, constituindo, também, uma “exigência do próprio ser humano”, pelo que, em conformidade com tal realidade, e reconhecendo a sua importância, o ordenamento jurídico da R.A.E.M. dispõe de normas destinadas à sua proteção; (cfr., v.g., o art. 38° da L.B.R.A.E.M. e art. 1° e 5° da Lei de Bases da Política Familiar).

Constitui por sua vez entendimento firme (e pacífico) que o “espaço físico” onde a família habita, (diariamente), é indispensável à realização individual de cada um, assim como da própria “família”; (tenha-se presente o “dever de coabitação” a que estão reciprocamente vinculados os cônjuges; cfr., art. 1533° do C.C.M.).

O “lar” de uma família, é pois necessário à adequada e cabal concretização e execução do direito desta à vivência e convivência dos seus membros.

Atenta esta realidade – e entre outros – impõe-se aos cônjuges o dever de, de comum acordo, escolher a “residência da família”, ponderando (nomeadamente) nas exigências da sua vida profissional, nos interesses dos filhos, e procurando salvaguardar a “unidade da vida familiar”; (cfr., n.° 1 do art. 1534°, sendo de notar também que, na falta de acordo quanto à fixação ou alteração da residência da família, pode qualquer dos cônjuges requerer a intervenção dos Tribunais para solução do diferendo, cfr., n.° 2).

Porém, e como na decisão recorrida também se notou, não existe uma noção (legal) de “casa de morada da família”.

Poder-se-á dizer que esta será o “local” onde a família “fixou a sua residência” e tem o seu “centro de vida familiar com permanência e habitualidade”; (cfr., v.g., Nuno de Salter Cid in, “A Proteção da Casa de Morada da Família no Direito Português”, Almedina, pág. 30 e 31, e, Sandra Cristina M. M. Marques in, “A transmissão da casa de morada da família”, que indicam várias posições da doutrina quanto à definição de tal conceito).
Para Guilherme de Oliveira, “a residência da família é, por assim dizer, a sua sede; é o lugar onde a família cumpre as suas funções relativamente aos cônjuges e aos filhos e onde assume os seus compromissos perante terceiros”; (in “A Família”, pág. 20).
Capelo de Sousa, considera a casa de morada da família como aquela “que constitua a residência habitual principal do agregado familiar, ou seja, aquela residência, determinável caso por caso, que pela sua estabilidade e solidez seja a sede e o centro principal da maioria dos interesses, das tradições e das aspirações familiares em apreço”; (in “Lições de Direito das Sucessões”, Vol. II, pág. 246).
Por sua vez, Leonor Beleza, diz-nos que “a residência da família é o lugar onde em princípio habitam os cônjuges e os filhos menores”; (in “Direito da Família”, pág. 88).
Enfim, seja qual for a definição proposta, cremos que está sempre subjacente a ideia de que a “casa de morada da família”, bem como a “residência da família”, são a sua “sede”, constituindo, (como diz Capelo de Sousa), a “residência habitual principal do agregado familiar”, (estando, pois, assim, indubitavelmente excluídas, as “residências secundárias e ocasionais”, como as utilizadas para férias ou fins de semana).

Porém, o certo é também que uma ruptura da “comunhão de vida” que o casamento visa, e ainda que com “separação de facto dos cônjuges”, não “desqualifica” – de imediato e automaticamente – a “residência do agregado familiar”, que não passa tão só por isso a deixar de constituir a “casa de morada da família”.

In casu, da matéria de facto resulta claramente que a A. e o 1° R., casados desde 2002, e o filho de ambos, nascido em 2004, moraram, juntos, na fracção do “21° andar L” até Março de 2017.

E, não obstante provado estar que o “1° R. saiu de casa em dia incerto de Março de 2017”, assim como igualmente provado está que “em Agosto de 2017 a A. trocou a fechadura da porta de fracção”, tal em nada altera o “estado de coisas”, pois que a A. e o filho do casal, continuaram a morar (e fazer uso) da fracção em questão como antes vinham fazendo até ao negócio da sua compra e venda entre os (1° e 2ª) RR. efectuado em 26.01.2018.

Dest’arte, irrelevante sendo a factualidade posterior a esta data, (26.01.2018), e sendo de se considerar que até a mesma, a fracção do “21° andar L” não deixou de ser a “casa de morada da família”, (repare-se que no momento tinha o filho do casal 14 anos de idade), censura não merece a decisão recorrida que, dando – em nossa opinião correcta – aplicação ao estatuído nos art°s 1548° e 1549° do C.C.M., anulou a dita compra e venda por “falta de consentimento da A.”.

Com efeito, a (mera) “separação de facto” entre os cônjuges não extingue – de imediato – o “direito à casa de morada da família” que, em boa verdade, persiste enquanto (o seu destino) não for objecto de acordo ou decisão judicial.

Dest’arte, adequada se apresentando a aludida decisão, à vista está igualmente a solução para o “pedido reconvencional” da 2ª R. que, necessariamente, teria que ser julgado improcedente por evidente ausência de qualquer base legal.

Tudo visto, e outra questão não parecendo haver a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes com taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 14 de Abril de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 «A Protecção da Casa de Morada da Família no Direito Português», pág. 30 a 31 a 34 a 35, Nuno de Salter CID, Almedina.
2 Tomando como referência o direito comparado, no acórdão n.º 1747/14.0T8LRA.C1 de 20 de Junho de 2017, o Tribunal da Relação de Coimbra apoia que, mesmo que um dos cônjuges não possa continuar a morar na residência da família por causa de injunção judiciária, a casa de morada familiar original mantém a sua natureza da residência da família.
3 Tal situação distingue-se obviamente daquela em que os cônjuges estejam separados e ambos já se removam da casa de morada da família original.
4 Como indica o referido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra:
“A casa de morada de família é aquela onde de forma permanente, estável e duradoura, se encontra sediado o centro da vida familiar dos cônjuges (ou unidos de facto), conforme resulta do disposto no art.º 1672.º do CC, e mantém a sua relevância mesmo após a dissolução do casamento ou união de facto, de modo que “embora perdendo, naturalmente, a vocação de lugar de “habitação da família”, jamais perderá todo o lastro que sustentou o particular regime a que se encontrava subordinado, por isso que na lei se preservam os interesses dos ex-cônjuges e dos filhos, agora através da ponderação do destino da casa de morada de família e dos termos da sua atribuição a um dos cônjuges”.”
5 Como indica F. M. Pereira Coelho (“Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 123º (1990-1991), n.º 3790-3801, transcrito no acórdão n.º 380/2009 de 19 de Dezembro de 2013):
“…uma vez fixada em determinado lugar, só pode ser alterada por novo acordo dos cônjuges (…) a casa de morada de família não pode ser alterada por acto unilateral de um dos cônjuges sem o consentimento do outro.”
“Se o cônjuge proprietário, infringindo o seu dever de coabitação, abandona a residência da família ou, pelo seu procedimento, leva o outro a abandoná-la, a residência da família não se altera por esse simples facto e a "casa de morada de família" continua a merecer esta qualificação, não podendo, por isso, aquele cônjuge, sob pena de anulabilidade do acto. vender a casa ou praticar em relação a ela qualquer dos actos revistos no artigo 1682°-A no. 2 do Código Civil sem o consentimento do outro cônjuge.”
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