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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I - Relatório.
  A veio requerer aclaração do Acórdão de 11 de Março de 2009, que rejeitou o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, interposto pelo ora requerente, por falta de oposição entre os dois acórdãos do Tribunal de Segunda Instância em causa (de 30 de Outubro de 2008, no Processo n.º 450/2008 e de 14 de Junho de 2007, no Processo n.º 437/2006), sobre a mesma questão de direito.
  Alega o requerente que:
- Entendeu o acórdão em apreço na sua douta fundamentação que:
“(... ) o acórdão do TSI, de 14 de Julho de 2007, nunca afirma, nem implícita, nem explicitamente, que o acto de pagamento de dinheiro, proveniente do crime de rapto, enquanto acto integrante da fase de execução do crime precedente ou antecedente, não integra o crime de branqueamento de capitais (... )” (negrito nosso) - vide, fls. 7 do acórdão proferido”.
- Porém, o acórdão fundamento expressamente refere que: “(. .. ) Trata-se de um meio de obtenção de resgate, pela indicação do número de conta ao ofendido e este nela depositar o mesmo. E o eventual sucesso levantamento da mesma conta faria limpo o dinheiro? Óbvio que não, o que aqui se falta é o acto concreto de “conversão” e “transferência” ( ... )” (negrito nosso) - vide, fls. 74 do acórdão fundamento.
- Ora, parece perfeitamente claro - ao contrário do sustentado por V. Exa.s e daí o presente pedido de esclarecimento - que, no entendimento do Tribunal da Segunda Instância retratado no acórdão fundamento, mesmo na situação do dinheiro proveniente do crime antecedente, o de rapto, ter chegado, ao poder dos arguidos, o acto de pagamento desse dinheiro, enquanto acto integrante da fase de execução do crime precedente ou antecedente, jamais integraria o crime de branqueamento de capitais porquanto, como se pode ler naquele acórdão, continuaria sempre a faltar o acto concreto de “conversão” e “transferência”.
  Ouvido sobre a questão, respondeu o Ex. mo Procurador-Adjunto que o pedido deve ser indeferido, por não conter o Acórdão proferido qualquer obscuridade ou ambiguidade, pois que:
O requerente retira a sublinha a seguinte locução do acórdão em apreço:
“... o acórdão do TSI, de 14 de Julho de 2007, nunca afirma, nem implícita, nem explicitamente, que o acto de pagamento de dinheiro, proveniente do crime de rapto, enquanto acto integrante da fase de execução do crime precedente ou antecedente, não integra o crime de branqueamento de capitais” .
E expende que a mesma não se coaduna com o seguinte segmento do acórdão fundamento:
“Trata-se de um meio de obtenção de resgate, pela indicação do número de conta ao ofendido e este nela depositar o mesmo. E o eventual sucesso levantamento da mesma conta faria limpo o dinheiro? Óbvio que não, o que aqui se falta é o acto concreto de “conversão” e “transferência”.
Que dizer?
Está-se, a nosso ver, perante um manifesto equívoco do recorrente.
O segmento em causa, na verdade, para além de estar em sintonia com a referida locução, até a reforça.
Basta atentar, para tanto, na menção à inexistência do “acto concreto de conversão e transferência”.
A situação já poderia ser diferente, naturalmente, se se afirmasse – “implícita” ou “explicitamente” - a existência desse “acto concreto”.
  
II – Apreciação
Para que haja fundamento para recurso de uniformização de jurisprudência tem de haver duas decisões opostas, isto é, diversas, sobre a mesma questão de direito.
Como se disse no Acórdão que agora se pretende aclarar:
“O acórdão recorrido, de 30 de Outubro de 2008, considerou que, no caso1, a entrega de subornos do corruptor activo ao membro do Governo corrompido (crime antecedente) integra o crime de branqueamento de capitais.
Mas não existe a oposição alegada pelo recorrente, pela simples razão de que o acórdão fundamento, de 14 de Junho de 2007, não decidiu que o acto de pagamento de dinheiro, proveniente do crime de rapto, enquanto acto integrante da fase de execução do crime precedente ou antecedente, não integra o crime de branqueamento de capitais”.
E para se tornar mais claro o que se afirma, ainda se acrescentou no mesmo Acórdão:
“Neste acórdão fundamento, o TSI considerou que o montante em dinheiro, proveniente do crime antecedente, o de rapto, ainda não chegou ao poder dos arguidos, pelo que não houve qualquer acto de execução do crime de branqueamento de capitais. Por isso, diz-se no mesmo acórdão, que nem sequer há tentativa do crime de branqueamento de capitais”.
Aliás, a passagem que o requerente indica, mostra isso mesmo quando pergunta o seguinte: “E o eventual sucesso levantamento da mesma conta faria limpo o dinheiro? Óbvio que não, o que aqui se falta é o acto concreto de “conversão” e “transferência”.
Ou seja o Acórdão decidiu que não houve sucesso no levantamento do dinheiro da conta, pelo que não houve qualquer acto do crime de branqueamento de capitais.
Se tivesse havido sucesso no levantamento do dinheiro da conta admitimos que tal Acórdão poderia ter decidido o que o requerente pretende que ele decidiu. Só que tal pronúncia é virtual, isto é, não real, já que não houve entrega de dinheiro.
É o que também refere o Ex. mo Procurador-Adjunto.
Ora, só oposição entre efectivas decisões e não entre virtuais decisões pode ser fundamento para recurso de uniformização de jurisprudência.
Como também se diz no direito da common law – posteriormente incorporada como regra de análise nos sistemas de direito romano-germânicos, como é o nosso - a parte preceptiva da decisão é apenas a ratio decidendi, ou seja, a razão de decidir, a regra de direito considerada necessária pelo juiz para chegar à sua conclusão. Os obiter dicta (regras de direito que não são fundamentais para decidir, aquilo que é dito sem necessidade absoluta para tomar a decisão) não vinculam.
Concluindo, o que o Acórdão fundamento decidiu é que não houve nenhum acto de execução do crime de branqueamento de capitais. Portanto, repetimos o que dissemos no nosso Acórdão: o Acórdão fundamento não decidiu que o acto de pagamento de dinheiro, proveniente do crime de rapto, enquanto acto integrante da fase de execução do crime precedente ou antecedente, não integra o crime de branqueamento de capitais.
  
III - Decisão
Face ao expendido, indeferem o requerido.
Sem custas.
Macau, 31 de Março de 2009
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

1 Isto é, a doutrina jurídica que se pode extrair é que o TSI entendeu que a entrega de subornos do corruptor activo ao corrompido (crime antecedente) pode integrar o crime de branqueamento de capitais (desde que se verifiquem os elementos constitutivos deste crime).
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Processo n.º 6/2009