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Processo nº 57/2019
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), A., intentou no Tribunal Judicial de Base acção ordinária contra B (乙), R., ambos com os restantes sinais dos autos.

A final da petição inicial que apresentou deduziu o seguinte pedido:

“a) ser ordenada a execução específica do contrato promessa de compra e venda de 1/2 do prédio urbano sito em Macau na [Rua(1)], nº 23, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX a fls. 6 do livro BXX, através de sentença que produza os efeitos da declaração negocial da ré; e
b) ser o mesmo contrato-promessa declarado resolvido no que respeita ao 1/2 do qual a Ré não é proprietária e esta ser condenada a pagão ao autor uma indemnização no valor de HK$7,787,500.00, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos até ao integral pagamento; ou, para o caso de o pedido de execução específica não ser possível,
c) ser o contrato promessa em causa declarado resolvido e a ré condenada a pagar ao autor uma indemnização no valor de HK$15,575,000.00, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos até ao integral pagamento;
d) ser a ré condenada no pagamento das custas e legal procuradoria”; (cfr., fls. 2 a 10 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

O processo seguiu os seus normais termos e, oportunamente, pela Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base foi proferida sentença julgando-se a acção parcialmente procedente, e, relativamente à peticionada “execução específica”, decidiu-se “Substituir-se à Ré B a emitir a declaração de no sentido de vender ao Autor A, metade indivisa do prédio urbano sito em Macau na [Rua(1)], nº 23, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX”, (absolvendo-se a R. dos demais pedidos formulados pelo A., cfr., fls. 164 a 172-v).

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Do assim decidido foram interpostos dois recursos.

Um, pela referida R. (B), e, o outro, por C (丙), invocando a sua qualidade de “terceira interessada”; (cfr., fls. 186 a 200 e 201 a 253).

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Em apreciação dos ditos recursos, proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão de 06.12.2018, (Proc. n.° 642/2018), decidindo:

“- conceder provimento ao recurso interposto pela Ré, revogando a sentença recorrida;
- julgar, em substituição, a acção parcialmente procedente, declarando a resolução do contrato promessa de compra e venda referenciado nos autos por impossibilidade de cumprimento e condenando a Ré a restituir em singelo o sinal recebido no valor de HKD$400.000,00 (quatrocentos mil dólares de Hong Kong), acrescido de juros de mora à taxa legal a partir da citação até ao efectivo pagamento;
- absolver a Ré dos demais pedidos do Autor; e
- não conhecer o recurso interposto pela interessada C.
(…)”; (cfr., fls. 308 a 326-v).

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Inconformado, o A. A recorreu para este Tribunal de Última Instância, alegando para, a final, (e em síntese), pedir a revogação do Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância e a confirmação da sentença do Tribunal Judicial de Base (que decretou a peticionada “execução específica”); (cfr., fls. 344 a 382).

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Admitido o recurso e após resposta da R. (B) e Interessada (C), (cfr., fls. 388 a 412), vieram os autos a esta Instância.

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Por falecimento da referida R., (B), por decisão de 31.03.2023 proferida em sede dos Autos de Habilitação de Herdeiros n.° 57/2019/A (que correram por apenso), foram habilitados como seus sucessores a dita (Interessada) C, D (丁) e E (戊), filhos da falecida; (cfr., fls. 110 a 110-v do Apenso).

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Transitado em julgado o assim decidido, e cessada a suspensão da presente instância, nada parece obstar a apreciação e decisão do recurso pelo A. trazido a este Tribunal de Última Instância.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal Judicial de Base foram dados como “provados” os seguintes factos, (que foram confirmados pelo Tribunal de Segunda Instância e que, não se mostrando de alterar, consideram-se definitivamente adquiridos):

“- No dia 02 de Maio de 2007, o Autor celebrou com a Ré um contrato promessa de compra e venda através do qual esta prometeu vender àquele, o prédio urbano sito em Macau na [Rua(1)], n.º 21, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX a fls. 5v. do livro BXX, bem como o prédio urbano sito, igualmente, em Macau na [Rua(1)], n.º 23, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX a fls. 6 do livro BXX – cfr. contrato promessa que se junta como doc. 1 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). (alínea A) dos factos assentes)
- Como preço de compra e venda global pelos dois imóveis estipularam o valor de HK$4.850.000,00. (alínea B) dos factos assentes)
- Na sequência da celebração do referido contrato, o Autor pagou à Ré a título de sinal e princípio de pagamento do preço, a quantia de HK$400.000,00. (alínea C) dos factos assentes)
- O remanescente do preço, i.e. HK$4.450.000,00 seria pago simultaneamente com a outorga da escritura de compra e venda. (alínea D) dos factos assentes)
- A escritura pública de compra e venda dos referidos prédios deveria, de acordo com as cláusulas 2ª (b) e 3ª (c) do contrato-promessa, ser celebrada até 90 dias após a resolução dos litígios existentes sobre eventuais direitos de propriedade do prédio urbano sito na [Rua(1)], n.º 23. (alínea E) dos factos assentes)
- Em 2014 a Ré accionou os mecanismos jurídicos no sentido de ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na [Rua(1)], n.º 23, através da acção judicial que correu termos no 1.º Juízo Cível do TJB, sob o n.º CV1-14-0031-CAO. (alínea F) dos factos assentes)
- Por sentença transitada já em julgado, a Ré foi declarada proprietária de 1/2 do prédio urbano sito em Macau na [Rua(1)], n.º 23, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXX a fls. 6 do livro BXX, por aquisição por usucapião. (alínea G) dos factos assentes)
- Se o Autor vendesse hoje o prédio descrito sob o n.º XXXX obteria pelo mesmo um preço nunca inferior a HK$22.000.000,00. (resposta ao quesito 2.º da base instrutória)”; (cfr., fls. 165 a 165-v e 318 a 318-v).

Do direito

3. Como resulta do que se deixou relatado, com a acção que deu origem à presente lide recursória deduziu o A., ora recorrente – e na parte que agora interessa – um pedido de “execução específica” do contrato promessa de compra e venda com a R. celebrado respeitante a ½ do “prédio n.° 23” devidamente identificado nos autos.

Proferida que foi sentença a julgar procedente o assim peticionado, e, em recurso da mesma, veio o Tribunal de Segunda Instância a revogar a decretada “execução específica”, declarando resolvido o aludido contrato promessa com a devolução do sinal pago ao A., (e julgando inútil o recurso da Interessada).

Inconformado com o assim decidido, traz agora o A. o presente recurso para este Tribunal de Última Instância pedindo a revogação do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância e a confirmação da sentença do Tribunal Judicial de Base.

Ponderando no pelas Instâncias recorridas decidido, e no que pelo recorrente e recorridos vem alegado e concluído, vejamos que solução adoptar.

Antes de mais, vale a pena recordar e atentar nas “razões” que levaram as Instâncias a decidir nos termos que se deixou explicitado.

Pois bem, para a decretada “execução específica” do contrato promessa de compra e venda entre A. e R. celebrado, assim ponderou o Tribunal Judicial de Base:

“Prevê-se o artigo 820º do Código Civil de Macau, o seguinte:
“1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.
2. Para efeitos do número anterior, a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso de não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário e, ainda que tenha havida convenção em contrário, o promitente-adquiridor, relativamente à promessa de transmissão ou constituição onerosa de direito real sobre prédio ou fracção autónoma dele, goza do direito à execução específica, contanto que tenha havido a seu favor tradição da coisa objecto do contrato.
3 ….
Ensina João Calvão da Silva, in «Sinal e contrato promessa», pág. 97, “O pressuposto da chamada execução específica do contrato, é a mora e não o incumprimento definitivo.”
Decidiu, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 1966, CJ, 1996, 2°-153, “A mora do devedor é pressuposto da execução específica do contrato-promessa. Tal mora depende de o devedor ter sido interpelado-judicial ou extrajudicialmente para cumprir. Tal interpelação só pode ser efectuada a partir do momento em que o credor pode exigir a realização da prestação devida.”
Portanto, é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência da admissibilidade de recurso à execução específica no caso de mora, basta o atrasamento imputável no seu cumprimento para a execução específica da promessa.
No entanto, “O incumprimento de contrato-promessa não pode provocar a consequência de, só por si, determinar a possibilidade da execução específica, tornando-se necessário averiguar se houve incumprimento susceptível de a justificar.” (Acórdão do Relação de Porto, de 09/03/1989, in CJ, 1989, 2°-195)
Outro requisito essencial para que a execução específica, sem eficácia real, seja viável é o bem se encontra registado em nome do promitente-vendedor.
Disse, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/02/1989, “Em contrato-promessa de compra e venda, despido de eficácia real, a venda do objecto do contrato a terceiro impede a execução específica deste.”
“A possibilidade de execução específica não significa eficácia real, daí que não tenha lugar se, entretanto, o promitente vendedor já vendeu o prédio a terceiro. Então se essa transferência se tiver verificado não se pode, por sentença judicial, provocar a aquisição do mesmo”. (Mota Pinto, in Direitos Reais, pag.142)
No caso, segundo o teor da certidão do registo predial, encontra-se ainda registada a favor da Ré a metade indivisa do prédio com o n°23, pelo que não impede o recurso à execução específica em relação a essa parte.
Dispõe-se o n°6 do artigo 820° do C.C. que “Tratando-se de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a excepção de não cumprimento, a acção improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.”
Consta dos autos que o Autor procedeu ao depósito de MOP$1.212.500,00 a fls. 152, correspondente a 1/4 do preço total estipulado no contrato-promessa para a compra e venda dos dois prédios n°s XXXX e XXXX. Ora, os outorgantes apenas convencionam um preço para a aquisição dos dois prédios, sem especificação do preço individual de cada um deles. Se a vontade das partes é no sentido de cada prédio corresponde à metade do preço, não há elementos, nos autos, para apurar. Entretanto, foi notificado o preço depositado pelo Autor à Ré, esta mantém-se em silêncio. Do comportamento da Ré podemos reduzir que esse preço corresponderá à vontade das partes. Assim, é de ter por depositado aquilo que falto para aquisição da metade indivisa do prédio nºXXXX.
Ora, no caso em apreço, verificando a mora por parte da Ré no cumprimento da promessa e tendo o Autor pago a totalidade do preço acordado, não haja incompatibilidade com a substituição da declaração da vontade por parte do promitente vendedor, e atento ao facto de se encontrar registado a favor da Ré da metade indivisa da propriedade do prédio em discussão.
Destarte, é de julgar procedente desse pedido.
(…)”; (cfr., fls. 169 a 170-v).

Por sua vez, justificou o Tribunal de Segunda Instância a sua decisão – de revogação do assim pelo Tribunal Judicial de Base decidido – apresentando a seguinte fundamentação para a resolução do aludido contrato promessa:

“Salvo o devido respeito, não podemos sufragar a decisão do Tribunal a quo no sentido de permitir a execução específica do contrato promessa de compra e venda da metade indivisa do prédio em causa.
No caso sub justice, o Autor e a Ré celebraram um contrato promessa de compra e venda sobre a totalidade do prédio.
No momento da celebração desse contrato promessa, a Ré não era proprietária do mesmo e o Autor bem sabia desse facto, pois acordaram que a respectiva escritura pública de compra e venda seria celerada no prazo de 90 dias após a resolução dos litígios existentes sobre os eventuais direitos de propriedade do mesmo.
Trata-se duma promessa de compra e venda de coisa relativamente futura (artºs 202º, nº 2, e 871º, todos do C.C.).
Posteriormente, a Ré só conseguiu adquirir, pela usucapião, 1/2 da propriedade do prédio em causa, outra metade foi adquirida pela C.
Assim, já não há possibilidade de cumprir integralmente o contrato promessa de compra e venda inicialmente celebrado.
Haverá lugar a possibilidade de cumprimento parcial?
Em termos jurídicos, esta possibilidade existe se o Autor mantiver o interesse na aquisição, não obstante apenas ser metade da propriedade, e outra comproprietária C não pretender exercer o seu direito de preferência legal (artº. 1308º do C.C.) na aquisição.
O interesse do Autor em continuar na aquisição da metade já está comprovado com o seu pedido formulado na petição inicial.
Em relação à posição da comproprietária C, este nunca teve intervenção nos autos antes da fase do recurso jurisdicional.
Como a sentença que permite a execução específica substitui directamente a declaração da vontade da parte faltosa, o Tribunal a quo nunca pode determinar a execução específica em causa sem saber previamente se outra comproprietária pretende exercer ou não o seu direito de preferência legal na aquisição.
Pois, caso esta comproprietária pretender exercer o seu direito de preferência legal na aquisição da quota ideal de 1/2, fica impossível a execução específica requerida pelo Autor.
Com a interposição do recurso jurisdicional por parte da referida comproprietária, esta manifestou inequivocamente a sua pretensão de exercer o seu direito de preferência legal na aquisição.
Assim, tendo em conta o princípio da economia processual, não vale a pena em anular o processado e determinar a remessa dos autos ao Tribunal a quo só para saber se a comproprietária em causa pretende ou não exercer o seu direito de preferência, uma vez ela já manifestou a sua pretensão na motivação do recurso.
Face à posição assumida pela comproprietária na motivação do recurso, o cumprimento parcial do contrato promessa de compra e venda em causa deixa de ser possível, passando a ser uma situação de impossibilidade de cumprimento.
Nos termos do nº 1 do artº 779º do C.C., a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
Do elenco dos factos assentes e provados não resulta que esta impossibilidade de cumprimento deve-se por culpa da Ré.
Aliás, o Autor e a Ré acordaram na cláusula 6ª do contrato promessa de compra e venda em referência que caso a Ré não conseguir obter a propriedade do prédio em causa, o Autor pode resolver o contrato e obter a restituição do sinal pago, sem direito a qualquer indemnização.
Assim, não resta outra alternativa senão declarar a resolução do contrato promessa de compra e venda em causa, determinando a restituição em singelo do sinal recebido por parte da Ré ao Autor.
*
B- Recurso da interessada C:
Face ao supra decidido, deixa de ter interesse apreciar este recurso.
(…)”; (cfr., fls. 325 a 326).

Quid iuris?

Sem prejuízo do muito respeito a melhor opinião, cremos que justa e adequada é a decisão do Tribunal Judicial de Base, não se nos mostrando de subscrever o entendimento pelo Tribunal de Segunda Instância assumido.

Passa-se a (tentar) explicitar este nosso ponto de vista.

–– Pois bem, desde já, importa esclarecer um “aspecto”.

É o seguinte: em sede do seu recurso para o Tribunal de Segunda Instância, defendeu a R. que o negócio de compra e venda que com o A. celebrou estava sujeito a uma “condição suspensiva”; (cfr., concl. XII a XIV).

E, atento ao teor do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado, (onde nada se disse sobre a aludida “condição suspensiva”), e ponderando também na natureza e efeitos da aludida “questão”, assim como no pela mesma R. alegado nas suas contra-alegações do presente recurso, cabe dizer que a dita “condição suspensiva” não foi oportunamente invocada, pois que nem na sua “contestação” à petição inicial do A., (cfr., fls. 47 a 49), nem em sede de audiência de discussão e julgamento no Tribunal Judicial de Base, (cfr., fls. 96 e 97-v), à mesma foi feita qualquer referência.

Assim, claro se mostra que esta dita “condição suspensiva” se apresenta como uma “nova – e falsa – questão”, sobre a qual nem podia o Tribunal de Segunda Instância emitir pronúncia sob pena de manifesta violação dos “princípios da concentração da defesa” e da “preclusão”; (cfr., art. 409°, n.° 1 do C.P.C.M., podendo-se, v.g., ver também o Ac. deste T.U.I. de 03.04.2020, Proc. n.° 125/2019 e de 18.05.2022, Proc. n.° 38/2022).

–– Dest’arte, e esclarecida que assim cremos ficar tal pretensão, debrucemo-nos agora sobre as “razões” da decisão ora recorrida (e do presente recurso).

Ora, como se colhe do seu teor (que atrás se deixou transcrito na parte que releva), entendeu o Tribunal de Segunda Instância conceder provimento ao recurso da R., visto que, considerou que com a interposição do recurso da sentença do Tribunal Judicial de Base por parte da Interessada (e comproprietária do imóvel objecto do contrato promessa) C a mesma exerceu, ou manifestou pretender exercer, o seu “direito de preferência”, desta forma decidindo declarar resolvido o dito contrato promessa entre A. e R. celebrado por “impossibilidade do seu comprimento”.

E, sem embargo do devido respeito por melhor entendimento, e (como já se deixou adiantado), acertado não nos parece a assim decidido.

Com efeito, o aludido “direito de preferência” desta dita Interessada C não constitui motivo – nem de “facto” nem de “direito” – adequado para a decidida revogação da pelo Tribunal Judicial de Base decretada “execução específica” e consequente “resolução do contrato” entre A. e R. celebrado.

Vejamos.

Os “direitos de preferência” podem ser “convencionais” – como os chamados “pactos de preferência”, (cfr., art. 408° do C.C.M.) – ou “legais”, (cfr., art°s 1308°, 1446° e 1970° do mesmo código), consoante tenham origem num acordo de vontade ou na lei.

Nos termos do estatuído no art. 1308° do C.C.M.:

“1. O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes.
2. É aplicável à preferência do comproprietário, com as adaptações convenientes, o disposto nos artigos 410.º a 412.º
3. Sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas quotas”.

Remetendo o transcrito comando legal para os “artigos 410° a 412°”, vale a pena atentar que, em conformidade com primeiro destes, e sob a epígrafe “Conhecimento do preferente” se estatui aí que:

“1. Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.
2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de 8 dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo”.

Em face do assim preceituado, resulta claro que o “direito de preferência” pode ser exercido – digamos que, no “momento ideal” – perante a “comunicação do projecto de venda” a que se refere o n.° 1 do aludido art. 410° do C.C.M. (e art. 1220° do C.P.C.M.), cabendo, ao preferente, observar o que aí se prescreve.

In casu, diversa é a situação.

No caso dos autos, a “venda”, (ainda que através da decretada “execução específica”), está “consumada”, ultrapassada estando a fase da possibilidade do preferente (optar por) aceitar ou não o “projecto de venda”, podendo, apenas, “reagir” à mesma.

Com efeito, relativamente à matéria da “tutela do direito de preferência”, é comum referir-se que violado o direito de preferência, ao preferente cabe – até por uma questão de elementar justiça – o “direito a uma indemnização” pelos danos sofridos, podendo, em certos casos, recorrer à chamada “acção de preferência”; (cfr., art. 415° e o art. 1309° do C.C.M.).

Neste sentido, veja-se, (v.g.), Galvão Telles que considera que: “Se o obrigado à preferência vender a coisa a terceiro sem notificar a outra parte ou apesar de esta ter em tempo declarado preferir, incorrerá perante ela em responsabilidade contratual, devendo indemnizá-la pelos prejuízos que lhe advierem da violação do pacto.
O preferente tem de se contentar com essa indemnização, não podendo chamar a si a coisa alienada.
Só não é assim se ao pacto tiver sido atribuída eficácia real – eficácia real que só existirá, como vimos, se o pacto respeitar a imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, constar de escritura pública ou de documento particular com reconhecimento notarial, conforme os casos, e estiver registado. Neste caso o direito do preferente prevalece sobre o do comprador. Mas para isso o titular terá de o exercer através da chamada acção de preferência …”; (in “Direito das Obrigações”, 6ª ed., pág. 152 e 153, podendo-se, também, sobre os “meios de tutela à disposição do preferente”, ver A. Cardoso Guedes in, “O exercício do direito de preferência”, Teses, Porto, 2006, Publicações Univ. Católica, pág. 589 e segs., e Cheok Ian Lei in, “A tutela do direito de preferência”, 2017, Univ. Coimbra, pág. 86 e segs.).

Na verdade, importa não olvidar que com a epígrafe “acção de preferência”, preceitua o art. 1309° do C.C.M. que:

“1. O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de 6 meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite, nos 8 dias seguintes ao despacho que ordene a citação, o preço devido, acrescido das despesas, quando e na medida em que o beneficiem, com emolumentos notariais e de registo e com impostos devidos pela aquisição.
2. O direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou revogação da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial”.

Ora, atento o assim estatuído, visto cremos estar que acertada não se apresenta a decisão recorrida.

Com efeito, (e, tanto quanto, em nossa opinião, resulta do transcrito comando legal), cremos que o exercício do aí previsto “direito de preferência”, (condicionado pelo “prazo” e “depósito” referidos), não constitui nenhum “direito” que confere ao seu titular, (no caso, à Interveniente C, ora recorrida), a “capacidade” – ou melhor dizendo, “legitimidade” – de se “introduzir na acção de execução específica” que correu os seus termos e culminou com a sentença do Tribunal Judicial de Base, (que, note-se, não sofre de qualquer nulidade ou anulabilidade), sem prejuízo do direito de, (invocando o seu “direito de preferência”), e através do “meio processual próprio”, (e autónomo) – ou seja, da dita “acção de preferência” – se poder sub-rogar na posição do (A.) comprador, (sendo, aliás, de salientar que o pedido a deduzir na aludida “acção” é, concretamente, e apenas, o de se reconhecer o reclamado direito de preferência sobre o imóvel e de se declarar “transferida a sua propriedade”, com a condenação à sua entrega).

Neste sentido, veja-se, A. Varela, (in R.L.J., n.° 119, pág. 109), que expressamente adverte que a “acção de preferência, na sua real essência, não é uma acção de anulação, mas uma pura acção de substituição, que nada tem a ver com a ilicitude ou a má fé do substituído”, valendo também a pena atentar na observação de Lebre de Freitas que, a propósito da “falta de notificação para o exercício do direito de preferência”, considera que, perante a mesma, se deve seguir o regime geral da Lei civil, devendo o titular do direito de preferência “propor uma acção de preferência” no prazo que a Lei, consoante a causa do seu direito, lhe concede; (in “A acção executiva”, Coimbra editora, 1993, pág. 273, e no mesmo sentido, R. Bastos in, “Notas ao C.P.C.”, Vol. IV, pág. 126).

Na verdade, as “preferências legais”, (como é o caso), apenas conferem ao respectivo titular, a faculdade de, em igualdade de condições – pelo mesmo preço – se substituir a qualquer adquirente da coisa sobre que incidam, sendo que da procedência da “acção de preferência” pode-se tão só esperar a “substituição, com eficácia «ex tunc», do adquirente pelo preferente”.

Como sobre o tema igualmente considera Henrique Mesquita, “o direito que pode exercer-se através de uma acção de preferência é o direito de em determinada venda, substituir o comprador, reembolsando-o do preço que pagou ao comprador…e passando o preferente a ocupar a sua posição jurídica, como se o vinculado à preferência houvesse celebrado directamente com ele o negócio sujeito à prelação”; (in R.L.J., 132°, n.° 3903, pág. 191).

De tudo o que se vem de expor, resulta pois que é pressuposto desta referida “acção de preferência”, (como meio processual autónomo e específico), que já tenha sido celebrado – “consumado” – o negócio jurídico em relação ao qual existe (um alegado) direito de preferência, e que este seja, para todos os efeitos “válida” e legalmente exercido; (atente-se, aliás, na própria redacção do art. 1309° do C.C.M. que, à semelhança do que antes constava do art. 1566° do Código de Seabra, se refere ao direito do comproprietário de “haver para si a quota alienada”).

Como igualmente nota o Prof. Manuel Trigo:

“Não sendo dada a preferência, porque falte a comunicação, nem por outra via se conheça atempadamente a venda, ou porque embora tenha havido renúncia se dê a venda subsequente em condições diversas mais favoráveis, violada a obrigação de dar preferência, são diferentes os direitos dos preferentes em função da sua natureza e do seu valor relativo.
O titular de um direito legal de preferência tem, como o comproprietário, o direito de haver para si o bem ou direito alienado, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos oito dias seguintes ao despacho que ordene a citação dos réus em acção judicial de preferência, nos termos do n.° 1, do art. 1309.°”, advertindo, também, que “Pressuposto do exercício de preferência é a violação desse direito por acto do devedor, verificada a alienação e alienação válida”; (in “Lições de Direito das Obrigações”, F.D.U.M., pág. 186 e “nota 231”).

Com efeito, é caso para se dizer que o “direito de preferência” em questão “nasce” com a sentença de execução específica, antes disso, existindo, apenas, uma mera “expectativa jurídica”.

Aliás, vale a pena atentar também que, mesmo na situação do art. 803°, n.° 2 do C.P.C.M. – que tratando das situações em que as “vendas judiciais ficam sem efeito” prescreve que “Quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer acção de preferência ou for deferida a remição de bens, o preferente ou o remidor substituem-se ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra” – a venda em questão não é anulada, prevendo-se, tão só, que com a procedência da acção de preferência, ocorra a (mera) substituição do comprador; (cfr., v.g., May de Figueiredo Bordadágua in, “Os direitos reais de aquisição no processo executivo”, pág. 64 e segs., podendo-se, ainda, sobre a matéria, ver o Ac. deste T.U.I. de 05.06.2020, Proc. n.° 138/2019, onde, perante as mesmas partes agora em litígio, com os mesmos estatutos processuais e idêntica situação e questão se ponderou e chegou a idêntica solução).

Ora, em face do que se deixou exposto, à vista se apresenta a solução a adoptar.

Na verdade, a referida Interessada C, não tendo tido (qualquer) intervenção no contrato promessa de compra e venda entre A. e R. celebrado, mais não é que um “terceiro – totalmente – alheio” nos presentes autos, não lhe assistindo qualquer “legitimidade” para, nesta sede, reclamar (ou discutir) o que quer que seja quanto ao que entre A. e R. foi acordado, manifesto se nos apresentando assim que o “recurso” que da sentença do Tribunal Judicial de Base interpôs para o Tribunal de Segunda Instância, não justifica, independentemente do demais, qualquer consideração a título (e para efeitos) de exercício do seu direito de preferência, não podendo, como tal, constituir motivo (legal) para a decidida revogação da sentença do Tribunal Judicial de Base – que, como se viu, decretou a execução específica do aludido contrato – decidindo-se, em sua substituição, pela sua “resolução”, (com a devolução do sinal pago).

Dest’arte, verificando-se que motivos não existem para a manutenção do decidido no Acórdão recorrido, e, apresentando-se-nos totalmente válidas e acertadas as razões que levaram à decisão proferida com a sentença do Tribunal Judicial de Base, imperativo é pois decidir-se pela procedência do presente recurso com a revogação do aludido Acórdão recorrido para ficar a valer a dita sentença do Tribunal Judicial de Base.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revoando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelos recorridos, com taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 12 de Maio de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

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