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   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 26 de Fevereiro de 2009, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A, da decisão do Tribunal Colectivo do Tribunal Criminal que o condenou na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e na multa de MOP$10.000,00 (dez mil patacas), ou, em alternativa a esta, em 66 (sessenta e seis) dias de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelo artigos 8.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, na pena de 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de detenção de utensilagem, previsto e punível pelo artigo 12.º do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) meses de prisão pela prática de um crime de detenção de estupefaciente, previsto e punível pelo artigo 23.º, alínea a) do mesmo diploma e, em cúmulo jurídico na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão e na multa de MOP$10.000,00 (dez mil patacas), ou, em alternativa a esta, em 66 (sessenta e seis) dias de prisão.
O TSI apenas alterou a duração da prisão subsidiária, que fixou em 8 (oito) dias.
   Inconformado, interpõe o arguido recurso para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões:
   1. A decisão recorrida tem erro de direito, tais como os fundamentos, estipulados no art. 400.°, n.o 2, al. a) do Código de Processo Penal, que foram imputados à decisão de primeira instância, ou seja, o vício da insuficiência para a decisão dos factos dados como provados neste caso; e o erro da omissão de apreciação proveniente da falta de apreciação da questão núcleo apresentada no recurso, assim, causando precisamente a nulidade.
   2. Cometido um crime de tráfico de droga, p. e p. pelo art. 8.°, n.o 1 do Decreto-Lei n.o 5/91/M, de 28 de Janeiro, um crime de detenção de utensilagem para consumo de droga, p. e p. pelo art. 12.° do mesmo Decreto-Lei e um crime de detenção de droga, p. e p. pelo art. 23.°, al. a) do mesmo Decreto-Lei.
   3. In casu, além dos estupefacientes, encontraram também utensílios para consumo de droga no domicílio do recorrente.
   4. Conjugado com a fls. 305 dos autos, no momento em que o recorrente foi detido e antes de ser preso preventivamente, este foi submetido ao exame que teve lugar no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, detectando que o recorrente chegou a consumir droga, tais como Metanfetamina, Anfetamina e Heroína.
   5. Dado que os estupefacientes foram encontrados no domicílio do recorrente e foi detectado que no organismo do recorrente continha Metanfetamina, ora, segundo a regra de experiência comum, conclui-se que os estupefacientes encontrados serviam precisamente para consumo próprio do recorrente.
   6. Por um lado, o TSI considerou que o recorrente detinha estupefacientes (com 59,15 g de Metanfetamina), e, por outro, entendeu que o recorrente detinha ilegalmente utensílios para consumo de droga, bem como estupefacientes destinados ao consumo próprio, contudo, o Tribunal Colectivo nunca apreciou o facto sobre se o recorrente detinha ou não estupefacientes para consumo próprio. Todavia, o TSI formulou a conclusão sem ter apreciado antes as provas supracitadas, dando como não provado o facto de que os estupefacientes detidos pelo recorrente eram destinados ao consumo próprio.
   7. Deste modo, o TSI e o Tribunal a quo nunca atenderam se os estupefacientes contidos no organismo do recorrente eram aqueles que foram encontrados no domicílio do mesmo, nem apreciaram se a detenção ilegal de estupefacientes tinha por finalidade de consumo próprio, e também, não foram ainda provado ou negado que o recorrente era consumidor de droga. Pelo que, os dois tribunais cometeram erro da omissão de apreciação, por falta de apreciação da questão núcleo exposta, assim, causando precisamente a nulidade.
   8. Por outro lado, salvo o devido respeito, não concorda com a punição da pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime previsto no art. 8.°, n.o 1 do Decreto-Lei n.o 5/91/M e em circunstância atenuante.
   9. Apurado na audiência de julgamento que o recorrente forneceu informações às autoridades policiais de Macau e do Interior da China, dando auxílio aos órgãos policiais no combate do crime de tráfico e na intercepção dos traficantes de droga.
   10. O recorrente é residente de Macau, é primário, andava sempre a contribuir e fornecer secretamente informações para combater o crime de tráfico de droga, dando auxílio na detenção dos membros da associação criminosa. Em Macau, este apoiou na detenção de vários traficantes de droga, dando um certo grau de contributo à defesa de paz social.
   11. Nos termos do art. 18.°, n.o 2 do Decreto-Lei n.o 5/91/M, “No caso de prática dos crimes previstos nos artigos 8.°, 9.° e 15.°, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, poderá a pena ser-lhe livremente atenuada ou decretar-se mesmo a isenção”.
   12. O recorrente entende que, na determinação da pena, o Tribunal Colectivo não atendeu às situações aludidas, nomeadamente, ao facto de que o recorrente tinha apoiado à Polícia de Macau no combate da associação de traficantes de droga, e, por cima, o Tribunal determinou uma pena tão pesada, pelo que o respectivo acórdão violou os dispostos no art. 65.° do Código Penal e art. 18.°, n.o 2 do Decreto-Lei n.o 5/91/M.
   
   Na resposta à motivação do recurso o Ex.mo Procurador-Adjunto defendeu a rejeição do recurso.
   No seu parecer, o Ex.mo Procurador-Adjunto manteve a posição já assumida nos autos.
   
   II – Os factos
   As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
   No dia 12 de Novembro de 2007, pelas 22H00, agentes da PJ, acompanhados pelo arguido A, deslocaram-se à residência deste sita na [Endereço (1)], para proceder à busca.
   No quarto do arguido A, os agentes encontraram, dentro da gaveta da mesinha de cabeceira, um frasco de plástico com tampa de cor roxa que continha canudo e líquido, cinco pacotes de pó branco, um frasco de plástico transparente que continha pó branco, um frasco de plástico com tampa de cor branca e com inscrição de álcool, um frasco de vidro com tampa de cor verde, uma palhinha de vidro, um tubo de plástico de cor preta, uma varinha de ferro de cor preta, um tubo de ensaio de vidro, um troço do tubo de vidro, dois frascos de vidro com pavio de algodão no gargalo que continham líquido, um isqueiro de cor preta, uma caixa de madeira de cor castanha e um rolo de papel de estanho.
   Após exame laboratorial, verificou-se que os cinco pacotes de pó branco continham Pseudoefedrina, com peso líquido total de 56.34g; o pó branco dentro do frasco de plástico transparente continha substâncias de Metanfetamina e Efedrina enumeradas na Tabela II - B do Decreto-Lei n.o 5/91/M, com peso líquido total de 80.28g (o resultado da análise quantitativa foi: Metanfetamina ocupava uma percentagem de 73.68%, com peso de 59.15g); em relação ao líquido dentro do frasco de plástico com palhinha continha substâncias de Metanfetamina, Anfetamina enumeradas na Tabela II - B e Heroína enumerada na Tabela I - A do mesmo Decreto-Lei, num total de 108ml.
   O pó que continha Metanfetamina, Efedrina e Pseudoefedrina acima referido foi adquirido pelo arguido A, junto de um indivíduo não identificado, e o arguido guardou o produto para este indivíduo. O pó que continha Metanfetamina e Efedrina era produto semi-acabado para o fabrico da Metanfetamina (mais conhecida por “ice”), enquanto o pó que continha Pseudoefedrina era preparação para o fabrico da Metanfetamina.
   O líquido que continha substâncias de Metanfetamina, Anfetamina e Heroína é o que restou após o consumo pelo arguido A.
   O frasco de plástico com palhinha, os frascos de vidro com pavio de algodão no gargalo, o isqueiro e o papel de estanho foram utensílios usados pelo arguido A para consumo de estupefaciente.
   O arguido A agiu livre, voluntária, consciente e dolosamente quando teve a referida conduta.
   Sabia perfeitamente da natureza e das características dos estupefacientes e preparação para estupefaciente acima referidos.
   A sua conduta não era permitida por qualquer lei.
   Bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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   Mais se provou:
   O arguido ofereceu informações às Polícias da RAEM e do interior da China, tendo cooperado com elas para descobrir e capturar com sucesso vários arguidos envolvidos no tráfico de drogas.
   Segundo o Registo Criminal, o arguido é primário.
   O arguido alegou que, antes da prisão preventiva, trabalhava como vendedor de tecidos, mas com o vencimento mensal não esperado. A esposa do arguido é dona de casa, com quem o arguido tem 4 filhos, dois homens e duas mulheres, dos quais, a filha maior já casada mora na província de Fujian, China, e o filho menor, desempregado; os outros dois filhos já crescidos estão empregados e assumem encargo do sustento da família. O arguido concluiu o ensino secundário geral.
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   Factos não provados:
   Nenhum facto relevante encontra-se não provado.
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   Convicção do Tribunal:
   O arguido prestou a declaração na audiência de julgamento, confessando parcialmente os factos lhe imputados.
   Vários agentes da Polícia Judiciária também prestaram declarações na audiência de julgamento, contando de maneira objectiva e clara as diligências de busca feita na casa do arguido onde têm encontrado estupefacientes e a respectiva utensilagem. Além disso, investigadores da Divisão de Investigação e Combate ao Tráfico de Estupefacientes admitiram que, com as informações fornecidas pelo arguido, policiais do interior do continente conseguiram descobrir e capturar com sucesso vários suspeitos envolvidos no tráfico de drogas.
   Relatório de análises laboratoriais constantes nos autos mostram o teor e o peso dos respectivos produtos estupefacientes apreendidos.
   Tendo ponderado de maneira conjuntural as declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas na audiência de julgamento, as provas documentais, de objectos apreendidos e de outras provas examinadas na audiência, o Tribunal Colectivo conclui que o arguido praticou os factos lhe imputados.

   III - O Direito
   1. As questões a resolver
   O recorrente imputa ao Acórdão recorrido violação da alínea a) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, por não ter considerado que o Acórdão do Tribunal Judicial de Base enfermava de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
   Por outro lado, considera o recorrente que o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 65.° do Código Penal e no artigo 18.°, n.o 2 do Decreto-Lei n.o 5/91/M, por não ter fixado uma pena inferior a 4 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime previsto e punível pelos artigos 8.º, n.º 1 e 18.°, n.o 2 do Decreto-Lei n.o 5/91/M.
   São estas as questões a resolver.
   
   2. Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
   Na tese do arguido o Acórdão do Tribunal Judicial de Base enfermava de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada porque nunca apreciou se o arguido detinha ou não estupefacientes para consumo próprio.
   Mas isto não é exacto. O Tribunal Judicial de Base deu como provado que o arguido detinha cinco pacotes de pó branco que continham Pseudoefedrina, com peso líquido total de 56.34g e um pó branco dentro do frasco de plástico transparente continha substâncias de Metanfetamina e Efedrina com peso líquido total de 80.28g (o resultado da análise quantitativa foi: Metanfetamina ocupava uma percentagem de 73.68%, com peso de 59.15g). E mais deu como provado que todas estas substâncias não eram para consumo próprio do arguido, mas antes que ele guardava o produto para um indivíduo não identificado.
   Por outro lado, o mesmo Tribunal Judicial de Base deu como provado que o arguido detinha dois frascos de vidro com pavio de algodão no gargalo que continham líquido e que este continha substâncias de Metanfetamina, Anfetamina e heroína, sendo que este líquido é o que restou após o consumo pelo arguido A.
   Daqui resulta que o Tribunal de 1.ª Instância considerou provado que o arguido detinha certas substâncias para finalidade que não o seu consumo próprio e que detinha restos de outra substância que tinha consumido.
   Pela detenção das primeiras substâncias foi condenado - e bem – como autor de um crime de tráfico de estupefaciente.
   Pela detenção da segunda substância foi condenado - e bem – como autor de um crime de detenção para consumo de estupefaciente.
   Portanto, o Tribunal Judicial de Base averiguou o que lhe competia averiguar, pelo que não existe qualquer vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. O que sucede é que o recorrente, provavelmente, não concorda com a decisão da matéria de facto, mas isso não constitui nenhum vício da decisão.
   Improcede a questão suscitada.
   
   3. Medida da pena
   O arguido praticou um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, a que cabe a penalidade de 8 a 12 anos de prisão e multa de 5000 a 700000 patacas. Mas viu ser-lhe atenuada especialmente a pena, para 4 anos e 6 meses, com fundamento no artigo 18.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, que permite atenuar livremente a pena ou isentá-la quando “... o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a indemnização ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações ...”.
   Quer isto dizer que, tendo o Tribunal decidido atenuar especialmente a pena, esta poderia ser fixada entre o mínimo legal da pena de prisão, que é de 1 mês (artigo 41.º, n.º 1 do Código Penal) e o máximo de 8 anos de prisão1, já que se trata de atenuação livre da pena, não sujeita, por conseguinte, ao regime do artigo 67.º do Código Penal.
   Tendo o Tribunal de 1.ª Instância fixado a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão para o crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelo artigos 8.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, mantida pelo TSI, não é de censurar tal fixação, já que tem este Tribunal considerado que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 19 de Setembro de 2008 e 23 de Janeiro de 2008, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008 e 57/2007).
   Não se afigura ser a pena completamente desproporcionada, pelo que se julga insubsistente a pretensão do recorrente, no sentido de lhe ser atribuída uma pena inferior.
   É de rejeitar, portanto, o recurso.
   
   IV – Decisão
   Face ao expendido, rejeitam o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC. Nos termos do art. 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal, pagará 3 UC pela rejeição do recurso.
Macau, 29 de Abril de 2009
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

1 Não faria sentido, havendo atenuação especial, ser aplicada uma pena superior a 8 anos de prisão, porque neste caso não haveria necessidade de recorrer a este instituto.
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Processo n.º 11/2009