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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.º 11 / 2008

Recorrente: Secretário para a Segurança
Recorrida: A







   1. Relatório
   A interpôs recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança que indeferiu o pedido de prorrogação excepcional de permanência na RAEM para os seus dois engenheiros.
   Por acórdão proferido no processo n.º 223/2005, o Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso contencioso e anulou o acto recorrido por violação de lei com base no entendimento de que é ilegal o Regulamento Administrativo n.º 17/2004 em que integrava um artigo do mesmo diploma que a entidade recorrida aplicou ao caso concreto.
   Deste acórdão o Secretário para a Segurança recorreu para o Tribunal de Última Instância. Por seu acórdão de 18 de Julho de 2007 proferido no processo n.º 28/2006, o Tribunal de Última Instância revogou o acórdão do Tribunal de Segunda Instância e determinou que este tribunal apreciasse as questões suscitadas pela recorrente do recurso contencioso, se outro motivo a tal não obstar, com fundamento de que o art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 tem por base um acto legislativo, ou seja, o art.º 15.º da Lei n.º 4/2003, e regula a matéria respeitante à permanência de pessoas na Região em casos especiais de prestação de trabalho ou serviços em Macau.
   Posteriormente, o Tribunal de Segunda Instância proferiu novo acórdão sobre o caso em 13 de Dezembro de 2007, em que julgou novamente procedente o recurso contencioso e anulou o acto recorrido, com base em que a entidade recorrida não aplicou o art.º 12.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 para decidir o caso da recorrente.
   Inconformado com este último acórdão, o Secretário para a Segurança recorreu para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. O RA n.° 5/2003 dedica-se à entrada, permanência e autorização de residência na RAEM, entendida aqui a permanência no seu sentido geral e comum, quanto aos seus fins, que são nomeadamente o turismo, a visita de familiares, o estudo, os negócios, as actividades culturais, artísticas ou científicas ou outras não especialmente previstas em outros diplomas.
   2. O art.° 4.° do RA n.° 17/2004 estatui que a permanência de não-residentes em Macau para aqui desenvolverem actividades de direcção, técnicas, de controlo de qualidade ou de fiscalização, na realização de obras ou serviços determinados e ocasionais, é limitada a um prazo máximo de quarenta e cinco dias por cada período de seis meses, consecutivos ou interpelados.
   3. Se o propósito do requerente for o do exercício de uma actividade laboral de alguma forma compreendida no âmbito de aplicação do RA n.° 17/2004, para que possa permanecer em Macau há de obter a competente autorização nos termos deste Regulamento, ou mostrar-se dela isento, e não ocorrendo nenhuma destas circunstâncias, ilegal será a actividade que aqui desenvolva como ilegal será a sua permanência.
   4. A actividade proposta exercer pelos “representados” do recorrente “cabe indiscutivelmente no âmbito de aplicação” do art.° 4.° do RA n.° 17/2004, por prazo superior ao estatuído nesta norma, e não autorizável, consequentemente.
   5. A permanência anda sempre associada a um qualquer fim, e não é autorizada se não tiver um fim por referência, como não é autorizada se o fim tido em vista se mostrar ilegal em face da lei respectiva.
   6. O que se faz no despacho recorrido é optar-se pelo respeito pela proibição estatuída no RA n.° 17/2004, que é uma fonte de direito com o mesmo valor hierárquico do RA n.° 5/2003, e que, ao contrário deste, estatui uma proibição e não um mero poder discricionário.
   7. O douto Acórdão recorrido, todavia, ignora grande parte dos aspectos essenciais da questão, que vêm de referir-se, designadamente os dos fins a que se destina a requerida permanência e a da concorrência de normas legais sobre a matéria em apreço, o que se mostra determinante quer para a boa decisão administrativa quer para a boa decisão judicial.
   8. O douto Acórdão recorrido não empreende um exercício fundamentado e sustentável de subsunção da factualidade concreta às normas legais aplicáveis, limitando-se a dizer, de uma forma quase exclusivamente lacónica, que a mesma é enquadrável no art.º 12.° do RA n.° 5/2003.
   9. O douto Acórdão recorrido ignora o regime vertido no art.º 4.° do RA n.° 17/2004, e a proibição nele estatuída, advogando, no fundo, dever autorizar-se uma permanência que, em face dos seus fins, é inquestionavelmente proibida por lei.
   10. O douto Acórdão recorrido não identifica, de uma forma completa e fundamentada, o pretenso vício sobre que se funda a anulação do acto administrativo recorrido.
   11. Assim violando e ou interpretando ou aplicando erradamente, o douto Acórdão recorrido, além das regras e princípios doutrinários e legais implícitos nestas Alegações, em especial os art.°s 4.° do RA n.° 17/2004 e art.º 12.° do RA n.° 5/2003.”
   Pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, anulando o acórdão recorrido e confirmando o acto administrativo impugnado.
   
   A recorrida não apresentou as alegações.
   
   O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “A questão colocada no presente recurso prende-se em saber se é aplicável ao caso sub judice a disciplina do Regulamento Administrativo n.n 17/2004, concretamente o disposto no art.. 4.. do mesmo diploma, ou antes pelo contrário, se deve aplicar o Regulamento Administrativo n.. 5/2003, que rege a matéria sobre a “entrada, permanência e autorização de residência”.
   Concordamos com a posição já assumida pelo nosso Colega no seu parecer dado no recurso contencioso, pugnando pela aplicabilidade do primeiro diploma.
   
   No que concerne ao assunto que se interessa no nosso caso concreto, resulta dos art..s 11.. e 12.. do RA n.. 5/2003 que a autorização de permanência na RAEM pode ser prorrogada, uma ou mais vezes, até ao máximo de 90 dias, sem prejuízo de o Chefe do Executivo poder conceder, a título excepcional, mais prorrogações da permanência.
   Por sua vez, o RA n.n 17/2004 tem como título “Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal” e destina-se, conforme o seu art.. 1.., a “estabelecer a proibição da aceitação ou prestação ilegal de trabalho e o correspondente regime sancionário”.
   Para além de outras situações, é considerado como “trabalho ilegal” aquele que é prestado pelo não residente de Macau que não possua a necessária autorização para exercer por conta de outrem, ainda que não remunerada - al. 1) do art.. 2.. do diploma.
   E ao lado de prever casos excepcionais desse “trabalho ilegal”, entre os quais se conta com prestação de serviço de direcção, técnicos, de controlo de qualidade ou de fiscalização por trabalhadores fora da RAEM, o art.. 4.. do RA n.n 17/2004 estabelece que “as excepções previstas no n.. 1 para permanência do não residente para a prestação de trabalho ou serviço são limitadas a um prazo máximo de quarenta e cinco dias por cada período de seis meses, consecutivos ou interpolados” (n.. 2).
   Daí resulta que, mesmo para aquelas situações que não forem qualificadas como ilegais, o legislador estabelece o limite máximo temporal para permanência do não residente para a prestação de trabalho ou serviço, que não pode ultrapassar 45 dias por cada período de 6 meses, consecutivos ou interpolados.
   
   Comparando as disposições acima citadas, parece-nos que, tal como opina o nosso Colega, as normas do RA n.. 5/2003 se destinam a regular situações em que os interessados pedem prorrogação da permanência na RAEM com vista a outras finalidades que não sejam de prestar trabalho ou serviço, tais como o turismo, a visita de família, o estudo, etc., enquanto as do RA n.. 17/2004 se destinam própria e especificamente aos casos em que o pedido de prorrogação da permanência visa precisamente essa finalidade de prestar na RAEM trabalho ou serviço.
   Daí que as normas deste diploma têm aplicação directa no caso vertente que está em causa, pois resulta claramente dos autos que os pedidos de prorrogação de permanência foram apresentados com vista à continuação da actividade laboral dos interessados, pelo que, antes da decisão, a Administração deve ter em conta o disposto no n.. 2 do art.. 4.. do RA n.. 17/2004 que estabelece o limite máximo temporal para a permanência do não residente para a prestação de trabalho ou serviço.
   A situação de facto ora em apreciação é enquadrável na al. 1) do n.. 1 do art.. 4.. do diploma e, consequentemente, sujeita-se ao prazo máximo fixado no n.. 2 do mesmo artigo.
   E não se mostra relevante a alegação sobre “manifesto interesse público para Macau” da execução do respectivo contrato, que nem foi posto em causa, já que o legislador não estabelece excepções àquele prazo máximo com base nesta ou noutras razões.
   
   Pelo exposto, parece-nos que o presente recurso merece provimento.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Ao conhecer o recurso contencioso, o Tribunal de Segunda Instância considerou o seguinte parecer em que fundou o acto impugnado que indeferiu o pedido da ali recorrente de prorrogação excepcional de permanência na RAEM para os seus dois engenheiros:
“PARECER
   Assunto: Autorização de permanência
   Interessados: B
    C
   Ref.ª: INF. MIG XXX/2004/E
   Na sequência do despacho do Exm.º Secretário para a Segurança sobre o nosso parecer de 30/05/2005, que aqui se dá por reproduzido, vêm os requerentes, em sede de audiência prévia, dizer, em breve síntese, que:
   - As funções que desempenham são de “manifesto interesse público para Macau”;
   - A Administração ao “aplicar indiscriminadamente os imperativos legais sobre a permanência em Macau ... está a pôr directamente em risco a saúde pública”;
   - “Tudo isto por um mero preciosismo de interpretação jurídica ... desprovida de todo o fundamento”;
   - É incorrecta a nossa interpretação segundo a qual “estando em causa uma relação de trabalho ... não se deve ... aplicar o art.º 12.º do RA n.º 5/2003”;
   - O poder ... que resulta do referido art.º 12.º do RA n.º 5/2003 ... constitui uma válvula de segurança ... para circunstâncias especialmente excepcionais como a que ora se pretende resolver”;
   - A aplicação cega e autista da estatuição prevista no n.º 2 do art.º 4.º do RA n.º 17/2004 ... enfermará a decisão a proferir num grave vício administrativo – o desvio de poder.
   Pugnando pela autorização do pedido.
   Não lhe assiste, de todo, a razão de que se arroga.
   Vale a pena transcrever aqui alguns passos do parecer que em 15/12/2004 emitimos sobre esta matéria:
   “No passado vinha sendo usada a autorização de permanência, do regime geral de entrada e permanência em Macau, para acorrer às situações com os contornos do caso vertente, não enquadráveis na legislação sobre o trabalho de não residentes, e não regulados em qualquer outro diploma legal, mas merecedoras de especial tratamento por parte da Administração da RAEM”.
   “Acontece que o RA n.º 17/2004, no seu art.º 4.°, vem claramente, embora, digamos, que de forma residual, regular essas mesmas situações, designadamente excluindo-as (n.º 1, 1)) da noção de trabalho ilegal, que o mesmo é dizer, não as considerando integráveis no regime de importação de mão-de-obra, e (n.º 2) limitando o período de permanência a um máximo de 45 dias por cada período de 6 meses, consecutivos ou interpolados”.
   “Assim, e em relação ao comum das situações de exercício de actividades de prestação de serviços de direcção, técnicas, de controlo de qualidade ou de fiscalização, não qualificáveis como importação de mão-de-obra, há de, forçosamente, aplicar-se o art.º 4.° do RA n.º 17/2004, nos termos e com as condicionantes aí previstos”.
   “Sucede, o que nos causa alguma estranheza, que o caso em apreço, apesar de aparentemente se revestir dos contornos descritos no citado art.º 4.°, n.º 1, 1), e em princípio aí enquadrável, acabou, no entanto, por ser objecto de um comum pedido de importação de mão-de-obra, e merecer despacho de indeferimento, em razão de mérito, o que estranhamente contraria toda a factualidade descrita e argumentação expendida pelo interessado quanto à natureza da sua relação laboral e fins da sua permanência em Macau”.
   “Algo pois nos escapa ... e nos leva a sugerir que o CPSP formula um pedido de esclarecimento junto da DSAL ...”.
   Respondeu aquela Direcção de Serviços dizendo que, em muito breve síntese,
   “...o caso sub judice cabe indiscutivelmente no âmbito de aplicação da norma [do art.º 4.º do RA n.º 17/2004]”.
   No nosso parecer de 30/05/2005 esclarecemos que desde que o fundamento do pedido de permanência seja exclusivamente de carácter laboral, há de forçosamente aplicar-se aquele art.º 4.°, com exclusão de qualquer outra norma legal.
   E adiantamos ainda o seguinte:
   “Sendo certo que, e neste particular todos estamos de acordo, poderá ser concedido, ao abrigo do regime geral, qualquer período de permanência, se outro for o fundamento do pedido, que não o do exercício de uma actividade laboral, e que os fins que motivam o mesmo pedido, integrem também um de natureza laboral por período não superior a 45 dias – embora aqui com algumas reservas porque não cremos que na prática venha a configurar-se tal pluralidade de fins, admitindo-a, pese embora”.
   Os requerentes, todavia, persistem no entendimento de que o regime geral de autorização de permanência pode, e no caso concreto deve, ser aplicado em quaisquer circunstâncias, ainda que enquadráveis no art.º 4.° do RA n.º 17/2004, ao arrepio desta norma, excepcionando-a.
   Ora, o RA n.º 17/2004, visa precisamente chamar a si, em exclusivo, retirando do âmbito de aplicação de quaisquer outros diplomas tudo o que se prenda com a prestação de trabalho por não residentes (e por maioria de razão com a permanência para esse fim) e designadamente tudo o que se considere trabalho ilegal.
   Por outro lado criando o seu próprio regime de excepção (art.º 4.°) para as situações de prestação de trabalho de não residentes não enquadráveis no seu âmbito primordial de aplicação constante do art.º 2.°.
   Ou seja, o RA n.º 17/2004, que se dedica à proibição e repressão do trabalho ilegal e, consequentemente, da permanência com esse fim, cria as suas próprias excepções e delimita-as em termos precisos, exaustivos e taxativos, e por isso excluindo-as do âmbito de aplicação de quaisquer outros diplomas.
   Não fazendo, pois, qualquer sentido que para além deste regime de excepção sempre possa aplica-se um outro, mais flexível e sem limitações, muito menos quando esse outro se trate de um regime geral – o que a ser assim esvaziaria de sentido a lógica da consagração do regime especial do RA n.º 17/2004.
   Como poderia, pergunta-se, suprir-se a ilegalidade resultante do incumprimento de uma norma de carácter excepcional , imperativa, taxativa, de um regime especial?
   Igualmente não se compreende, diga-se a talho de foice, embora tal não nos diga directamente respeito, porque os requerentes não concentram os seus esforços, como julgamos que deveriam, em fazer valer a excepcionalidade da natureza da sua relação laboral no sentido de um outro tratamento por parte das instâncias competentes, ao invés de pretenderem impor nesta sede o que é manifestamente inviável!
   Quanto “às mais elementares regras da interpretação jurídica”, oferece-se-nos dizer que não é de interpretação jurídica que aqui se trata mas sim de hierarquia das fontes do direito, rectius de conflito de normas emanadas de fontes de igual posição hierárquica.
   É por demais evidente o conflito de normas de um e outro diplomas, conflito esse gerado depois da criação do RA n.º 5/2003 e com a entrada em vigor do RA n.º 17/2004!
   Como pode a Administração autorizar um pedido ao abrigo de um diploma que é manifestamente não autorizável ao abrigo de um outro que é posterior e configura um regime jurídico especial?
   É que “as mais elementares regras” não da interpretação jurídica mas do conflito de normas, são estas:
   - A lei posterior derroga a lei anterior;
   - A lei especial derroga a lei geral.
   Sendo certo que o RA n.º 5/2003 não se “auto intitula” lei de princípios. A lei de princípios é a Lei n.º 4/2003, a qual, precisamente por enunciar apenas princípios, não regulamenta as questões relativas à permanência, cometendo essa tarefa ao RA n.º 5/2003.
   Acresce que dos pareceres que vêm recaindo sobre a matéria em apreço e designadamente sobre o caso concreto, e bem assim das posições que o Secretário para a Segurança vem assumindo, resulta claramente, julgamos, toda uma consciência da importância para a RAEM de que de um modo geral se revestem as funções, neste caso dos engenheiros em questão (pelo que escusado será salientá-las de forma tão veemente), e bem assim do cuidado, celeridade, desembaraço, e até afago com que são decididos os pedidos respectivos.
   Simplesmente, com a entrada em vigor do RA n.º 17/2004, e pelas razões expostas, e porque designadamente a Administração está vinculada ao cumprimento da lei, entendemos de todo não poder manter-se tal atitude nos casos em que, como no presente, da mesma resultaria uma clara violação deste diploma legal.
   Porquanto, nos termos das disposições legais invocadas e no uso das competências de que o Secretário para a Segurança está investido, sugerimos que:
   - O pedido com os fundamentos inicialmente invocados (permanência para o exercício de uma actividade laboral), e que os requerentes mantêm, seja indeferido por manifesta violação do art.º 4.º do RA n.º 17/2004;
   - Em face do especial circunstancialismo que rodeia o caso vertente, e designadamente do interesse que o mesmo representa para a RAEM seja suspensa a execução da decisão de indeferimento até ser encontrada, pelos interessados, a adequada solução legal, devendo o Serviço de Migração prestar-lhes o seu apoio, nomeadamente institucional;
   - Todo o conteúdo deste parecer seja remetido, para a reflexão e os efeitos tidos por convenientes, ao Gabinete do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, entidade que tutela os serviços que primordialmente aplicam o RA n.º 17/2004.
   Este o nosso parecer.
   À consideração do Exm.º Secretário para a Segurança.”
   
   
   2.2 Autorização de permanência para os fins previstos no art.º 4.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 17/2004
   Para o recorrente, os pedidos de prorrogação de autorização de permanência de dois engenheiros da recorrida têm por fim o exercício de actividades laborais por eles, pelo que é aplicável aos mesmos o art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 e consequentemente inviáveis os pedidos.
   
   No acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância considera que “para apreciar os pedidos de prorrogação excepcional de permanência me Macau dos dois engenheiros em causa, só pode ter por base a disposição do art.º 12.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, independentemente da natureza da relação laboral entre eles e a recorrente do recurso contencioso e da procedência ou não dos fundamentos dos pedidos.”
   O Tribunal de Segunda Instância entendeu que o Regulamento Administrativo n.º 17/2004 tinha por objectivo combater o trabalho ilegal e o seu art.º 4.º, n.º 2 não visava fixar o período máximo de permanência dos não residentes.
   
   No presente caso, os dois engenheiros, através da ora recorrida e ao abrigo do art.º 12.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, requereram a prorrogação de permanência na RAEM por 130 e 180 dias respectivamente, apresentando os motivos como supervisionar os trabalhos de instalação eléctrica e redução selectiva de catalisador na Central Eléctrica de Coloane da Companhia de Electricidade de Macau para um deles e para outro concluir a instalação, teste e entrega dos equipamentos destinados à redução de emissão de gases pela mesma Central Eléctrica.
   Os dois pedidos já foram apresentados na vigência do Regulamento Administrativo n.º 17/2004. Pela decisão constante do acto recorrido, os mesmos foram indeferidos por violação do art.º 4.º deste diploma.
   
   O Regulamento Administrativo n.º 5/2003 regula sobre a entrada, permanência e autorização de residência e dispõe no seu art.º 12.º, n.º 1:
   “A título excepcional o Chefe do Executivo pode conceder prorrogações da permanência autorizada nos termos do artigo anterior.”
   
   Por outro lado, dispõe assim o art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2004:
   “1. Salvo disposição legal em contrário, não são abrangidas pelo disposto na alínea 1) do artigo 2.º do presente regulamento administrativo as seguintes situações em que o não residente preste uma actividade:
   1) Quando tenha sido celebrado um acordo entre empresas sediadas fora da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM, e pessoas singulares ou colectivas sediadas na RAEM para realização de obras ou serviços determinados e ocasionais, nomeadamente, quando haja necessidade de utilização de trabalhadores fora da RAEM para prestação de serviços de direcção, técnicos, de controlo de qualidade ou de fiscalização;
   2) ...
   2. As excepções previstas no n.º 1 para permanência do não residente para a prestação de trabalho ou serviço são limitadas a um prazo máximo de quarenta e cinco dias por cada período de seis meses, consecutivos ou interpolados.
   3. O período de seis meses referido no número anterior conta-se a partir da data da entrada legal do não residente na RAEM.
   4. ...
   5. ...”
   
   Aparentemente, os referidos pedidos são integráveis na primeira das normas transcritas, pois se trata de prorrogação excepcional de permanência.
   Mas como os fins de permanência na Região dos dois engenheiros consistem em prestar serviços técnicos numa empresa de Macau, para apreciar o caso é de atender não só o regime geral de permanência na Região consagrado nomeadamente no Regulamento Administrativo n.º 5/2003, mas ainda o Regulamento Administrativo n.º 17/2004 que dispõe a prestação de trabalho em Macau por não residentes e que foi aprovado posteriormente.
   São os factores de permanência e prestação de actividades laborais por não residentes na Região que determinam a consideração e aplicação dos dois regulamentos administrativos. A ignorância de qualquer destes esvazia os respectivos efeitos legais.
   
   Assim, se o fim de permanência na Região de não residente é prestar serviços técnicos, por força do art.º 4.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 não é necessária autorização para o seu exercício, mas deve obedecer as restrições estabelecidas no n.º 2 do mesmo artigo, isto é, o interessado só pode trabalhar no máximo 45 dias, consecutiva ou interpoladamente, por cada período de 6 meses.
   
   É certo que o n.º 2 do art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 estipula sobretudo o tempo máximo de exercício de determinadas actividades sem autorização por parte de não residentes. Contudo, é também um condicionamento legal a ter em conta na apreciação de pedido de permanência com este fim.
   
   No caso concreto, os interessados requereram a prorrogação excepcional de permanência, nos termos do art.º 12.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, pelos prazos de 130 e 180 dias para os fins de exercício de actividades técnicas. Então, os pedidos ficam sujeitos ao referido condicionamento de período máximo de prestação de trabalho.
   Tais pedidos só podem ser entendidos que os interessados pretendiam permanecer na Região naqueles prazos e simultaneamente trabalhar durante os mesmos períodos, então os pedidos são de indeferir por os tempos de trabalho excederem os 45 dias legalmente fixados.
   
   Uma nota final. O acto impugnado é formalmente correcto. Já no plano de mérito seria preferível ponderar a hipótese de autorização excepcional de prorrogação de permanência dos dois engenheiros sob condição de obedecer a restrição de período máximo de prestação de serviços técnicos sem autorização constante do referido art.º 4.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 17/2004. Naturalmente os requerentes, ciente da alteração legislativa operada por este diploma, deviam apresentar pedidos conforme as exigências legais. Só que, os interessados não reformularam os seus pedidos, mesmo depois do convite da Administração neste sentido.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso jurisdicional, revogando o acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância e, em consequência, negar provimento ao recurso contencioso.
   Custas neste Tribunal e no Tribunal de Segunda Instância pela recorrida com a taxa de justiça fixada em 4 e 6UC, respectivamente.
   
   
   Aos 3 de Junho de 2009






Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

A Procuradora-Adjunta
presente na conferência: Song Man Lei
Processo n.º 11 / 2008 18