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Processo nº 767/2023
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 07 de Fevereiro de 2024

ASSUNTO:
- Inscrição no Fundo de Pensões
- Acto Administrativo


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Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 767/2023
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 07 de Fevereiro de 2024
Recorrentes: A e Outros
Entidade Recorrida: Conselho de Administração do Fundo de Pensões
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P, todos com os demais sinais dos autos,
vieram impugnar a decisão do Conselho de Administração do Fundo de Pensões, de 19.04.2023, que indeferiu o recurso hierárquico impróprio interposto do acto de indeferimento do Presidente do mesmo Conselho das pretensões de obter a inscrição no regime de aposentação e sobrevivência.
Proferido despacho, foi rejeitado liminarmente o recurso interposto pelos Recorrentes, pela falta de objecto qualificável como acto administrativo.

Não se conformando com a decisão proferida vieram os Recorrentes recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem como objecto a decisão a fls. 505 a 506 do tribunal a quo de rejeitar liminarmente o recurso contencioso, na qual segundo o tribunal a quo, a entidade recorrida procedia à uma “mera actuação administrativa”, sem praticar qualquer acto administrativo. É por isso que falta o objecto de conhecimento do recurso contencioso.
2. No entanto, salvo o devido respeito, os recorrentes são de opinião de que a decisão em causa interpretou e aplicou erradamente o art.º 110.º do CPA, para além dos artigos 20.º, 46.º, n.º 2, alínea b) e 100.º do CPAC.
3. Para tal, é de examinar se a decisão tomada pela entidade recorrida correspondeu à definição ou às características do acto administrativo.
4. Em primeiro lugar, sabemos sem qualquer dúvida que o autor da decisão foi seguramente um órgão administrativo, porque nos termos dos art.º 1.º, art.º 4.º, art.º 5.º, n.º 1, art.º 6.º, art.º 7.º e art.º 8.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2006 – Organização e funcionamento do Fundo de Pensões, o Fundo de Pensões é uma pessoa colectiva pública e o Conselho de Administração (incluindo o Presidente) é um dos órgãos de funcionamento quotidiano.
5. Além disso, nos termos dos art.º 3.º, n.º 1, alínea 1), art.º 6.º, n.º 1, alínea 7) do Regulamento Administrativo n.º 16/2006 – Organização e funcionamento do Fundo de Pensões, são atribuições do FP gerir e executar o regime de aposentação e sobrevivência; o Conselho de Administração exerce os poderes necessários para assegurar o bom funcionamento e a prossecução das atribuições do FP, competindo-lhe autorizar a inscrição dos beneficiários do regime de aposentação e sobrevivência e do regime de previdência, bem como determinar a respectiva suspensão ou cancelamento, de acordo com as disposições legais aplicáveis.
6. Portanto, a decisão tomada pela entidade recorrida perante o pedido dos recorrentes obviamente não foi actividade no exercício do direito privado, acto político, legislativo ou judicial. Foi, antes sim, um acto praticado no respeito do direito público acima citado.
7. Na realidade, no presente caso, a entidade recorrida analisou efectivamente o pedido de inscrição no regime de aposentação dos recorrentes e tomou a decisão. Nunca se declarou sem competência para conhecer do assunto. Então verdadeiramente não vislumbramos qualquer motivo por que não considerar a decisão tomada pela entidade recorrida como acto praticado à luz do direito público
8. Além disso, no presente caso, a entidade recorrida decidiu efectivamente, um a um, sobre os pedidos concretos dos recorrentes. Portanto, é óbvio que apresenta esta característica, ficando ociosas ulteriores discussões.
9. Ademais, os efeitos produzidos podem ser tanto positivos como negativos. Quando um acto produz transformações no ordenamento jurídico diz-se que os seus efeitos são positivos, sejam desvantajosos sejam vantajosos para o seu destinatário. A recusa da produção de efeitos jurídicos requeridos pelos particulares é considerada como efeitos negativos e é também um acto administrativo com vista a produção de efeitos jurídicos.
10. No presente caso, a entidade recorrida decidir indeferir o pedido dos recorrentes. Assim trouxe efeito negativo à esfera jurídica dos recorrentes. Portanto, na decisão tomada pela entidade recorrida está presente a característica de actos que visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
11. Por fim, deve ser indubitável que a decisão de rejeição tomada pela entidade recorrida foi proferida unilateralmente, independente da vontade dos recorrentes.
12. Apesar de os recorrentes discordarem da vontade decisória de indeferimento de inscrição da entidade recorrida após a análise e o julgamento por si só, nada impede que a decisão da entidade recorrida sempre esteja conforme a decisão: a característica de unilateralidade de do acto administrativo enquanto acto jurídico.
13. De certa forma, a inscrição no regime de aposentação podia manifestar-se verdadeiramente como uma “actuação” substancial. Por detrás de tal “actuação” ou nos seus pressupostos há obrigatoriamente uma decisão da Administração de autorizar ou não a “actuação”.
14. Sob a óptima doutrinal, a autorização ou a admissão do pedido de inscrição no regime de aposentação são actos que influem sobre um status no que respeita à categorização dos actos administrativos.
15. Portanto, no presente caso, a decisão da entidade recorrida não foi uma mera actuação administrativa como indicava o tribunal a quo. Foi antes sim uma decisão que correspondeu cabalmente à definição e às características do acto administrativo.
16. De facto, a entidade recorrida comunicou aos recorrentes em termos claros que a decisão em causa era recorrível contenciosamente. Muito embora o facto de que o tribunal não está sujeito à qualificação atribuída pela Administração aos próprios actos, os recorrentes, de facto, não vêm qualquer motivo suficientemente convincente para não qualificar o acto praticado pela entidade recorrida como administrativo.
17. Portanto, a entidade recorrida, na qualidade de Administração, decidiu sempre conforme o direito (público). Trouxe efeitos negativos à esfera jurídica de cada recorrente, impossibilitando-lhes a vinculação com o regime de aposentação e sobrevivência desde o dia em que se tornaram magistrados estagiários. A decisão tomada pela entidade recorrida no presente caso, portanto, não pode não ser um acto administrativo.
18. Segundo os recorrentes, no caso aqui em apreço, é inadmissível a sugestão do tribunal a quo, para melhor defesa dos interesses dos recorrentes, segundo o qual resultaria mais vantajosa a acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos com plenitude de jurisdição.
19. Pois a acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos é adoptável só na ausência de um acto administrativo. Tratando-se da jurisprudência concordada desde sempre em Macau, não há margem para contestação. Pode-se tomar como referência o acórdão do TSI no recurso n.º 465/2006.
20. Além disso, a doutrina de Macau também se mostra conforme. Tal como indicou o ex-juiz do TSI da RAEM José Cândido de Pinho referiu na obra «Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso», se o n.º 1 do art.º 100.º fazia depender a acção da inexistência de um acto administrativo expresso ou tácito anulávelpoderia dizer-se que esta acção obedeceria a uma teoria do alcance mínimo: o recurso contencioso seria o meio adequado e a acção seria um meio subsidiário e meramente residual, somente aplicável quando aquele não fosse suficiente para obter uma tutela eficaz da posição jurídica do particular.
21. Portanto, dada a existência de um acto administrativo, já não restam aos recorrentes a margem ou a possibilidade de escolher formas do processo, porque a lei já preestabeleceu a forma de recurso contencioso que garante melhor os seus interesses.
22. Na realidade, no caso de procedência do recurso contencioso interposto pelos recorrentes, a entidade recorrida exercerá seguramente a decisão. Na falta de execução espontânea, há outros meios processuais legalmente previstos para a solução.
23. Portanto, o recurso contencioso, mesmo com apenas metade de jurisdição, para o presente caso é a forma processual mais adequada e que melhor tutela os direitos dos recorrentes.
24. É de apontar ainda que desde a promulgação do Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos, já se conheceu, em ambas as instâncias, de um grande número de casos semelhantes, ou seja, se os magistrados estagiários podem inscrever-se no Regime de Aposentação e Sobrevivência durante o estágio.
25. Naqueles casos, independentemente da procedência ou não dos pedidos, a entidade recorrida nunca avançou com o parecer de a decisão do Fundo de Pensões a tal respeito não ser acto administrativo, nem na fase de contestação, nem durante a emissão do parecer por parte do MP, nem no proferimento do despacho liminar pelo tribunal, nem mesmo durante a decisão.
26. O acto administrativo, enquanto objecto da acção do recurso contencioso, é certamente um problema processual que o tribunal deve resolver oficiosamente. Depois do conhecimento de tantos casos do mesmo tipo, nenhuma das duas partes levantaram a questão agora controvertida, o que significa um parecer já consolidado e imutável. Mesmo manifestando-se tacitamente, a decisão do Fundo de Pensões sobre o pedido de inscrição no regime de aposentação e sobrevivência dos magistrados estagiários durante o estágio é sempre um acto administrativo.
27. Do ponto de vista de estabilidade de interpretação e aplicação da lei, é perfeitamente legal adoptar o recurso contencioso como forma de processo no conhecimento do presente caso. Isso também concretiza o previsto pelo art.º 7.º, n.º 3 do CC, segundo o qual nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
28. Portanto, a decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente o art.º 110.º do CPA, para além dos artigos 20.º, 46.º, n.º 2, alínea b) e 100.º do CPAC.

Contra-alegando veio a Entidade Recorrida sustentar que o objecto deste Recurso contencioso consubstancia autenticamente um acto administrativo sem prejuízo dos Recorrentes não terem o direito à inscrição no regime de aposentação e sobrevivência durante o tempo de estágio por carecer de suporte legal.

Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Publico foi emitido o seguinte parecer:
«1.
A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P, todos melhor identificados nos autos, interpuseram recurso contencioso da deliberação do Conselho de Administração do Fundo de Pensões datada de 19 de abril de 2023 que manteve o acto do Presidente desse Conselho, indeferindo o pedido de inscrição das Recorrentes no Fundo de Pensões com efeitos a partir da data das suas nomeações como estagiários das magistraturas judicial e do Ministério Público.
Por douta decisão do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 505 e 506 dos presentes autos, foi o recurso contencioso rejeitado liminarmente pela falta de objecto qualificável como acto administrativo, nos termos previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC.
Inconformados, vieram os Recorrentes contenciosos interpor o presente recurso jurisdicional imputando à douta decisão recorrida diversos erros de julgamento.
2.
(i.)
Com todo o respeito pela opinião dos Recorrentes, parece-nos que o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo decidiu impecavelmente, fundamentando de forma acertada a sua decisão, fazendo-a assentar em argumentos que, face às normas legais em vigor, se mostram de indiscutível solidez.
Por isso, com a devida vénia, e em ordem a evitar desnecessárias redundâncias limitamo-nos a aderir aos ditos argumentos, fazendo-os nossos. Não deixaremos, ainda assim, de fazer umas brevíssimas considerações sobre a questão controvertida.
(ii.)
(ii.1.)
A tutela judicial efectiva conferida aos particulares pelo nosso sistema processual administrativo contencioso não se esgota, contrariamente ao que os Recorrentes parecem entender, no recurso contencioso.
Parece evidente, a partir da simples leitura do nosso CPAC, que o legislador, embora com notórias e desnecessárias hesitações, apesar de ter mantido o papel central do recurso contencioso como meio processual de mera legalidade destinado à impugnação de actos administrativos, não deixou de alargar o âmbito de intervenção das acções em que o tribunal dispõe de plena jurisdição, em especial a acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido (artigos 103 a 107.º do CPAC) e a acção para o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos (artigos 100.º a 102.º do CPAC).
Neste contexto, diríamos, com JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, que «já não há hoje razão para alargar o conceito de acto administrativo com o objectivo de abrir o acesso aos tribunais, devendo, pelo contrário (…) optar-se por um conceito estrito, pois que tal qualificação implica precisamente a obrigação de utilizar o recurso como forma de acção, em detrimento de outras que podem permitir uma sentença que defina imediatamente os termos da relação jurídica e, por isso, do direito do particular» (cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Algumas Reflexões a Propósito da Sobrevivência do Conceito de «Acto Administrativo» no Nosso Tempo, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, p. 1213).
O recurso contencioso deve, assim, estar reservado para os actos que determinem a necessidade da sua impugnação autónoma pelo particular, tendo em vista, justamente, a remoção dos efeitos jurídicos produzidos pela Administração no âmbito da relação jurídica controvertida através da prática desse acto, o que, estamos em crer, não pode deixar de nos remeter para um conceito restrito de acto administrativo, ou seja, aquele que, por si, seja capazes de produzir efeitos externos, é dizer, que seja capaz de atingir e afectar a esfera jurídica do particular. É isso, aliás, o que resulta, inequivocamente do n.º 1 do artigo 28.º do CPAC: apenas são contenciosamente recorríveis os actos administrativos que produzam efeito externos.
Compreende-se bem que, como assinala a boa doutrina, «a imposição de um ónus de impugnação só se afigura aceitável quando um órgão administrativo emita uma pronúncia que corresponda ao exercício de um poder de definição jurídica, isto é, quando desse modo esteja a desempenhar uma função que lhe tenha sido normativamente atribuída, ou por previsão normativa específica, ou, pelo menos, porque a emissão de um tal acto configura a expressão normal de um poder inscrito no âmbito das competências de definição jurídica do órgão e das atribuições do ente ao qual o órgão pertence» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, pp. 225-226).
Deste modo, há que distinguir, prossegue o citado Autor, «dois planos de actuação jurídico-administrativa concreta das entidades públicas: (i) um plano de actuação no qual elas exercem poderes de definição jurídica, em que as manifestações que produzam têm o valor formal inerente, com todas as consequências que daí decorrem: produção unilateral de efeitos, impugnabilidade em prazo limitado, tendência para a estabilização dos efeitos produzidos; e (ii) outro plano, completa mente distinto, em que as manifestações de vontade da Administração correspondem ao que (…) tem sido qualificado na Alemanha como meras actuações administrativas, por se situarem no mesmo plano das manifestações dos particulares, sem envolverem o exercício de poderes de definição jurídica, e, portanto, sem exprimirem o exercício de poder administrativo» (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria…p. 226).
Não são, pois, actos administrativos de conteúdo negativo, as eventuais manifestações através das quais a Administração se limite a recusar prestações requeridas pelos particulares, no quadro de procedimentos que não se dirigem à emissão de um acto administrativo, mas à simples adopção de meras actuações administrativas, no cumprimento de deveres de prestar a que a Administração se encontre legalmente obrigada (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria …, p. 229).
O ponto é, pois, sempre, o de saber se a exigibilidade da prestação depende ou não, nos termos da lei, da prévia emissão de um acto administrativo definidor da situação jurídica do interessado que lhe constitua ou reconheça o correspondente direito, só na afirmativa se impondo a utilização do meio processual impugnatório, ou seja o recurso contencioso, tendente à eliminação dessa definição jurídica ilegalmente introduzida na ordem jurídica.
Correlativamente, faltando um acto administrativo que projecte os seus efeitos na esfera jurídica do particular, definindo constitutivamente a respectiva situação jurídica, ainda que tenha havido uma actuação administrativa, o recurso contencioso que a tenha por objecto será de rejeitar por falta de objecto ou por irrecorribilidade do acto.
(ii.2.)
Revertamos, agora, ao caso concreto.
Os Recorrentes alegam na douta petição inicial, e em síntese, que têm direito à inscrição no Fundo de Pensões, que requereram essa inscrição e que o Conselho de Administração do Fundo de Pensões terá «indeferido» esse «requerimento», recusando a respectiva inscrição.
A questão a que importa responder é, pois, a de saber se esse «indeferimento» constituiu ou não um acto administrativo no sentido que antes referimos, um seja, um acto administrativo definidor da situação jurídica dos Recorrentes, em virtude de a lei exigir a sua emissão.
Não nos parece.
A matéria atinente à inscrição no Fundo de Pensões está, essencialmente, regulada no artigo 259.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro e dessa norma resulta, a nosso modesto ver, que tal inscrição, seja obrigatória, seja facultativa, corresponde a um direito do trabalhador que emerge do seu estatuto (verificados que estejam, claro está, os respectivos pressupostos legalmente previstos).
Queremos com isto dizer que, a nosso ver, da qualidade de trabalhador da administração pública resulta uma situação jurídica complexa, integrada, desde logo, mas não só, por diversos direitos e deveres, os quais decorrem directamente do respectivo estatuto legal, ou seja, para usarmos a definição clássica de MARCELLO CAETANO do «conjunto das normas legais que define e regula os poderes correspondentes à qualidade de funcionário» (cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, reimpressão, Volume II, Coimbra, 1990, p. 685).
Entre os direitos dos trabalhadores contam-se, entre outros e a título de mero exemplo, o direito à remuneração, o direito a férias, o direito a licenças e faltas, o direito a protecção na doença, o direito a protecção na velhice, em especial o direito à aposentação, etc. (no sentido de que o direito à aposentação constitui direito estatutário do funcionário ou do trabalhador, veja-se MARCELLO CAETANO, Manual…, pp. 777-778).
Ora, a efectivação deste último direito, que é aquele que, agora mais nos interessa, implica, naturalmente, a prévia inscrição no Fundo de Pensões, de modo a possibilitar a concretização periódica dos descontos legais, tal como resulta do disposto no artigo 258.º do ETAPM. Essa inscrição tem lugar oficiosamente, no caso de ser obrigatória ou mediante declaração do trabalhador no caso de se tratar de inscrição facultativa (é certo que a norma se refere a requerimento da inscrição facultativa. No entanto, não se trata aí de um verdadeiro requerimento, no sentido de pretensão dirigida á prática de um acto administrativo, mas de uma mera declaração. Isso é confirmado pelo simples confronto com o n.º 4 do artigo 259.º do ETAPM, onde se volta a referir o requerimento do trabalhador, quando, manifestamente, o cancelamento da inscrição depende de mera declaração do trabalhador).
Em todo o caso, o que agora importa sublinhar é que os trabalhadores da Administração Pública, pelo facto de o serem, terão direito à inscrição no Fundo de Pensões (seja, excepcionalmente, no regime da aposentação, seja, geralmente, no Regime da Previdência instituído pela Lei n.º 8/2016), sem que essa inscrição dependa, por isso que se trata de um direito estatutário, de um acto autorizativo do Conselho de Administração daquele Fundo.
Assim, a recusa do Fundo de Pensões em inscrever os Recorrentes no regime da aposentação na sequência da declaração que os mesmos apresentaram não representa um acto administrativo de indeferimento, mas, antes, a recusa da prestação de um facto. Os Recorrentes, na sua qualidade de estagiários das magistraturas judicial e do Ministério Público têm – segundo o respectivo entendimento – direito à inscrição no Fundo de Pensões, a que corresponde, portanto, uma obrigação de prestar essa inscrição, digamos assim, e por isso, recusando-se o Fundo a efectuar essa inscrição, a reacção contenciosa adequada, justamente por inexistir um acto administrativo ou, ao menos, um acto administrativo recorrível, será a acção para o reconhecimento de um direito, no caso o direito a uma prestação de facto, qual seja a da falada inscrição dos Recorrentes no Fundo de Pensões (não nos parece que, apesar do disposto no artigo 39.º da lei Básica, a questão se possa colocar em termos de reconhecimento de um direito fundamental à aposentação, na medida em que garantia constitucional é compatível, como parece claro, com outros sistemas de protecção na velhice, v. g. o regime de previdência, que não, necessariamente o regime da aposentação previsto no ETAPM), aí cumulando, eventualmente, um pedido condenatório nos termos previstos no artigo 102.º, alínea a) do CPAC. Garante-se deste modo, aliás, por estar em causa um meio processual de plena jurisdição, uma mais eficaz titela da posição subjectiva do particular na medida em que ficará desonerado de utilizar o chamado processo de execução de sentença para obter a especificação daquilo que a Administração deve fazer para dar integral execução à sentença anulatória (chamando a atenção para este ponto, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Alguma Reflexões…, p. 1209).
De resto, a insistência dos Recorrentes na utilização do meio processual do recurso contencioso, mesmo depois do convite formulado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo no sentido de os mesmos lançarem mão da acção para o reconhecimento de direito, é, no mínimo e com tudo o respeito, surpreendente, e só se pode percebe à luz da incerteza dos próprios sobre a existência de um fundamento legal que sustente a respectiva própria pretensão (incerteza, essa sim, ao menos para nós, nada surpreendente…).
(iii.3.)
Seja como for, estamos em condições de concluir.
A actuação do Fundo de Pensões que os Recorrentes pretendem sindicar contenciosamente, ou não consubstanciou um autêntico acto administrativo, por não se tratar de uma decisão, no sentido de estatuição autoritária (cfr. ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, Direito Administrativo, policopiado, Coimbra, 1978, p. 76. Em sentido diferente, no entanto, apontando para um conceito mais amplo, e não assimilando a expressão «decisão» utilizada pelo nosso legislador no artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo à «regulação» (regelung) do § 35 da Lei de Procedimento Administrativo alemã, cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, pp. 70-71) ou, pelo menos, um acto administrativo recorrível, na medida que que tal actuação, consubstanciando a mera recusa da satisfação de uma prestação legalmente imposta não definiu a situação jurídica dos Recorrentes e, portanto, não produziu efeitos externos (com isto estamos a admitir que, entre nós, possa não haver total coincidência entre o conceito procedimental de acto administrativo que resulta do artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo - «decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta» - e o conceito de acto administrativo contenciosamente recorrível resultante do n.º 1 do artigo 28.º do CPAC que é aquele que produz efeitos externos, nos termos que antes vimos. De alguma forma, apontando no mesmo sentido, JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, Manual de Formação de Direito Administrativo de Macau, 2.ª edição, revista e actualizada, RAEM, 2020, p. 278).
Andou bem, pois, em nosso muito modesto entender, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo ao decidir pela rejeição liminar mediata do recurso contencioso interposto pelos Recorrentes.
3.
Pelo exposto, é nosso parecer o de que, salvo melhor opinião, deverá ser negado provimento ao presente recurso.».
Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

É do seguinte teor a decisão recorrida:
«Pelo presente recurso contencioso, vêm os ora Recorrentes A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P impugnar a decisão da Entidade Recorrida Conselho de Administração do Fundo de Pensões, datada de 19/4/2023, que indeferiu o recurso hierárquico impróprio interposto do acto de indeferimento do Presidente do mesmo Conselho das pretensões de obter a inscrição no regime de apostenação e sobrevivência, datado de 17/2/2023.
O Juiz, pelo despacho proferido a fls. 491 a 493 dos autos, com base na consideração de que o objecto do recurso interposto não consubstancia acto administrativo, mas mera actuação administrativa, convidou os ora Recorrentes para, no prazo de 10 dias, reformularem a petição inicial assim como os respectivos pedidos, consoante a forma processual considerada adequada, que é da acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, prevista nos artigos 100.º e ss. do CPAC.
Ao dito convite vem responder os Recorrentes a fls. 497 a 504v dos autos, insistindo que o processo seja tramitado sob forma do recurso contencioso.
Com o devido respeito, não vemos, motivo, mesmo face ao que foi acrescentado na referida resposta, para alterar a posição anteriormente perfilhada por este Tribunal no supradito despacho, pelas razões que brevemente passamos a concretizar.
À partida, com os fundamentos aduzidos pelos Recorrentes, não se consegue esclarecer a questão essencial suscitada naquele despacho – o que afinal lhes poderá trazer de novo o “acto administrativo de autorização” qualificado como tal, para uma situação jurídica que nos termos legais, não carece de intermediação de um acto administrativo, isto é, porque por um lado, o direito de inscrição que se arroga, inerente ao seu “direito fundamental”, resultaria das normas legais que o atribuam directamente aos magistrados nomeados, e por outro, inexiste nenhuma intenção inequívoca do legislador de salvaguardar à entidade administrativa o poder de definição primária dessa situação jurídica, exprimida através da norma atributiva da competência. Questão essa já foi respondida por nós com os argumentos doutrinários expostos.
A esse propósito, cremos ser expectável de quem defenda a necessidade de “interpretação actualista” das normas legais por modo a atribuírem aos magistrados estagiários o direito à inscrição no Fundo de Pensões, poder apreender também o conceito do acto administrativo numa perspectiva “actualista”, à luz do regime do contencioso administrativo vigente que temos aqui, isto é o CPAC, onde e prevê um múltiplo de meios contenciosos para os fins específicos e próprios, que permitam reagir tanto contra qualquer acto administrativo, como contra uma simples actuação administrativa, ao contrário do que sucedeu na lei anterior – A Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo DL n.º 267/85, de 16 de Julho, mandado aplicar a Macau pelo DL n.º 220/86, de 7 de Agosto, em que o recurso contencioso predominava e as restantes acções, como acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo era um meio residual (conforme o artigo 69.º, n.ºs 1 e 2 da referida Lei)
Além do mais, parece-nos ainda infrutífera qualquer tentativa de buscar justificações nas jurisprudências anteriores para solução alternativa, uma vez que a questão nunca teve oportunidade de ser colocada naqueles processos, nos termos que aqui se expõe. Portanto, não é legítimo supor que as decisões anteriormente tomadas, apesar de se debruçarem sobre a matéria, pudessem ter uma função definidora relativamente a todas as hipóteses possíveis, que não tenham sido levantadas.
Como é consabido, “L´ignorance est attachée à la routine, ennemie de tout perfectionnement.” Ao que nos parece, a razão de insistir numa determinada rotineira nunca se deve esgotar nela própria. Neste caso concreto, é essencial, para os que pretendam ter acesso à tutela efectiva judicial, não apenas utilizar um meio contencioso habitual que já conhecem bem, e só destinado à mera anulação da “declaração administrativa”, mas escolher antes um meio de plena jurisdição que lhes propicia uma tutela mais intensa, e que se apresenta economicamente mais adequado para a satisfação da sua pretensão substancial, contando-se especialmente com o poder do tribunal de emitir as pronúncias condenatórias, face à eventual acumulação dos pedidos, ao abrigo do disposto no artigo 102.º, alínea a) do CPAC.
Face ao que ficou dito, deve-se concluir que o recurso interposto carece de objecto qualificável como acto administrativo. Resta decidir.
Nos termos expostos, decide-se, com base nos fundamentos expendidos no despacho a fls. 491 a 493 dos autos que aqui se renovam e se dão por integralmente reproduzidos, o seguinte:
Rejeita liminarmente o recurso interposto pelos Recorrentes, pela falta de objecto qualificável como acto administrativo (cfr. o artigo 46.º, n.º 2, alínea b) do CPAC).».

Sobre esta matéria pronunciou-se este Tribunal no Acórdão de 01.02.2024 proferido no processo nº 766/2023 onde se diz:
«Quid Juris?
O que se discute nestes autos são essencialmente 2 questões:
1) – A recusa do Fundo de Pensões é ou não um acto administrativo?
2) – A forma de recurso contencioso é a adequada para atacar tal decisão?
Ora, importa destacar que não é pela primeira vez que este TSI é chamado para decidir estas questões, no processo nº 1297/2019, com acórdão proferido em 09/07/2020, em que foi decidida a mesma situação respeitante aos estagiários do 5º curso de formação para ingresso nos quadros de magistrados judiciais e do MP.
Nesse referido processo, a decisão de recusa do FP foi entendido como acto administrativo e como tal passível de ser atacado em sede de recurso contencioso, agora, sem alteração de legislação, não se percebe por que razão é que a decisão da mesma natureza é entendida pelo T.A. como um acto não administrativo?
A propósito do conceito de acto administrativo, é de frisar que ele consta do artigo 110º do CPA, construído nas inspirações doutrinárias portuguesas, e como tal é pertinente transcrever aqui os administrativistas portugueses que têm vindo a defender nesta matéria, ainda que em sede de Direito Comparativo:
a) O Professor Marcello Caetano, que, no direito português, foi o primeiro teorizador global do acto administrativo, construiu, ao longo de décadas, com avanços e recuos, a seguinte definição: «conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto». Este conceito foi adquirido pelo legislador de Macau no artigo 1.º do DL n.º 23/85/M de 23/3, e agora no actual CPA.
b) O Professor Sérvulo Correia, ao incorporar no conteúdo do acto administrativo a definição de situações jurídicas, afasta-se do ensinamento de Marcello Caetano. A sua definição é a seguinte: «conduta unilateral da Administração, revestida da publicidade legalmente exigida, que, no exercício de um poder de autoridade, define inovatoriamente uma situação jurídica-administrativa concreta, quer entre a Administração e outra entidade, quer de uma coisa»1.
c) Esteves de Oliveira entende por acto administrativo «toda a declaração voluntária e unilateral da Administração emanada no exercício de um poder de autoridade e destinada a produzir efeitos jurídicos imediatos numa relação concreta em que ela é parte»;
d) Para Rogério Soares, o acto administrativo é «uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos, ou negativos»;
e) Para o Conselheiro Pires Machado, acto administrativo é «a conduta voluntária ou facto a que a lei atribua esse valor, realizada por entidade que tenha a seu cargo a realização de interesses administrativos, que produza unilateralmente e por si só efeitos jurídicos a coberto dos poderes conferidos por lei para a realização daqueles interesses, ou que prepara ou executa aquela»;
f) Para o Professor Freitas do Amaral, acto administrativo, «é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto».
Algumas destas definições e tantas outras que encontramos na doutrina e jurisprudência, apesar de apresentarem diferenças de redacção ou formulação, exprimem ideias muito semelhantes. Mas também há concepções que conduzem a soluções diferentes na identificação daquilo que pode ser considerado acto administrativo. Assim, por exemplo, na doutrina de Rogério Soares e de Sérvulo Correia há actos jurídicos, como os actos internos, confirmativos, preparatórios, instrumentais ou auxiliares, que não têm a natureza de actos administrativos. Diferentemente, para Marcello Caetano e Freitas do Amaral, tais actos são administrativos, embora, em princípio, não recorríveis por falta de definitividade ou executoriedade.
O CPA recebeu o «conceito» de acto administrativo perfilhado pelo Professor Freitas do Amaral. Deste modo, introduziu-se uma alteração, não só no conceito defendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como também na definição prescrita no anterior diploma, o DL n.º 23/85/M de 23/3. Portanto, o conceito de acto administrativo que ficou consagrado no CPA é aquele que o autor do projecto vem defendendo há vários anos.
No caso em apreço, não resta dúvida que a Entidade Recorrida exerceu um poder de Direito Público, indeferindo a pretensão dos Recorrentes, que queriam ser inscritos no referido Fundo, como tal a pretensão foi negada e assim definiu o estatuto jurídico-profissional dos Recorrentes, afectando a sua esfera jurídica, produzindo-se assim efeitos jurídicos concretos externos.
Nestes termos, salvo o merecido respeito, não acompanhamos a posição do TA, e a recusa do FP é um acto administrativo (porque este avaliou as circunstâncias concretas e formulou juízo negativo sobre a pretensão dos Recorrentes) como tal é de revogar a decisão ora recorrida.
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Relativamente à 2ª questão, ora, na sequência da decisão acima tirada, não resta dúvida que a decisão posta em crise não pode ser mantida, visto que, mesmo que se entenda que os Recorrentes devesse formular pedidos cumulados, parece-se que foi isso que o TA entendeu, mas tal é uma opção dos Recorrentes, já que, conforme a doutrina dominante, os Recorrentes não estão obrigados a formular pedidos cumulados.
Escreveu-se (Cfr. José Cândido de Pinho, Notas e Comentários ao CPAC, Vol. II, pág. 8 e seguintes):
3 - Quais os requisitos de que depende a sua instauração?
São de dois tipos.
Em primeiro lugar, requisitos negativos (nº1):
A acção pode ser proposta, desde que:
1° - Não tenha havido lugar à prática de um acto administrativo; sempre que este exista, já o meio não será o próprio e o autor deve lançar mão do recurso contencioso.
Este requisito, de resto, não pode ser lido isoladamente e, em vez disso, deve ser considerado em conjugação com o disposto no nº2. Com efeito, se ali é permitido o uso da acção de reconhecimento mesmo para a hipótese de existir um acto administrativo nulo ou inexistente de que não tenha ainda sido interposto recurso contencioso, então à previsão do requisito em apreço apenas sobra a hipótese de inexistência de acto administrativo anulável (havendo-o, já esta acção não será possível).
2° - Não tenha havido um indeferimento tácito; desde que este exista, já a acção não será o meio próprio e o autor deve utilizar o recurso contencioso.
3° - Não pretenda o autor a determinação da prática de um acto administrativo; caso contrário, o meio próprio será o previsto no art. 103°.
Depois, requisitos mistos.
Mas a acção também pode ser proposta, desde que (nº2):
1° - Tenha havido uma operação material (vertente positiva do requisito), de que não tenha sido interposto recurso contencioso (vertente negativa do requisito). Está a referir-se aos actos materiais ("vias de facto") que não tenham sido legitimados por acto administrativo prévio, nos termos do art. 138°, nº1, do CPA, os quais, por isso mesmo, são recorríveis contenciosamente, face ao disposto no art. 30°, nº2, supra.
2° - Tenha tido lugar um acto administrativo nulo (vertente positiva do requisito), de que não tenha sido interposto recurso contencioso (vertente negativa do requisito);
3° - Tenha sido praticado um acto juridicamente inexistente (vertente positiva do requisito), de que não tenha sido interposto recurso contencioso (vertente negativa do requisito).
4 - A lei não determina as situações em que, nesta terceira situação, não tenha havido recurso contencioso. Quer dizer, não condiciona a não apresentação do recurso a causas especiais e determinadas, entendendo-se, por isso, que a causa ficará ao critério do interessado, não tendo que ser manifestada ou justificada.
O uso da acção, em vez do recurso contencioso, dependerá, segundo o juízo que o interessado fizer da situação, da maior vantagem e garantia para a tutela judicial efectiva que a acção lhe oferece e da mais provável celeridade no andamento do processo e, assim mesmo, da mais rápida condenação da Administração no reconhecimento do direito que ela lhe tem vindo a negar.
Se o n.º 1 do art. 100.º fazia depender a acção da inexistência de um acto administrativo expresso ou tácito anulável (não o diz expressamente, mas concatenando-o com o n.º2, parece que essa será a forma de invalidade que o legislador deixou ínsita na formulação da norma) poderia dizer-se que esta acção obedeceria a uma teoria do alcance mínimo: O recurso contencioso seria o meio adequado e a acção seria um meio subsidiário e meramente residual, somente aplicável quando aquele não fosse suficiente para obter uma tutela eficaz da posição jurídica do particular.
Mas com o alargamento do uso do meio aos casos em que haja acto administrativo nulo ou inexistente juridicamente de que o interessado não tenha interposto recurso contencioso, possibilidade consagrada no n.º2, abriu-se a amplitude da sua utilização, deixando entrever a intenção do legislador no sentido de querer manifestar aquilo que se poderia designar por teoria do alcance médio. Se o interessado interpôs recurso de acto nulo ou inexistente fica precludido o direito de uso da acção. O legislador só não abraçou o alcance máximo, porque confinou o uso da acção, mesmo havendo um acto administrativo, aos casos em que este é nulo ou juridicamente inexistente (sobre estas teorias do alcance do meio, ver, v.g., Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 3ª ed., pág. 139-147, ainda que reportado ao rt. 69°, nº2, da LPTA; tb. Santos Botelho, Contencioso Administrativo, 4ª ed., pág. 506-507). Nesses casos, o uso da acção é alternativo ao do recurso contencioso, tal como decorre da "Nota de Apresentação do Código" (Para a compreensão das teorias do alcance citadas, no direito comparado, ver Ac. do TCA/Sul, de 10/12/2000, Proc. n° 4313/00).
Subscrevemos estas ensinamentos.
Pelo expendido, é de julgar procedente o recurso interposto pelos Recorrentes, revogando-se a sentença e mandando-se baixar os autos ao TA para prosseguir os ulteriores termos processuais, caso inexistam outros obstáculos legais.
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Síntese conclusiva:
I – Perante o pedido de inscrição no respectivo fundo de pensões, formulado pelos ora Recorrentes, o Conselho de Administração do Funado de Pensões indeferiu tal pretensão invocando sumariamente que os Recorrentes não tenham esse direito reconhecido pela legislação aplicável, deliberação esta que é, sem dúvida, um acto administrativo, já que a Entidade Recorrida exerceu um poder de Direito Administrativo, indeferindo a pretensão dos Recorrentes, definindo assim negativamente o estatuto jurídico-profissional dos Recorrentes, afectando a sua esfera jurídica, produzindo-se deste modo efeitos jurídicos concretos externos. Aliás, a mesma situação já foi decidida por este TSI no processo registado sob o nº 1297/2019, com acórdão proferido em 09/07/2020.
II – Face aos termos consagrados no artigo 100º do CPAC, a lei não determina expressamente as situações em que seja obrigatório intentar acção ou interpor recurso contencioso. Quer dizer, o uso da acção, em vez do recurso contencioso, dependerá, segundo o juízo que o interessado fizer da situação, da maior vantagem e garantia para a tutela judicial efectiva que a acção lhe oferece e da mais provável celeridade no andamento do processo e, assim mesmo, da mais rápida condenação da Administração no reconhecimento do direito que ela lhe tem vindo a negar. Em situações normais, a opção de uma ou outra forma processaual por si só não é razão bastante para indeferir liminarmente a PI quando os Recorrentes optaram por forma de recurso contencioso para atacar uma decisão administrativa.».

Destarte, acompanhando aquela que tem vindo a ser a Jurisprudência deste Tribunal nesta matéria, a cujos fundamentos, já supra reproduzidos, aderimos integralmente, impõe-se decidir em conformidade.

III. DECISÃO
  
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, revoga-se o despacho recorrido, ordenando-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo para se decidir como houver por conveniente que não seja naqueles termos.

Sem Custas.

Registe e Notifique.

RAEM, 07 de Fevereiro de 2024

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(1º Adjunto)

Ho Wai Neng
(2º Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
1 O aditamento do elemento «publicidade legalmente exigida» derivou apenas de na altura a lei fundamental portuguesa considerar que a falta de publicidade implicava a inexistência jurídica do acto.
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767/2023 ADM 1