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Processo nº 204/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, (“甲”), sociedade com sede em Macau, propôs, no Tribunal Administrativo, “acção sobre contrato administrativo” contra a REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU, pedindo, a final, que fosse a R. condenada:

“a pagar à A. um montante total de MOP$93,321,857.44 (noventa e três milhões, trezentos e vinte e uma mil, oitocentas e cinquenta e sete patacas e quarenta e quatro avos), acrescido de juros legais, vencidos e vincendos, até integral pagamento, quantia que a A. discrimina da seguinte forma:
a) Compensação indemnizatória total por danos causados à A. pela não disponibilização total do Local da Obra - MOP$52,670,382.30 referentes a:
1) custos referentes ao desvio de tráfego, mudanças de tapumes, construção de vias provisórias, sinalização provisória, num montante de MOP$2,340,940.00;
2) custos decorrentes do aumento do tempo e grau de dificuldade da execução das novas redes de drenagem (com recurso a trabalhos de contenção ("ELS"), designadamente para protecção do tráfego não desviado, num montante de MOP$19,544,030,80; e
3) custos com a importação de solos para aterro e transporte de solos escavados para vazadouro, num montante de MOP$1,552,236.00.
4) custos fixos e outros encargos indirectos no montante total de MOP$29.233.175,50.
b) Montantes devidos e não pagos à A. e relativos a trabalhos de contenção periférica para efeitos de escavações (ELS) - MOP$26.518.865,14.
c) Montantes devidos e não pagos à A. relativos a itens de trabalhos executados e em falta na LQ ("missing items") - MOP$14,132,610.00.
Quado assim se não entenda, o que se admite sem conceder,
Deverá a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de MOP$93,321 ,857.44 (noventa e três milhões, trezentos e vinte e uma mil, oitocentas e cinquenta e sete patacas e quarenta e quatro avos), a título de "enriquecimento sem causa", acrescida de juros vencidos e vincendos”; (cfr., fls. 2 a 54 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, decidiu o Mmo Juiz do Tribunal Administrativo absolver a R. de todos os pedidos deduzidos; (cfr., fls. 13958 a 13971).

*

Do assim decidido, recorreu a A. (“A”), (cfr., fls. 14074 a 14153), e por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 23.07.2020, (Proc. n.° 1158/2018), negou-se provimento ao recurso; (cfr., fls. 14198 a 14242-v).

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Novamente inconformada, traz agora a dita A. o presente recurso para este Tribunal de Última Instância.

Na sua motivação de recurso produz as seguintes conclusões:

“a) Como “questão prévia” solicita-se o julgamento ampliado do recurso, por oposição de acórdãos, como abaixo se verá.
b) Dá-se aqui por reproduzida a seguinte matéria de facto:
♦ matéria de facto em geral que o T.S.I. considera provada;
♦ matéria de facto que o T.S.I. considera provada no que respeita à matéria de excepção;
♦ matéria de facto que o T.S.I. não refere expressamente, mas que, pelos termos da Motivação da decisão sobre a matéria de facto, se deve considerar implicitamente provada;

Quanto ao direito:
c) Existe oposição de acórdãos proferidos pelo T.S.I., nomeadamente entre aquele datado de 16/05/2002 (n.º 146/2010) e aqueloutro, o ora recorrido, datado de 23/07/2020 (n.º 1158/2018);
Então, por todas as razões que no corpo das presentes alegações se referem,
d) A A. considera que o Acórdão, ora recorrido, proferido no Proc. n.º 1158/2018 se encontra em oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, com o Acórdão, proferido no Proc. n.º 146/2000.
Pelo que, nestes termos e nos mais de Direito,
e) A A. pede que seja uniformizada a jurisprudência, de acordo com a solução adoptada no acórdão do T.S.I. prolatado no Processo n.º 146/2000, de 16MAI2002.
Acresce que,
Quanto à decidida excepção peremptória de caducidade de alguns pedidos da A., aqui se reproduzindo igualmente o que se invocou no corpo das presentes alegações,
f) O Coordenador do GIT não sendo entidade competente para praticar actos administrativos de autorização (ou rejeição) da realização dos mencionados trabalhos a mais, entre 1 de Agosto de 2012 e Abril de 2014, as notificações efectuadas pelo Coordenador do GIT à A., não podem ser consideradas como sendo da natureza da notificação, a que se refere o artigo 219.º do REOP: notificação efectuada da decisão da entidade competente para praticar actos administrativos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro, e pois, não pode invocar-se a caducidade das ações, relativamente às mesmas. É que,
g) Sendo competente para a tomada da decisão sobre a autorização (ou rejeição) de todos e cada um dos mencionados trabalhos a mais, o STOP e não o Coordenador do GIT, tal como decorre da notificação de 11 de Julho de 2016 (conforme consta do ofício ref. n.º GIT-O-16-01519 de fls. 1837 a 1866 dos autos) (Doc. n.º 52 da petição), os actos opinativos deste último órgão (Coordenador do GIT), no sentido de serem denegadas as sobreditas pretensões da A., nunca relevariam para efeitos de contagem do referido prazo de caducidade. Portanto,
h) O fundamento do TSI, não pode deixar de cair.
Ainda,
i) Sob a epígrafe “ocorreu ou não a entrega total e efectiva do local da obra e as respectivas consequências”, veio o acórdão recorrido julgar improcedentes estes dois pedidos por entender que o local da “Obra” foi efectivamente entregue à A. no dia 8 de Junho de 2012, data em que foi feita a Consignação da empreitada.
j) Isto é, na versão formalista da acórdão recorrido, houve Consignação; a A. “recebeu” a totalidade do local da obra, o que fez sem reserva; não reclamou; e, como tal, começou a contar o prazo para a execução da empreitada, pelo que, os pedidos formulados pela A. – relacionados com a alegada não disponibilização efectiva da totalidade do local da obra – não podem ser considerados procedentes, porque a A. decidiu conformar-se “... com o auto de consignação sem ter manifestado nenhuma objecção ou reserva ...” e, como tal, “... teria ela de aceitar inelutavelmente as respectivas consequências daí decorridas” (sic).
k) Com o devido respeito, trata-se, como se disse, de mera aplicação da lei a uma situação normal de uma empreitada de obras públicas que, no entanto, nada tem que ver com a situação efectiva da obra dos presentes autos.
l) E a R. sabe-o bem, até porque, no decurso da empreitada – inicialmente, como supra referido, com um prazo de 849 dias – foram concedidas 7 (sete) prorrogações graciosas do prazo (num total de 1012 dias), o que fez com que, uma obra que deveria findar em 5 de Outubro de 2014, apenas acabaria por ser concluída num prazo superior ao inicialmente contratado em cerca de 220% (em Julho de 2017).
m) Mas esta é também a única conclusão a retirar dos factos alegados na petição inicial – como se disse, no mínimo, a apurar em audiência de julgamento – em conjugação com as disposições legais.
Mesmo aquelas invocadas na acórdão recorrido.
De facto, consta do supra referido art.º 127º, invocado na acórdão recorrido, que, no acto da consignação, “... o dono da obra faculta ao empreiteiro os locais onde vão ser executados os trabalhos ...”
Ora, e como acima já se realçou, a R. não facultou à A. a totalidade do local da “Obra”
n) E estava obrigado a facultá-lo, nos termos contratualmente previstos, porquanto, como referido, o “esquema/plano de desvio do trânsito automóvel” constava da Proposta apresentada pela A., aceite pela R., o que resulta do disposto no art.º 10.1 do contrato de empreitada assinado pelas partes, segundo o qual todos os documentos e informações submetidos com a proposta a Concurso são parte integrante do contrato, e em caso de discrepâncias, atender-se-ia à respectiva cronologia, em termos de prevalência do mais recente.
o) Partindo desta premissa, (e nada foi dito à A. que indiciasse o contrário!), foi esta a razão pela qual a A. assinou, de boa fé, o Auto de Consignação, em 8 de Junho de 2012, no pressuposto de que a R. iria garantir, junto da D.S.A.T., aquela autorização de desvio do trânsito automóvel.
p) Tanto mais que, na reunião de 1 de Junho de 2012 (“kick off meeting”), obviamente, a R. assumiu como sua a responsabilidade de obtenção daquela autorização.
q) Não corresponde, por isso, à verdade que a A. não tenha reclamado – o que, aliás, fez abundantemente, muitas vezes sem resposta da R. – quanto ao facto de o local da “Obra” não lhe ter sido facultado nos termos contratualmente previstos.
r) Fê-lo, nomeadamente, em 11 de Junho de 2012 (v. docº nº17 da p.i.).
Sem que, por um lado, a R. tivesse decidido favoravelmente às pretensões da A., mas admitindo por outro lado, tacitamente, que a razão assistia à A., o que, independentemente de outras motivações pontuais, resulta das supra referidas sucessivas prorrogações graciosas do prazo da empreitada, concedidas nos termos do nº 2 do art.º 128º do supra referido D.L. nº 74/99/M.
s) Não corresponde também à verdade, como referido no acórdão recorrido, que a A. se tenha “conformado com o auto de consignação”.
O que aconteceu, isso sim, é que a A. agiu sempre de boa fé, no pressuposto de que a R. acabaria por cumprir o que estava contratualmente disposto, ou, de outro modo, assumiria as correspondentes consequências e responsabilidades.
t) Reiterando o que constava da sua Proposta submetida ao Concurso, a A. considerou como condição para realização da “Obra” nos termos daquela (e, por isso, contratuais), o encerramento ao trânsito automóvel, numa 1ª fase, do ramo Norte da estrada Governador Albano de Oliveira, junto ao Edifício “Windsor Arch”; e a abertura aos dois sentidos de circulação automóvel do respectivo ramo Sul, junto ao “Jockey Club”.
O que nunca aconteceu.
Com as consequências que motivaram os pedidos correlacionados da A..
u) Afigura-se à A. que tudo aquilo que envolva mais do que uma mera “colocação de sinais” ou um mero condicionamento relativo provisório do tráfego, em vias de trânsito automóvel, não incumbirá forçosamente à A., mas aos serviços competentes da D.S.A.T..
v) Por força da respectiva Lei Orgânica, incumbe à D.S.A.T., nas respectivas atribuições, coordenar a optimização de infra-estruturas rodoviárias, organizar o tráfego, fiscalizar o funcionamento das redes rodoviárias e, mais especialmente, emitir autorizações para obras que, durante a sua execução, impeçam ou condicionem o trânsito normal de automóveis ou de peões.
No nosso caso, é esta última incumbência exactamente o que está em causa ...
w) A decisão recorrida – imputando, erradamente, com o devido respeito, à A. “a coordenação com os serviços públicos quanto às medidas provisórias de trânsito” (no local da “Obra”) – parte do pressuposto errado de que aquelas “medidas” não terão sido implementadas porque a A. não actuou junto dos “serviços públicos” (leia-se, a D.S.A.T.) como alegadamente deveria ter feito.
x) Mas, tal não corresponde à verdade, para além de constituir, com o devido respeito, uma distorção do que está em causa, (a) não só pelo que acima se referiu – no sentido de que aquelas medidas provisórias de trânsito, sendo uma incumbência da da D.S.A.T. e carecendo de coordenação com o G.I.T. (o Dono da Obra e nunca apenas com a entidade privada – a A.); aliás, no que respeita à A., e após a adjudicação da empreitada, foram sempre objecto de trabalhos de conciliação e comunicação no sentido de fazer alcançar o consenso entre todas a partes; (b) mas também porque competia clara e indiscutivelmente à R., antes da adjudicação da empreitada, certificar-se junto da D.S.A.T., de que o esquema/plano de desvios de tráfego em que a A. baseara a sua Proposta (adjudicada sem reservas) merecia o acordo daquela. Verificou-se, porém, logo a seguir à data da Consignação, que, de facto, assim não acontecera.
y) Neste cenário, é óbvio que os custos com tais medidas provisórias de tráfego em que a A. teve que incorrer excederam largamente aqueles que previra na sua Proposta, com base em tal plano, não tendo, pois, outra alternativa senão reclamar o ressarcimento dos custos adicionais.
z) Mas, pior do que isso, através do Documento nº 10 adicionado aos autos pela própria R. a propósito e na sequência da sua Contestação, documento esse, datado de 17/02/2017 – numa altura em que os presentes autos estavam obviamente em curso – e que consiste numa missiva da D.S.A.T. dirigida ao Digno Agente do MP (em representação processual da RA.E.M., na acção), prova-se exactamente o contrário daquilo que a acórdão recorrido refere.
aa) Aqui chegados, entende a A. que tudo aquilo que afirmou na sua petição inicial quanto a esta primordial questão deveria, no mínimo, ser apurada em audiência de julgamento.
Veja-se, o que a A. alegou nos art.ºs 29º, 31º, 32º, 36º, 37º, 38º e 39º da p.i., mas, sobretudo, o respectivo doc. nº 17, que é uma longa missiva, datada de 11 de Junho de 2012 (apenas 3 dias após a consignação da obra!), de que a A. não obteve resposta, na qual a A. claramente expõe à R. a imperiosa necessidade do desvio imediato do trânsito, conforme a Proposta submetida ao concurso, e de coordenação dos trabalhos da empreitada com as diversas concessionárias de serviços públicos (electricidade, telecomunicações, água, parques automóveis, etc.) (v. art.ºs 41º a 51º da p.i.).
Não se diga, pois, que a A. não reclamou.
Foi sempre reclamando, mas poucas respostas obteve.
bb) Aliás, se assim não fosse (mas é!), nunca a R. viria a admitir que à A. é devido o valor peticionado sobre o nº 3 – “custos com a importação de solos para aterro e transporte de solos escavados para vazadouro, num montante de MOP$1,522,260.00” – o que aconteceu muito recentemente a propósito da “conta final” da “Obra”, a qual, no entanto, ainda pendente de aprovação entre as partes (v. Docº nº 1).
cc) Não se pode, pois, confundir, como o TSI faz, as notificações das decisões do dono da obra (CE/STOP) com as notificações das entidades de fiscalização (GIT/PAL), que, por vezes, são feitas em nome do dono da obra, como sucede com o ofício do GIT, a comunicar que trabalhos a mais, realizados pela A., foram aprovados pelo STOP/CE, de que é exemplo a carta-notificação, constante do Doc. n.º 74 da Petição sobre as ELS, do STOP, do seguinte teor: “Com referência ao seu orçamento para as obras ELS (ref. J01/2012/OLV/L/463 página 14-17) e em conformidade com a aprovação do “STOP”, ref.ª 022/ET/GIT/2016, de 11 de Fevereiro de 2016, atribuímos o artigo correspondente de 1.4, 2 & 5 aos trabalhos a mais à sua empresa. Com base na nossa análise, o montante aceite é de $11.803.143,40, e a avaliação é a seguinte (…)».
dd) Em qualquer dos casos, nenhuma das cartas ou ofícios do GIT, constante da Matéria de facto do TSI, diz, clara e inequivocamente, que o GIT deliberou ou que o Coordenador do GIT decidiu; e não o diz porque o GIT e o seu Coordenador não têm qualquer competência para praticar actos administrativos, apenas exercem, na «dependência e sob a orientação» do STOP e conjuntamente, com a PAL, funções de acompanhamento e fiscalização (preparam e executam as decisões do dono da obra: CE/STOP), tal como decorre do diploma orgânico do GIT e da delegação e subdelegação de poderes, então vigentes.
Ainda, no tocante aos montantes devidos e não pagos relativos a trabalhos de contenção periférica para os efeitos de escavações (“ELS”); e
ee) Como referido no acórdão recorrido, a A., através do pedido que identificou como b), reclamou (e reclama) da R. um valor de MOP$26,518,865,14 e, de forma sistemática, explicou claramente o motivo pelo qual reclama aquele valor, relacionado com os trabalhos relativos às Estruturas de Suporte Lateral e Escavações para a execução das estruturas da caves, os quais se encontram contratualmente referidos na Lista nº 3 da LQ – Obras de Fundação e Estrutura, com indicação do valor total de referência de MOP$90,900,048.00 (facto assente nº 12).
ff) Basta uma leitura atenta dos art.ºs 60º a 72º e 150º a 185º para se perceber o que se passou, e o motivo do valor reclamado.
Contudo, de uma penada, com o devido respeito, o acórdão recorrido “arruma a questão”, com base na interpretação que faz do disposto no art.º 30º do D.L. nº 74/99/M, não curando de analisar os factos alegados pela A. que, reitera-se, no mínimo, teriam de ser apreciados em audiência de julgamento.
gg) O referido projecto “variante” apresentado pela R (“grosso modo”, importa repeti-lo, uma cópia do projecto anteriormente desenvolvido e apresentado pela A.), segundo o regime da “série de preços” teve, na opinião da A., como contrapartida um preço de MOP$79,657,853.89, antes da ponderação do nº 3 do art.º 30º do citado DL.
hh) O valor reclamado pela A., apenas com base no disposto no nº 3 do art.º 30º do citado D.L., corresponde a 50% do valor economizado pelo dono da obra, ou seja, a metade da diferença entre o valor total de referência (MOP$90,900,048.00) (Lista nº 3 da LQ contratual) e aquele novo total obtido (MOP$79,657,855.89), donde também o valor total reclamado de MOP$85,278,850.94, já supra citado.
ii) Do projecto apresentado pela A. resultou, ao contrário do que é referido no acórdão recorrido um manifesto “efeito económico”, a favor da R.; e deste efeito económico favorável, não foi obviamente afectada a “utilidade, duração e solidez da obra”, porquanto a referida “Obra” foi já provisoriamente recebida pela R., sem reservas, nomeadamente, quanto às estruturas das caves para cuja execução foi necessária a execução dos trabalhos de “ELS”.
jj) E foi recebida nos termos em que foi executada, ou seja, nos termos do projecto “variante” efectuado pelo Projectista da própria R., ainda que, “grosso modo”, uma cópia do projecto anteriormente executado pela A..
kk) A R. apenas pagou à A., por estes trabalhos de “ELS”, a quantia, ainda provisória, de MOP$58,759,985.80, pelo que a A. reclama da R. a diferença entre aquele montante e o valor de MOP$79,657,855.89, supra referido, acrescido dos supra referidos 50% da economia total [(MOP$90,900,048.00 – MOP$79,657,855.89)*50% = MOP$5,621,096.05].
ll) Ora, analisados os factos supra referidos, de duas uma: ou o preço a pagar pela R. pelos trabalhos “ELS” seria aquele que resulta da proposta apresentada pela A. e do contrato, com base nas peças desenhadas e patenteadas a concurso (MOP$90,900,048.00); ou o preço a pagar pela R. por estes trabalhos, é aquele que resulta do projecto “variante” apresentado pela R., com base, “grosso modo”, no projecto anteriormente elaborado pela A. – que, como tal, tem de ser considerado uma “alteração proposta pelo empreiteiro” – que se computou, antes da aplicação do nº 3 do art.º 30º do citado DL, num valor de MOP$79,657,855.9.
mm) Entende, por isso, a A. que o acórdão recorrido, com o devido respeito, errou na apreciação desta questão, dando como assentes factos que estão manifestamente em contradição com a versão dos factos da A., ínsita na p.i..
Não se percebe, aliás, como é que a sentença recorrida conclui que, dos factos constantes dos art.ºs 159º, 164º, 165º, 167º e 170º da p.i., resulta uma “conclusão oposta” daquela de que resulta o pedido da A ..
nn) Dir-se-ia, reiterando o que se tem vindo a dizer que: se há uma contradição dos documentos contratuais; se, não obstante as dúvidas, a A. contratou um projectista para a elaboração do projecto; se o projecto apresentado pela A. foi rejeitado; e se o projecto “alternativo” apresentado pela R. era “grosso modo” uma cópia do da A.; tudo isto são factos que carecem de ser apreciados em audiência de julgamento, justamente porque os mesmos indiciam “má fé” da R. no cumprimento das obrigações contratuais.
oo) De facto, afirmar-se que a A. “nunca propôs qualquer alteração do projecto, mas sim apenas alguns esclarecimentos”, (“esclarecimentos” estes que, diga-se, foram apenas quanto à contradição nos documentos contratuais ...) é negar um facto que a A. se propunha provar em audiência de julgamento.
pp) Bem como, se proporia a A. provar que o seu projecto alterou (ou melhor, especificou) o projecto patenteado a concurso; e que, do mesmo, pela lógica dos números, resultou em benefício material para a R. (o tal “valor economizado”), com o qual a R. concordou, pelo recebimento da “Obra”.
Finalmente, agora, a questão
Finalmente, quanto ao pedido subsidiário de procedência da acção por “enriquecimento sem causa”.
qq) Na petição inicial apresentada pela recorrente, veio a, então Autora, formular um pedido subsidiário.
rr) Terminando, pedindo:
“Quando assim se não entenda, o que se admite sem conceder.
Deverá a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de MOP$93,321,857.44 (noventa e três milhões, trezentas e vinta e uma mil, oitocentas e cinquenta e sete patacas e quarenta e quatro avos), a título de “enriquecimento sem causa”, acrescida de juros vencidos e vincendos.”
ss) Tal pedido não foi atendido pelo Tribunal de 1ª Instância porquanto, como se refere, agora, no acórdão recorrido, “... o pedido foi indeferido por inidoneidade da acção sobre contratos administrativos para dirimir litígios que não têm por fonte um contrato administrativo.”
tt) Ora, entende a recorrente que estas duas posições assumidas em 1ª e 2a Instância, com o devido respeito, não correspondem à interpretação que a recorrente faz do instituto do “enriquecimento sem causa” e da sua aplicabilidade à presente acção.
Vejamos então,
uu) Mantém-se tudo quanto o que acima se referiu, nomeadamente, aqui se , reproduzindo o que se diz nestas alegações de recurso para o Tribunal de Segunda Instância.
Mas há mais.
vv) Percorrendo o Capítulo V (Acções) do CPAC, verifica-se que não existe, pelo menos, no artigo que enumera as espécies de acções, uma acção-tipo adequada expressamente à apreciação do pedido subsidiário do enriquecimento sem causa.
Mas a todo o direito corresponde uma acção adequada (art.º 1º nº 2 do CPC).
ww) Como referem Viriato Lima e Álvaro Dantas, “Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado”. “As acções são um conjunto de meios processuais que – ao contrário do recurso contencioso que é de mera anulação – são de plena jurisdição e seguem, em geral, o figurino das acções cíveis, de que é paradigma o processo comum de declaração, na forma ordinária ...”
xx) Já antes tendo referido: “... nada obsta que se proponha uma acção com fundamento no enriquecimento sem causa ...”
yy) Ora, como já referido, “... as acções administrativas seguem os termos do processo civil de declaração ...” (art.º 99º nº l do CPAC).
zz) E, não havendo norma processual que o proíba, deverá aplicar-se à questão subjudice o disposto no artº 391º do CPC, de onde resulta que “O autor pode formular cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis ...”.
aaa) Ora, não existe qualquer incompatibilidade entre o pedido principal na presente acção e o pedido subsidiário formulado.
bbb) Este só será levado em consideração se o pedido principal não proceder. Como foi o caso.
ccc) Nas acções sobre contratos administrativos visa-se dirimir todos os litígios que se verificaram na execução do contrato, execução esta que tem de ser interpretada em sentido lato.
ddd) O pedido formulado com base no enriquecimento sem causa deriva da execução do contrato, mais especificamente do objecto do contrato, porquanto o recorrente só efectuou os trabalhos a mais que ora reclama, por via do enriquecimento sem causa, porque estava vinculado ao cumprimento desse contrato de empreitada.
eee) Há uma relação directa com o objecto do contrato; não com o contrato, ele mesmo.
fff) A autora, ora recorrente, tem legitimidade para propor a presente acção, tendo o Tribunal Administrativo competência para apreciar ambos os pedidos formulados.
ggg) 241. Deriva desta subsidiariedade que só há lugar à restituição quando a lei não facultar ao interessado (no caso, o empobrecido) outro meio de ser indemnizado ou restituído.
hhh) Afigura-se à recorrente perfeitamente clara a situação fáctica de onde deriva o enriquecimento da administração e o empobrecimento da recorrente.
iii) Foram incorporados em obra os trabalhos descritos no pedido principal da acção que foram mandados executar pelo dono da obra; para cuja a execução a recorrente despendeu, mão-de-obra, material, tempo, criatividade e capacidade tecnológica.
jjj) Por sua vez, o dono da obra aceitou os trabalhos executados pela recorrente, incorporados em obra a seu pedido, estando a obra concluída a contento da Administração e, consequentemente, ao serviço do público em geral.
kkk) Por um mero formalismo processual – do qual, aliás, se discorda e, daí, o pedido principal do presente recurso – a recorrente entende que inexiste uma causa que justifique aquela deslocação patrimonial da recorrente para o dono da obra.
lll) Os trabalhos a mais executados pela recorrente não estarão tutelados pelo contrato – mas derivam da respectiva execução – e foram incorporados em obra, a pedido do dono da obra, estando perfeitamente identificados e quantificados na supra referida matéria de facto acima elencada.
mmm) O não pagamento destes trabalhos a mais constitui, sem margem para dúvidas, um enriquecimento da Administração e um empobrecimento da recorrida.
nnn) Estão, pois, reunidos todos os requisitos de que depende o ressarcimento da recorrida, a título de enriquecimento sem causa, devendo por isso subsidiariamente, o que se admite sem conceder, ser julgado procedente o presente recurso”; (cfr., fls. 14251 a 14322).

*

Sem resposta, vieram os autos a esta Instância.

*

Adequadamente processados, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Exmo. Juiz do Tribunal Administrativo, e no que diz respeito à “matéria de facto”, foi considerada como relevante e assente a seguinte:

“1. A A. é uma sociedade comercial cujo objecto consiste no estudo e elaboração de projectos, preparação de orçamentos, execução, medição, fiscalização e gestão de obras, elaboração de propostas, redes de serviços, elevadores, escadas rolantes, redes de segurança, ar condicionado, acabamentos e decorações, arranjos exteriores, paisagismos, limpezas, operação e manutenção de instalações técnicas e especiais (conforme consta documento de fls. 57 a 68 dos autos).
2. A A. apresentou a sua proposta ao Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes (doravante designado por GIT), para o Concurso público para a empreitada de Construção da Obra da 1.ª Fase do Centro Modal de Transportes da Estrada Governador Albano de Oliveira (doravante designada por “obra”).
3. A empreitada da obra é por série de preços (conforme consta documento de fls. 72 a 74 dos autos).
4. Para instruir proposta referida, a A. juntou nomeadamente as Listas de Quantidades e de Preços Unitários (LQ), o Programa de Trabalhos, o Programa de Pagamentos.
5. Em 10 de Abril de 2012, a R. enviou à A., a minuta do contrato da empreitada de obra para comentários (conforme consta documento de fls. 247 a 254 dos autos).
6. Em 9 de Maio de 2012, foi adjudicada pelo Chefe do Executivo à A. a execução da empreitada da obra, no montante de MOP428,000,000.00 pelo período de 849 dias, contados a partir da data da consignação (conforme consta documento de fls. 255 dos autos).
7. Como consequência da referida adjudicação, a A. prestou a caução definitiva no valor de 5% da adjudicação, correspondente a MOP21,400,000.00.
8. A consignação da empreitada teve lugar no dia 8 de Junho de 2012 (conforme consta documento de fls. 1668 a 1681v dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
9. A A. assinou o auto de consignação sem reclamação ou reserva (conforme consta documento de fls. 1668 a 1681v dos autos).
10. Em 14 de Dezembro de 2012, a A. celebrou com a R. o Contrato de a empreitada de Construção da Obra da 1.ª Fase do Centro Modal de Transportes da Estrada Governador Albano de Oliveira (conforme consta documento de fls. 369 a 375 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
11. Em 22 de Janeiro de 2013, foi pago o abono antecipado no montante correspondente a 25% do valor do contrato.
12. Nas Listas de Quantidades e de Preços Unitários, os trabalhos relativos às Estruturas de Suporte Lateral e Escavações, encontram-se descritos na Soma da Lista n.º 3 - Obras de fundação e estrutura, com a indicação dos preços unitários de MOP90,900,048.00 e dos montantes discriminados (conforme consta documento de fls. 1440 a 1443 dos autos).
13. 根據工程量表及單價表1號清單─“一般工作”第3點3.1項“臨時交通安排”規定:於工程時期規劃和實施需要的臨時交通安排;建築及拆除臨時混凝土牆、聯絡和協調;修訂任何理由的臨時交通安排的實施;適當地處置所有臨時交通安排的物品;復原有關地點的交通設置。相關的臨時交通需要和有關政府部門取得共識 (詳見卷宗第1423頁至第1611頁及背頁工程量表及單價表,尤其第1429頁背頁,在此視為完全轉錄)。
14. 根據投標案卷中“各專業之施工圖則(文件及圖則)”IV.2.“技術規範及產品目錄”IV.2.1.“一般與基礎”載有下列規定:
第1.2條承攬工程的範圍規定:“該工程是包括以下的多項工序: (...) b)臨時支撐設計,安裝(...)。”(詳見卷宗第1313頁至第1319頁及背頁投標案卷 IV.2.1.一般與基礎,尤其第1316頁背頁,在此視為完全轉錄)。
15. 根據投標案卷中“各專業之施工圖則(文件及圖則)”IV.2.“技術規範及產品目錄”IV.2.2.“開挖和土方工程”載有下列規定:
第2.7條臨時支撐第2.7.1款規定:“承建商須負責設計、提供、架設及移除支持所有基坑所需的板架支撐或橫撐組件(...)”
第2.7.2款規定:“合同中所列臨時支撐圖紙只供參考之用。”
第2.7.5款規定:“承建商提交的計劃書包括: a)臨時支撐的圖紙,包括所有結構件、尺寸、接駁及如須要在土壤中的灌槳。(...) e)詳細臨時支撐設計 (...)此計劃書應在工程開展三個月內提交,以供工程師及有關政府部門批核。”(詳見卷宗第1320頁至第1325頁及背頁投標案卷 IV.2.2.開挖和土方工程,尤其第1322頁及背頁,在此視為完全轉錄)。
16. 根據工程量表及單價表1號清單─“一般工作”備註第7點m)項規定:“清單內的單價應最少己包含下列費用: (...) (m)進行所有設計工作的費用(...)”(詳見卷宗第1425頁背頁至第1426頁及背頁)。
*
No que respeita à matéria de excepção, consideram-se provados os seguintes factos:
- quanto aos custos com a implementação de extensas medidas de desvio de tráfego, mudanças de tapumes e construção de vias provisórias:
17. No dia 1 de Agosto de 2012, a A. requereu ao GIT a autorização dos trabalhos a mais no valor total de MOP235,540.00, juntando a cotação n.º VO-002 (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/008 de fls. 410 a 428, dos autos).
18. No dia 13 de Agosto de 2012, o GIT respondeu que não considerou os trabalhos a mais, por terem sido incluídos na Lista de Quantidades para Preços do Processo de Concurso (conforme consta o ofício ref. n.° GIT-O-12-01720 de fls. 430 dos autos).
19. No dia 23 de Agosto de 2012, a A. prestou mais esclarecimentos ao GIT e solicitou que este levasse em conta sua opinião (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/013, de fls. 1867 a 1868, dos autos).
20. No dia 18 de Setembro de 2012, a A. requereu ao GIT, a autorização dos trabalhos a mais no valor total de MOP496,600.00, juntando a cotação n.º VO-003 (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/019, de fls. 626 a 634 dos autos).
21. No dia 1 de Novembro de 2012, o GIT respondeu que não acolheu o seu requerimento (conforme consta o ofício GIT-O-12-02243, de fls. 1106 a 1109 dos autos).
22. No dia 6 de Novembro de 2012, a A. por via da carta dirigida ao GIT, manifestando a sua discordância, prestou mais esclarecimentos (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/035 de fls. 1869 a 1875 dos autos).
23. No dia 22 de Novembro de 2012, a A. requereu ao GIT a autorização dos trabalhos a mais no valor alternativo de MOP14,440.00 ou MOP40,000.00, correspondente às soluções alternativas propostas, juntando a cotação n.º VO-006 (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/045, de fls. 635 a 639 dos autos).
24. No dia 23 de Janeiro de 2013, o GIT respondeu que não acolheu a proposta (conforme consta o ofício ref. n.° GIT-O-13-00128, de fls. 1111 a 1112v dos autos).
25. No dia 25 de Janeiro de 2013, a A. reiterou junto ao GIT a sua posição discordante (conforme consta a carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/065, de fls. 1877 dos autos).
26. No dia 7 de Dezembro de 2012, a A. requereu a autorização dos trabalhos a mais no valor de MOP1,594,360.00, juntando a cotação n.º VO-008 (conforme consta da carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/052, de fls. 640 a 647 dos autos).
27. No dia 22 de Dezembro de 2012, a A. recebeu a resposta negativa (conforme consta da carta ref. n.° 1064/PAL/SM/0170/12, de fls. 1114 a 1115 dos autos).
28. No dia 2 de Janeiro de 2013, a A. por via da carta dirigida ao GIT, reiterou a sua posição discordante (conforme consta da carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/059, de fls. 1878 a 1879 dos autos).
*
- quanto aos custos decorrentes dos trabalhos de execução das novas redes de drenagem:
29. No dia 22 de Abril de 2013, a A. requereu a autorização dos trabalhos a mais no valor de MOP13,952,320.00 juntando a cotação n.º VO-018 (conforme consta da carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/094, de fls. 1117 a 1143 dos autos).
30. No dia 28 de Junho de 2013, o GIT respondeu que não acolheu o seu requerimento (conforme consta do ofício GIT-O-13-01019, de fls. 1145 a 1149v dos autos).
31. No dia 15 de Julho de 2013, a A. junto ao GIT reiterou a sua posição discordante (conforme consta ref. n.° J01/2012/OLV/L/125 de fls. 1880 a 1884 dos autos).
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- quanto ao montante resultante dos trabalhos executados mas omissos na Lista de Quantidades para Preços:
32. No dia 6 de Março de 2013, a A. requereu a autorização dos trabalhos a mais, juntando a cotação n.º VO-011 (conforme consta da carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/074 de fls. 863 a 864 dos autos).
33. No dia 3 de Junho de 2013, o GIT respondeu que não acolheu a sua proposta (conforme consta do ofício ref. n.° GIT-O-13-00862, de fls. 1151 e v dos autos).
34. No dia 6 de Junho de 2013, a A. reiterou junto ao GIT a sua posição discordante (conforme consta da carta ref. n.° J01/2012/OLV/L/104, de fls. 1885 a 1887 dos autos).
*
35. Nos dias 11 de Dezembro de 2015 e 18 de Março de 2016, a A. dirigiu os pedidos ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas (doravante designado por STOP), solicitando o ressarcimento dos custos adicionais por si incorridos (conforme consta das cartas de fls. 548 a 551 e 580 a 597 dos autos).
36. Nos dias de 25 de Janeiro de 2016 e 19 de Abril de 2016, o GIT notificou a A. que lhe negou os direitos (conforme consta dos ofícios ref. n.° GIT-O-16-00168 e ref. n.° GIT-O-16-00745, de fls. 552 a 579 e 601 a 606 dos autos).
37. No dia 11 de Julho de 2016, o GIT enviou à A. a certidão dos documentos solicitados pela A. (conforme consta do ofício ref. n.° GIT-O-16-01519 de fls. 1837 a 1866 dos autos)”; (cfr., fls. 13959 a 13961-v e 14199 a 14202).

Do direito

3. Pela A., “A”, vem interposto o presente recurso do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que, como se deixou referido, confirmou a decisão do Tribunal Administrativo que absolveu a R. de todos os seus pedidos aí deduzidos.

Da análise e reflexão que sobre o decidido e agora alegado e concluído nos foi possível efectuar, cremos que bem andaram as Instâncias recorridas, motivos não havendo para se conceder provimento ao recurso da ora recorrente.

Passe-se a (tentar) explicitar este nosso ponto de vista.

Vejamos.

Antes de mais, e em apertada síntese que se mostra adequada, (e recordando o anteriormente processado e decidido), cabe dizer que, na sua decisão, entendeu o Mmo Juiz do Tribunal Administrativo que se verificava a pela R.A.E.M. invocada “caducidade”, pois que o Gabinete de Infra-Estruturas de Transportes, (G.I.T.), já se havia pronunciado (expressamente) sobre as “pretensões” da A. e decorrido estava o prazo (de caducidade) previsto no art. 219° do Decreto-Lei n.° 74/99/M, (até mesmo porque em causa não estando “actos administrativos”, não podia a A. socorrer-se do estatuído no art. 70° do C.P.A. para defender que se verificava a “falta de elementos essenciais” das notificações promovidas pelo dito G.I.T., não se obstando desse modo à referida “caducidade do seu direito de acção”).

Em relação aos pedidos de “compensação dos custos com a importação de solos para aterro” e “transporte de solos escavados para vazadouro no montante de MOP$1,552,236.00”, e (ainda) dos “custos fixos e outros encargos indirectos no montante de MOP$29,233,175.50”, e, considerando que tinham como causa de pedir a “falta de disponibilização total do local da obra por parte da R.A.E.M.”, decidiu o dito Tribunal que os mesmos eram improcedentes uma vez que foi feita a consignação da empreitada no dia 08.06.2012, sem que a A. tenha apresentado qualquer “reclamação” (ou “reserva”), havendo então que se observar o disposto no art. 134° do Decreto-Lei n.° 74/99/M, (notando-se, ainda, que era à própria A. que competia a realização dos trabalhos de conciliação e comunicação no sentido de obter um consenso quanto ao plano de desvio de trânsito, não podendo por isso culpabilizar ou responsabilizar o dono da obra por qualquer falta de cumprimento de trabalhos que, tão só, a si competiam).

Quanto ao “pedido de pagamento de montantes devidos e não pagos relativos a trabalhos de contenção periférica para efeitos de escavações” (“ELS”), no valor de MOP$26,518,865.14, considerou o Tribunal Administrativo tratar-se de um pedido “manifestamente improcedente” dado que a aplicação do estatuído no art. 30° do Decreto-Lei n.° 74/99/M pressupõe a verificação de determinados requisitos legais que, em boa verdade, nem sequer foram pela A. alegados.

E, (finalmente), quanto ao pedido subsidiário de ressarcimento com base no suposto “enriquecimento sem causa”, foi o mesmo julgado improcedente, dado que, por um lado, em causa estava uma “fonte (autónoma) de obrigações” que se encontra fora do âmbito de litígios a que diz respeito a “acção sobre contratos administrativos”, (não sendo, por isso, o “meio processual” adequado), e, por outro, visto que ainda que pudesse o Tribunal conhecer desse pedido, inexistente era qualquer fundamento para o mesmo porque a A. não alegou que “a R.A.E.M. se tenha enriquecido”, nem tão pouco explicitou, como lhe cabia, “como”, “em que termos” ou “de que modo” se enriqueceu à sua custa.

Isto dito, e no intuito de se permitir uma melhor – cabal – compreensão do que em causa agora está, vale a pena atentar na decisão do Tribunal de Segunda Instância objecto do presente recurso.

Tem, na parte que agora interessa, o teor seguinte:

“De acordo com o vertido nas conclusões tecidas, a Recorrente colocou as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Da caducidade do direito da acção relativa a diversas despesas reclamadas;
2. Da não entrega efectiva do local da obra e dos custos advenientes do aumento e alteração dos trabalhos causados pela não disponibilização do local da obra;
3. Do pagamento relativo a trabalhos de contenção periférica para escavações (ELS); e
4. Do enriquecimento sem causa.
Apreciemos.

1. Da caducidade do direito da acção relativa a diversas despesas reclamadas
A Autora pediu na petição, inter alia, a condenação da Ré no pagamento das diversas quantias, já reivindicadas, mas sem êxito, junto do Gabinete para as Infra-estruturas de Transportes (doravante simplesmente designado por GIT), através das propostas de preço (報價單) nºs V0-002, V0-003, V0-006, VO-008, VO-018rl, VO-011, alegadamente resultantes de:
․Realização dos trabalhos dos desvios de tráfego, mudanças de tapumes, construção de vias provisórias e sinalização provisória, no valor de MOP2,340,940.00;
․Aumento do tempo e grau de dificuldade da execução das novas redes de drenagem (com recurso a trabalhos de contenção (“ELS”)), designadamente para a protecção do tráfego não desviado, no valor de MOP19,544,030.80; e
․Não pagamento dos montantes devidos relativos a itens de trabalhos executados e em falta na lista de quantidades – no valor de MOP14,132,610.00.

Reagindo contra os pedidos relativos a estas quantias peticionadas, a RAEM deduziu excepção peremptória da caducidade do direito de acção relativa a estes créditos, tendo para o efeito alegado, em síntese, que:
․à luz do disposto no artº 219º/1 do Decreto-Lei nº 74/99/M, as acções que têm por objecto as questões que se suscitem sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas propostas pelo empreiteiro devem sê-lo dentro do prazo de 180 dias, contados desde a data da notificação, que lhe tenha sido efectuada, da decisão ou deliberação da entidade competente para praticar actos administrativos; e
․in casu, tendo a Autora sido notificada em 2012 e 2013 das decisões do Coordenador do GIT que lhe negaram ou não aceitaram as reclamações das tais despesas, é obviamente extemporânea a presente acção apenas intentada em 22JUL2016, na parte que diz respeito a estas despesas por caducidade do direito da acção.

A tese da Ré foi mais ou menos aceite pelo Tribunal a quo, e estes pedidos acabaram por ser indeferidos justamente com fundamento na caducidade do direito de acção para a reclamação judicial das tais despesas.
Inconformada com essa decisão, veio a Autora reagir por via do presente recurso.
Em sede de recurso, a Autora veio insistir na falta da tripla definitividade dos indeferimentos emanados do Coordenador do GIT das pretensões da Autora de reclamar as tais despesas, que sendo, na sua óptica, meros actos opinativos, meras declarações administrativas e não decisões, nunca operaram o início da contagem do prazo de 180 dias a que se refere o artº 219º/1 do Decreto-Lei nº 74/99/M.
Vejamos.
Sob a epígrafe “Prazo de caducidade da acção”, o artº 219º/1 do Decreto-Lei nº 74/99/M reza que as acções propostas pelo empreiteiro devem sê-lo dentro do prazo de 180 dias, contados desde a data da notificação, que lhe tenha sido efectuada, da decisão ou deliberação da entidade competente para praticar actos administrativos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado.
Resulta claro que o terminus a quo do prazo é a data da notificação, que lhe tenha sido efectuada, da decisão ou deliberação da entidade competente para praticar actos administrativos.
O ponto controvertido é o de saber quê decisão ou deliberação deve ser atendida?
Ou seja, se essa decisão ou deliberação deve ter a veste de um acto administrativo definitivo e executório, tal como defende a recorrente?
Entende o Tribunal a quo que não, pois tendo dito que:
Como se vê do disposto do art.º 218.º, a mencionada “decisão” ou a “deliberação” não é necessariamente um acto administrativo definitivo, contenciosamente impugnável, não obstante se admite que um e outro possam coincidir. Neste caso, o acto sendo destacável, é susceptível de recurso contencioso, e além disso, a mesma matéria será discutível na acção sobre contratos.
Bem afirmado pela A. na sua réplica, que as decisões em causa até podiam ser qualificados como actos opinativos, quando interpretem cláusulas contratuais ou se pronunciem sobre a respectiva validade, pelo que “não são definitivos e executórios” (cfr. art.º 173.º, n.º 1 do CPA).
Dito por outra forma, tais actos, embora não susceptíveis de contencioso administrativo, poderão sempre dar origem às acções sobre contratos.
Sendo assim, os actos que integram o objecto da acção, não têm que ser definitivos, quer horizontalmente, quer verticalmente, para não serem misturados com os actos contenciosamente impugnáveis.
Pois, o que interessa para a propositura da acção sobre contratos é que o dono de obra tinha uma pronúncia expressa e negativa sobre a pretensão do empreiteiro, formulado no percurso da execução da empreitada, independentemente de saber se se trata ou não da pronúncia que culminou todo o procedimento.

Em sede de recurso, a recorrente veio insistir dizendo que:
p. Todavia, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo lavra em erro porque, se é verdade que o n.º 1 do artigo 219.º do REOP estipula um prazo que se deve contar a partir da notificação «da decisão ou deliberação da entidade competente» para o efeito (S.T.O.P.), já não é verdade que esse prazo comece a contar desde notificações de declarações negociais (actos opinativos) de entidade (GIT/PAL) incompetente para comprometer a Administração perante o Empreiteiro, no que aos trabalhos e seus custos, em litígio, diz respeito.
q. Efectivamente, a tal entidade (GIT/PAL), apenas lhe foram conferidos poderes de "supervisão e fiscalização", de "controlo de execução de custos", quer pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 289/2007, quer pelo Despacho do S.T.O.P. n.º 91/2007, de 1 de Novembro de 2007, que se encontrava em vigor à data dos pedidos (2012 e 2013), e não poderes decisórios quanto a actos e contratos e, pois, sobre a matéria em causa.
r. Poderes decisórios esse que, obviamente, só se inserem na competência do S.T.O.P., de quem o GIT depende, tal como decorre do n.º 10 do sobredito Despacho do Chefe do Executivo;
s. Antes do despacho de subdelegação do S.T.O.P. (de 2015), o Coordenador do GIT, não tinha sequer competência par autorizar a realização de trabalhos a mais e autorizar trabalhos a menos, em empreitadas de obras públicas;
t. O GIT e a PAL proferiram declarações negociais ou actos opinativos, no sentido de rejeição das pretensões do empreiteiro e a sentença recorrida, aderindo à tese da R., extraiu, dessas declarações negociais, a conclusão de que o dono da obra rejeitou os trabalhos a mais em litígio e, pois, também os seus custos. Todavia,
u. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, também lavra em erro, porquanto nenhuma das entidades em causa (GIT/PAL) exerceu o poder de direcção, dando qualquer ordem, verbal ou por escrito, à A., para proceder à reposição da situação anterior, nem antes, nem depois da recepção da obra e da conta final, nem aplicou à A. qualquer multa;

Ou seja, para a recorrente, não sendo mais do que declarações negociais ou actos meramente opinativos, as respostas consistentes nas pronúncias expressas e negativas emitidas pelo Coordenador do GIT sobre as propostas de preço apresentadas não têm o efeito operativo do início do tal prazo legal de 180 dias para a propositura da acção, o qual só se conta, para o empreiteiro, da notificação da decisão que lhe negue direito ou pretensão, a proferir pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, órgão competente para a prática de actos administrativos horizontal e verticalmente definitivos e executórios sobre a matéria em causa.
Ao que parece, a recorrente está a insinuar que a decisão ou deliberação a que se alude o citado artº 219º/1 do Decreto-Lei nº 74/99/M há de ser um acto administrativo destacável emanado pelo órgão administrativo que represente a última palavra da Administração, portanto, contenciosamente impugnável.
O CPA dispõe sob a epígrafe “Actos opinativos” no artº 173º, inserido no capítulo IV, dedicado ao contrato administrativo, integrante da Parte IV que regula a actividade administrativa, que:
1. Os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade não são definitivos e executórios, pelo que na falta de acordo do co-contratante, a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor no tribunal competente.
2. O disposto no número anterior não prejudica a aplicação das disposições gerais da lei civil relativas aos contratos bilaterais, a menos que tais preceitos tenham sido afastados por vontade expressa dos contratantes.
Não obstante a sua denominação “actos opinativos”, coincidente com a utilizada pela doutrina para designar os actos que, não sendo actos administrativos propriamente ditos, têm como destinatários terceiros que estão (ou pretendem estar) em relação jurídica com a Administração, ou os próprios serviços desta, e não visam preparar ou auxiliar qualquer decisão administrativa, mas apenas dar conta do entendimento que a Administração tem a propósito de determinada questão, os actos opinativos assim denominados no artº 173º do CPA são algo diferentes e correspondem a declarações unilaterais de vontade jurídica da Administração, muito embora, por serem proferidas no seio de relações contratuais (em matéria de sua interpretação e validade, e fora, portanto, dos casos em que, mesmo aí, é dado à Administração praticar actos administrativos), não vinculam a contraparte – senão mediante prévia confirmação judicial – traduzindo-se assim (em sentido impróprio) em opiniões do contraente público sobre os direitos ou deveres que entende constituem o conteúdo da respectiva relação contratual (cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, actualizada, revista e aumentada, pág. 552).
No mesmo sentido, defende José Eduardo Figueiredo Dias que, no que respeita aos poderes da Administração na execução de um contrato administrativo, esta – por um lado, esta não goza do poder de interpretar unilateralmente o conteúdo do contrato: “Os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade” são considerados “não definitivos e executórios (actos meramente “opinativos”), “pelo que na falta de acordo do co-contratante a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor ao tribunal competente” (tudo de acordo com o artigo 173º); – por outro, ela não tem, como vimos, já o poder de obter a execução forçada das prestações em falta (artigo 174º) – in Manual de Formação do Direito Administrativo de Macau, pág. 324 e 325, CFJJ, 2009.
No Decreto-Lei nº 74/99/M que regula a matéria específica dos contratos administrativos de empreitada de obras públicas, o nosso legislador desenvolve ainda mais esse regime estabelecido na lei geral.
A este propósito, temos presente o seguinte teor normativo nos artºs 217º a 221º do Decreto-Lei nº 74/99/M:
Artigo 217.º
(Tribunais competentes)
As questões que se suscitem sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas, que não sejam dirimidas por meios de impugnação administrativa, podem ser submetidas aos tribunais competentes.
Artigo 218.º
(Forma do processo)
1. Revestem a forma de acção as questões submetidas ao julgamento dos tribunais competentes sobre interpretação, validade ou execução do contrato, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual.
2. O disposto no número anterior não impede o recurso contencioso de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato.
Artigo 219.º
(Prazo de caducidade da acção)
1. As acções propostas pelo empreiteiro devem sê-lo dentro do prazo de 180 dias, contados desde a data da notificação, que lhe tenha sido efectuada, da decisão ou deliberação da entidade competente para praticar actos administrativos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado.
2. O prazo previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, às acções propostas pelo dono da obra.
Artigo 220.º
(Aceitação do acto)
1. O cumprimento ou acatamento pelo empreiteiro de qualquer decisão tomada pelo dono da obra não se considera aceitação tácita da decisão acatada.
2. Todavia, se dentro do prazo de 10 dias a contar do conhecimento da decisão o empreiteiro não reclamar ou não formular reserva dos seus direitos, a decisão reputa-se aceite.
Artigo 221.º
(Matéria discutível)
O indeferimento de reclamações formuladas oportunamente pelo empreiteiro ao dono da obra não inibe o empreiteiro de discutir a matéria dessas reclamações, em acção para o efeito proposta, com observância do disposto nos artigos 219.º e 220.º
In casu, é dado assente e aceite pelas partes que as decisões do Coordenador do GIT que não aceitaram as diversas propostas de preços apresentadas pela recorrente integram nas ditas questões que se suscitem sobre a execução do contrato de empreitada de obras públicas (artº 219º/1 do Decreto-Lei nº 74/99/M).
Na esteira dos ensinamentos que citamos supra, as tais respostas consistentes nas pronúncias expressas e negatórias das pretensões de pagamentos extra por parte da ora recorrente, emitidas pelo Coordenador do GIT, enquanto actos opinativos, a que se refere o artº 173º/1 do CPA, que não sendo actos administrativos por não vincular a contraparte nem poder ser operados, sem o seu consentimento, senão através da acção judicial prévia, pela sua natureza necessariamente não definitiva nem executória, naturalmente não têm de percorrer toda a tramitação de um do procedimento administrativo típico que culmina com a produção de actos administrativos proprio sensu e não estão portanto sujeitos às suas regras procedimentais, nem, por conseguinte, à sindicância por via de recurso contencioso de legalidade que tem por objecto actos administrativos proprio sensu, tal como defende, para nós, erradamente, a ora recorrente.
A recorrente questiona também a competência do Coordenador do GIT para a prática de actos administrativos.
O GIT foi criado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 289/2007, e tem natureza de equipa de projecto e funciona na dependência e sob a orientação do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Tem como seus objectivos promover a modernização e o aperfeiçoamento das infra-estruturas de transportes viários, incumbindo-lhe, designadamente, desenvolver projectos relacionados com grandes infra-estruturas de transportes viários, e para a prossecução desses objectivos, compete ao GIT coordenar e executar os projectos de desenvolvimento de grandes infra-estruturas de transportes viários na RAEM – parág. 1º/2-1) e 3º/1 do Despacho do Chefe do Executivo n.º 289/2007.
Estando in casu em causa questões atinentes à execução do contrato de empreitada que tem por objecto a construção da obra da 1ª fase do Centro Modal de Transportes da Estrada Governador Albano de Oliveira, em fase daquilo que foi definido no despacho do Chefe do Executivo que criou o GIT, nomeadamente na parte que mencionámos supra, não temos dúvidas de que o Coordenador do GIT tem competência para praticar actos administrativos.
Assim, cai por terra toda a tese defendida pela recorrente, alicerçada na incompetência do Coordenador do GIT para a prática de actos administrativos, na falta da tripla definitividade das tais decisões do Coordenador e na inobservância das regras próprias do procedimento administrativo, nomeadamente as referentes aos elementos essenciais da notificação de actos administrativos proprio sensu.

2. Da não entrega efectiva do local da obra e dos custos advenientes do aumento e alteração dos trabalhos causados pela não disponibilização do local da obra
A Autora pediu, na petição inicial da acção, a condenação da Ré, a título de compensação indemnizatória total por danos causados à Autora pela não disponibilização total do local da obra, no pagamento do montante de MOP$52.670.382,30, referentes a
1) custos referentes ao desvio de tráfego, mudanças de tapumes, construção de vias provisórias, sinalização provisória, num montante de MOP$2,340,940.00;
2) custos decorrentes do aumento do tempo e grau de dificuldade da execução das novas redes de drenagem (com recurso a trabalhos de contenção (“ELS”), designadamente para protecção do tráfego não desviado, num montante de MOP$19,544,030,80; e
3) custos com a importação de solos para aterro e transporte de solos escavados para vazadouro, num montante de MOP$1,552,236.00.
4) custos fixos e outros encargos indirectos no montante total de MOP$29.233.175,50.

Os pedidos identificados nas al. 1) e 2), foram indeferidos pelo Tribunal a quo com fundamento na caducidade do direito de acção, o que foi confirmado por nós conforme decidimos supra.
Portanto, só resta saber se o Tribunal a quo andou bem ao julgar como julgou improcedentes os pedidos das quantias peticionadas nas al. 3) e 4).
A decisão recorrida apoiou-se essencialmente na comprovada efectivação, sem reclamação nem reserva, da consignação da obra, documentada no Auto de Consignação ora constantes das fls. 1668v e s.s. dos p. autos, e na responsabilidade assumida pela Autora na sua proposta apresentada para o concurso público quanto ao plano de desvios de tráfego necessários à realização das obras.
Portanto, para o Tribunal a quo, os invocados atrasos alegadamente causadores dos danos de que a Autora pretendeu ressarcir-se não são de responsabilidade da Ré.
A Autora insurgiu-se contra esse entendimento.
Para o efeito, defende que, não obstante a formal consignação da obra, o certo é que o local da obra não lhe foi disponibilizado e que só assinou de boa-fé o auto na convicção de que a Administração iria resolver os problemas dos desvios de tráfego. Mas na realidade, no momento da consignação da obra, o local ainda não lhe era materialmente disponível.
Não tem razão a recorrente.
Por um lado, conforme documentado no Auto de Consignação, ora constantes das fls. 1668v e s.s., foi declarado pelo representante da adjudicaria, ora recorrente, que se encontrava em condições para dar início à obra.
Entende-se por consignação da obra o acto pelo qual o dono da obra faculta ao empreiteiro os locais onde vão ser executados os trabalhos e as peças escritas ou desenhadas complementares do projecto que sejam necessárias para proceder a essa execução – artº 127º do Decreto-Lei nº 74/99/M.
No que diz respeito à questão de saber a quem pertence a responsabilidade pelos desvios de tráfego por forma a viabilizar a realização das obras, o teor da proposta apresentada pela ora recorrente para a candidatura ao concurso público da empreitada já nos deu a resposta.
Pois conforme se vê na proposta apresentada pela ora recorrente, na observância e em cumprimento do exigido no ponto 13.1, alínea i) do processo de concurso, ora constantes das fls. 1422 e s.s., e de acordo com o estipulado no artº 10º/1-c) do contrato de empreitada, estão incluídas no ponto 3, alínea 3.1, da Lista nº 1 de 一般工作(dos trabalhos em geral) as medidas provisórias de trânsito consistentes em planeamento e implementação de medidas provisórias de trânsito durante a execução da obra; construção e demolição de paredes de betão; comunicação e conciliação; revisão das medidas provisórias de trânsito tomadas por qualquer razão; tratamento adequado de todos os objectos usados para medidas provisórias de trânsito; recuperação de instalações transitárias nos locais relativos – vidé as fls. 1429v dos p. autos.
Ora, se se tiver comprometido a encarregar-se de implementar as medidas provisórias de trânsito na realização das obras por força do contrato de empreitada e tiver sido confrontado com a rejeição pela DSAT do plano de desvios de tráfego por ela submetido consistente no encerramento total ao trânsito automóvel do ramo norte da Estrada Governador Albano de Oliveira, junto ao Edifício Windsor Arch e na abertura das duas faixas de circulação automóvel, uma em cada sentido, no ramo sul, junto ao Jockey Club, a recorrente deveria, com vista ao cumprimento das obrigações que assumiu no contrato de empreitada, ter avançado com outro plano alternativo por forma a satisfazer as exigências da DSAT e poder iniciar o mais cedo possível a realização das obras na sua plenitude.
Em vez de se proceder dessa maneira, antes pelo contrário, aguardava passivamente que os problemas fossem resolvidos pela Administração, e veio agora reivindicar os alegados montantes a título de 工程停工費用補償 (compensações pela suspensão da execução das obras) no período compreendido entre MAIO2013 e ABR2014, no valor de MOP$29.233.175,50, assim como a quantia de MOP$1.552.236,00, a título de sobrecustos alegadamente da importação de solos para aterro e transporte de solos escavados para vazadouro, alegadamente em consequência da impossibilidade de armazenamento de solos escavados, dada a exiguidade das áreas de trabalho disponíveis por não disponibilização total do local da obra.
Havendo prejuízos causados pela suspensão da obra e pela falta do espaço para o armazenamento dos solos escavados, os tais prejuízos só podem ser suportados pela Autora que, enquanto empreiteiro, assumiu a responsabilidade contratual de planear e implementar medidas provisórias de trânsito durante a execução da obra por forma a poder disponibilizar todas as áreas úteis logo no início das obras.
Não o tendo feito, é a própria Autora que deve suportar tais prejuízos.
Assim, não é de proceder os tais pedidos, e bem andou o Tribunal a quo nesta parte da decisão.

3. Do pagamento relativo a trabalhos de contenção periférica para escavações (ELS)
A Autora, ora recorrente, pediu, na petição inicial da acção, com fundamento legal no disposto no artº 30º do Decreto-lei nº 74/99/M a condenação da Ré no pagamento a favor dela o montante de MOP$26.518.865,14, a título de montantes devidos e não pagos à Autora e relativos a trabalhos de contenção periférica para efeitos de escavações (ELS).
Para o efeito, a Autora alegou, na petição inicial, o seguinte:
150. Nos termos, designadamente, do n.º 7.1 do Programa do Concurso e da cláusula 4.a das Cláusulas Especiais do Caderno de Encargos, o regime da empreitada é “por série de preços”, sendo pois os trabalhos executados pelo Empreiteiro pagos através da aplicação dos preços unitários de cada item das LQ incorporada no Contrato à quantidade real de cada um de tais itens executada em obra.
151. De entre o âmbito da empreitada, destaca-se o subcapítulo do capítulo relativo às “Fundações e Estrututa”, designado por Escoramento (“支撐”), o qual trata essencialmente dos trabalhos de contenção periférica, isto é, de execução indispensável para suster as “paredes” laterais de toda a zona a escavar, trabalhos esses precedendo necessariamente a actividade de escavação das caves e que, em linguagem da especialidade, se designam usualmente por “Excavation and lateral support” (“ELS”).
152. Tratando-se de uma empreitada “por série de preços”, o valor destes trabalhos deveria ser determinado através da medição dos trabalhos executados tendo naturalmente como base o correspondente projecto contratual. Porém
153. De entre os documentos contratuais, existe uma contradição no que concerne a estes trabalhos: por um lado, e tal como já descrito no início desta petição, na LQ contratual, estes trabalhos, tal como quaisquer outros da LQ, são apresentados como se fossem paramedir normalmente, tendo em conta o já referido regime geral da empreitada, relativo a um extrato completo deste capítulo da LQ, devidamente itemizado, com base no projecto contratual, também este devidamente detalhado no respeitante a estes trabalhos em concreto). Por outro lado, porém,
154. Numa outra peça contratual - o Capítulo IV.2 – “Especificações Técnicas e Catálogos”, no seu n.º 2, relativo a “Obras de Escavação e Terraplanagem” (n.º este, referindo-se essencialmente, no entanto, a trabalhos de escavação de menor dimensão eventualmente também requerendo contenção periférica, como por exemplo, abertura de valas para instalação de tubos de drenagem e/ou cabos eléctricos (ver um extrato de tal parte das Especificações no Doc. n.º 71), os concorrentes eram informados de que as peças desenhadas incluidas no Projecto patenteado a concurso tinham um carácter meramente informativo, devendo, portanto, o respectivo projecto de execução ser desenvolvido pelo futuro adjudicatário da empreitada. Ora,
155. Representando este facto um claro conflito de interesses entre as partes: responsabilidades de projecto, versus, o regime do Contrato “à medição”, gerou-se desde cedo um conflito entre a A. e a R. à volta dele, cujos detalhes se expõem de seguida.
156. Importa também realçar que, numa outra terceira parte das peças escritas patenteadas a concurso, integrada no n.º 2 (“Concepção Minuciosa das Estruturas de Suporte Lateral e de Escavações”) do subcapítulo IV.1 (“Memória Descritiva e Justificativa”) do capítulo IV (“Projecto de Execução de Cada Especialidade (Peças Escritas e Desenhadas)”) - (ver um extracto de tal parte no Doc. n.º 72) - esta sim, incidindo claramente sobre este tipo de trabalhos (“ELS”) em concreto, designadamente os relacionados com a escavação das caves, em particular, para execução de ambos os parques subterrâneos: para estacionamento de autocarros e transportes públicos (1) e para viaturas ligeiras privadas (2) nenhuma referência a tal facto é feita.
157. Apesar de a LQ e o Projecto patenteados a concurso estarem normalmente detalhados, isto é, como se se tratasse de trabalhos à medição, tal como os demais, nas Especificações Técnicas define-se que o respectivo subprojecto será da responsabilidade do Empreiteiro, sendo as correspondentes peças desenhadas patenteadas a concurso apenas para referência, dependendo das condições encontrados “in situ”, particularmente, à medida que a escavação progride.
158. Neste contexto, e convencida, de que o regime a aplicar a estes trabalhos em concreto era de igual modo por série de preços e execução com base no projecto da R. (suficientemente detalhado, como acima também já explicado),_na altura do concurso, e no contrato, a A. calculou os seus preços para cada um dos itens da Lista n.º 3 da LQ geral, também estes suficientemente detalhados e relacionados com o projecto patenteado a concurso, de forma agressiva e competitiva. Porém,
159. Aquando do arranque dos trabalhos em obra, logo após a Consignação (e importa aqui sublinhar o quão crítica era a execução destes trabalhos, no contexto do âmbito global da empreitada, a executar, de resto, de acordo com o Programa de Trabalhos contratual), surgiu a já acima referida contradição dos documentos contratuais.
160. Assim, como já anteriormente se referiu, a A., em 2 de Julho de 2012, emitiu à atenção da R. e do seu Projectista (Parsons Brinckerhoff (“PS”) um pedido de esclarecimentos (“Request for Information” – “RFI”), solicitando alguns esclarecimentos relativos ao projecto destes trabalhos.
161. O referido Projectista viria a responder a 16 do mesmo mês, porém, e para surpresa da R., apenas remetendo a A. para o nº 2.7 do apítulo IV.2.2 das Especificações Técnicas e Catálogos", “Obras de Escavação e Terraplanagem” (Ver Doc. n.º ), mais acrescentando que, tal como aí definido, o projecto relativo a estes trabalhos em concreto era da responsabilidade da A.
162. Em face desta reacção do Projectista da R. (que esta não desmentiu), a R. considerou estar perante uma contradição fundamental dos documentos contratuais, envolvendo um claro conflito de interesses, como já acima realçado, i.e. “mistura” responsabilidades de projecto com o regime contratual de “série de preços”, criando assim uma situação controversa.
163. Tendo a A. imediatamente confrontado a R. com esta situação, esta, não só não se pronunciou sobre a referida contradição, como também confirmou a solicitação do Projectista para que a A. prosseguisse com o desenvolvimento do projecto para estes trabalhos.
164. Não obstante a recusa da R. em esclarecer a contradição, preocupada com a necessidade de arrancar urgentemente com estes trabalhos, a A. decidiu, em boa fé, cumprir com a referida solicitação da R. e do seu Projectista, e contratou um projectista qualificado para, rapidamente, executar o solicitado projecto, à sua responsabilidade, sendo que, entre Setembro e Novembro de 2012, ao longo do desenvolvimento do referido projecto, foram realizadas inúmeras reuniões de coordenação entre as partes relativamente a este assunto. Em particular,
165. Considerando que o progresso e a conclusão dos trabalhos eram a principal prioridade, designadamente, para o interesse publico, a A. propôs-se avançar de imediato com algumas das actividades que, fazendo embora parte dos trabalhos “ELS”, não eram afectadas pelo desenvolvimento do projecto em curso, deixando asssim para mais tarde um esclarecimento cabal das diferenças entre as partes relativamente ao assunto. Contudo,
166. A boa vontade da A., assim manifestada, foi completamente ignorada pela R..
167. Não obstante a inexistência de objecções técnicas relevantes, o GIT viria a recusar formalmente este subprojecto, após o que, solicitou ao seu Projectista a apresentação do seu próprio subprojecto.
168. Ao agir, como agiu, o GIT evidenciou o propósito de contornar o direito do empreiteiro a cobrar o referido preço total contratado como contrapartida da responsabilidade contratualmente estabelecida da concepção / construção de tais trabalhos como um todo, já que tal capítulo da LQ passava, agora, a ser tratado em regime de preço global, em violação do disposto no contrato e nos documentos do concurso, que estabelecem o regime de série de preços.
169. Para além de tentar contornar o estabelecido nos documentos do concurso e o acordado no contrato, não obstante ter sido o próprio GIT, inicialmente a lembrá-lo e a exigir o seu estrito cumprimento, agindo do modo como agiu, julgava conseguir também um outro propósito: o de transferir tais trabalhos para o regime geral do contrato de série de preços, contornando deste modo, também, qualquer veleidade do empreiteiro vir a pretender recorrer ao regime previsto no artigo 30.° do Decreto-lei n.º 74/99/M, no sentido de considerar estes trabalhos como uma alteração por si proposta. Mas,
170. Qual não foi a supresa da A. quando, ao receber que o subprojecto apresentado pelo Projectista (da R.), constatou que este era afinal, “grosso modo”, uma cópia do projecto anteriormente por si apresentado.
171. Não obstante esta inaceitável atitude de má fé por parte da R., dada a extrema urgência de se avançar com estes trabalhos do caminho crítico do programa (escusado seria realçar a significativa perda de tempo que tudo isto implicou!), a postura da A. foi o de colaborar com a R. na implementação da solução por si imposta, e quanto à parte comercial, confiou que logo se acertaria com a R. Assim,
172. E mantendo, embora, a sua posição de reclamação, reviu a lista de medições e preços anteriormente apresentada, tendo em conta, tanto quanto aplicável, a utilização de preços unitários da LQ, e preços novos, nos demais casos. Isto é,
173. Em vez de insistir num cenário de preço global para estes trabalhos (“ELS”), em que, contrariamente ao que se passava com todos os demais, o respectivo projecto era da responsabilidade da A, o compromisso consistia em considerar tal projecto da R. como uma alternativa/alteração proposta pelo empreiteiro ao abrigo do artigo 30.° do Decreto-Lei n.º 74/99/M, aplicando-se, portanto, o seu n.º 3 Assim,
174. Completamente “desgastada” com todas estas tentativas sem sucesso durante bem mais mais de um ano e agravando-se a sua situação de desequilíbrio financeiro, a A, através da sua carta de 27 de Novembro de 2013 (Ref.: J01/2012/OLV/L/189 (Doc. n.º 73), decidiu fazer um derradeiro esforço de aproximação às posições da R., apresentando uma proposta de compromisso, os respectivos pressupostos, e buscando um consenso com a R.
175. Uma vez mais, a R. não se dignou sequer responder à proposta da A e, apesar das dúvidas acerca do valor a receber por tais trabalhos, e tendo em conta o interesse público, a A. prosseguiu e completou todos os trabalhos em 2014.
176. Invocando o disposto no referido preceito legal, a A. solicitou que, a diferença entre o novo total obtido (MOP$79,657.853,89 (setenta e nove milhões e seiscentos e cinquenta e sete mil e oitocentos e cinquenta e três patacas e oitenta e nove avos) e os referidos cerca de MOP$90,900.048,00 (noventa milhões e novecentas mil e quarenta e oito patacas), incluídos no preço contratual, fosse repartida, de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito legal, em 50/50, o que conduzia ao novo total de compromisso de cerca de MOP$85.278.950,95 (oitenta e cinco milhões e duzentas e setenta e oito mil e novecentos e cinquenta mil patacas e noventa e cinco avos).
177. De notar que, os acima referidos valores de (MOP$79,657.853,89 e, por conseguinte, de MOP$85.278.950,95 diferem para menos dos correspondentes valores, contantes da também acima referida carta da A., de 27 de Novembro de 2013, como resultado de acertos de medições entretanto ocorridos.
178. No respeitante aos respectivos pagamentos, foram certificados e pagos, apenas, MOP$51,491.237,40 (cinquenta um milhões quatrocentas e noventa uma mil e duzentas e trinta e sete patacas e quarenta avos), isto é, viria a receber somente cerca de 60% do total solicitado, sem ter jamais recebido uma justificação detalhada para o “corte” efectuado.
179. Apesar dos persistentes protestos da A., relativamente a esta matéria, apenas através da carta, datada de 23 de Fevereiro de 2016 (Ref.: GIT-O-16-00328) (Doc. n.º 74) aqui dada por integralmente reproduzida, e na sequência das reuniões havidas com o STOP, viria o GIT a admitir, que o valor devido era afinal superior, isto é, MOP$58,759,985.80 (cinquenta e oito milhões e setecentas e cinquenta e nove mil e novecentas e oitenta e cinco patacas e oitenta avos). A A. reagiu a esta carta através da sua Ref.: J01/2012/OLV/L/621, de 1 de Abril de 2016 (Doc. n.º 75), a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, solicitando explicações relativamente carta da Ré. Porém e mais uma vez não teve resposta até à data e nem sequer entre a diferença anteriormente pagao e o valor ora reconhecido como devido foi pago. Ou seja,
180. Ao fim de mais de 2 anos, o GIT aceita, mas ainda não de forma definitiva, que ainda há um valor a pagar ao empreiteiro. Mas,
181. Não obstante a referida transitoriedade do valor aceite, logo a R. se apressa a alegar argumentos para redução do montante a pagar. Com efeito, por um lado,
182. Pese embora tenha em seu poder uma caução que, no respeitante a estes trabalhos, representa 5% do montante de MOP$90,900.000,00 (noventa milhões e novecentas mil patacas), ou seja, o equivalente a MOP$4,500.000,00 (quatro milhões e quinhentas mil patacas), pretende agora mais garantias relativas a “trabalhos a mais” aí incluídos, invocando - sem razão - o disposto no n.º 2 do artigo 185.° do Decreto-lei n.º .74/99/M. Por outro lado,
183. Ignorando completamente fazer uma análise global do assunto, porquanto, em termos globais, o valor final da empreitada é seguramente superior ao preço inicial do contrato, pretendendo, de imediato, acertar o ritmo de reembolso do abono antecipado! Em qualquer caso,
184. Pelas razões já explicitadas, a A. não pode, de modo algum, aceitar suportar a diferença entre o valor total de compromisso proposto e legalmente devido, no montante de MOP$85.278.850,94 (oitenta e cinco milhões e duzentas e setenta e oito mil e oitocentas e cinquenta mil patacas e noventa e quatro avos) e o valor, ainda provisório, de MOP$58.759.985,80 (cinquenta e oito milhões e setecentas e cinquenta e nove mil e novecentas e oitenta e cinco patacas e oitenta avos), perfazendo tal diferença o montante de MOP$26.518.865,14 (vinte e seis milhões e quinhentas e dezoito mil e oitocentas e sessenta e cinco patacas e catorze avos).
185. Porque, a R. tem arrastado, deliberadamente, o integral pagamento das importâncias devidas pelos trabalhos das “ELS” - justificando manterem-se, ainda, em análise alguns dos seus items -, e, porque a R. se recusa a cumprir o disposto na lei, deve o Tribunal condenar a R. a cumprir o disposto no artigo 30.º do Decreto-lei n.º 74/99/M e, em especial o seu n.º 3, bem como a pagar à A. a importância de MOP$26.518.865,14 (vinte e seis milhões e quinhentas e dezoito mil e oitocentas e sessenta e cinco patacas e catorze avos), com os correspondentes juros legais, vencidos e vincendos até ao seu integral pagamento.

Ora, não obstante a mistura da matéria fáctica com juízos conclusivos e matéria de direito neste segmento da petição inicial, conseguimos com alguns esforços sintetizar a matéria puramente fáctica em que se apoiou a Autora para formular o pedido nos termos requeridos.
Sintética e simplesmente falando, o que pretende dizer a Autora é o seguinte:
․O regime adoptado na empreitada em causa é “por série de preços”, ou seja, os trabalhos executados pelo empreiteiro são pagos mediante a aplicação dos preços unitários de cada item das listas de quantidades à quantidade real de cada um dos itens executados;
․Por isso, os preços constantes das listas de quantidades são contrapartida dos trabalhos executados e calculados em função da quantidade desses trabalhos, não incluindo todavia a elaboração do projecto para a execução desses trabalhos, que é da responsabilidade da Ré;
․Neste contexto e não obstante a convicção de que o regime a aplicar a estes trabalhos era “por série de preços” e a execução era levada a cabo com base no projecto da Ré, só para não atrasar o andamento dos trabalhos, a Autora contratou um projectista para a elaboração do projecto para a execução dos trabalhos;
․O projecto veio a ser rejeitado pela Ré;
․A Ré, por sua vez, contratou um projectista seu para a elaboração do projecto para a execução dos trabalhos, que é grosso modo a cópia do projecto da autoria do projectista contratado pela Autora;
․A Autora acabou por concluir os trabalhos de contenção periférica e escavações, que foram recebidos pela Ré;
․Pelos trabalhos executados, foi-lhe pago o montante de MOP$51.491.237,40;
․O preço acordado no contrato é de MOP$90.900.048,00;
․O novo preço é de MOP$79.657.853,89; e
․Tem direito a Autora a receber o montante de MOP$26.518.865,14, a título da metade do valor economizado, a que se refere o artº 30º/3 do Decreto-Lei nº 74/99/M.

Ora, para sustentar o seu direito ao montante de MOP$26.518.865,14, a Autora invocou como fundamento legal o disposto no artº 30º do Decreto-Lei nº 74/99/M, que, sob a epígrafe “Alterações propostas pelo empreiteiro” dispõe:
1. Em qualquer momento dos trabalhos, o empreiteiro pode propor ao dono da obra variantes ou alterações ao projecto relativamente a parte ou partes dele ainda não executadas.
2. Tais variantes ou alterações devem obedecer ao disposto no presente diploma sobre os projectos ou variantes apresentados pelo empreiteiro, e o dono da obra pode ordenar a sua execução desde que aceite o preço global ou os preços unitários propostos pelo empreiteiro ou com este chegue a acordo sobre os mesmos.
3. Se da variante ou alteração aprovada resultar economia, sem decréscimo da utilidade, duração e solidez da obra, o empreiteiro tem direito a metade do valor economizado.
À luz do disposto neste artigo, o pressuposto de facto essencial exigido para operar a sua estatuição é o facto de empreiteiro ter proposto ao dono da obra variantes ou alterações ao projecto relativamente a parte ou partes dele ainda não executadas, que tenham sido aceites pelo dono da obra, mediante a simples aceitação ou através do acordo a acertar entre o empreiteiro e o dono da obra.
In casu, nada disso foi alegado pela Autora!
Como se sabe, a causa de pedir é o conjunto de factos jurídicos concretos invocados para servir de fundamento da acção, do qual emerge, por força do direito, o efeito jurídico pretendido pelo autor.
Assim, é preciso que o autor mencione os factos jurídicos concretos que lhe servem do fundamento e indicar o efeito jurídico que pretende obter com a instauração da acção.
E para além dos factos, o Autor deve indicar e expor as razões de direito em que assenta o efeito jurídico pretendido – artº 389º/1-c) e d) do CPC.
Por força do princípio da substanciação consagrado no nosso processo civil, aqui aplicável, ao autor cabe articular os factos de onde deriva a sua pretensão ou do direito cuja tutela jurisdicional se busca.
Visto o princípio da substanciação sob outro prisma, temos presente que o Tribunal fica limitado à qualificação jurídica dos factos articulados pelo autor e vedado a substituir-se ao autor no suprimento da falta ou insuficiência da materialidade fáctica essencial e necessária à satisfação do direito ou da pretensão que o autor pretende fazer valer mediante a instauração da acção.
Voltamos ao caso sub judice.
A Autora limitou-se a invocar a norma em que assenta o efeito jurídico pretendido.
Mas não alegou a materialidade fáctica essencial e necessária ao preenchimento dos pressupostos de facto exigidos no citado artº 30º do Decreto-Lei nº 74/99/M, nomeadamente, os factos demonstrativos da existência de uma proposta dos variantes ou alterações ao projecto inicial, que veio a ser aprovados pelo dono da obra, assim como o facto de que desses variantes ou alterações ter advindo economia, sem decréscimo da utilidade, duração e solidez da obra. E além disso, a Autora limitou-se a alegar conclusivamente o valor de MOP$85.278.950,95, como o novo preço total dos trabalhos executados, sem que todavia tivesse explicado como é que se calcularam os alegados quantitativos do tal novo total.
Assim sendo, tal como decidiu e bem o Tribunal a quo, mesmo que viesse a ser comprovada a matéria alegada pela Autora na petição inicial, cuja impertinência é óbvia, o pedido não pode deixar de improceder, dada a falta manifesta da matéria fáctica para sustentar o seu pedido.
Também aqui, bem andou o Tribunal a quo, e nada temos a censurar a decisão recorrida nesta parte.
Improcede assim esta parte do recurso.

4. Do enriquecimento sem causa
Subsidiariamente, a Autora avançou com o fundamento no instituto de enriquecimento sem causa para reivindicar as quantias peticionadas.
Para o efeito alegou na petição que:
220. Resulta patente da matéria de facto referida e dos pedidos supra formulados que, desde, pelo menos, 1 de Junho de 2012 que a A. vem incorporando no Local da Obra, a solicitação da A. - primeiro, por via da adjudicação da obra em apreço que lhe foi feita e, depois, após a assinatura do contrato que assinou com a A. - mão de obra e materiais;
221. Cujo o cômputo global excede manifestamente, por motivos de exclusiva responsabilidade da R., como se tem vindo a referir ao longo do presente articulado, o preço inicialmente estipulado entre as partes para a realização da empreitada.
222. Aqui chegados, entende a A. que, subsidiariamente e na eventual improcedência dos pedidos supra - que, como se disse, corporizam uma deslocação patrimonial entre a A. e a R. - então, no mínimo, ocorreu um “enriquecimento sem causa” da R..
223. A figura do “enriquecimento sem causa” está prevista no art.º 467º do C.C. segundo o qual:
“1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
224. Estão preenchidos, pelo menos na versão da A., os requisitos cumulativos do enriquecimento sem causa, (v. Pires de Lima e Antunes Varela “Código Civil Anotado”, nota ao art.º 473º do C.C. da Repª Portuguesa):
"a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.
O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista.
(...)
b) A obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa...
(...)
c) A obrigação de restituir pressupõe, finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
(...)”
225. No caso, manifestamente, o enriquecimento da R., à custa do empobrecimento da A., carece de “causa justificativa”.
226. Na versão da A., não houve qualquer justificação para que a R. tenha enriquecido à sua custa com a quantia de MOP$93,321,857.44 (noventa e três milhões, trezentos e vinte e uma mil, oitocentas e cinquenta e sete patacas e quarenta e quatro avos) devidamente supra discriminada, incorporada em Obra da R., como se disse, através de mão de obra e material.

A título principal, o pedido foi indeferido por inidoneidade da acção sobre contratos administrativos para dirimir litígios que não têm por fonte um contrato administrativo.
Para nós, bem andou o Tribunal a quo.
Na verdade, não sendo da fonte de obrigações da natureza contratual, o instituto de enriquecimento sem causa não pode ser invocado nas acções sobre contratos administrativos, concebidas e vocacionadas para dirimir os litígios sobre interpretação, validade ou execução dos contratos, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual – artº 113º/1 do CPAC.
Ex abundantia, o Tribunal a quo, com fundamento no incumprimento do ónus de alegar e provar a causa de pedir, julgou improcedente o pedido fundado no alegado enriquecimento sem causa.
Em sede de recurso, quanto a este fundamento “subsidiário”, a Autora limitou-se a remeter para “todos os factos elencados na petição, pois disse que “os factos alegados pela A., quanto a este pedido de condenação da R., por enriquecimento sem causa, estão todos elencados na petição”.
Muito sinteticamente falando, o enriquecimento à custa de outrem consiste numa deslocação patrimonial de uma esfera jurídica para outra com o empobrecimento daquele outrem. Enriquecer à custa de outrem é ver a sua esfera jurídica patrimonial aumentada por força de uma diminuição da esfera jurídica de outrem.
In casu, veio a Autora, ora recorrente, dizer, em sede de recurso, que todos os factos integrantes na causa de pedir já foram alegados na petição.
Sinceramente falando, não se sabe quais os factos materiais concretos em que a Autora se pretende apoiar na dedução do pedido com fundamento no enriquecimento sem causa, pois, pelo menos, ficamos sem saber em que termos a Administração se enriqueceu à custa da Autora sem causa justificativa?
Assim, não pode proceder essa parte de recurso.
(…)”; (cfr., fls. 14226 a 14241-v).

Aqui chegados, debrucemo-nos sobre o presente recurso.

Pois bem, se bem ajuizamos, com o mesmo vem colocadas as questões seguintes:
- “oposição de Acórdãos” sobre a mesma questão de direito;
- “erro de direito” quanto à aplicação do art. 219° do Decreto-Lei n.° 74/99/M, relativo à “caducidade do direito de acção”;
- “erro de direito” quanto à aplicação dos art°s 127°, 128°, 132° e 134° do Decreto-Lei n.° 74/99/M, (relativo à consignação da obra);
- “erro de direito” quanto à inaplicabilidade do art. 30° do Decreto-Lei n.° 74/99/M; e,
- “erro de direito” quanto à inaplicabilidade do regime do “enriquecimento sem causa” previsto nos art°s 467° e segs. do C.C.M..

Eis a solução que se nos mostra de adoptar.

Antes de mais, e sem prejuízo do muito respeito devido a diferente entendimento, cremos que a ora recorrente percorre a “matéria de facto” que as Instâncias deram como “provada” para, seguidamente, dela passar a fazer uma “interpretação (muito) pessoal” quanto à (matéria de facto) que, supostamente, estaria “implicitamente provada” pelos termos da “motivação exposta quanto à mesma (decisão sobre a matéria de facto”), cabendo notar que, (oportunamente), não impugnou a referida “decisão da matéria de facto” em sede do seu recurso para o Tribunal de Segunda Instância (cujo Acórdão é agora objecto do presente recurso), inegável se apresentando desta forma que vai além do que decidido foi, colocando, assim, indevidamente, “questões novas” que, como sabido é, não são “adequadas” e “próprias” no âmbito da presente lide recursória.

Por sua vez, mostra-se desde já de consignar, igualmente, que em causa estando “questões de direito”, (totalmente) despiciendo é afirmar, (por exemplo), que determinados documentos “provam” questões de direito, tais como “que o GIT não toma decisões, antes prepara e executa as decisões do Chefe do Executivo (CE) e do STOP, sem pois, competência para praticar actos administrativos”, (cfr., alínea 2) do ponto 56 das alegações de recurso), defendendo, assim, que “os documentos anteriormente mencionados, devem ser levados ao elenco da matéria de factos provados”, (cfr., ponto 68 das ditas alegações), pugnando-se, ainda, depois da amálgama de (diferentes) “factos” que julga que deveriam ser considerados “provados”, por não indicar a “norma legal” que considera ter sido violada ou que justifica o que se alega.

Ora, como se sabe, a doutrina e jurisprudência são unânimes no sentido de que são as “conclusões” que delimitam o “objecto do recurso”, (cfr., art. 598° do C.P.C.M., aqui aplicável por remissão dos art°s 99°, n.° 1, e 149°, n.° 1 do C.P.A.C.), impondo-se ainda, e em todo o caso notar que este Tribunal de Última Instância apenas conhece de “matéria de direito”, (cfr., art. 152° do C.P.A.C.), podendo, porém, alterar a “matéria de facto” se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, cfr. art. 649°, n.° 2 do C.P.C.M.), haja insuficiência ou contradição na matéria de facto, (cfr., art. 650° do C.P.C.M.), ou, também, quando esteja em causa a situação descrita no art. 549°, n.° 4 do C.P.C.M., pois também nestes casos a actividade do Tribunal se situa no campo da “legalidade”.

Com efeito, e como já decidiu este Tribunal de Última Instância:

“Estando em causa a matéria de facto provada, há que ver, desde logo, se este Tribunal de Última Instância tem competência para conhecer a questão.
Ora, nos termos do art.° 47.° n.° 1 da Lei de Bases da Organização Judiciária, o Tribunal de Última Instância, quando julgue em recurso correspondente a segundo grau de jurisdição, conhece de matéria de facto e de direito, “excepto disposições em contrário das leis de processo”.
E ao abrigo do art.° 152.° do Código de Processo Administrativo Contencioso, o recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância apenas pode ter por fundamento a violação ou a errada aplicação de lei substantiva ou processual ou a nulidade da decisão impugnada.
O que decorre desta norma é que, em recurso jurisdicional de decisões de processo contencioso administrativo, o Tribunal de Última instância aprecia, em princípio, questão de direito e não de facto.
E no que concerne ao âmbito do julgamento do recurso para o Tribunal de Última Instância, é ainda subsidiariamente aplicável a norma do art.º 649.º do Código de Processo Civil de Macau, por força do disposto no art.º 1.º do Código de Procedimento Administrativo Contencioso. (…)
Fica assim delimitada a competência do Tribunal de Última Instância em apreciar a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto, que é, em princípio, intocável, salvo nos caso expressamente previstos na parte final do n.º 2 do art.º 649.º.
E como foi dito no Acórdão deste TUI, de 27 de Novembro de 2002, no Processo n.º 12/2002, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional, não pode censurar a convicção formada pelas instâncias quanto à prova; mas pode reconhecer e declarar que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de fato. É uma censura que se confina à legalidade do apuramento dos factos e não respeita directamente à existência ou inexistência destes.
Mais se acrescentou no mencionado Acórdão, o Tribunal de Última Instância tem competência para conhecer de questões relativas a matéria de facto se forrem violadas normas e princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto, como decorre do disposto no n.º 2 do art.º 649.º do Código de Processo Civil de Macau.
Mas não tem competência para apreciar o julgamento na matéria de facto quando se alegam violações que decorrem da mera livre apreciação das provas, quando não está em causa qualquer julgamento em violação de meio de prova plena”; (cfr., v.g., os Acs. de 14.12.2012, Proc. n.° 61/2012, e mais recentemente, os Acs. de 31.07.2020, Proc. n.° 57/2020, de 09.09.2020, Proc. n.° 56/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020, de 23.09.2020, Proc. n.° 135/2020, de 14.10.2020, Procs. n°s 124/2020 e 125/2020, de 27.11.2020, Proc. n.° 157/2020, de 04.12.2020, Proc. n.° 175/2020, de 23.06.2021, Proc. n.° 55/2021, de 16.02.2022, Proc. n.° 82/2020 e de 25.03.2022, Proc. n.° 15/2022, sendo também essa a posição de Viriato de Lima in, “Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum”, 3ª ed., pág. 758 a 762).

In casu, e em face do que se deixou exposto, evidente se apresenta assim que não pode a recorrente “impugnar a matéria de facto”, certo sendo também que o que pretende provar se refere (apenas) à “realidade material” que vem documentalmente descrita mas que não é abarcada pela (eventual) “força probatória” desses mesmos documentos, não se vislumbrando, tão pouco, qualquer relevo no que pela mesma é afirmado a título de efeitos de uma suposta “boa solução da causa”.

–– Isto dito, passemos então aos – verdadeiros – “vícios” pela recorrente assacados.

Vejamos.

Elenca a ora recorrente diversos “erros de direito”, começando por sustentar que o recurso apresentado tem como fundamento uma “oposição de Acórdãos sobre a mesma questão de direito”.

Pois bem, em primeiro lugar, importa referir que a presente lide recursória não se identifica com um “recurso com base na oposição de Acórdãos”, (previsto nos art°s 161° e segs. do C.P.A.C., desde logo porque nem sequer foi seguida a tramitação estatuída no art. 162° do mesmo Código), tendo antes a recorrente apresentado um “recurso ordinário” do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância; (cfr., v.g., José Cândido de Pinho in, “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. II, 2018, pág. 446 e 447).

Por outro lado, e, seja como for, para além de verificada nem sequer estar qualquer uma das “situações” pelo referido art. 161° consideradas como “pressuposto” (legal) que justificasse um “recurso com fundamento em oposição de acórdãos”, cabe, igualmente, dizer que, em causa, também não está a “mesma questão fundamental de direito”.

Com efeito, no Processo n.° 146/2000 do Tribunal de Segunda Instância de 16.05.2002, discutia-se se o objecto do recurso contencioso era um “acto administrativo recorrível contenciosamente” ou, antes, uma simples “declaração negocial” que, pela sua própria natureza, era irrecorrível contenciosamente, tendo-se decidido: “julgar procedente a questão respeitante à irrecorribilidade do acto, o que prejudica a apreciação da também arguida caducidade do direito de recorrer, bem como o conhecimento do objecto do presente recurso que deve ser, pois, rejeitado”.

E, assim, (e como é bom de ver), em causa não estava a interpretação e aplicação do art. 219° do Decreto-Lei n.º 74/99/M, nem tão pouco, a procedência ou improcedência de uma “excepção peremptória” de “caducidade do direito de acção administrativa”.

Como é (unanimemente) entendido pela doutrina, “A “mesma questão fundamental de direito”, como da expressão literalmente resulta, é a identidade da questão jurídica em torno da qual duas ou mais decisões judiciais divergiram na sua interpretação e aplicação. Numa mesma decisão podem ser enfrentadas várias questões de direito, consoante a causa de pedir e os fundamentos de direito invocados para a solução do litígio”, (cfr., v.g., José Cândido de Pinho in, ob. cit., pág. 437 e 438), imperativo sendo assim concluir que incorre a ora recorrente em manifesto equívoco quando defende que no Proc. n.° 146/2000 se decidiu sobre a “mesma questão fundamental de direito”, mais não se nos mostrando de consignar sobre esta matéria.

Continuemos.

Pois bem, das alegações da ora recorrente, cremos nós ser possível perceber que, (no fim de contas), o que (verdadeiramente) sustenta é que o Tribunal a quo errou quando considerou que os “actos opinativos” poderiam ser proferidos pelo G.I.T. e não estavam sujeitos à tramitação de um procedimento administrativo típico nem às regras procedimentais; (cfr., pontos 109 a 115 das alegações de recurso).

Ora, cabe notar que foi a própria recorrente que sempre se dirigiu ao dito G.I.T. para obter – sublinhe-se – “autorizações de trabalhos a mais e o seu pagamento”, e que, perante as suas respostas negativas – já que se entendia que não estavam em causa “trabalhos a mais” – optou por “nada fazer”, como se estes mesmos “trabalhos a mais” pudessem ser levados a cabo pelo empreiteiro conforme bem entendesse, sem necessidade de (qualquer tipo de) concordância ou acordo com o dono da obra.

Importa pois referir que o referido G.I.T. foi instituído por Despacho do Chefe do Executivo n.° 289/2007 com a natureza de “equipa de projecto”, (n.° 1), funcionando na dependência e sob a orientação do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, (n.° 10), e – saliente-se – com “competência própria” para executar os projectos de desenvolvimento de grandes infra-estruturas de transportes viários na R.A.E.M., bem como para acompanhar e fiscalizar os actos e contratos necessários à execução da infra-estrutura da rede do metro ligeiro assim como para acompanhar e controlar a execução dos custos estimados relativos a cada fase de implementação do sistema de metro ligeiro; (cfr., alíneas 1, 4 e 5 do n.° 3 do referido Despacho).

Por sua vez, e a propósito da distinção entre o “acto administrativo” e o “acto opinativo”, também já teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de consignar o que segue:

“Dizer que o recorrente não teria "direito de pedir qualquer indemnização" não configura qualquer estatuição autoritária, pela simples razão de que não cabe à Administração a definição do direito nos seus litígios com os particulares, isto é, não lhe cabe definir se os particulares têm direito a pedir judicialmente indemnizações por actos ou actuações materiais da Administração. Será, quanto muito, um acto opinativo. Logo, não é acto administrativo, no sentido que este tem no artigo 28.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Quanto à parte em que diz que o recorrente tem de assumir as despesas de remoção dos seus bens, também se não trata de estatuição autoritária, limitando-se a até a dar uma estimativa de quanto poderá custar essa remoção. Estamos, ainda, perante um acto opinativo”; (cfr., v.g., o Ac. de 18.03.2015, Proc. n.° 7/2015).

Na verdade, o “acto opinativo” consiste numa mera “declaração negocial” que é emitida no âmbito de um contrato administrativo, sem qualquer poder de autoritariamente conformar a relação jurídica; (no mesmo sentido, cfr., a jurisprudência comparada do S.T.A. de Portugal, onde se afirma que o acto administrativo implica o “uso de poder de autotutela declarativa, proferindo estatuição autoritária com definição imperativa, inovatória e imediatamente operativa da situação concreta e individualizada da requerente”, o que se distingue daquela situação em que a autoridade administrativa se limita “à posição de parte no contrato e, nessa qualidade, sem fazer uso de poderes administrativos, a emitir mera declaração negocial não autoritária (acto opinativo, lhe chama a lei)”; (cfr., v.g., o Ac. de 07.07.1999, Proc. n.° 032808).

Por sua vez, também Jorge Andrade da Silva explica que “Pelos actos definitivos e executórios, a Administração declara e define as situações jurídicas dos sujeitos das relações jurídico-administrativas impondo-se àqueles a quem se dirige como se de uma decisão com força de caso julgado se tratasse”; (in “Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas”, 10ª ed., pág. 718).

Tendo presente esta “distinção”, passemos à situação dos autos.

Como já se notou, a recorrente vem pedir o ressarcimento por “trabalhos a mais” que foram rejeitados pelo G.I.T.; (cfr., pontos 17° a 34° da matéria de facto dada como provada).

Porém, antes de mais, importa compreender e entender – correctamente – o que foi “decidido” pelo G.I.T..

É que, (como a doutrina sempre entendeu a propósito de norma semelhante à do art. 26° do Decreto-Lei n.° 74/99/M), “o facto de, na empreitada por série de preços, à data da adjudicação e do contrato, não serem conhecidas as quantidades ou as espécies de trabalhos que, na realidade, vão integrar a empreitada, não significa, obviamente, que o dono da obra conceda uma espécie de cheque em branco ao empreiteiro quanto às quantidades de trabalho a realizar. Pelo contrário, nos termos do artigo 26.º do RJEOP, a realização de quantidades de trabalhos não incluídas no contrato há-de ter lugar no quadro da figura dos trabalhos a mais e deve ser ordenada pelo dono da obra”; (cfr., v.g., Jorge Andrade da Silva in, “Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas”, 10ª ed., pág. 93).

Na verdade, (e afigura-se-nos claro), que “trabalhos a mais” só podem realizar-se quando os mesmos sejam ordenados pelo dono da obra ou (oportunamente) sugeridos pelo empreiteiro e (claramente) aceites pelo dono da obra.

Dest’arte, não vemos como possa existir “trabalhos a mais” sem (pedido e respectiva) “autorização”, não existindo qualquer direito do empreiteiro a ser ressarcido se, por acaso, os realizar sem essa (mesma) autorização (ou consentimento do dono da obra), ou sem que, pelo menos, haja um “acordo” quanto à necessidade ou conveniência desses “trabalhos a mais”; (sendo este o entendimento, no mínimo, maioritário, cfr., v.g., o Ac. do S.T.A. de 15.11.1994, Proc. n.° 034250 e de 07.11.2001, Proc. n.° 046280).

Com efeito, nem se compreenderia que o empreiteiro pudesse efectuar “trabalhos a mais” que bem entendesse, sem sujeição a qualquer “controlo” do dono da obra, vindo, a reclamar e exigir, “à posteriori”, uma alegada “reposição do equilíbrio financeiro do contrato”.

E, assim, evidente se nos apresenta que, (mesmo independentemente da “caducidade do direito de acção”), os pedidos da ora recorrente sempre estariam vetados ao fracasso porque, a sua alegação, não se apresenta consistente com o regime legal vigente, não podendo pretender o pagamento de supostos “trabalhos a mais” quando nem sequer alegou qualquer “ordem” do dono da obra ou qualquer “acordo” com a mesma para a sua realização, (sendo de se salientar que a mesma chega mesmo a alegar que efectuou tais despesas, requerendo o seu ressarcimento, apesar de, antes, o G.I.T. ter discordado da interpretação do contrato e da execução que a recorrente pretendia fazer, seja por interpretar que tais “trabalhos a mais” na verdade já se incluíam naquilo que havia sido contratualmente acordado, seja por entender que não havia qualquer incumprimento do dono da obra no que toca às suas obrigações contratuais).

Diz ainda a recorrente que o dito G.I.T., entidade à qual se dirigiu, não tem – tinha – competência para “autorizar” os “trabalhos a mais”.

Ora, cremos ser verdade.

Porém, em nossa opinião, não foi essa a “resposta” do G.I.T. que apenas afirmou que o pela recorrente pretendido não eram “trabalhos a mais”, (e que os mesmos já se encontravam incluídos no âmbito do contrato, recusando também a existência de erros e omissões que pela mesma foram apontados, acabando por rejeitar qualquer um dos valores por aquela avançados), parecendo-nos que as “respostas” assim dadas se inserem no âmbito da sua “competência” ao abrigo das alíneas 1), 4) e 5) do n.° 3 do referido Despacho do Chefe do Executivo n.° 289/2007, pelo que, se a recorrente não estivesse de acordo, deveria ter interposto, (oportunamente), a competente “acção sobre contratos administrativos” no prazo de 180 dias contados da data das respectivas decisões do G.I.T., o que, como a matéria de facto adquirida nos autos bem demonstra, não foi o que sucedeu.

Aliás, mal se compreende que a recorrente, que considera que deduziu “reclamações” quanto a erros e omissões para assim dirigir pretensões ao dono da obra, e, tendo obtido uma resposta negativa por parte de quem agora entende que “não tem competência para se pronunciar”, nada tenha feito até à conclusão da empreitada, (o que veio a ocorrer anos mais tarde).

Por sua vez, seja como for, e mesmo que assim não fosse de considerar, (isto é, mesmo que se entendesse que o G.I.T. não tinha competência para recusar que tais trabalhos fossem considerados “trabalhos a mais”), então sempre se teria de concluir que as pretensões da recorrente foram “tacitamente indeferidas”, verificando-se, assim, e igualmente, a “caducidade do direito de acção” quanto a estas questões, como resulta do regime das “reclamações” quanto a erros ou omissões do projecto dos quais resultou, alegadamente, a necessidade de realizar os referidos “trabalhos a mais”; (cfr., art. 13°, n.° 4 do Decreto-Lei n.° 74/99/M).

Dest’arte, verificada cremos que fica a falta de razão da ora recorrente nas objecções que dirige ao Acórdão recorrido, (o que se diz sem prejuízo da sua alegação nunca poder sustentar um direito a ser ressarcida por eventuais “trabalhos a mais” perante a evidente falta de invocação de uma ordem ou autorização por parte do dono da obra para a sua realização).

Diz, também, a ora recorrente, que a “totalidade do local da obra não lhe foi facultado”.

Ora, como ensinava Marcello Caetano, a consignação é “o acto pelo qual são facultados ao empreiteiro os locais onde os trabalhos devam executar-se e as peças escritas ou desenhadas complementares do projecto, necessários à execução. (…) Mas a consignação pode ser total ou parcial, verificando-se esta quando, pela extensão e importância da obra, as operações de entrega exijam muito tempo ou não possam efectuar-se logo por qualquer outro motivo. O prazo fixado para execução da obra é contado da data da consignação (arts. 125.º e segs)”; (in “Manual de Direito Administrativo”, Vol. II, 10ª ed., pág. 1008 e 1009, sendo de notar que o assim entendido se mantém totalmente aplicável em face do Decreto-Lei n.° 74/99/M, designadamente, da letra do seu art. 127°, onde se preceitua que “Entende-se por consignação da obra o acto pelo qual o dono da obra faculta ao empreiteiro os locais onde vão ser executados os trabalhos e as peças escritas ou desenhadas complementares do projecto que sejam necessárias para proceder a essa execução”, e também do art. 128°, n.° 1, que prescreve que “O prazo fixado no contrato para a execução da obra começa a contar-se da data da consignação”).

Cabe ainda referir que no direito comparado, e ainda que perante um ordenamento jurídico diferente daquele que existe na R.A.E.M., a consignação continua a ser uma “condição sine qua non do início da execução do contrato”, sendo que “O acto da consignação é particularmente relevante, pois é a partir dele – e não da celebração do contrato – que começa a contar-se o prazo contratual dentro do qual o empreiteiro deverá executar a obra (artigo 362.º, n.º 1), prazo esse que não é meramente indicativo, mas antes imperativo, traduzindo, aliás, uma das mais importantes cláusulas contratuais. O que se entende, pois é só com o acto da consignação que o empreiteiro fica a dispor dos elementos para isso absolutamente necessários” (cfr., v.g., Jorge Andrade da Silva in, “Código dos Contratos Públicos Anotado e Comentado”, 2015, 5ª ed., pág. 734 e 735), podendo mesmo acontecer que as obras tenham início ainda antes da consignação, já que “Com o acordo do dono da obra, parece nada a isso obstar, sucedendo mesmo que, por vezes, com esse acordo a execução tem o seu início antes da própria celebração do contrato”; (cfr., v.g., Jorge Andrade da Silva in, “Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas”, 10ª ed., pág. 487), pelo que, por maioria de razão, (e ao contrário do que parece ser alegado pela recorrente), não se vislumbra qualquer relevo em se ter dado execução ao contrato ainda antes da sua própria celebração.

Isto dito, vejamos.

Como sabido é, da “consignação” é lavrado um “auto”.

De facto, tal como se prescreve no art. 132° do D.L. n.° 74/99/M:

“1. Da consignação é lavrado auto, no qual é feita referência ao contrato e se mencionam:
a) As modificações que se verifiquem em relação ao projecto ou que se tenham dado no local em que os trabalhos vão ser executados, e que possam influir na execução da obra ou no seu custo;
b) As operações executadas ou a executar, tais como restabelecimento de traçados, implantações de obras e colocação de referências;
c) Os terrenos e construções de que se dá posse ao empreiteiro;
d) Quaisquer peças escritas ou desenhadas, complementares do projecto, que no momento se entreguem ao empreiteiro;
e) As reclamações ou reservas apresentadas pelo empreiteiro relativamente ao acto da consignação e os esclarecimentos que forem prestados pelo dono da obra.
2. O auto de consignação é lavrado em duplicado e assinado pelo representante do dono da obra que fizer a consignação, e pelo empreiteiro.
3. Nos casos de consignação parcial são lavrados tantos autos quantas as consignações”.

Deve também observar-se que, de acordo com o art. 134° do Decreto-Lei n.° 74/99/M:

“1. O empreiteiro deve exarar as suas reclamações no próprio auto de consignação, podendo limitar-se a enunciar o seu objecto e a reservar o direito de apresentar exposição fundamentada, por escrito, no prazo de 10 dias.
2. Se o empreiteiro não proceder como se dispõe no número anterior, o auto produz efeitos, sem prejuízo, todavia, da possibilidade de reclamar contra erros e omissões do projecto, se for caso disso.
3. A reclamação exarada ou enunciada no auto é decidida pelo dono da obra no prazo de 15 dias, a contar da data do auto ou da entrega da exposição, conforme os casos, e com essa decisão tem o empreiteiro de conformar-se para efeitos do prosseguimento dos trabalhos, sem prejuízo de poder utilizar os meios de impugnação administrativa ou contenciosa ao seu dispor.
4. Atendida pelo dono da obra a reclamação, ou se a notificação da decisão não for expedida no prazo fixado no número anterior, considera-se como não efectuada a consignação na parte em relação à qual devia ter sido suspensa”.

Ora, a propósito de norma semelhante, já se considerou que “à luz dos factos provados e do quadro legal transcrito, ou seja, não tendo o recorrente no acto de outorga da consignação apresentado qualquer reserva ou reclamação relativamente é execução da empreitada de acordo com o projecto posto a concurso, nem nunca tendo apresentado o plano de trabalhos a que estava obrigado, na ausência do qual não lhe era possível iniciar a obra de acordo com o mesmo, mostrava-se preenchida a previsão da norma do art.º 140º, n.º 3 do DL n.º 235/86, determinante da rescisão do contrato de empreitada pela ora gravada.
Acresce que, como bem se salienta na decisão recorrida, quaisquer reservas que o recorrente possa ter oposto em momento anterior à exequibilidade do projecto, e que não tenham sido expressa e atempadamente mencionadas no próprio auto de consignação, devem ter-se por abandonadas ou, pelo menos, por juridicamente irrelevantes, não podendo em qualquer caso justificar a não apresentação do plano dos trabalhos”; (cfr., v.g., o Ac. do S.T.A. de 12.10.2000, Proc. n.° 044343).

Assim, não tendo a recorrente deduzido no momento oportuno qualquer “reserva” ou “reclamação” quanto à exequibilidade do projecto, bem andaram as Instâncias recorridas ao entenderem que o pedido da recorrente não podia proceder porque assentava em “facto” – a alegada “falta de entrega atempada do local da obra” – que é desmentido pelo “auto de consignação”, pois que, no caso dos autos, é a própria recorrente que na sua petição inicial, afirma, expressamente, que a “consignação da obra viria a ter lugar, uma semana depois, no dia 8 de Junho de 2012 (…) determinando, assim, nos termos do n.º 1 do artigo 128.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, o começo do prazo fixado no contrato para a sua execução (…)”, (cfr., art. 33° da p.i.), e que “Não existindo qualquer alteração das circunstâncias, nem sendo previsível que viesse a ocorrer e tendo em conta a necessidade de se cumprir escrupulosamente o prazo e o preço da empreitada, tal como se encontra previsto nos documentos do concurso e como a R. lho solicitara, a A., de boa fé, assinou o Auto de Consignação, sem qualquer reclamação ou reserva. (…)”; (cfr., art. 35° da p.i.).

Acresce, (como também foi bem sustentado pelas Instâncias recorridas), que era à (própria) recorrente, nos termos do contrato de empreitada – e, nomeadamente, em cumprimento do ponto 13.1, alínea i) do processo de concurso – que competia implementar as medidas provisórias de trânsito na realização das obras, pelo que tendo sido confrontada com a rejeição da D.S.A.T. do plano que apresentou relativamente aos desvios de tráfego, tão só sobre si impendia a obrigação de apresentar outro (novo) plano alternativo de forma (a satisfazer as exigências da D.S.A.T. e) poder iniciar a execução das obras na sua totalidade.

–– Quanto aos “trabalhos de contenção periférica para escavações”.

Na sua petição inicial, a recorrente formulou um pedido de indemnização no valor de MOP$26,518,865.14 por conta do disposto no art. 30° do Decreto-Lei n.° 74/99/M e dos trabalhos de contenção periférica que teria realizado e que supostamente não foram pagos pela ora recorrida.

As Instâncias consideraram que os pressupostos de facto para a aplicação do art. 30° do Decreto-Lei n.° 74/99/M nem sequer tinham sido alegados pela ora recorrente, sendo impertinentes todos os demais factos por aquela invocados, razão pela qual indeferiram o a esse título peticionado.

Inconformada, vem a recorrente defender que “Basta uma leitura atenta dos art.ºs 60º a 72º e 150º a 185º para se perceber o que se passou, e o motivo do valor reclamado”, e que “O referido projecto “variante” apresentado pela R (“grosso modo”, importa repeti-lo, uma cópia do projecto anteriormente desenvolvido e apresentado pela A.), segundo o regime da “série de preços” teve, na opinião da A., como contrapartida um preço de MOP$79,657,853.89, antes da ponderação do nº 3 do art.º 30º do citado DL”; (cfr., concl. ff e gg).

Nessa ordem de ideias, defende que “(…) de duas uma: ou o preço a pagar pela R. pelos trabalhos “ELS” seria aquele que resulta da proposta apresentada pela A. e do contrato, com base nas peças desenhadas e patenteadas a concurso (MOP$90,900,048.00); ou o preço a pagar pela R. por estes trabalhos, é aquele que resulta do projecto “variante” apresentado pela R., com base, “grosso modo”, no projecto anteriormente elaborado pela A. – que, como tal, tem de ser considerado uma “alteração proposta pelo empreiteiro” (…)”; (cfr., concl. ll).

E, concluindo, afirma que “Entende, por isso, a A. que o acórdão recorrido, com o devido respeito, errou na apreciação desta questão, dando como assentes factos que estão manifestamente em contradição com a versão dos factos da A., ínsita na p.i.. Não se percebe, aliás, como é que a sentença recorrida conclui que, dos factos constantes dos art.ºs 159º, 164º, 165º, 167º e 170º da p.i., resulta uma “conclusão oposta” daquela de que resulta o pedido da A.”, e que “De facto, afirmar-se que a A. “nunca propôs qualquer alteração do projecto, mas sim apenas alguns esclarecimentos”, (“esclarecimentos” estes que, diga-se, foram apenas quanto à contradição nos documentos contratuais ...) é negar um facto que a A. se propunha provar em audiência de julgamento”, e que “Bem como, se proporia a A. provar que o seu projecto alterou (ou melhor, especificou) o projecto patenteado a concurso; e que, do mesmo, pela lógica dos números, resultou em benefício material para a R. (o tal “valor economizado”), com o qual a R. concordou, pelo recebimento da “Obra” (…)”; (cfr., concl. mm, oo e pp).

Delimitados que assim nos parecem ter ficado os “fundamentos” pela recorrente apresentados quanto a esta questão, cabe referir, uma vez mais, que o Tribunal de Última Instância, (por princípio), apenas conhece de “matéria de direito”, (cfr., art. 152° do C.P.A.C.), sendo certo que a recorrente não indica – expressamente – qualquer “violação de lei” por parte do Tribunal de Segunda Instância, mostrando-se, antes, inconformada com os “factos dados como provados” pelas Instâncias recorridas.

Porém, em qualquer caso, perscrutando-se o que é alegado pela recorrente, e mesmo que se admitisse que pretendia afirmar haver (eventual) “insuficiência da matéria de facto dada por provada” porque não lhe foi dada qualquer hipótese de provar os factos “que se propunha provar em audiência de julgamento”, forçoso é concluir que carece de qualquer razão.

Em primeiro lugar, é a própria recorrente que na sua petição inicial afirma expressamente que emitiu à atenção da recorrida “e do seu Projectista [Parsons Brinckerhoff (“PB”) um pedido de esclarecimentos (“Request for Information” – “RFI”), solicitando alguns esclarecimentos sobre o projecto das Estruturas de Suporte Lateral e Escavações (“ELS”)”, sendo que “O referido Projectista viria a responder no dia 16 de Julho de 2012 (Doc. n.° 25), mas para surpresa da A., apenas remetendo para o n.° 2.7 do Capítulo IV.2.2 das Especificações Técnicas e Catálogos”, “Obras de Escavação e Terraplanagem” e acrescentando que, tal como aí definido, o projecto relativo a estes trabalhos em concreto era da responsabilidade da A.”, (cfr., art°s 60° e 61° da p.i.), e que, a “A. imediatamente confrontou a R. com tal situação”, constatando-se que “A R. não só não se pronunciou sobre a referida contradição, como confirmou a solicitação do Projectista”, pelo que “Não obstante a recusa da R., em esclarecer a contradição, mas preocupada com a necessidade urgente de arrancar com estes trabalhos, a A. decidiu, em boa fé, cumprir com a referida solicitação e contratou um projectista qualificado para rapidamente dar cumprimento ao solicitado”, (cfr., art°s 63° a 65° da p.i., descrição factual que a voltou a efectuar nos art°s 160° a 166° da p.i.), afirmando, ainda, que a recorrida recusou o “subprojecto” e solicitou ao seu Projectista “a apresentação do seu próprio subprojecto”, (cfr., art. 167° da petição inicial), que (surpreendentemente) seria igual “grosso modo” ao projecto apresentado pela recorrente, (cfr., art. 170° da p.i.), defendendo, assim, que deveria ser considerado como uma “alternativa/alteração proposta pelo empreiteiro ao abrigo do artigo 30° do Decreto-Lei n.° 74/99/M, aplicando-se, portanto, o seu n.° 3”; (cfr., art. 173° da p.i.).

Ora, deixando de lado considerações algo pessoais e conclusivas, foi esta – em síntese – a alegação da ora recorrente.

E, nesta conformidade, adequado se mostra de considerar então que a questão que se levanta, prende-se com os pressupostos de facto de aplicação do art. 30° do Decreto-Lei n.° 74/99/M, e traduzem-se, (muito simplesmente), nas seguintes questões:
- houve da parte da ora recorrente alguma “proposta de alteração ou variante ao projecto relativamente à parte das Estruturas de Suporte Lateral e Escavações?” e,
- houve (também) algum “acordo com a recorrida quanto a essas alterações ou variantes”?

Porém, e como sem esforço se colhe de todo o processado, foi desde logo a própria recorrente que afirmou que fez “um pedido de esclarecimentos (“Request for Information” – “RFI”), solicitando alguns esclarecimentos sobre o projecto das Estruturas de Suporte Lateral e Escavações (“ELS”)”, pelo que não pode vir agora “dar o dito por não dito”, (actuando de forma manifestamente contrária à postura de correcção e lisura que lhe é processualmente exigida).

Com efeito, não houve qualquer alegação no sentido de que a recorrente apresentou uma “proposta de alteração do projecto”, nem tão pouco se alegou que a “recorrida tenha aceite essas alterações”.

E, assim, (sendo indiscutível que o processo se desenrola sob a égide do “princípio do dispositivo” e considerando o manifesto incumprimento do ónus de alegação; cfr., art. 5° do C.P.C.M.), não pode a recorrente pretender que as Instâncias lhe permitissem a prova daquilo que, (oportunamente), nem sequer alegou

É que não basta a simples invocação da norma jurídica cuja aplicação se pretende, sendo também necessário que se aleguem – claramente – os “factos” que configuram a sua “causa de pedir”.

Posto isto, sem esforço se mostra de concluir que a suposta “base legal” em que assenta a sua dita “causa de pedir” – o art. 30° do Decreto-Lei n.° 74/99/M – não poderia ser aplicada porque os factos pela própria recorrente relatados nunca poderiam sustentar a sua aplicação.

–– Por fim, vejamos do alegado “enriquecimento sem causa”.

Segundo a ora recorrente, nada obsta a que o instituto do “enriquecimento sem causa” seja utilizado no âmbito de uma “acção sobre contratos administrativos”, sendo um pedido que deriva da execução do contrato, havendo por isso uma relação directa com o mesmo.

Nestes termos, não havendo norma processual que o proíba, dever-se-ia aplicar o disposto no n.° 1 do art. 391° do C.P.C.M., do qual resulta que “O autor pode formular cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis (…)”, pelo que mal andaram as Instâncias recorridas ao considerar que o instituto do enriquecimento sem causa não pode ser invocado nas acções sobre contratos administrativos.

Delimitado que assim também cremos que fica o objecto do recurso na parte em questão, vejamos.

Eis como se nos mostra de decidir.

Pois bem, em princípio, e em abstracto, não repugna admitir a possibilidade de dedução de um pedido de enriquecimento sem causa quando, por exemplo, se verifique a “nulidade de um contrato administrativo”, cuja execução esteja total ou parcialmente concluída.

Numa tal hipótese, e por força do disposto no art. 172°, n.° 3, alínea a) do C.P.A., não seria aplicável a solução consagrada no art. 282° do C.C.M., já que a própria lei impõe o regime de invalidade do acto administrativo, pelo que a restituição das despesas incorridas pelo contratante particular, em face de um contrato (a causa) que deixou de existir, teria de ser feita ao abrigo de um “princípio geral de direito” como é o caso do dito “enriquecimento sem causa”; (cfr., art. 123°, n.° 3 do C.P.A.).

A esse propósito, afirmam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim que: “A verdade que também há (pode haver) efeitos putativos ligados a outros factores de estabilidade das relações sociais, como a protecção da confiança, da boa fé, do suum cuique tribuere, da igualdade, do não locupletamento, e até da realização do interesse público - princípios que podem, todos, ser chamados, a colmatar situações de injustiça derivadas da aplicação estrita do princípio da legalidade e da "absolutividade "(Rebelo de Sousa, ver. cit, pág. 48) do acto nulo”, (in “C.P.A. Comentado”, 2ª ed., pág. 654 e 655, podendo-se também ver na jurisprudência comparada, o Ac. do S.T.A. de 07.12.1999, Proc. n.° 045000, onde se considerou nomeadamente que, “(…) estando em causa um "enriquecimento ilegítimo" baseado num contrato nulo, a declaração da respectiva nulidade poderia, em teoria, levar à aplicação do regime constante do art° 289º do C. Civil; só que, como decorre do art° 185 nº 3 alínea a) do C.P.A. tal regime foi afastado, expressamente, por aquele dispositivo legal por estar em causa a nulidade de um contrato administrativo de direito público. (…)
Não permitindo o regime de nulidade aplicável aos contratos administrativos a aplicabilidade ao caso do art° 289º do C. Civil, a lei não faculta ao A. outro meio para obter a restituição das despesas efectuadas com a realização das obras (art° 474º do C. Civil)”).

Mais discutível nos parece porém a “situação” num contrato de “empreitada de obras públicas”, em que o empreiteiro, sempre que não fosse possível colher a ordem escrita do dono da obra em tempo útil, faça, por sua iniciativa, “trabalhos a mais” que sejam considerados necessários; (cfr., v.g., sobre o tema, Jorge Andrade da Silva in, “Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas”, 10ª ed., pág. 96, nota 117, e, de forma similar, o citado Ac. do S.T.A. de 07.11.2001).

Contudo, e salvo melhor opinião, essas “situações” parecem reconduzir-se ao “dever de repor o equilíbrio económico-financeiro do contrato”, (dever que resulta para a Administração do art. 167°, alínea a), in fine, do C.P.A.), encontrando a sua justificação na “execução do próprio contrato”, (não nos parecendo de todo aplicável a figura do “enriquecimento sem causa”).

Seja como for, (e deixando agora de lado este tipo de “situações”), não se afigura difícil de compreender a renitência das Instâncias em admitir a possibilidade de verificação de um suposto enriquecimento sem causa no âmbito de uma acção sobre contratos administrativos como a dos presentes autos.

É que através da “acção sobre contratos administrativos” pretende-se que se “resolvam todos os litígios que envolvam aquela relação contratual concreta, não só no plano da sua interpretação, validade e execução, como no da indemnização que decorre do seu incumprimento”; (cfr., v.g., José Cândido de Pinho in, ob. cit., pág. 113).

Ora, o “enriquecimento sem causa” depende, como a própria designação indica, da ausência de uma “causa jurídica justificativa dessa deslocação patrimonial – ou porque nunca a houve ou porque, entretanto, desapareceu. (…) o enriquecimento será sem causa quando resulte de uma prestação de outrem que se destinava a liquidar numa relação jurídica que não se produziu ou que não é válida”; (cfr., v.g., Mário Júlio de Almeida Costa in, “Direito das Obrigações”, 9ª ed., pág. 457 e 458).

Além disso, apenas se poderá recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa quando inexista outro meio jurídico que permita ao “empobrecido” ser indemnizado, razão pela qual é um instituto que se apresenta com a natureza de “residual”.

Como também nota Almeida Costa, a nossa lei não permite que “o empobrecido disponha de uma acção alternativa. Ele apenas poderá recorrer à acção de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir os seus prejuízos. Sempre que exista uma acção normal (de declaração de nulidade ou anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação, etc.) e possa ser exercida, o empobrecido deve dar-lhe preferência: não se levantará, pois, questão de averiguar se há locupletamento injustificado. E, então, só apurando-se, por interpretação da lei, que essas normas directamente predispostas não esgotam a tutela jurídica da situação é que se justifica o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa (ex: em hipóteses de responsabilidade civil)”; (in ob. cit., pág. 459 e 460, podendo-se ver na jurisprudência comparada o Ac. do S.T.A. de 10.03.2004, Proc. n.° 338/03-11, onde a propósito de uma empreitada de obras públicas se considerou igualmente que, “Com efeito, o eixo central da modelação da figura do enriquecimento sem causa é, perdoe-se a tautologia, a inexistência de causa para o enriquecimento. Isto é, não pode haver causa justificativa que legitime o enriquecimento de acordo com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema (P. Lima e A. Varela, in C.C. Anotado, 2.ª ed., pág. 401).
Ora, haverá causa que justifique o enriquecimento sempre que entre o empobrecido e o enriquecido tenha havido uma relação jurídica contratual que o segundo não chegou total ou parcialmente a cumprir. Em tal hipótese, a vantagem ilegítima obtida pelo devedor deriva directamente do contrato (incumprido). É essa, pois, a causa para o seu enriquecimento.
Não há enriquecimento se houver causa e tal é o que acontece quando é alegada responsabilidade civil contratual por violação culposa do contrato (neste sentido, o Ac. do STA de 29/10/1998, in Rec. n.° 98B703).
Por outro lado, ainda, dado o carácter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa (art. 474° do C.C.), não tem cabimento a sua invocação quando, como é o caso vertente, haja lugar a restituição fundada em nulidade do negócio jurídico (A. Varela, R.L.J., ano 102°/253, nota 1 e Das Obrigações em Geral, I, 9.ª ed., págs. 513, 514, nota 1 e 517; Pires de Lima e A. Varela, in C.C. Anotado, I, 2.ªed., pag. 404, na anotação 1.ª ao art. 474° do C.C.; Mário de Brito, in C.C.Anotado, I, pág. 364; Leite de Campos, in A subsidiariedade da Obrigação de Restituir, pág. 194 e sgs; Assento do STJ de 28/03/1995, in BMJ n.° 445/67; também os Acs. do STA de 25/02/87, Rec. n.° 073610; de 10/10/2002, Rec. n.° 02B 2462, e de 23/01/2003, Rec. n.° 02B4126).
O que quer dizer que, havendo causa para o enriquecimento, e tratando-se de contrato nulo, a restituição de que trata o art. 473°, n.° 1, do C. C. não seria o sancionamento adequado. Enfim, na situação configurada, a restituição só poderia ter lugar ao abrigo do art. 289° do Cód. Civil, para o que o tribunal poderia proceder à respectiva conversão (v.g., cit. Assento)”.

Feito este breve excurso pela doutrina e jurisprudência, atentemos no caso dos autos.

Pois bem, na sua petição inicial, a ora recorrente limitou-se a alegar que “subsidiariamente e na eventual improcedência dos pedidos supra (…) então, no mínimo, ocorreu um “enriquecimento sem causa” da R.”, porque “Na versão da A., não houve qualquer justificação para que a R. tenha enriquecido à sua custa com a quantia de MOP$93,321,857.44 (noventa e três milhões, trezentos e vinte e uma mil, oitocentas e cinquenta e sete patacas e quarenta e quatro avos) (…)”; (cfr., art. 226° da p.i.).

E, assim, em causa estando uma “acção sobre contratos administrativos” onde se discutem questões relativas ao cumprimento do contrato, é indubitável que bem andaram as Instâncias quando consideraram que não é possível (nem admissível) deduzir um pedido de “enriquecimento sem causa”, visto que aí haverá, sempre, uma “causa” que se prende com a “execução do próprio contrato”.

Todavia, (de todo o modo), e como também notaram as Instâncias nos presentes autos, sempre se teria de concluir que a recorrente nem sequer cumpriu com o “princípio da substanciação”, pois que ao contrário do que parece defender, adequado não se apresenta que se possa deduzir um pedido de indemnização por enriquecimento sem causa “a título subsidiário” e com base em “causa de pedir idêntica à dos pedidos principais”, (que assentam num alegado “incumprimento contratual”).

É que, em bom rigor, o enriquecimento sem causa depende (necessariamente) de “factualidade própria”, “autónoma”, e “distinta” da que conforma qualquer outro pedido, sob pena de violação do seu (atrás referido) carácter “residual” (ou “subsidiário”), do qual se destaca, em especial, a alegação e fundamentação da “falta de causa”; (no mesmo sentido, o supracitado Ac. do S.T.A. de 10.03.2004, onde se ponderou que “Uma vez que o enriquecimento sem causa exprime um conceito de direito e de facto, cuja aplicação obedece a determinados requisitos legais e fácticos, deviam estes ser expressamente alegados como fundamento do pedido, sob pena de, não o sendo, não poderem ser conhecidos na decisão final (neste sentido, também, vide Ac. do STA de 7/02/1975, Rec. n.° 086193).
Acresce que àquele que alegue um direito cumpre provar os respectivos factos constitutivos (art. 342° do C.C.).
Por isso se diz que, embora não vinculado às partes na aplicação do direito, o tribunal, em homenagem ao princípio do dispositivo, apenas se pode servir dos factos por ela articulados, tendo de fundar a decisão em materialidade que as mesmas hajam alegado na causa de pedir, nos termos dos arts. 264° e 664° do CPC (apud, Ac. do STA de 8/10/2002, Rec. n.° 02A2376).
Para alguém ser condenado pelo enriquecimento sem causa, é necessário que o demandante invoque e prove a falta de "causa" (Ac. do STA de 6/07/2001, Rec. n.° 02B543).
Isto porque no nosso ordenamento jurídico está consagrado o princípio da substanciação (contraposto ao da individualização), segundo o qual não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, mas antes será necessária a indicação especificada do facto constitutivo desse direito (Alberto dos Reis, in C.P.C. Anotado, II, 3.ª ed. pág. 356; Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pag. 297; Castro Mendes, Manual de Processo Civil, 1963, pág. 299; Assento do STJ, de 28/03/1995, no Proc. n.° 085202)”.

Nesta conformidade, em face do que pela recorrente foi e vem alegado, e nos exactos termos do que se deixou consignado, não se vê, pois, qualquer motivo para se reconhecer acerto na impugnação deduzida (em sede da presente “questão”).

Tudo visto, e resolvidas as questões que no presente recurso nos foram trazidas para apreciação e pronúncia, resta deliberar como segue.

Decisão

4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 15 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 11 de Outubro de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 204/2020 Pág. 28

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