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Processo nº 811/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral - Arguição de nulidade)

Data: 29 de Fevereiro de 2024
Requerente: A (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I. Relatório 
O Autor A, melhor identificado nos autos, vem arguir a nulidade do acórdão de 18/01/2024, nos termos e fundamentos seguintes:
 “…
I - Da arguição de nulidade:
a) Da falta de sucumbência para o Recurso: da falta de apreciação de questão que devesse ter sido apreciada (al. d) do n.º 1 do art. 571.º CPC):
Sob o Ponto b) das suas Alegações de Resposta, o Recorrido alegou que o Recurso interposto pela Recorrente não poderia ser aceite, porquanto “(…) a decisão impugnada não era desfavorável à pretensão da Reclamante em valor superior a metade da alçada desse tribunal (…)”
Em concreto,
Foi alegado que: “(…) mesmo que em sede de liquidação de execução de Sentença o Autor venha a fazer prova da totalidade dos dias de trabalho que efectivamente se apresentou com 15 minutos de antecedência relativamente ao início do respectivo turno, entre o período compreendido de 01/01/2009 a 31/12/2012, e tendo em conta o valor do salário pelo mesmo auferido em relação a cada um dos anos em causa, sempre se terá de concluir que o valor do pedido nunca será superior a Mop$35.294,77 e, como tal, mostra-se inferior ao valor da sucumbência legalmente exigido de Mop$50.000,00” (sublinhados e negritos nossos).
O mesmo é dizer que, para efeitos de admissibilidade do Recurso interposto pela Recorrente, não se verifica o requisito da sucumbência, porquanto aquela formula no Recurso uma pretensão não liquidada, mas cuja quantificação máxima se mostra em montante inferior a metade do valor da alçada do Tribunal de que recorre.
Trata-se, de resto, de uma posição que se acredita ser pacífica na Doutrina e na Jurisprudência de Macau (e de Portugal).
Veja-se, entre outros, a Decisão do STJ de Portugal - que se cita a título de Direito comparado, tendo em conta a similitude das normas em presença - nos termos da qual foi decidido o seguinte:
“I - De acordo com o regime da admissibilidade dos recursos, em processo laboral, a regra é a de que só admitem recurso as decisões se, cumulativamente: (i) forem proferidas em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; (ii) a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do mesmo tribunal (art. 79.º, do CPT e art. 678.º, n.º 1, do CPC).
II - O valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade de recurso, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, o qual é aferido em função do teor da alegação do recurso e da pretensão nele formulada, equivalendo, assim, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter.
III - Mas este requisito da sucumbência só deve funcionar se for possível determinar, com segurança, que o seu valor não é superior a metade da alçada do tribunal recorrido,
IV - Em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, deverá atender-se somente ao valor da causa.
V - Da iliquidez da condenação não decorre, necessariamente, a impossibilidade de determinar, com segurança, se a medida da sucumbência é igual ou inferior a metade da alçada do tribunal recorrido, devendo tal medida aferir-se em função do valor do pedido e seus fundamentos e da regra da proibição de condenação ultra petitum, consignada no art. 661.º, n.º, do CPC; cujo efeito deve estender-se ao momento da liquidação.
VI - Daí que, para os efeitos de admissibilidade do recurso de revista interposto pelo autor, não se verifica o requisito da sucumbência se aquele formula no recurso uma pretensão não liquidada, mas cuia quantificação atingirá o valor máximo de €3.474,20, sendo certo que à data da propositura da acção a alçada da Relação, em matéria cível, era de €14.963,94” (Cfr. Ac. n.º 06S4612, de 09/26/2007, Relator, Vasques Dinis, sublinhados e negritos nossos).
In casu,
Embora a Recorrente não tenha indicado o valor do Recurso, já se deixou dito que a sua pretensão, aferida em função do teor da alegação de Recurso: “condenação no pagamento ao Autor da compensação por trabalho extraordinário de 15 minutos por cada turno prestado entre 01/01/2009 e 31/12/2012” (e não até 31/03/2020, conforme erradamente alegado pela Recorrente sob o Ponto 1.º, Conclusão A. e Pedido final da sua Motivação de Recurso), nunca se traduziria numa condenação em valor superior a Mop$35.294,77.
Se assim é, impunha-se a conclusão de que o “prejuízo” que para a Recorrente decorre da Decisão impugnada é inferior a metade do valor da alçada do Tribunal de que recorrer, razão pela qual o Recurso não é admissível em termos gerais.
De onde, está o Recorrente em crer que a questão da (falta de) sucumbência era uma questão que se impunha ser apreciada pelo douto Tribunal de Recurso e que, salvo o devido respeito, não o terá sido, razão pela qual se verifica uma nulidade, por omissão de pronúncia.
Pelo, exposto, deve a douta Conferência, declarar nulo e de nenhum efeito o Acórdão ora em apreciação, porquanto para os efeitos de admissibilidade do recurso interposto pela Ré, não se verificar o requisito da sucumbência, visto que se formula no recurso uma pretensão não liquidada, mas cuja quantificação apenas poderá atingir o valor máximo de Mop$35.294,77 e, como tal, mostra-se inferior ao valor da sucumbência legalmente exigido de Mop$50.000,00 (nos termos do art. 18.º da LBOJ, alterada pela Lei n.º 4/2019), o que desde já e para os devidos e legais efeitos se invoca e requer.
…”.
*
Devidamente notificada, a Ré B Resorts (Macau), S.A. pronunciou-se nos termos constantes a fls. 593 a 596 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência da nulidade arguida.
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II. Fundamentação
Quid irus?
Não podemos deixar de reconhecer razão ao ora Autor.
Na verdade, tendo em conta o salário de base mensal do trabalhador (MOP$7.900,00 nos anos de 2009 e 2010 e MOP$9.920,00 nos anos de 2011 e 2012), a liquidação da condenação da Ré no pagamento ao Autor da compensação por trabalho extraordinário de 15 minutos por cada turno prestado entre 01/01/2009 a 31/12/2012, nunca é superior a quantia de MOP$50.000,00.
Assim, a decisão do Tribunal a quo, impugnada em sede do recurso, não era desfavorável à pretensão da Ré (Recorrente) em valor superior a metade da alçada deste TSI, pelo que o recurso da Ré não é legalmente admissível.
Tendo conhecido um recurso que não é legalmente admissível, este Tribunal pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, o que determina, nos termos da al. d) do artº 571º do CPCM, a nulidade da sentença/acórdão.
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III. Decisão
Face ao expendido, declara-se nulo o acórdão constante a fls. 578 a 582v dos autos.
Mais se decide não admitir o recurso da Ré interposto a fls. 543 e seguintes.
Custas da não admissão do recurso pela Ré com 2UC.
Custas da presente arguição de nulidade pela Ré com 3UC.
Notifique e D.N.
*
Macau, aos 29 de Fevereiro de 2024.
Ho Wai Neng
(Relator)
Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz Adjunto)
Rui Pereira Ribeiro
(Segundo Juiz Adjunto)
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811/2023