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Processo nº 786/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 29 de Fevereiro de 2024

ASSUNTO:
- Acção de simples apreciação
- Cláusula da convenção da arbitragem
- Tribunal competente

SUMÁRIO:
- Se for estabelecida a convenção de arbitragem é ao tribunal arbitral que cabe pronunciar-se sobre a validade e existência das cláusulas desse contrato.
- Ao consagrar a absolvição da instância o nº 1 do artº 14º da Lei nº 19/2019 não está a fazer outra coisa que não seja a estabelecer uma excepção dilatória inominada.
- Se o Tribunal onde a acção for proposta concluir pela existência da cláusula da convenção da arbitragem não se pode pronunciar sobre o pedido formulado ainda que ele seja o de dizer que essa cláusula existe ou não, sem prejuízo de estar ainda assim obrigado a ver se a mesma é nula, inexequível ou ineficaz e nesse caso o declarar.
- Não se verificando a nulidade, inexequibilidade ou ineficácia, o tribunal não conclui pela competência ou não, mas absolve o Réu da instância, deixando a questão da competência para ser decidia pelo Tribunal Arbitral.

Rui Pereira Ribeiro













Processo nº 786/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 29 de Fevereiro de 2024
Recorrente: (A) Limitada
Recorrida: (B) Limitada
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  (A) Limitada, com os demais sinais dos autos,
  veio instaurar acção declarativa de simples apreciação negativa sob a forma de processo ordinária contra,
  (B) Limitada, também, com os demais sinais dos autos.
  Pedindo a Autora que seja declarado que não existe qualquer cláusula de arbitragem ou acordo entre a Autora e a Ré.
  Proferido despacho foi julgado procedente a excepção deduzida pela Ré, decidindo indeferir a acção intentada pela Autora contra a Ré.
  
  Não se conformando com a decisão veio a Autora e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Em 27 de Outubro de 2022, a Recorrente intentou uma acção de simples apreciação negativa contra a Recorrida, pedindo que fosse declarada a inexistência de uma cláusula ou convenção de arbitragem entre a Recorrente e a Recorrida.
2. Em 12 de Dezembro de 2022, a Recorrente apresentou a contestação, alegando que o recurso devia ser indeferido devido à existência da convenção de arbitragem entre as partes. A Recorrente também apresentou uma réplica para este efeito.
3. Em 3 de Julho de 2023, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo concordou com que a excepção da Recorrida fosse estabelecida e, em conformidade com o artigo 14.º, n.º 1, da Lei 19/2019, Lei da Arbitragem, indeferiu a acção da Recorrente contra a Recorrida.
4. Com respeito pela opinião do Digno Tribunal a quo, a Recorrente considera que o acórdão recorrido está viciado por um erro na aplicação da lei, com o seguinte motivo:
5. Em primeiro lugar, o artigo 86.º da Lei n.º 19/2019, Lei de Arbitragem, tal como defendido pelo Tribunal a quo, prevê que a lei em causa só entra em vigor 180 dias após a sua publicação. De facto, a lei só foi publicada em 5 de Novembro de 2019 no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM)--Série I, Número 44.
6. De acordo com a Carta de Adjudicação (LOA) assinada pela Recorrente e pela Recorrida de fls. 83 a 85 do processo, os respectivos documentos só foram assinados em 8 de Agosto de 2019 e a Lei de Arbitragem, Lei n.º 19/2019, não estava em vigor nessa altura.
7. Se, como entendido pelo Tribunal a quo, uma carta de adjudicação (LOA) assinada é considerada como uma aceitação dos termos da Condição Especial da cláusula 22.º do subcontrato (SCSC 22) (mesmo que a Recorrente não concorde com ela), ainda assim, não tem o efeito negativo referido na carta de adjudicação (LOA) relevante, por força do disposto no artigo 14.º, n.º 1, da Lei de Arbitragem, Lei n.º 19/2019.
8. Por conseguinte, este aspecto do Tribunal a quo violou a disposição da lei sobre a aplicação temporal, pelo que existe um vício de aplicação errada da lei.
9. Caso o referido entendimento não seja admitido por Vossa Excelência, é novamente importante reiterar que o pedido feito neste caso é para declarar que não existe convenção de arbitragem entre a Recorrente e a Recorrida. Não se trata de uma reivindicação de que qualquer tribunal arbitral não tenha jurisdição ou que a convenção de arbitragem seja nula, inexequível ou não produz eficácia.
10. Nos termos do artigo 34.º do Código de Processo Civil, a questão de competência não tem valor fora do processo. Do mesmo modo, a questão de saber se um árbitro de Hong Kong se declarou competente é uma questão de pressuposto processual, e a pretensão da Recorrente é uma questão material.
11. Segundo o entendimento do Tribunal a quo, não foi assinada por escrito entre a Recorrente e a Recorrida qualquer subcontrato, carta de intenção (LOI) ou subcontrato formalmente designado (FORMAL SUB-CONTRACT).
12. Como o Tribunal a quo entendeu, nenhum subcontrato, carta de intenção de adjudicação (LOI), ou subcontrato formalmente designado (FORMAL SUB-CONTRACT) foi assinado por escrito entre a Recorrente e a Recorrida.
13. O referido subcontrato formalmente designado (FORMAL NOMINATED SUB-CONTRACT) é uma forma especial de subcontrato que não pode ser substituída por um simples acordo verbal, pagamento parcial do trabalho de obras ou qualquer outra forma.
14. Se o Tribunal a quo tivesse interpretado no sentido de confirmando que a Recorrente não se opôs ao conteúdo da Carta de Intenção (LOI) meramente a partir de uma cópia de um documento particular comum nos autos, e assim concluísse que a Recorrente tinha concordado em aceitar a cláusula 22.ª de arbitragem nas Condições Especiais para o Subcontrato alteradas (SCSC22) após a assinatura da Carta de Adjudicação (LOA) entre a Recorrente e a Recorrida, estes factos não poderiam ser considerados como provados nesta fase, o que é também uma clara violação dos artigos 433.º e 434.º do Código de Processo Civil.
15. Para além disso, se a Recorrente considerasse que não existia convenção de arbitragem entre ela e a Recorrida, e que a competência da respectiva questão era do Centro de Arbitragem de Hong Kong/ árbitro de Hong Kong, e invocasse ainda a convenção de arbitragem, que, na sua opinião, não existia, para requerer a inexistência da convenção perante o Centro de Arbitragem de Hong Kong/ árbitro de Hong Kong, tal pedido --- que seria impossível apresentar no Centro de Arbitragem de Hong Kong/ árbitro de Hong Kong em qualquer dos casos, porque seria um pedido contraditório.
16. Assim, o artigo 14.º da Lei n.º 19/2019, relativa à Lei de arbitragem, embora dê uma eficácia negativa à convenção de arbitragem, só se aplica na medida em que as partes reconheçam a existência de uma convenção de arbitragem, mas apenas se esta for manifestamente nula ou ineficaz, devendo o tribunal julgar improcedente o pedido.
17. A existência da convenção de arbitragem não foi contestada em nenhuma das três decisões citadas pelo Tribunal a quo nos casos relevantes.
18. É evidente que o artigo acima referido não é aplicável à pretensão da Recorrente, pelo que a decisão proferida pelo Tribunal a quo constitui um vício da aplicação errada do artigo 14.º da Lei n.º 19/2019 sobre a Arbitragem e uma violação do artigo 433.º do Código de Processo Civil, bem como do artigo 434.º.
  
  Contra-alegando veio a Recorrida apresentar as seguintes conclusões:
1. A recorrente entendeu que o tribunal a quo aplicou erradamente o no. 1 do artigo 14º da Lei n.º 19/2019 -《Lei da arbitragem》pelo que, violou as disposições da aplicação no tempo, tendo o vício de erro na aplicação da lei.
2. A recorrente alegou ainda que, mesmo que fosse aplicável o artigo 14º da Lei n.º 19/2019 -《Lei da arbitragem》, não existia a convenção de arbitragem entre a recorrente e a recorrida, aliás, o artigo em causa apenas se aplica às situações de ambas as partes confirmem a existência de uma convenção de arbitragem, pelo que, o tribunal a quo violou os artigos 433º e 434º do Código de Processo Civil, tendo o vício de erro na aplicação da lei.
3. Salvo o devido respeito, a recorrida entende que a decisão do tribunal a quo não padece do erro na aplicação da lei, também não padece do vício alegado pela recorrente, devendo a decisão do tribunal a quo ser mantida e a acusação contra a recorrida deve ser indeferida.
4. Sinceramente, o artigo 84º da Lei nº. 19/2019 -《Lei da arbitragem》estipula claramente a aplicação no tempo.
5. O artigo 83º da lei em causa também estipula claramente a situação de remissões.
6. A recorrente apontou claramente na petição inicial que a recorrida (ou seja, ré) e a recorrente (ou seja, autora) estavam a conduzir um processo de arbitragem em Hong Kong sobre o mérito da causa do pagamento do projecto (A decisão arbitral relevante foi proferida em 26 de Junho de 2023).
7. Nos termos do artigo 46º da Lei nº. 19/2019 -《Lei da arbitragem》, o juízo sobre a existência, validade ou eficácia da convenção de arbitragem será, em princípio, feito pelo próprio tribunal arbitral, o árbitro de Hong Kong já determinou que as partes tinham uma convenção de arbitragem e decidiu que tinha a jurisdição própria.
8. Entretanto, os documentos constantes dos autos não excluem a existência de cláusula ou convenção de arbitragem entre as partes, o tribunal a quo também não determinou que a convenção relevante fosse obviamente inválido, inexequível ou ineficaz.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO

  É o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «A autora – (A) Limitada intentou um processo ordinário de declaração contra a (B) Limitada e requer ao tribunal declarar a inexistência da cláusula/convenção de arbitragem entre a autora e a ré.
  Para este efeito, a autora afirmou que o mérito da causa relacionado com os fundos de obras "(X)" da autora que a ré está contra a autora fica actualmente a ser submetido a um processo de arbitragem em Hong Kong, exigindo que a autora reembolse um total de pelo menos 120,000,000.00 patacas pelos fundos de obras e pela indemnização referente aos fundos de obras. Em relação à questão da arbitragem, até à data da petição inicial, a autora já pagou um total de HK$580,272.03 a título de taxas de arbitragem, e as taxas relevantes ainda estão aumentando. No entanto, a autora invocou que apenas nas condições de subcontrato anexado à Carta de Intenção de Adjudicação (LOI) assinada pelo dono do projecto da "(Y)" e a ré contém a cláusula de arbitragem, a autora e a ré não assinaram as condições de subcontrato, Carta de Intenção de Adjudicação (LOI), ou subcontrato por escrito formalmente designado e/ou qualquer cláusula ou convenção de arbitragem celebrada. A autora invocou que embora a Carta de Intenção de Adjudicação (LOI) tenha sido incluída como um anexo à carta de adjudicação (LOA) assinada pela autora e pela ré, seu objectivo é apenas indicar que quando um subcontrato formal designado (NSC) for assinado, o documento relevante seria usado como uma parte do subcontrato formal designado (NSC).
  A autora intentou esta acção com o objectivo de obter uma decisão do tribunal declarando que não exista a convenção de arbitragem entre a autora e a ré, de modo que a ré não tenha o direito de requerer a arbitragem em Hong Kong para resolver o litígio entre as partes.
  A autora também afirmou que se a decisão arbitral fosse proferida por um árbitro de Hong Kong sem que as partes chegassem a qualquer cláusula de arbitragem, a ré podia requerer ao Tribunal de Segunda Instância para confirmar a decisão relevante nos termos do artigo 1199o do Código de Processo Civil e executar a decisão relevante em Macau, isso faria com que a autora tivesse que pagar à ré uma enorme quantidade de indemnização, juros, custas de arbitragem e honorários.
  Depois de ser citado nos termos das regras, a ré apresentou contestação, na qual salientava nomeadamente que, uma vez que as duas partes dispunham de uma convenção de arbitragem válida, o tribunal de Macau não tinha jurisdição sobre o caso, pelo que deveria julgar procedente a excepção deduzida pela ré e indeferia a acção intentada pela autora contra a ré.
  A qual, a autora apresentou a réplica e entendeu improcedente a excepção deduzida pela ré.
  Deu-se início ao julgamento.
  Este caso gira em torno da existência de uma cláusula ou convenção de arbitragem entre a autora e a ré.
  Com base nas posições expressas por ambas as partes sobre os factos relevantes, em conjugação com os documentos contidos nos autos, especialmente a decisão a meio sobre a questão de jurisdição proferida pelo árbitro de Hong Kong em 26 de Agosto de 2021, pode-se confirmar que a ré está em processo de arbitragem em Hong Kong em relação ao mérito da causa do pagamento da autora pelo projecto "(X)" e o árbitro de Hong Kong concluiu que havia uma convenção de arbitragem entre as duas partes e decidiu que a mesma tinha a própria jurisdição.
  A Lei nº. 19/2019 -《Lei da arbitragem》estabelece o regime jurídico da arbitragem voluntária e do reconhecimento e execução das decisões arbitrais proferidas fora da Região Administrativa Especial de Macau. Nos termos do no. 1 do artigo 3º da lei em causa, aplica-se a todas as arbitragens que tenham lugar na RAEM, no entanto, o n.º 2 do mesmo artigo estipula que há excepções ao âmbito de aplicação, afirmando-se expressamente que o artigo 14º da referida lei se aplica a todas as arbitragens, independentemente do lugar da arbitragem.
  Nos termos do artigo 14º (Efeito negativo da convenção de arbitragem) da Lei nº. 19/2019 -《Lei da arbitragem》: “1. O tribunal no qual seja proposta uma acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o mérito da causa, absolvê-lo da instância, salvo se constatar a manifesta nulidade, inexequibilidade ou ineficácia da referida convenção. 2. No caso previsto no número anterior, o processo arbitral pode ser iniciado ou prosseguir e pode ser nele proferida uma decisão arbitral enquanto a acção estiver pendente no tribunal. 3. O processo arbitral cessa e a decisão arbitral nele proferida deixa de produzir efeitos se o tribunal declarar, mediante decisão transitada em julgado, que o tribunal arbitral é incompetente para julgar o litígio que lhe foi submetido.”
  O nº. 1 acima mencionado é basicamente igual ao nº. 1 do artigo 5º da Lei nº. 63/2011《Lei da Arbitragem Voluntária》de Portugal.
  Em relação a esta disposição, o acórdão do Processo n.º 301/14.0 TVLSB.L1.S1 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) em 21 de Junho de 2016 indicou: “I – Ao apreciar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, devem os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insuscetível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada. II - Manifesta inexistência (nulidade, ineficácia ou inexequibilidade) é aquela que não necessita de mais prova para ser apreciada, afastando, à partida, qualquer alegação de vícios da vontade na celebração do contrato e deixando ao tribunal judicial apenas a consideração dos requisitos externos da convenção, como a forma ou a arbitrabilidade.”
  O acórdão do Processo n.º 1149/14.8T8LRS.L1.S1 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) em 20 de Março de 2018 indicou: “II - Face ao princípio consagrado no art. 18.º, n.º 1, da LAV, segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem –, os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção/cláusula compromissória invocada é inválida, ineficaz ou inexequível ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação. III - Suscitadas dúvidas sobre o campo de aplicação da convenção de arbitragem, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio.”
  O acórdão do Processo n.º 2258/16.4T8CBR.C1.S1 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) em 16 de Outubro de 2018 indicou: “O juiz deverá chegar a esta conclusão no momento em que tem de decidir se (face à invocação da exceção dilatória) deve ou não absolver o reu da instância. Tratando-se de um momento processual no qual ainda não há produção de prova (nomeadamente testemunhal ou pericial), o juiz irá socorrer-se dos elementos resultantes dos articulados, nomeadamente, da prova documental. E terá de concluir que a nulidade, a ineficácia ou a inexequibilidade da convenção de arbitragem são manifestas, ou seja, que a ausência de força vinculativa da convenção de arbitragem não lhe oferece dúvidas. Nesta hipótese não faria sentido absolver da instância, pois caso o TA tivesse de se pronunciar sobre a sua própria competência, certamente concluiria que essa competência não existia, por não existir o alicerce do seu funcionamento, ou seja, a força vinculativa da convenção de arbitragem. E as partes acabariam por ter de regressar ao tribunal judicial, depois de terem ampliado os gastos de tempo e de recursos económicos.”
  Em primeiro lugar, por envolver o no. 1 do artigo 14º da Lei nº. 19/2019 -《Lei de Arbitragem》, não há necessidade de ouvir previamente as testemunhas arroladas por ambas as partes.
  Quanto à questão de saber se existir uma cláusula ou convenção de arbitragem entre a autora e a ré, de acordo com o princípio básico da arbitragem internacional de que o tribunal arbitral determina a sua própria jurisdição (ou seja, "Kompetenz-Kompetenz") (o no. 1 do artigo 46o da Lei nº. 19/2019 -《Lei da arbitragem》) tem as mesmas disposições), esta questão deverá enquadrar-se no âmbito da convenção de arbitragem.
  Neste caso, embora nenhuma condição de subcontrato, Carta de Intenção de Adjudicação (LOI) ou subcontrato formalmente designado tenham sido assinados por escrito entre a autora e a ré, mas, de acordo com a Carta de Adjudicação assinada pela autora e pela ré nas folhas 83 a 85 dos autos, mostrou que a autora concedeu à ré o projecto de subcontratação designado com base na Carta de Intenção de Adjudicação (LOI), nos termos mencionados nos documentos de concurso e nos termos suplementares listados na Carta de Adjudicação (LOA). A Carta de Intenção de Adjudicação (LOI) nela mencionada foi assinada pelo dono do projecto da "(Y)" e pela ré, conforme consta nas folhas 40 a 44 dos autos, e, a autora e a ré a listaram claramente como um anexo à carta de adjudicação (LOA) acima mencionada. A Carta de Adjudicação (LOA) acima mencionada também estipula que a autora assinará um subcontrato formal designado com a ré, de acordo com os termos indicados na Carta de Intenção de Adjudicação (LOI), nos documentos de concurso e nos termos suplementares listados na Carta de Adjudicação (LOA) e, a Carta de intenção de Adjudicação (LOI) do dono e a Carta de Adjudicação (LOA) serão incluídas no documento de subcontrato designado do projecto relevante e se tornarão parte integrante dele. É fácil perceber que tanto a autora quanto a ré concordaram em aceitar os termos mencionados na Carta de Intenção de Adjudicação (LOI), nos documentos de concurso e nos termos suplementares listados na Carta de Adjudicação (LOA), mesmo que um contrato formal de subcontratação designada não tenha sido assinado.
  A este respeito, o acto da citação pela autora dos termos da Carta de Intenção de Adjudicação (LOI) acima mencionada na carta enviada à ré nas folhas 632 a 633 dos autos também pode provar que a autora concordou em aceitar o conteúdo da Carta de Intenção de Adjudicação (LOI).
  De acordo com o conteúdo da Carta de Intenção de Adjudicação (LOI) nas folhas 40 a 44 dos autos acima mencionado, as condições de subcontrato nas folhas 61 a 68, as condições especiais do subcontrato nas folhas 45 a 58 e a alteração dos termos especiais do subcontrato nas folhas 69 a 82 (que estão expressamente incluídos como um anexo à Carta de Intenção de Adjudicação acima mencionada), a cláusula de arbitragem das condições especiais do Subcontrato alterada no. 22 (SCSC 22) foi expressamente integrada na Carta de Intenção de Adjudicação (LOI) acima mencionada e aceite por quem assinou.
  Assim, por meio da Carta de Adjudicação (LOA) assinada pela autora e pela ré, considerava-se que a autora concordou em aceitar a cláusula de arbitragem das condições especiais de subcontrato alterada no. 22 (SCSC 22).
  Além disso, de acordo com os documentos constantes das folhas 516 a 630 dos autos, a ré iniciou a implementação do projecto designado envolvido no caso, e a autora pagou parte do dinheiro do projecto à ré. Neste sentido, independentemente do motivo pelo qual a autora e a ré não assinaram o contrato formal de subcontratação designada, deve considerar-se que existe uma relação real de subcontratação entre a autora e a ré. Não há qualquer razão para que esse relacionamento não esteja vinculado ao conteúdo da Carta de Adjudicação (LOA) acima indicada.
  Dando um passo atrás, mesmo que se entenda que a autora e a ré não celebrem directamente nenhuma cláusula ou convenção de arbitragem, com base no acima exposto, não se pode concluir que a cláusula ou convenção de arbitragem entre a ré e a autora invocada pela ré seja obviamente inexistente (inválida e inexequível ou sem efeito).
  Com base no exposto, a acção intentada pela autora contra a ré deverá ser julgada improcedente nos termos do no. 1 do artigo 14º da Lei nº. 19/2019 -《Lei da arbitragem》.
  Por último, importa ainda salientar que, nos termos do no. 1 do artigo 71º da Lei n.º 19/2019 -《Lei da arbitragem》, mesmo que o árbitro de Hong Kong pronuncie uma decisão arbitral e a ré apresente um pedido de confirmação da decisão arbitral em Macau, a autora ainda pode alegar que a convenção de arbitragem não é válida para requerer ao tribunal que se recuse a confirmar a decisão arbitral relevante.
  Face ao acima exposto, este tribunal julga procedente a excepção deduzida pela ré, decidindo indeferir a acção intentada pela autora contra a ré.».
  
  Vejamos então
  
  Vem a Autora instaurar uma acção declarativa de simples apreciação negativa.
  Este género de acções vêm previstas na alínea a) do nº 2 do artº 11 do CPC.
  «As acções declarativas podem ser: De simples apreciação, quando se destinam a obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto».
  Serão de apreciação positiva quando visem declarar que o direito existe e negativas quando estiver em causa a sua inexistência.
  Mas os direitos aqui em causa são direitos subjectivos.
  O Código Civil Português de 1867 regulava a matéria nos seus primeiros três artigos da seguinte forma:

«Artigo 1.º
  Só o homen é susceptível de direitos e obrigações. Nisto consiste a sua capacidade jurídica, ou a sua personalidade.
Artigo 2.º
  Entende-se por direito, neste sentido, a faculdade moral de practicar ou de deixar de practicar certos factos: e por obrigação, a necessidade moral de practicar ou de não practicar certos factos.
Artigo 3.º
  Se os direitos e obrigações se limitam às relações recíprocas dos cidadãos entre si, como meros particulares, ou entre os cidadãos e o estado, em questões de propriedade ou de direitos puramente individuaes, esses direitos e obrigações constituem a capacidade civil dos cidadãos, denominam-se direitos e obrigações civis, e são regidos pelo direito privado contido no código civil, excepto na parte que é regulada por lei especial.».
  Mais moderno, o Código Civil da China no seu Livro I Princípios Gerais diz nos seus artigos 2º, 3º e 5º o seguinte:
  «Artigo 2.º A lei civil regula as relações pessoais e de propriedade entre as pessoas de direito civil, nomeadamente, as pessoas singulares, as pessoas colectivas e as organizações não constituídas de igual estatuto.
  Artigo 3.º Os direitos pessoais, direitos de propriedade e outros direitos e interesses legítimos das pessoas da lei civil são protegidos pela lei e livres de violação por qualquer organização ou indivíduo.
  Artigo 5.º No exercício da atividade civil, a pessoa de direito civil, obedecendo ao princípio da voluntariedade, criará, alterará ou extinguirá a relação jurídica civil, de acordo com sua própria vontade.».
  Sobre o conceito do direitos subjectivos o Prof. Dr. João Castro Mendes em Teoria Geral do Direito Civil Vol. I, edição AAFDL, depois de expor as teorias existentes sobre a matéria, a pág. 324 conclui do seguinte modo:
  «X. Procuraremos agora tomar posição.
  Para isso, porém, convém-nos precisar melhor os dois termos entre os quais gira toda a controvérsia: poder e interesse.
  Poder
  O conceito de poder que interessa à construção do direito subjectivo não é um poder de vontade; não tem evidentemente nada de psicológico.
  Quando dizemos: “hoje posso ir de Lisboa ao Porto em menos de um dia”, isso quer dizer que dispomos objectivamente de meios que nos permitem isso. Que o permitem ou a um capaz ou a um incapaz, a uma pessoa que saiba que tais meios existem como a outra que não tem disso consciência. Poder significa a situação pessoal de vantagem que advém da existência de meios que tornam atingível um fim.
  O poder que forma a essência do direito subjectivo é um conceito semelhante: é uma situação pessoal de vantagem que advém da existência de meios jurídicos que afectam certo bem aos interesses de certa pessoa. Entre esses meios jurídicos contamos licitudes de agir, possibilidades de recursos aos tribunais, possibilidades de representação por outras pessoas, etc. …
  Interesse
  Vejamos agora algo sobre o conceito de interesse.
  Têm sido dadas de interesse duas noções: uma subjectiva e outra objectiva. Pela concepção subjectiva, o interesse é algo sentido; é uma apetência quanto a um bem. É comum na linguagem vulgar empregar a palavra nesse sentido: António tem interesse nesse quadro, quer dizer que o conhece e deseja adquiri-lo ou estudá-lo ou disfrutá-lo. Por este sentido, os recém-nascidos, por exemplo, não teriam interesses, senão rudimentares, e mesmo as pessoas capazes não teriam interesses senão sobre os bens conhecidos.
  A concepção objectiva vê no interesse apenas a relação (quod inter est, inter esse) entre uma pessoa e um bem capaz de satisfazer necessidades delas; rectius, a posição de uma pessoa em face de um bem capaz de satisfazer (efectiva ou imaginariamente) necessidades delas. Pela circunstância de certo prédio ser um bem, susceptível de satisfazer (embora mediata ou indirectamente – não interessa) necessidades de um recém-nascido ou de um louco, diremos que esse recém-nascido ou esse louco tem interesse nesse prédio, e poderemos falar nos interesses de um incapaz, ou em interesses nossos de que não temos conhecimento.
  A situação de interesse é uma situação potencialmente dinâmica. Se certo bem é utilizável para satisfazer necessidades de certa pessoa, pode ser utilizado – a utilização nesse sentido chama-se prossecução desse interesse. A prossecução dum interesse pode ser feita pelo seu próprio titular ou por outrem – não interessa.
  A ordem jurídica regula o auxílio que o Homem, para a sua plena realização, para a satisfação das suas necessidades, pode esperar do mundo exterior. E regula-o tutelando a prossecução de certos interesses e proibindo a prossecução de outros.
  A tutela da prossecução dum interesse pode fazer-se por várias formas. Uma delas é uma forma directa, de concessão para isso de um poder – de meios jurídicos para essa prossecução. Então estamos em face dum direito subjectivo.
  XI. Portanto, primariamente o direito subjectivo é um poder. O interesse, na sua potencialidade de desenvolvimento e prossecução, não é a essência do direito subjectivo mas o fim a cuja tutela o direito siubjetivo se destina. O direito subjectivo é o poder concedido pela ordem jurídica para tutela de um interesse ou de um núcleo de interesses de uma ou mais pessoas determinadas.».
  Já descorrendo directamente sobre as acções de simples apreciação veja-se Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, pág. 15:
  «2. Acções declarativas
  a. Numa perspectiva analítica, os direitos subjectivos podem ser classificados em direitos a uma prestação (ou pretensões), que são direitos à aquisição de uma prestação realizada por um terceiro (como, por exemplo, os direitos de crédito), direitos de monopólio, que são direitos sobre bens materiais ou imateriais exclusivos do seu titular (como, por exemplo, o direito de propriedade), e direitos potestativos, que são direitos que impõem uma sujeição a um terceiro (como, por exemplo, o direito ao divórcio). A cada um destes direitos corresponde uma acção destinada a garantir o seu exercício jurisdicional (artº 2º).
  Todavia, segundo a tipologia do artº 4º, nº 2, a acção de que o titular do direito subjectivo dispõe para a sua tutela jurisdicional não é sempre a mesma: - ao direito à prestação corresponde uma acção condenatória (artº 4º, nº 2, al. b)), dado que o titular exige a prestação de um coisa ou de um facto pressupondo ou prevendo a violação daquele direito; - ao direito de monopólio corresponde uma acção de simples apreciação (artº 4º, nº 2, al. a)), dado que, não comportando esse direito, em si mesmo, qualquer faculdade de exigir uma prestação a outrem, o tribunal só pode declarar a sua existência ou inexistência; - ao direito potestativo corresponde uma acção constitutiva (artº 4º, nº 2, al. c)), dado que do exercício desse direito decorre a constituição, modificação ou extinção de uma situação subjectiva.
  As acções de simples apreciação também podem ter por objecto certos factos. Mas estes só podem ser factos juridicamente relevantes, como, por exemplo, os factos impeditivos, modificativos ou extintivos de um direito, a fixação do momento da concepção (artº 1800º CC) ou a verificação da gravidez para efeitos de prazo internupcial (artº 1605º, nº 2, CC; cfr. Artº 1446º). Conforme resulta da configuração das acções constitutivas, estas acções originam uma situação nova na ordem jurídica; isso distingue-as das acções de simples apreciação e das acções de condenação, as quais se limitam a reconhecer uma situação preexistente, embora reforcem com um título judicial a fonte legal ou negocial do direito reconhecido (cfr. Oliveira Ascensão, O Direito / Introdução e Teoria Geral (Coimbra 1993),600 s.).
  b. Embora mantendo essas relações com os correspondentes direitos subjectivos, algumas daquelas acções declarativas ainda podem assumir diversas configurações. Assim, as acções de simples apreciação podem ter por objecto a existência ou inexistência de um direito subjectivo (artº 4º, nº 2, al. a)); no primeiro caso denominam-se acções de simples apreciação positiva; no segundo, acções de simples apreciação negativa. (…)».
  Em suma, o que está em causa na acções de simples apreciação são os bens e direitos que se situam na titularidade de cada sujeito jurídico, não cabendo aqui apreciar e decidir questões de direito, no sentido de determinar se a solução a dar ao caso deve ser esta ou aquela1.
  No caso em apreço seria legítimo ao Autor vir instaurar uma acção de simples apreciação no sentido de se decidir se o contrato era nulo ou não, se determinada cláusula do contrato era válida ou não, sendo certo que, no caso de Macau, havendo o interesse em agir sido erigido a pressuposto processual haverá sempre de o invocar.
  Agora o que não pode é vir pedir ao Tribunal que se diga como é que se decide.
  Dado o alargamento de âmbito das acções de simples apreciação torna-se por vezes difícil estabelecer as fronteiras do que é que cabe no âmbito destas.
  Admitimos como possível que venham as partes a Tribunal pedir que se declare que existe ou não, que é válida ou não determinada cláusula do contrato entre ambos celebrado.
  Aparentemente não resultaria daí dúvida de maior, contudo esta surge, quando o que está em questão é precisamente apreciar e decidir se do contrato consta a cláusula da convenção da arbitragem.
  Parecendo, ao princípio que se está a pedir ao tribunal que se pronuncie sobre uma questão de direito – a da competência do tribunal – não é disso que se trata, mas apenas que se diga se do contrato faz parte a cláusula da convenção da arbitragem.
  Aqui o Tribunal é colocado numa situação de aparente confusão.
  Se do contrato consta a cláusula da convenção da arbitragem então o tribunal competente para o dizer é o tribunal arbitral, se não consta a competência cabe aos tribunais judiciais.
  Concretizando, se for estabelecida a convenção de arbitragem é ao tribunal arbitral que cabe pronunciar-se sobre a validade e existência das cláusulas desse contrato.
  Porém estabelece o nº 1 do artigo 14º da Lei nº 19/2019 o seguinte:
  «1. O tribunal no qual seja proposta uma acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o mérito da causa, absolvê-lo da instância, salvo se constatar a manifesta nulidade, inexequibilidade ou ineficácia da referida convenção.».
  Ao consagrar a absolvição da instância o nº 1 do artº 14º da lei nº 19/2019 não está a fazer outra coisa que não seja a estabelecer uma excepção dilatória inominada – artº 412º e 413º do CPC -.
  Ou seja, neste caso concreto se o Tribunal onde a acção for proposta concluir pela existência da cláusula da convenção da arbitragem não se pode pronunciar sobre o pedido formulado ainda que ele seja o de dizer que essa cláusula existe ou não, sem prejuízo de estar ainda assim obrigado a ver se a mesma é nula, inexequível ou ineficaz. Atente-se que a formulação é feita na negativa. Se se concluir que é nula inexequível ou ineficaz então é como se não houvesse cláusula e o Tribunal pode pronunciar-se. Mas se concluir pela validade da mesma já nada pode dizer, havendo apenas que absolver da instância.
  Isto é, não se verificando a nulidade, inexequibilidade ou ineficácia, o tribunal não conclui pela competência ou não, mas absolve o Réu da instância, deixando a questão da competência para ser decidia pelo Tribunal Arbitral.
  
  No caso em apreço, da decisão recorrida faz-se uma correcta análise do contrato subjacente aos autos, concluindo-se pela existência da cláusula da convenção de arbitragem no acordo existente entre a Autora e a Ré, a cujos fundamentos aderimos integralmente e sem reservas.
  Concluindo-se pela existência da cláusula de convenção de arbitragem, já não cabe ao tribunal emitir pronúncia alguma, nomeadamente sobre a existência e validade da própria cláusula em si, procedendo a excepção dilatória inominada, prevista no nº 1 do artº 14º da Lei 19/2019 que como tal conduz à absolvição da instância.
  
  Destarte, a única correcção a apontar à decisão recorrida consiste nos termos em que se decide, pois concluindo-se pela procedência da excepção dilatória inominada havia que se concluir pela absolvição da instância e não pelo indeferimento da acção o que pressupõe que se fez um juízo de procedência ou improcedência sobre o pedido, isto é, que houve uma pronúncia definitiva – no sentido de se vir a formar caso julgado sobre a questão - sobre a validade da cláusula, o que não é o caso.
  
III. DECISÃO
  Termos em que, pelos fundamentos expostos, embora concluindo-se em termos diversos, nega-se provimento ao recurso absolve-se a Ré da instância.
  
  Custas a cargo da Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 29 de Fevereiro de 2024

   Rui Pereira Ribeiro
    (Juiz Relator)
   
   Fong Man Chong
    (1º Juiz-Adjunto)
   
   Ho Wai Neng
    (2º Juiz-Adjunto)
1 Veja-se Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina 1981, Vol. I, pág. 113.
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786/2023 CÍVEL 1