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Processo n.º 330/2023
(Autos de recurso contencioso)

Data: 7/Março/2024

Descritores:
- Indeferimento do pedido de autorização de residência temporária na RAEM
- Falta de fundamentação
- Aplicação da lei nova (Lei n.º 16/2021)
- Violação do princípio da proporcionalidade
- Exercício de poderes discricionários
       
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong


Processo n.º 330/2023
(Autos de recurso contencioso)

Data: 7/Março/2024

Recorrentes:
- A, B
- C, D e F (filhos de A e de B)

Entidade recorrida:
- Chefe do Executivo

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, B, C, D e F, com sinais nos autos, notificados do despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo que indeferiu os seus pedidos de autorização de residência temporária na RAEM, interpuseram o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
     “1. O acto recorrido no presente recurso tem como objecto o despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, de 19 de Janeiro de 2023, que rejeitou o seu pedido de autorização de residência, concordando com os fundamentos da proposta do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (doravante “IPIM”), presidido pelo Exmo. Senhor Presidente, na rejeição do pedido de autorização de residência temporária do primeiro Recorrente, com base na Sentença proferida no Tribunal Judicial de Base, que correu termos no 1º Juízo criminal, no processo CR1-20-0226-PCS, em que condenou o Recorrente a uma pena de multa de 135 dias de multa pela prática de um crime de “Gravações e fotografias ilícitas”, e cuja decisão de 22 de Outubro de 2021, transitou em julgado no dia 11 de Novembro de 2020 (cfr. Doc. n.º 1 – Cópia simples da decisão do IPIM; e Doc. n.º 2 – Cópia da sentença, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
     2. E, não se bastando, o Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, concordando com os fundamentos na proposta do IPIM, tomou como pressupostos os da Lei n.º 16/2021 publicada em 16.08.2021, estranha e sem qualquer contacto com os factos do procedimento do pedido de autorização de residência do Recorrente.
     3. Ora, os Recorrentes naturalmente não se conformam com a decisão do Exmo. Senhor Chefe do Executivo, e apresentam em seguida, DA IMPUGNAÇÃO, começando por referir que de acordo com o princípio da legalidade, previsto no artigo 3º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, impõe que “Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos”, e entendem os Recorrentes, com o devido respeito, que a decisão do Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, não está conforme, em obediência à lei e ao direito, pelos vícios que a seguir se identificam:
     4. A – DO VÍCIO DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO: O Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, com base nos fundamentos da proposta do IPIM, decidiu pela rejeição de autorização de residência, apenas fazendo mera referência à decisão judicial, sem sequer dar a conhecer os factos e o direito em concreto ao Recorrente que permitiram chegar a tal decisão.
     5. Nos termos do artigo 114º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
     6. Tal decisão está em desconformidade, com o referido artigo 114º, como também com o imposto no artigo 115º também do CPA, de onde se podem extrair os seguintes requisitos cumulativos da fundamentação: a) – a explicitude que se traduz na declaração expressa dos fundamentos de facto e de direito; b) – a contextualidade no sentido de constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão tomada; c) – a clareza; d) – a congruência e, e) – a suficiência (Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp. 637 a 642).
     7. Para se apurar e demonstrar a desconformidade com as referidas normas, basta a simples leitura dos excertos da decisão que se transcrevem (nossa tradução) (cfr. Doc. 1):
     - Alínea 3) da decisão: “3) Tendo em conta que o facto referido no ponto 2) supra não era favorável ao pedido de Autorização de Residência Temporária do requerente, o nosso instituto conduziu uma audiência escrita contra o requerente através das cartas oficias OF/02550/DJFR/2021 e OF/02251/DJFR/2021 respectivamente (ver páginas 224 a 232) (…)”. Neste excerto, o Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM com base nos fundamentos da proposta do IPIM, não demonstrou em termos concretos, quais os factos, quais os critérios e quais as circunstâncias que o levaram a considerar e entender que “não era favorável ao pedido de autorização”!
     - Alínea (3) da parte da análise: [O Recorrente] “(…) tinha afectado a ordem pública ou a segurança publica na Região”. Neste excerto também o Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM com base nos fundamentos da proposta do IPIM, não demonstrou em concreto, quais os factos, quais as circunstâncias que comprovam que o primeiro Recorrente efectivamente afectou a ordem pública ou a segurança pública na Região!
     - Alínea (8) da parte da análise: “(…) Para além de violar o direito à imagem da vítima, o requerente também prejudicou a dignidade da vítima ao tornar pública a imagem da vítima através da Internet. (…)” Quanto a este excerto, sempre se dirá que, mesmo que a vítima tenha demonstrado incómodo, contudo, a vítima não transpôs, não solidificou, materialmente, para a ordem jurídica tal sentimento, ao não ter deduzido qualquer pedido de indemnização civil contra o Recorrente, e deste facto não se deverá extrair outro juízo que não, o juízo da certeza que não existiu externamente, perante a comunidade em geral, qualquer beliscar à imagem e dignidade da vítima, dado que a própria vítima não reagiu!
     8. De tudo o que foi dito, quanto à alegada “fundamentação” do Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM com base na proposta do IPIM, sempre se dirá que não é clara, adequada e suficiente! E como se referiu supra, através desta alegada “fundamentação” do Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, proposta pelo IPIM, os Recorrentes não conhecem as razões que, no caso concreto, determinaram a denegação do seu pedido de autorização de residência temporária,
     9. E quando a fundamentação não é clara, estamos perante uma manifesta violação dos artigos 114º, n.º 1, al. a) e 115º ambos do Código de Procedimento Administrativo, sendo um acto nulo nos termos do n.º 1 do Artigo 122º do mesmo Código.
     10. Afinal, o Recorrente, não sabe, a que “perigo” e qual o “grau de perigosidade” que o mesmo representa para a RAEM! Em que, o próprio Tribunal Judicial de Base, no momento da decisão entre a escolha entre uma pena de prisão e a multa, optou e decidiu pela aplicação da multa, o que demonstra de forma clara que a pena de multa realiza suficientemente as finalidades preventivas das penas, a proteção dos bens jurídicos em crise.
     11. Consideram os Recorrentes, que o Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM com base nos fundamentos da proposta do IPIM, ao ter indeferido/rejeitado o seu pedido de autorização de residência com base naquela decisão judicial, em que se aplicou uma pena de multa, é levar ao extremo a interpretação e aplicação das normas!
     12. B – DO VÍCIO DA VIOLAÇÃO DA LEI: B. 1 – Aplicação de lei mais desfavorável, estranha e extemporânea ao procedimento do pedido de autorização de residência. O Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, com base nos fundamentos da proposta do IPIM, aplicou ao presente caso a Lei n.º 16/2021 – Regime jurídico do controlo de migração e das autorizações de permanência e residência na Região Administrativa Especial de Macau, publicada em 16.8.2021, e tendo entrado em vigor 90 dias após a sua publicação, ou seja, em 16.11.2021, e que revogou a Lei n.º 4/2003 – Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência, que nos interessa, e a Lei n.º 6/2004 – Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão.
     13. Os Recorrentes antes entendem que deveria ser aplicável no presente caso a Lei n.º 4/2003 publicada em 2003.3.17, em vigor às datas do 1) Pedido de autorização de residência temporária dos técnicos especializados formulado pelo Recorrente em 25 de Maio de 2016 e 2) aquando da sentença proferida no processo CR1-20-0226-PCS, em 22 de Outubro de 2021 e transitada em julgado em 11 de Novembro de 2020.
     14. Mais, analisando o capítulo X da Lei 16/2021 – Disposições transitórias e finais-decorre do seu artigo 97º, relativamente aos Procedimentos conexos com autorização de residência sem decisão definitiva, que a Lei 16/2021, para ser aplicada, deve ser requerida a reapreciação da concreta situação jurídica.
     15. A Lei 16/2021 refere ainda no seu artigo 101º que é necessária regulamentação complementar para execução desta Lei 16/2021, nomeadamente, no tocante aos 1) Procedimentos administrativos para concessão de autorização de entrada, permanência e residência.
     16. Caso se entende que as normas transitórias não condicionam a aplicação da Lei 16/2021, os Recorrentes lançam mão do princípio geral quanto à aplicação das leis no tempo, pelo qual a lei nova só dispõe para o futuro, e só seria de admitir a aplicação da Lei n.º 16/2001, caso fosse mais favorável aos Recorrentes; Ora, além dos factos serem anteriores à data de entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, a Lei n.º 4/2003 é a mais favorável ao Recorrente, e de acordo com o artigo 9º da Lei n.º 4/2003, entende-se que a Sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo podia conceder autorização de residência, mesmo que verificadas situações constantes nas alíneas 1) a 6) do n.º 2.
     17. Pelo que, o Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM com base nos fundamentos da proposta do IPIM, não deveria ter considerado aplicável a Lei n.º 16/2021, por ser a mais desfavorável, e por não ter qualquer contacto temporal com os factos relacionados com o procedimento do pedido de autorização de residência dos Recorrentes, mas sim a Lei n.º 4/2003 – Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência.
     18. C – DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA ADEQUAÇÃO:
     Nos termos do n.º 2 do artigo 5º do CPA, “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”, sendo este o chamado princípio da proporcionalidade e da adequação.
     19. Como ensina David Duarte, “A ideia central deste princípio projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa”. – in David Duarte, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para Uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa Como Parâmetro Decisório, Almedina, Coimbra, 1996, 319 a 325
     20. O Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, com base nos fundamentos da proposta do IPIM, ao ter rejeitado o pedido de autorização aos Recorrentes, é manifestamente desproporcional e desrazoável, na medida, que o Recorrente entende que é possível estabelecer um equilibrado “jogo de cintura” entre o interesse da manutenção da ordem e segurança pública da RAEM e o interesse particular do primeiro Recorrente em continuar a residir na RAEM com a sua família.
     21. O primeiro Recorrente até à presente data não está a ser investigado, indiciado, a ser julgado em nenhum Tribunal da RAEM, ou que tenha sido condenado na prática de qualquer tipo de crime como se pode verificar pelo Registo Criminal que ora se junta como Doc. n.º 3, e que se considera reproduzido para os devidos efeitos. Abrindo um parêntesis. Quanto às considerações feitas pelo IPIM, e que o Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM tomou como suas concordando, quanto ao certificado do registo criminal apresentado pelo primeiro Recorrente na audiência escrita, os Recorrentes entendem que o Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, em concordância com o IPIM, com o devido respeito, confunde qual o âmbito da aplicação do Decreto-Lei 27/96/M, o que leva o Recorrente a formular a pergunta: Qual será então a razão para que no seu artigo 27º se preveja a não transcrição das decisões? A Resposta, simples e clara, é nos dada, em direito comparado, pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora: “I – A possibilidade de não transcrição das sentenças condenatórias destina-se, como é conhecido, a evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por um crime de diminuta gravidade, ou sem gravidade significativa, e as repercussões negativas que a publicidade ou divulgação dessa condenação podem acarretar para a reintegração social do condenado, nomeadamente, no acesso ao emprego”. O Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, em concordância com o IPIM, com observação ao certificado de registo criminal do Recorrente, agiu em venire contra factum proprium, ao admitir que a condenação do Recorrente ao pagamento de uma multa, se circunscreve a um crime de diminuta gravidade, ou sem gravidade significativa. Fechando o parêntesis.
     22. Os Recorrentes têm e fazem toda a sua vida na RAEM; o primeiro Recorrente continua na presente data a ser o proprietário das 4 (quatro) fracções autonómas que informou e indicou aquando da apresentação da sua audiência escrita junto do IPIM: - Em Macau, Rua ...... n.º ..., ...... Court, 8º Andar F (casa de morada de família) (n.º de referência: 2***-F8; n.º de descrição: 2***) – cfr. DOC. n.º 4, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos; -Em Macau, Beco ...... n.º ..., ......, 4º Andar B (n.º de referência: 10***–B4; n.º de descrição: 10***) – cfr. DOC. n.º 5, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos; - Em Macau, Largo ...... nos. ...-..., ......, Rés-do-chão G (n.º de referência: 21***-GR/C; n.º de descrição: 21***) – cfr. DOC. n.º 6, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos; - Em Macau, Avenida ...... n.º ..., ......, (Blocos A, B, C, D), 3º Andar A (Quota adquirida: 1/2) (n.º de referência: 20***-A3; n.º de descrição: 20***) – cfr. DOC. n.º 7, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos.
     23. O primeiro Recorrente é uma pessoa que tem o privilégio de ter e manter rendimentos suficientes, acumulados ao longo dos anos, tendo demonstrado ao IPIM a sua situação económica desafogada, através da apresentação de cópia da Certidão de Rendimentos emitida pela Repartição de Finanças quanto ao rendimento colectável em sede do imposto profissional relativo ao exercício de 2019 – cfr. DOC. n.º 5, que foi junto com a referida audiência escrita, e que se considera agora em sede de recurso desde já reproduzido para os devidos efeitos.
     24. O primeiro Recorrente ainda é merecedor da total confiança da sua antiga entidade empregadora PRODUTORA XXXXXX LIMITADA, com o registo n.º SO3****, que inabalavelmente e insistentemente mantém a promessa que o irá readmitir para exercer o cargo de Director de publicidade e cinema anteriormente ocupado com o correspondente montante salarial de MOP$40.000,00 – cfr. Doc. n.º 8 – Declaração da entidade empregadora, e que se considera reproduzido para os devidos efeitos.
     25. Condições privilegiadas que permitiram e permitem ao primeiro Recorrente e sua família viver na RAEM, mesmo durante o período COVID19 que durou 3 anos, por tempo superior a 183 dias, permitindo continuar a dar excelentes condições de vida à sua Família nuclear, composta pela sua mulher B e três filhas ainda menores, nomeadamente: - C (7115 0810 2654), nascida na RAEHK, em 26.1.2008 (15 anos), titular do BIRHK n.º S1*****(6), titular do Cartão de Estudante emitido pela DSEDJ n.º 13*****-0 – cfr. DOC. n.º 9, e cujo documento se considera reproduzido para os devidos efeitos; - D (7115 0810 2251), nascida na RAEHK, em 28.4.2010 (12 anos), titular do BIRHK n.º S3*****(7), titular do Cartão de Estudante emitido pela DSEDJ n.º 13*****-2 – cfr. DOC. n.º 10, e cujo documento se considera reproduzido para os devidos efeitos; - F (7115 0810 1819), nascida na RAEHK, em 29.5.2013 (9 anos), titular do BIRHK n.º S6*****(1), titular do Cartão de Estudante emitido pela DSEDJ n.º 16*****-4 – cfr. DOC. n.º 11, e cujo documento se considera reproduzido para os devidos efeitos.
     26. O Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, com base nos fundamentos da proposta do IPIM, ao ter decidido pela rejeição do pedido de autorização de residência temporária, imediatamente a vida do primeiro Recorrente fica irremediavelmente prejudicada, e por efeito dominó, o da sua Família principalmente a das três filhas menores, que terão de regressar a Hong Kong! E, naturalmente, tal rejeição não é bem-vinda, pois, têm Amor à RAEM, Região que é o centro das suas vidas, onde estudam, têm os seus amigos, ondem podem realizar os seus interesses, preparando o seu futuro!
     27. Além do acabado de mencionar, há outro aspecto também relevante, que prova a idoneidade do primeiro Recorrente, que é o facto de ser muito conhecido e respeitado a nível local, regional e internacional no mundo cinematográfico, e fora dele, tendo ganho prémios em eventos regionais e internacionais, nomeadamente, em Hong Kong, Cantão, Seul, Vancouver, Nova Iorque, Viena, Londres, Toronto, Roterdão, Lisboa, entre outros – cfr. DOC. n.º 9 junto com a audiência escrita, que se considera agora em sede de recurso desde já reproduzido para os devidos efeitos.
     28. A RAEM como se sabe, antes da pandemia COVID-19, foi anualmente palco de vários eventos cinematográficos, e a maioria dos seus organizadores e intervenientes, actores e atrizes, e outros convidados, têm fortes e estreitas relações profissionais e pessoais com o primeiro Recorrente e Família, e todos que tomarem conhecimento, por inevitável, que a Sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo da RAEM rejeitou o pedido dos Recorrentes para atribuição de residência temporária na RAEM, sem qualquer fundamentação, não será esta decisão compreensível, existindo a forte probabilidade de vir a ser comentada e criticada internacionalmente, tanto nos media online, bem como, em revistas da especialidade do mundo do espectáculo e do cinema, em revistas “cor-de-rosa” publicadas em diversas regiões e países da Ásia, bem como, em outros pontos geográficos, facto que necessariamente beliscará a excelente imagem de que goza a RAEM!
     29. Os Recorrentes entendem que a rejeição do pedido para atribuição de residência afigura-se não necessária para alcançar o interesse da manutenção da ordem e segurança pública da RAEM.
     30. Finalizando, em suma, sem ter em consideração nenhuma das razões supra referenciadas, a decisão de rejeição por parte do Senhor Chefe do Executivo da RAEM do pedido de autorização de residência dos Recorrentes é claramente inválida, por insuficiente fundamentação e violação de lei e de princípios administrativos básicos.
     31. Com efeito, ao assim decidir, face à insuficiência da fundamentação aduzida, incorre-se, desde logo, numa invalidade substancial por falta dum elemento essencial do acto administrativo – a fundamentação – como decorre da conjugação dos artigos 114º n.º 1 al. a) e 115º n.º 1 e 2 do CPA, o que importa a sua nulidade nos termos do artigo 122º n.º 1 do mesmo diploma.
     32. Quanto à aplicação pelo Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM, com base nos fundamentos da proposta do IPIM, da Lei n.º 16/2021, mais desfavorável, estranha e extemporânea ao procedimento do pedido de autorização de residência, deve importar a sua nulidade nos termos supra expostos, devendo-se aplicar a Lei 4/2003.
     33. Todavia, do exposto, caso assim não se entenda, demonstrado ficou que a decisão viola de forma directa os princípios da proporcionalidade e adequação, devendo, pois, a decisão em causa que ora se impugna, ser anulada, nos termos do artigo 124 do CPA.
     34. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, seja revogada e substituída por outra, nomeadamente, pelo deferimento da autorização do Recorrente.
     Termos em que, e contando com o muito douto suprimento de Vossa Excelência, deve o presente recurso ser julgado procedente,
     A) Considerando-se nula a decisão recorrida, quanto à insuficiência da fundamentação, atento o disposto nos artigos 114º n.º 1 al. a), 115º nos. 1 e 2 e 122º do CPA, aplicando-se indevidamente a Lei n.º 16/2021, nos termos dos seus artigos 97º e 101º, quando aplicável a Lei 4/2003;
     Ou, subsidiariamente,
     B) Anulando-se a decisão recorrida, atento o vício de violação dos princípios da legalidade, princípios da proporcionalidade e adequação, nos termos supra expostos, por violação dos artigos 3º, 5º e 124º do CPA,
     fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!”
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, tendo formulado na resposta as seguintes conclusões:
     “I. As questões de conveniência não têm lugar no recurso contencioso.
     II. O acto impugnado contém os factos e as normas em que se baseou.
     III. É claro, da leitura da p.i., que o recorrente percebeu os fundamentos do acto.
     IV. Assim como é claro que, tendo percebido esses fundamentos, não concorda com a decisão.
     V. O acto administrativo rege-se, em princípio, pela lei em vigor no momento da sua prática.
     VI. No momento da prática do acto impugnado estava em vigor a Lei 16/2021, não a Lei 4/2003.
     VII. O acto impugnado, tendo natureza discricionária, só é sindicável em recurso contencioso em caso de violação escandalosa e flagrante dos princípios jurídicos que regem a discricionariedade.
     VIII. O recorrente não demonstra nem prova tal violação.
     Nos termos expostos, entendemos que deverá ser negado provimento ao presente recurso contencioso.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
Foi formulado em 25 de Maio de 2016 pedido de autorização de residência temporária na RAEM, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 – “Quadros dirigentes e técnicos especializados contratados por empregadores locais que, por virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, sejam considerados de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau”.
Em Janeiro de 2022, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau elaborou o seguinte parecer:
一、申請依據 第3/2005號行政法規
1. 申請日期 2016/05/25
臨時居留許可申請類別 專業技術人員
2. 利害關係人的身份資料如下:
序號
姓名
關係
證件
編號
有效期
1
A
申請人
香港永久性居民身份證
D4*****(8)
不適用



外地僱員身份認別證
21*****7
2020/10/20
2
B
配偶
香港永久性居民身份證
R9*****(8)
不適用
3
C
卑親屬
香港回港證
RM16*****
2023/01/04
4
D
卑親屬
香港永久性居民身份證
S3*****(7)
不適用
5
F
卑親屬
香港回港證
RM16*****
2023/01/04
申請人分別於2020年4月27日及29日提交其配偶B及卑親屬D之香港永久性居民身份證(編號分別為R9*****(8)及S3*****(7))以取代原持有的香港簽證身份書及香港回港證作為申請依據(見第21至23及32至34頁)
另申請人於聽證程序中亦提交其卑親屬C及F之香港永久性居民身份證(編號分別為S1*****(6)及S6*****(1))(見第244及250頁),但基於分析結果為建議不批准,故未有再將上述旅行證件送予澳門治安警察局核實。
二、獲本地僱主聘用的勞動關係證明文件(見第141頁)
僱主名稱: XXXXXX製作有限公司
聘用職位名稱: 廣告及電影導演
基本工資: 40,000.00澳門元
聘用期限: 自2015年11月20日起任職,合同為不具期限
另透過申請人於聽證程序中所提交的承諾聘用證明(見第243頁),顯示在申請人獲批臨時居留許可後,“XXXXXX製作有限公司”承諾聘用申請人擔任“廣告及電影導演”一職,即申請人現時已沒有受聘於上述僱主。
三、分析
1. 治安警察局於2020年11月16日透過第118686/CPSP-CIRDCF/OFI/2020P號公函,通知本局申請人因涉嫌觸犯一項“不法之錄製品及照片罪”,檢察院已對其提起控訴(卷宗編號: 3218/2018),且申請人已被廢止以僱員身份逗留的許可(見第212頁)。
2. 其後,本局於2021年4月15日收到初級法院-刑事法庭作出之判決書(案卷編號: CR1-20-0226-PCS)(見第216至223頁),顯示申請人A以直接正犯及既遂方式觸犯一項澳門《刑法典》第191條第2款a)項結合第192條b)項規定及處罰的“不法之錄製品及照片罪”,罪名成立,被科處135日罰金,倘若不繳付罰金或不以工作代替,須監禁90日,且有關判決已於2020年11月11日轉為確定。
3. 基於上述第2點所指的事實,不利於申請人是項臨時居留許可申請,故本局分別透過第OF/02250/DJFR/2021和OF/02251/DJFR/2021號公函向申請人進行了聽證程序(見第224至232頁),隨後,申請人於2021年5月20日透過被授權律師向本局提交了回覆意見及相關文件,有關回覆意見的主要內容如下(見第233至272頁):
(1) 被授權律師表示不認同本局所依循的邏輯推理及思維方式,並指出本局於書面聽證公函中僅提及有關法院判決書的內容,並沒有以清晰、適當及充分說明理由的方式,讓申請人知悉所有對其作出決定屬重要的事實或法律之事宜,明顯違反了《行政程序法典》第114條第1款a)項的有關規定,且根據同一法典第122條第1款的規定,屬無效行為;
(2) 被授權律師指卷宗內的利害關係人並不認為他們對澳門特別行政區構成了嚴重的危險程度,申請人以手提電話相機拍攝被害人在公共巴士上的照片,並將照片上載至互聯網社交平台內,這是基於申請人認為案中被害人當時的行為屬戀童癖的情況,但可以肯定的是這只是申請人當時魯莽的反應,其行為的目的並非旨在對澳門特別行政區的社會秩序構成任何危險或混亂;
(3) 被授權律師表示初級法院在考慮科處徒刑和罰金之間選擇作出科處罰金之決定,顯示了罰金已足以滿足預防犯罪及保護法益的目的,再者,被授權律師指根據由澳門身份證明局分別於2021年5月17日及20日發出利害關係人之刑事紀錄證明書(見第236至237頁),均顯示利害關係人在該局的刑事紀錄檔案中沒有紀錄,倘若本局基於申請人曾被科處罰金而不批准其臨時居留許可申請,是將有關規定作過度的解釋及適用,因此,被授權律師認為在維護澳門特別行政區公共安全和秩序方面,以及在利害關係人和其家庭繼續在澳門生活等利益之間,應作出一個平衡的考量;
(4) 被授權律師指申請人在本澳持有多個不動產物業,並提交了有關物業登記書面報告作佐證(見第238至241頁),另律師亦表示倘若申請人獲批臨時居留許可後,“XXXXXX製作有限公司”將承諾以每月不少於40,000.00澳門元聘請申請人擔任“廣告及電影導演”一職(見第243頁);
(5) 被授權律師表示上述的條件均顯示申請人及其家庭成員具備能力繼續在本澳居住,且申請人的三名卑親屬亦分別自2013年及2016年開始在本澳學校就讀,並已將澳門視為其等的生活中心,倘若不批准有關臨時居留許可申請,利害關係人的生活將受到無法補救的損失,申請人的三名卑親屬亦必須返回香港;
(6) 除此之外,被授權律師指申請人在影視領域的才能在本地及國際影展上均備受關注和肯定,且曾在香港、廣州、紐約、里斯本等地獲得獎項,因此,申請人在電影藝術領域方面具備豐富的經驗及知識,應被視為特別有利於澳門特別行政區的技術人員以及應獲批臨時居留許可;
(7) 綜上所述,被授權律師認為本局不應在沒有任何理據的情況下不批准利害關係人之臨時居留許可申請,因此,請求本局重新審視並批准有關臨時居留許可申請。
就上述申請人的回覆意見,茲分析如下:
(1) 首先,針對被授權律師指本局於書面聽證公函中沒有以清晰、適當及充分說明理由的方式,讓申請人知悉所有對其作出決定屬重要之事實上或法律上之事宜,在尊重不同意見的前提下,須強調本局在向利害關係人所發出的聽證公函中(見第224及228至229頁),已清楚地列出對利害關係人是項臨時居留許可申請不利的因素以及相關法律依據,因此,已符合《行政程序法典》第94條有關對利害關係人進行書面聽證的規定;
(2) 其次,鑒於第16/2021號法律《澳門特別行政區出入境管控、逗留及居留許可的法律制度》於2021年11月15日生效,當中第105條廢止了第4/2003號法律,故根據第3/2005號行政法規第二十三條補充適用第16/2021號法律第三十八條第二款(七)及(八)項的規定,在批給澳門特別行政區的居留許可時,須考慮各項具重要性的因素,尤其是利害關係人遵守澳門特別行政區法或規章的情況,以及於刑事訴訟程序中針對利害關係人所作的任何決定等因素;
(3) 在本個案中,根據初級法院刑事法庭作出之判決書(案卷編號: CR1-20-0226-PCS)(見第216至223頁),有關內容指出申請人A以直接正犯及既遂方式觸犯一項澳門《刑法典》第191條第2款a)項結合第192條b)項規定及處罰的“不法之錄製品及照片罪”,罪名成立,被科處135日罰金,倘若不繳付罰金或不以工作代替,須監禁90日,且有關判決已於2020年11月11日轉為確定,由此可證實申請人曾不遵守澳門特別行政區法律,影響本地區的公共秩序或治安;
(4) 被授權律師指利害關係人以手提電話相機拍攝被害人在公共巴士上的照片,並將照片上載至互聯網社交平台內,是基於申請人認為案中被害人當時的行為屬戀童癖的情況,並認為是申請人出於魯莽的反應,其行為的目的並非旨在對澳門特別行政區的社會秩序構成任何危險或混亂;須強調的是,初級法院刑事法庭在作出有關判決時,已將申請人作出有關行為的原因納入考慮,然而,初級法院刑事法庭仍作出了不利於申請人的判決,顯示有關原因不足以構成申請人作出有關行為的正當理由;
(5) 被授權律師指出根據由澳門身份證明局於2021年5月20日發出申請人A之刑事紀錄證明書(見第236頁),顯示其在該局的刑事紀錄檔案中沒有紀錄,然而,須指出的是,根據第27/96/M號法令第27條的有關規定,“如屬被判不超逾一年徒刑或非剝奪自由之刑罰,且從犯罪之情節使人推斷不會有再次犯罪之危險,則作出判罪之法院,得在判決或以後作出之批示內決定不將有關判決轉錄於同一法令第二十一條所指之證明書上”,換言之,被判不超逾一年徒刑或非剝奪自由之刑罰之判決,可不轉錄於刑事紀錄證明書上;
(6) 此外,被授權律師表示初級法院在考慮科處徒刑和罰金之間選擇作出科處罰金之決定,顯示罰金已足以滿足預防犯罪及保護法益的目的,然而,須強調的是,根據《刑法典》的有關規定,法院須按照行為人的過錯及預防犯罪之要求確定相關量刑,同時,亦須考慮個案中的具體情節等因素,因此,即使本個案申請人只被科處罰金,但亦不影響其曾違反本地法律的事實;
(7) 申請人根據第3/2005號行政法規第五條之規定,於是項臨時居留許可申請中同時惠及其配偶及三名卑親屬,其等均屬是項臨時居留許可申請被惠及的利害關係人,申請前提為分別與申請人存有的婚姻及親子關係,因此,被授權律師於書面回覆意見中指出申請人的三名卑親屬在本澳就讀,並將澳門視為生活中心等因素,並非是次臨時居留許可申請主要的考慮因素;
(8) 最後,被授權律師表示申請人在電影藝術領域方面具備豐富的經驗及知識,且曾在多個地區獲得獎項,故應被視為特別有利於澳門特別行政區的技術人員,但須指出的是,透過初級法院-刑事法庭作出之判決書(案卷編號: CR1-20-0226-PCS),已確認申請人曾觸犯本澳法律並已被判罪。相關犯罪除侵害被害人的肖像權外,申請人同時亦透過互聯網公開被害人的肖像,傷害到被害人的尊嚴。正如法院判決所言,申請人的此等行為對澳門社會和諧秩序產生負面影響。根據第16/2021號法律第三十八條第二款(七)及(八)項的規定,經考慮利害關係人遵守澳門特別行政區法律或規章的情況、於刑事訴訟程序中針對利害關係人所作的任何決定,以及考慮到申請人的犯罪行為對澳門社會和諧秩序帶來負面影響,認為給予申請人居留許可將不利於澳門社會安全穩定,故建議不批准上述利害關係人是次臨時居留許可申請。
四、建議
綜上所述,鑒於利害關係人A(A)以直接正犯及既遂方式觸犯“不法之錄製品及照片罪”,被初級法院刑事法庭科處135日罰金,證實其不遵守澳門特別行政區法律,經進行聽證程序後,現根據第3/2005號行政法規第二十三條補充適用第16/2021號法律第三十八條第二款(七)及(八)項的規定,建議不批准上述利害關係人之臨時居留許可申請。
呈上級審閱及批示。”

Por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo datado de 19 de Janeiro de 2023, foi indeferido o pedido nos seguintes termos transcritos:
“同意建議書內容建議,不批准下列利害關係人之臨時居留許可申請。”
序號
姓名
關係
1
A
申請人
2
B
配偶
3
C
卑親屬
4
D
卑親屬
5
F
卑親屬
*
Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Delegado Coordenador o seguinte douto parecer:
“Nos termos previstos na norma do artigo 69.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público pronunciar-se como segue:
1.
A e sua mulher, B, e os seus filhos menores C, D e F, todos melhor identificados nos autos, vieram interpor recurso contencioso do acto administrativo da autoria do Chefe do Executivo que indeferiu o seu pedido de autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida apresentou contestação na qual concluiu pela improcedência do recurso.
2.
(i.)
O Recorrente requereu a autorização de residência na RAEM ao abrigo do disposto na alínea 3) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 para si e, por extensão, para o seu agregado familiar constituído pelos demais Recorrentes. Esse pedido foi indeferido pela Entidade Recorrida com fundamento nas alíneas 7) e 8) do n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 16/2021, devido ao facto de o Recorrente ter sido condenado em Macau pela prática de um crime.
(ii.)
O primeiro dos vícios que os Recorrentes imputam ao acto recorrido é o da respectiva falta de fundamentação.
Todavia, e salvo o devido respeito, parece-nos que este fundamento do presente recurso não pode deixar de claudicar. Em síntese apertada, pelas razões que seguem.
Das normas contidas nos artigos 114.º, n.º 1, alínea b) e 115.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) resulta para a Administração o dever legal de fundamentação, que deve ser expressa e consistir numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, entre outros, dos actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos.
É de todos sabido que o dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo (entre muitos outros, veja-se, neste sentido, o Ac. do Tribunal de Segunda Instância de 7.12.2011, Processo nº 510/2010) e sendo assim, pode dizer-se que um acto está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal fica a conhecer as razões que estão na sua génese, para que, se quiser, o possa sindicar de uma forma esclarecida.
No caso em apreço, analisada a fundamentação do acto recorrido estamos em crer, como acima já dissemos, que a Administração não deixou de observar o referido dever legal de fundamentação formal cuja violação foi alegada pelo Recorrente. Na verdade, estão plasmadas no texto do acto recorrido, com clareza, as razões de facto e de direito pelas quais a Entidade Recorrida considerou que, no caso, se não justificava, conceder aos Recorrentes, a titulo principal e extensivamente, a autorização de residência temporária em Macau. Por isso, um destinatário normal colocado na posição dos Recorrentes, confrontado com o dito acto, não podia deixar de ficar ciente dos motivos que levaram à actuação administrativa agora em causa.
De resto, é de meridiana evidência, que resulta da simples leitura da douta petição inicial do recurso contencioso, que os Recorrente ficaram plenamente esclarecidos sobre as razões justificativas do acto que impugnou e dessa leitura também resulta que a verdadeira questão que aqueles aqui querem pleitear não tem que ver com a observância do chamado dever de fundamentação formal, mas, antes, com os próprios fundamentos substanciais do acto impugnado, com os quais se não conformam.
Por isso, parece-nos que não pode acolher-se a invocação do vício de violação de lei a que alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC que foi feita pelo Recorrente.
(iii.)
O segundo fundamento que é trazido pelos Recorrentes para escorar a respectiva pretensão impugnatória prende-se com uma errada aplicação da lei ratione temporis por parte da Administração.
Com o devido respeito, não nos parece.
De acordo com o disposto no artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, ao abrigo do qual o Recorrente requereu a autorização de residência temporária, para si a título principal, e, por extensão, para os membros do seu agregado familiar, na apreciação do pedido é subsidiariamente aplicável o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau.
Esse regime geral constava da Lei n.º 4/2003 e do Regulamento Administrativo 5/2003, no momento em que o requerimento foi apresentado. No entanto, essa lei foi revogada pela Lei n.º 16/2021, que entrou em vigor 90 dias depois da sua publicação ocorrida em 16 de Agosto de 2021 (artigo 106.º da Lei n.º 16/2021), ou seja, em 15 de Novembro de 2021, sendo que, segundo o disposto no artigo 102.º da nova Lei, é de considerar que as remissões existentes em outros diplomas para as disposições da legislação revogada se consideram feitas para as correspondentes disposições daquela.
Contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, as disposições da lei n.º 16/2021, subsidiariamente aplicáveis à situação em apreço são, à falta de normas de direito transitório que disponham diferentemente, de aplicação imediata. Em direito administrativo, por força do consagrado princípio tempus regit actum, é pacífico o entendimento no sentido de que os actos administrativos se regem pelas normas em vigor no momento em que são praticados, independentemente da natureza das situações a que se reportam e das circunstâncias que precederam a respectiva adopção.
Como lapidarmente se escreveu no Parecer n.º 43/97 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de Portugal, «o momento da perfeição do acto fornece, pois, o critério temporal para a determinação da lei aplicável: aplicar-se-á a velha ou nova lei, conforme aquele momento for anterior ou posterior ao começo de vigência desta», uma vez que, «só pelo acto perfeito se concretizam as situações jurídicas abstractas, dando lugar ao nascimento, em proveito dos indivíduos, de interesses actuais e precisos que as novas leis não podem atacar sem prejuízo da harmonia social e da segurança individual».
Por isso, o princípio do tempus regit actum interpretado com este alcance, legitima a aplicação do ius superveniens às situações que aguardem a prática de um acto administrativo, «independentemente da sua natureza, do momento em que o procedimento se tenha desencadeado e das eventuais contingências por que possa ter passado». Ponto é que a lei nova tenha entrado em vigor em momento anterior àquele em que o acto administrativo vem a ser praticado (apud acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6.3.2008, processo 560/07, disponível em linha).
No caso, é fora de dúvida que, apesar de o procedimento se ter iniciado antes da entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, o acto final de indeferimento agora sob recurso foi praticado pela Entidade Recorrida em 19 de Janeiro de 2023, numa altura em que já vigorava aquela Lei. Daí que, a nosso modesto ver, nada haja a censurar na aplicação que dela foi feita por parte da Administração em ordem a fundamentar juridicamente o dito acto.
(iv.)
(iv.1)
O terceiro e último fundamento do presente recurso é o de que, no entender dos Recorrentes, o acto recorrido sofre de violação do princípio da proporcionalidade.
Salvo o devido respeito, também neste ponto falta razão aos Recorrentes. Pelo seguinte.
A norma do n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 16/2021 preceitua o seguinte: «compete ao Chefe do Executivo decidir os pedidos de autorização de residência na RAEM». Como se extrai da sua simples leitura, estamos perante uma norma de competência cuja configuração estrutural não é frequente, uma vez que lhe falta a parte da previsão ou da hipótese. Na verdade, como todos sabemos, as normas de competência administrativa, por isso que são normas com programação condicional, têm uma estrutura que comporta, de um lado, uma hipótese ou previsão, na qual se estabelecem os pressupostos, ou seja, os factos da vida real e as situações jurídicas cuja ocorrência vai desencadear a intervenção administrativa e, do outro lado, uma estatuição, na qual se indica o conteúdo dessa intervenção, aquilo que a Administração pode ou deve fazer em face da situação verificada (cfr. PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Coimbra, 2019, p. 173).
Ora, como dissemos, à norma do n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 16/2021, falta a previsão dos pressupostos cuja verificação pode dar lugar à intervenção administrativa ali prevista, ou seja, à concessão da autorização de residência por parte do Chefe do Executivo. Estamos, pois, perante uma norma de competência que confere aquilo a que alguma doutrina designa de «discricionariedade aberta», uma vez que através dela, o Chefe do Executivo é investido no poder de proceder a uma «determinação substancial do interesse público», porquanto, embora nela tal não esteja expressamente dito, está, porém, implícito que aquele órgão administrativo pode, por razões de interesse público ou de conveniência, conceder a autorização de residência em Macau. Mas a substanciação desse interesse é deferida, integralmente, à Administração. É o Chefe do Executivo que, segundo o seu critério, tem o poder de determinar ou identificar a presença de um interesse, de uma razão de mérito ou de oportunidade e, na sequência disso, caso assim o entenda, conceder a autorização de residência a quem a tenha requerido (os «aspectos» referidos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 16/2021 não constituem verdadeiros pressupostos justificativos da intervenção administrativa em causa. Esta discricionariedade aberta, embora muito próxima da chamada «discricionariedade livre», não se confunde com esta e por isso, não obstante a sua elevada amplitude, o seu exercício não deixa de estar sujeito a critérios jurídicos e, portanto, nessa medida, a algum controlo judicial. Neste mesmo sentido, acolhendo o nosso entendimento e a propósito da norma do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, veja-se o Acórdão do Tribunal de Última Instância de 19.03.2021, processo n.º 8/2021).
No caso em apreço, e na parte concretamente questionada pela Recorrente, a Administração entendeu ser de indeferir o pedido de autorização de residência por considerar que, os antecedentes criminais do Recorrente são de molde a justificar, quanto a ele, um juízo de prognose desfavorável relativamente à sua presença na Região, desaconselhando, desse modo, o deferimento da autorização de residência.
Significa isto, se bem interpretamos o acto administrativo recorrido, que, a Administração, na ponderação que fez e na concreta construção da norma do caso a que procedeu, deu prevalência a razões que se prendem com a salvaguarda da segurança e ordem públicas, em detrimento de razões relativas à reunião familiar do Recorrente com o seu cônjuge. No seu juízo de prognose, considerou a Administração que, estando demonstrando no procedimento administrativo que o Recorrente tem antecedentes criminais, a concreta prossecução do interesse público justificava, no caso, a negação da concessão da autorização de residência na RAEM.
(iv.1)
Consabidamente, a intervenção sindicante do Tribunal relativamente a este juízo administrativo cinge-se à verificação da observância dos chamados critérios jurídicos do exercício da discricionariedade, nomeada, mas não exclusivamente, os princípios gerais da actividade administrativa e em especial os princípios da imparcialidade e da proporcionalidade. Cabe, portanto, ao juiz administrativo controlar a compatibilidade da decisão discricionária com os princípios jurídicos fundamentais que regem a actividade da administração, no sentido, justamente, de determinar se ocorreu a violação flagrante de algum ou alguns deles, através de um controlo que é, essencialmente, negativo.
Todavia, a violação desses princípios só assume relevância invalidante nas situações em que a mesma seja manifesta, ostensiva, evidente (cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC). Como aponta a melhor doutrina, «no que concerne ao controlo efectuado com base nos princípios jurídicos, apenas a sua violação ostensiva ou intolerável (desvio de poder objectivo) poderá basear a anulação jurisdicional dos actos praticados ao abrigo de poderes discricionários, variando a intolerabilidade de tal violação na medida da densidade do princípio em causa e dos circunstancialismos concretos em presença» (assim, por todos, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, A Discricionariedade de Planeamento Urbanístico Municipal na Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa, Coimbra, 2011, p. 105). É precisamente este, também, o sentido que tem sido, nemine discrepante, seguido pelos nossos Tribunais (por todos, e entre muitos outros, cfr. os acórdãos do Tribunal de Última Instância de 30.04.2019, processo n.º 35/2019, de 23.06.2021, processo n.º 55/2021, de 23.07.2021, processo n.º 89/2021, de 24.09.2021, processo n.º 110/2021).
A verdade é que, no caso, ao invés do que vem alegado pelos Recorrentes, estamos em crer que o acto recorrido não violou de modo intolerável o princípio da proporcionalidade, em qual das suas dimensões ou subprincípios em que tradicionalmente se analisa: adequação ou idoneidade; necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Importa salientar, face aos termos do próprio o recurso, que não cabe ao Tribunal sindicar o mérito da decisão administrativa, o juízo de conveniência que nessa decisão se consubstanciou e que, no caso, no sentido de se não justificar uma autorização de residência com base em razões de segurança e ordem pública, a partir de um juízo de prognose que só à Administração cabe fazer e ao qual, portanto, o Tribunal não se pode substituir. É à Administração e só a ela que, no exercício de valorações próprias e autónomas, compete avaliar, tendo em vista a concreta prossecução do interesse público, se, na situação em causa, se justifica ou não autorizar a residência.
3.
Deve, pois, face ao exposto, ser julgado improcedente o presente recurso contencioso.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
*
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo…”
Atento o teor das considerações tecidas pelo Digno Magistrado do Ministério Público que antecede, concordamos inteiramente com a solução, acertada, perspicaz e sensata, nelas apresentada para o caso sub judice, pelo que remetemos para os seus precisos termos e, em consequência, julgamos improcedente o recurso contencioso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em julgar improcedente o recurso contencioso interposto pelos recorrentes A, B, C, D e F, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 7 de Março de 2024

Tong Hio Fong
(Juiz Relator)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1º Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2º Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)



Recurso Contencioso 330/2023 Página 30