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Processo nº 805/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 07 de Março de 2024

ASSUNTO:
- Nulidade da sentença

SUMÁRIO:
- Não podendo a sentença condenar em quantidade superior ou objecto diverso do que se pedir, é a mesma nula se condenar no pagamento de juros acrescidos da sobretaxa dos juros comerciais sem que tal haja sido alegado nem pedido.


____________________
Rui Pereira Ribeiro






Processo nº 805/2023
Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 07 de Março de 2024
Recorrentes: A(Recurso Principal)
B S.A. (Recurso Subordinado)
Recorridos: Os mesmos
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  B S.A., com os demais sinais dos autos,
  veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
  A, também com os demais sinais dos autos,
  Pedindo a condenação deste a pagar:
1. A quantia, em capital, de HK$49.079.911,00, equivalente a MOP50.552.308,33, correspondente aos montantes em dívida pelo Réu em resultado do Contrato de Concessão de Crédito;
2. A quantia, em capital, de HK$32.203.811,79, equivalente a MOP33.169,926,14, correspondente ao montante dos juros que se venceram desde a data de constituição em mora, em 15 de Junho de 2019, e que foram capitalizados a cada trinta dias;
3. Os juros de mora sobre o capital em dívida à taxa contratual de 29,25%, vencidos desde 24 de Fevereiro de 2021, e que, como tal, ainda não fora alvo de capitalização, no montante de HK$1.823.873,12, equivalente a MOP1.878.589,31;
  
  Proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, foi:
1. o Réu condenado a pagar à Autora o capital de HKD51.402.728,73 e os juros de mora de HKD3.157.702,56;
2. o Réu condenado, face ao supracitado capital de HKD51.402.728,73, a pagar à Autora os juros de mora calculados à taxa legal acrescida da taxa adicional prevista no art.º 569.º, n.º do Código Comercial, desde 26 de Outubro de 2020:
3. o Réu absolvido dos restantes pedidos formulados pela Autora por terem sido julgado não procedentes.

  Não se conformando com a sentença veio o Réu interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
(1) Nos autos, tendo a Autora, na parte de pedido da petição inicial, formulado os pedidos seguintes:
“1. A quantia, em capital, de HK$49.079.911,00, equivalente a MOP50.552.308,33, correspondente aos montantes em dívida pelo Réu em resultado do Contrato de Concessão de Crédito;
2. A quantia, em capital, de HK$32.203.811,79, equivalente a MOP33.169,926,14, correspondente ao montante dos juros que se venceram desde a data de constituição em mora, em 15 de Junho de 2019, e que foram capitalizados a cada trinta dias
3. Os juros de mora sobre o capital em dívida à taxa contratual de 29,25%, vencidos desde 24 de Fevereiro de 2021, e que, como tal, ainda não fora alvo de capitalização, no montante de HK$1.823.873,12, equivalente a MOP1.878.589,31;
4. …..”
(2) Segundo a sentença recorrida (constante de fls. 165 a 171, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), nela foi decidido o seguinte:
“1. Condenar o Réu a pagar à Autora o capital de HK$51.402.728,73 e os juros de mora de HK$3.157.702,56;
2. Condenar o Réu, face ao supracitado capital de HK$51.402.728,73, deve pagar à Autora os juros de mora calculados à taxa legal acrescida da taxa adicional prevista no art.º 569.º, n.º2 do Código Comercial, desde 26 de Outubro de 2020;
3. Absolver o Réu dos restantes pedidos formulados pela Autora por terem sido julgados não procedentes.”
(3) O recorrente não se conforma com a parte do decidido que deve pagar à Autora os juros de mora calculados à taxa legal e à taxa adicional prevista no art.º 569.º, n.º 2 do Código Comercial.
(4) De acordo com o pedido formulado pela Autora na petição inicial, tendo esta exigido ao Réu que pagasse os juros de mora fixados em três vezes da taxa legal (ou seja 29,25%), desde 15 de Junho de 2019, e que após o vencimento, os juros fossem capitalizados a cada trinta dias, conforme a cláusula estipulada no “contrato de concessão de crédito” por si celebrado. (vd. petição inicial da Autora)
(5) Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal entendeu que, nos termos do art.º 794.º, n.º1 do Código Civil, e tendo em consideração o ponto n.º10 dos factos provados, foi tirada a conclusão de que o recorrente se encontrou em mora em 1 de Dezembro de 2019.
(6) Embora a Autora, na petição inicial, tenha exigido ao recorrente que pagasse os juros de mora fixados em três vezes da taxa legal (ou seja 29,25%), conforme a cláusula estipulada no “contrato de concessão de crédito” por si celebrado.
(7) O Tribunal a quo, considerando os dispostos nos art.ºs 4.º, 5.º e 6.º da Lei n.º17/92/M, bem como o ponto n.º13 dos factos provados, deu como provado que na assinatura do “contrato de concessão de crédito”, o recorrente não reparou em que na cláusula os juros de mora foram fixados em três vezes dos juros legais, e que nos autos, também não se conseguiu provar que a Autora tivesse lido e explicado ao Réu as cláusulas contratuais, antes da assinatura do Réu.
(8) Pelo que, considerou o Tribunal a quo que, deve a cláusula 17.ª do “contrato de concessão de crédito” celebrado pelo recorrente (ou seja, “face ao montante já vencido, mas não reembolsado, deve o requerente pagar à “B” os juros de mora iguais a três vezes da taxa de juros legais em vigor em Macau .….”) ser considerada inexistente, nos termos da Lei n.º17/93/M.
(9) Mais considerou o Tribunal a quo que a Autora só pode, nos termos das disposições gerais, exigir do Réu o pagamento dos juros de mora calculados à taxa legal sem direito de receber os juros compostos.
(10) O recorrente totalmente concorda com a decisão do Tribunal a quo quanto à exclusão do efeito da cláusula 17.ª do “contrato de concessão de crédito” e o ponto de vista perspicaz e lógico quanto à decisão de que só pode a Autora exigir do recorrente o pagamento dos juros de mora calculados à taxa legal, nos termos das disposições gerais.
(11) Contudo, o Tribunal a quo, por sua vez, considerou que as actividades da Autora evidentemente revestem de natureza comercial e o crédito em causa pertence ao crédito comercial, aos juros pode acrescer uma taxa aadicional prevista no art.º 569.º, n.2 do Código Comercial, pelo que, o recorrente tem que pagar à Autora os juros de mora calculados à taxa de 11,75%.
(12) Finalmente calculou que deve o recorrente o capital de HK$52.479.911 acrescido de juros de mora à taxa legal acrescida da taxa adicional prevista no art.º 569.º, n.º2 do Código Comercial, desde 26 de Janeiro até 26 de Outubro de 2020 e, deduzidas as quantias já reembolsadas pelo Réu na altura, concluiu que o recorrente ainda deve à Autora o capital de HK$51.402.728,73 e os juros de mora de HK$3.157.702,56 (HK$2.762.709,50+HK$394.993,06).
(13) Bem como condenou que face ao capital de HK$51.402.728,73, deve o recorrente pagar à Autora os juros de mora calculados à taxa legal acrescida da taxa adicional prevista no art.º 569.º, n.º2 do Código Comercial, desde 26 de Outubro de 2020.
(14) Salvo o devido respeito, o recorrente não se conforma com os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo quanto ao acréscimo dos juros de mora calculados à taxa adicional prevista no art.º 569.º, n.º2 do Código Comercial.
(15) É de salientar que nos factos da petição inicial, na aplicação da lei e no pedido, tendo a Autora só exigido do recorrente o pagamento de juros de mora calculados a três vezes da taxa legal na parte de pedido da petição inicial, mas não invocado ou aplicado qualquer disposição do Código Comercial.
(16) Realizada a audiência de julgamento, depois de excluído o efeito da cláusula 17.ª do “contrato de concessão de crédito” (não pode a Autora exigir do recorrente o pagamento de juros de mora calculados a três vezes da taxa legal), o Tribunal a quo, por sua vez, na parte da aplicação da lei da sentença recorrida, indicou que, pode a Autora, nos termos das disposições gerais, exigir do recorrente o pagamento de juros de mora à taxa adicional prevista no art.º 569.º, n.º2 do Código Comercial, para além dos juros de mora calculados à taxa legal.
(17) Vistos os factos invocados pela Autora nos autos, a Autora não invocou que as actividades por si exploradas tinham natureza comercial e que o crédito era pertencente ao crédito comercial.
(18) Na fase de julgamento do presente caso, tanto o Tribunal a quo quanto a Autora não apreciaram nem discutiram se as actividades da Autora tinham natureza comercial, se o crédito era pertencente ao crédito comercial, bem como se era necessário o acréscimo de 2% da taxa adicional prevista no art.º 569.º, n.º2 do Código Comercial.
(19) Considera o recorrente que, a decisão tomada pelo Tribunal a quo sobre o acréscimo dos juros calculados à taxa adicional prevista no art.º 659.º, n.º2 do Código Comercial, evidentemente é diferente do pedido formulado pela Autora e fora do objecto de conhecimento.
(20) Pelo que, o que invocou o Tribunal a quo na sentença que deve o recorrente pagar à Autora os juros de mora acrescidos de uma taxa adicional de 2% prevista no art.º 659.º, n.º2 do Código Comercial, evidentemente é diferente da matéria pedida pela Autora e fora do seu âmbito.
(21) Com base nisso, a sentença recorrida condenou em objecto diverso do pedido da Autora, violou os art.ºs 564.º, n.º1 e 571.º, n.º1, al. e) do Código de Processo Civil, incorrendo em vício de nulidade da decisão, assim sendo, deve ser revogada, quanto à parte invocada na sentença que aos juros de mora a pagar pelo recorrente deve acrescer uma taxa adicional de 2% prevista no art.º 659.º, n.º2 do Código Comercial.
(22) Considera o recorrente que após a consideração plena da presunção prevista no art.º 774.º, n.º1 do Código Civil (ou seja presume-se o pagamento efectuado por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital), bem como o ponto n.º8 dos factos provados quanto aos pagamentos parciais efectuados pelo recorrente, segundo os juros de mora calculados à taxa legal (ou seja 9,75%), feito o cálculo, foi obtido o resultado seguinte sobre o capital e os juros que ainda deve o recorrente:
Data de reembolso
26/01/2020
25/03/2020
14/9/2020
26/10/2020
Capital

HK$52.479.911,00
HK$51.264.952,95
HK$51.072.902,65
HK$51.072.902,65
Período de juros (dias)
56 dias
59 dias
173 dias
42 dias
Juros já vencidos
HK$785.041,95
HK$807.949,70
HK$2.360.197,76
HK$527.995,99
Montante já reembolsado
HK$2.000.000
HK$1.000.000
HK$100.000
HK$300.000
Juros vencidos após a dedução
HK$0
HK$0
HK$2.260.197,76
HK$272.995,99
Capital que resta após a dedução
HK$51.264.952,95
HK$51.072.902,65
HK$51.072.902,65
HK$51.072.902,65
(23) Daí resultou que, feito o cálculo até 25 de Outubro de 2020 (incluindo este dia), o recorrente ainda deve à Autora o capital no valor de HK$51.072.902,65, acrescido de juros de mora calculados desde 26 de Outubro de 2020. Por outro lado, feito o cálculo até 25 de Outubro de 2020 (incluindo este dia), são de HK$2.533.193,75 (HK$2.260.197,76+HK$272.995,99) os juros já vencidos que o recorrente ainda não reembolsa.
(24) Pelo que deve o recorrente pagar à Autora o capital de HK$51.072.902,65 e os juros de mora de HK$2.533.193,75: e face ao supracitado capital no valor de HK51.072.902,65, deve o recorrente pagar à Autora os juros de mora calculados à taxa legal, desde 26 de Outubro de 2020.
Pelo acima exposto, pede-se a V.Ex.ª que se digne decidir o seguinte:
(1) Admitir a presente petição do recurso; e
(2) Declarar que a decisão da sentença recorrida relativa a que aos juros de mora a pagar pelo recorrente, deve acrescer uma taxa adicional de 2% prevista no art.º 659.º, n.º2 do Código Comercial, é diferente da matéria pedida pela Autora, violando os art.ºs 564.º, n.º1 e 571.º, n.º1, al. e) do Código de Processo Civil, incorrendo em vício de nulidade de sentença, devendo ser revogada, bem como condenar o recorrente a pagar à Autora o capital de HK$51.072.902,65 e os juros de mora de HK$2.533.193,75; e
(3) Condenar o recorrente, face ao supracitado capital de HK$51.072.902,65, a pagar à Autora os juros de mora à taxa legal desde 26 de Outubro de 2020.
  
  Pela Autora foi interposto recurso subordinado apresentando as seguintes conclusões e pedidos:
A. Com o presente recurso visa, a Recorrente, questionar a apreciação da prova feita pelo douto Tribunal recorrido, do que resultará ser posta em causa a douta decisão na parte.
B. O Tribunal a quo procedeu a um errado julgamento da matéria de facto, assim, em cumprimento do ónus previsto no artigo 599.º do CPC a Recorrente impugnou especificadamente a decisão de facto que incide sobre a resposta dada pelo Tribunal a quo aos quesitos 2.º, 5.º, 6.º e 7.º da base instrutória.
C. Para fundamentar a sua pretensão a Recorrente socorreu-se do conteúdo do “despacho de apreciação da matéria de facto”, em particular dos depoimentos transcritos pelo Meritíssimo Juiz para fundamentar a sua decisão e dos documentos juntos aos autos.
D. Na opinião da Recorrente, os testemunhos produzidos nos autos e a prova documental junta, conjugados com as regras da experiência comum, determinam uma resposta diferente aos supra referidos quesitos.
E. O “despacho de apreciação da matéria de facto” e o depoimento da testemunha C provam que a Recorrente enviou ao Recorrido, em 8 de Novembro de 2019, 13 cartas por correio registado, das quais 6 foram recebidas.
F. As referidas cartas foram juntas pela Recorrente com a sua Petição Inicial como docs. n.º 13 a 16 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo ainda sido junto aos autos o comprovativo do envio das cartas, emitido pelos CTT, de onde consta, designadamente, e a respeito de cada uma das cartas, o número de registo, o código de barras, o nome do destinatário e a respectiva morada.
G. Pelo que, considera a Recorrente que tendo ficou devidamente provado o envio das cartas, a resposta ao Quesito 2 da Base Instrutória deveria ser: “Em 8 de Novembro de 2019, a Autora desde logo interpelou o Réu para a liquidação das quantias devidas, quer atreves de carta conforme doc. 13 a 16, que aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidos.”
H. E ainda que se admita se o Réu não recebeu nenhuma supra aludidas cartas - o que só por mera hipótese académica se admite - tal resulta exclusivamente da acção do próprio Réu que, com o objectivo de se furtar ao pagamento das quantias devidas à Recorrente, se terá esquivado à recepção da correspondência que lhe foi remetida.
I. A Recorrente elaborou previamente o Contrato de Concessão de Crédito, no entanto, percorrendo a decisão da “matéria de facto dada como provada”, em particular os depoimentos nele transcritos, entende a Recorrente que deveria ter resultado provado que o Réu poderia, caso assim o entendesse, solicitar alterações ao seu conteúdo, ou seja, as cláusulas não são rígidas e imutáveis podendo ser alteradas.
J. Por conseguinte, não constando da fundamentação nenhum facto que permita concluir que o Réu solicitou tal alteração e impendendo sobre o Réu o ónus da prova do facto extintivo que alega a resposta ao quesito 5, da base instrutória deveria ser: “Não Provado”
K. Na resposta aos quesitos 6 e 7, salvo devido respeito por melhor entendimento, o Tribunal a quo não teve em consideração as regras de experiência comum que autorizam o juiz a apreciar um determinado comportamento em função do contexto sociocultural em que se insere.
L. Na RAEM, o jogo em casino é, entre outros aspectos, uma actividade juridicamente relevantíssima e, por isso, cuidadosamente regulamentada e sujeita a fiscalização, sendo a sua intenção lucrativa um facto publico e notório perfeitamente aceite no território.
M. Assim, das circunstâncias concretas do caso, do contexto negocial em que o Contrato de Concessão de Crédito para Jogo se insere, dos testemunhos produzidos nos autos e a prova documental junta, resulta claramente que o Réu, não podia ignorar que a sua obrigação estava sujeita a juros. Acresce que, o Réu não só contraiu um crédito para jogo, como ainda solicitou aumento da linha de crédito que lhe foi concedida pela Autora (Factos Provados 1 e 4).
N. As fichas de jogo, como moeda de jogo que circula nos casinos da RAEM, obrigatoriamente convertível em dinheiro por força dos contratos de concessão de jogo, representam o valor nelas indicado, pelo que, qualquer pessoa colocada no lugar do Réu, ao solicitar e utilizar uma linha de crédito sabe e não pode ignorar que a concessão de crédito para jogo, não é um contrato gratuito e, em caso de incumprimento, a obrigação vence juros elevados.
O. A não ser assim qualquer contraente de crédito poderia simplesmente escusar-se no desconhecimento e na falta de compreensão para se furtar ao pagamento dos juros devidos pelo incumprimento dos contratos a que se obrigou.
P. Não basta, ao Recorrido alegar que “não se apercebeu” da cláusula relativa aos juros. Tal alegacão não pode sem mais possuir a virtualidade de inibir o credor, à luz do critério legal, de exigir o pagamento judicial da dívida e dos respectivos juros nem permite concluir sem mais, que a Recorrente omitiu qualquer dever de diligência ou informação que sobre ela impenda, para com o Recorrido.
Q. A Autora é uma sociedade que se dedica à exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito cuidadosamente regulamentada e sujeita a uma rigorosa fiscalização por parte das entidades competentes e com procedimentos internos estritos e estandardizados.
R. Dos depoimentos transcritos no despacho de apreciação da matéria de facto extrai-se que os funcionários da Recorrente seguem determinados procedimentos Internos que garantem o cumprimento das instruções do Governo e da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos e, no caso sub judice o trabalhador responsável segue sempre os seus “Standard Operatíng Procedures”.
S. Atento o exposto, o Tribunal a quo não podia ter deixado de considerar que a Recorrente comunicou e explicou ao Réu, tal como faz a todos os Clientes, todas as cláusulas do contrato.
T. Salvo o devido respeito por melhor entendimento e com todo o respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, a decisão do Tribunal a quo de considerar que a cláusula relativa aos juros não foi devidamente explicada ao Réu e que este dela não tomou conhecimento, não tem em conta o critério do homem médio, e é contrária às regras da experiência comum e ao circunstancialismo em que se fundou a decisão contratual.
U. Atento o exposto, salvo devido respeito por melhor opinião, encontra-se devidamente demonstrado nos autos, que o Réu sabia e não podia ignorar o conteúdo da Cláusula 17.ª do Contrato de Concessão de Crédito e que o clausulado lhe foi explicado pelo funcionário da Autora. Pelo que, a resposta aos quesitos 6 e 7 da base instrutória deveria ser, respectivamente, Não Provado e Provado.
V. Nos termos do art.º 629.º, n.º 1, do CPC, pode o Tribunal ad quem modificar a decisão da matéria de facto, afigurando-se que, in casu, dos autos decorrem todos os elementos para que seja alterada a decisão sem necessidade de reenvio dos autos para novo julgamento, devendo as respostas aos quesitos 2.º, 5.º, 6.º e 7.º ser alteradas nos termos supra expostos.
W. Salvo devido respeito por entendimento divergente, a Recorrente considera que não andou bem o Tribunal a quo ao considerar que, não se aplica ao caso sub judice a excepção prevista na alínea a), n.º 2, do artigo 794.º artigo 2.
X. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, podendo estipular, que as obrigações que contratualizam têm termo certo ou incerto, nos termos do artigo 766.º do Código Civil.
Y. As partes podem convencionar um prazo determinado para o cumprimento das obrigações por elas assumidas, podendo acordar num prazo/data que é determinado logo que a obrigação se constitui, ou podendo acordar que a determinação do prazo para o cumprimento da obrigação só ocorre em momento posterior, nomeadamente, após a ocorrência de um evento predeterminado pelas partes.
Z. De acordo com a Cláusula 16.ª do Contrato de Concessão de Crédito, a Recorrente e o Recorrido acordaram que o cumprimento da obrigação estaria dependente da ocorrência de um evento, a liquidação da obrigação, constituindo-se o devedor em mora 14 dias contados desde a data da liquidação.
AA. Atento o exposto, a obrigação de reembolso do Recorrido consubstancia, nos termos e para os efeitos do artigo 766.º do Código Civil, uma obrigação com prazo determinado, uma vez que a obrigação se vence decorridos 14 dias após efectuado o cálculo dos ganhos e/ou perdas de jogo pela Recorrente e emitida a “Folha de Liquidação” (em inglês “Settlement Sheet”).
BB. Ora, o Réu é jogador da Recorrente, pelo menos desde 2017, sendo um jogador experiente tem perfeito conhecimento de que, após utilizar uma linha de crédito na totalidade, é efectuada a liquidação. Pelo que, ao não efectuar o pagamento do montante em dívida nos 14 dias subsequentes, ou seja, em 14 de Junho de 2019, o Recorrido constituiu-se em mora vencendo-se, a partir dessa, data juros.
CC. Atento o exposto, salvo devido respeito por melhor opinião, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo encontram-se verificados os pressupostos de aplicação da alínea a), n.º 2, do artigo 794.º do Código Civil aos presentes autos, constituindo-se o Reu como devedor em mora, independentemente de interpelação.
DD. Acresce que, nos termos da lei de processo, as notificações no âmbito de processos judiciais presumem-se realizadas 3 dias após o registo, competindo à parte afastar essa presunção na eventualidade de a carta não ser entregue nesse período de tempo - cfr. n.º 2 do artigo 201.º do Código de Processo Civil.
EE. Pelo que, ainda que se entendesse que o cumprimento da obrigação não tem prazo, exigindo-se a interpelação do Réu para que o mesmo se constitua em mora - o que não se admite e apenas se concede por mera cautela de patrocínio -, o Réu deve considerar-se interpelado, em 13 de Novembro de 2019, três dias após o envio das cartas registadas (i. é, 8 de Novembro de 2019), vencendo-se os juros a partir dessa data.
FF. Quanto à eventual aplicabilidade do regime das Cláusulas Contratuais Gerais, como já amplamente se referiu, no modesto entendimento da Recorrente, podendo o Réu propor alterações ao Contrato de Concessão, falha um dos pressupostos de que depende a aplicação do regime das Cláusulas Contratuais Gerais, a rigidez e imutabilidade das cláusulas. Pelo que, não é de aplicar este regime nos presentes autos.
GG. Discordando do conteúdo do clausulado, o Réu, e cada um dos Clientes da Autora, podem propor alterações, podem recusar a assinatura do contrato e podem não utilizar o montante atribuído a título de crédito para jogo. E diga-se que o Réu não só utilizou o montante da linha de crédito, como ainda, posteriormente, solicitou o aumento dessa linha de crédito que, utilizou na totalidade.
HH. O Tribunal a quo considerou a nosso ver erradamente, não só a aplicação deste regime como ainda que a Recorrente não fez prova do dever de comunicação do clausulado contratual que, no entendimento do Tribunal, sobre ela impendia.
II. Não obstante, sempre se dirá que, mesmo admitindo que é de aplicar o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais - o apenas se admite por mera hipótese académica -, a Recorrente fez uma comunicação adequado do seu conteúdo, cumprindo a obrigação de meios a que eventualmente está adstrita.
JJ. O Réu assinou o Contrato de Concessão de Crédito em 6 de Fevereiro de 2019 e, só posteriormente, em 27 de Abril de 2019, começou a usar essa linha de crédito (Factos Provados 2 e 6), pelo que, dispôs de um período de tempo considerável para questionar a Recorrente e/ou para decidir não utilizar a linha de crédito.
KK. Não obstante, mesmo admitindo, por mera hipótese académica que é de aplicar o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais e que, sobre a Recorrente na qualidade de proponente, impende uma obrigação de comunicação e informação, também ao Réu, como aderente, é exigível para esse efeito um comportamento diligente.
LL. Ora, afigura-se-nos que a diligência exigível a quem como o Réu contrai um crédito no montante de HK$60.000.000,00 (sessenta milhões de Dólares de Hong Kong), pressupõe, no mínimo, que o aderente leia o clausulado e conhecimento do seu conteúdo antes de assinar.
MM. Ao Réu como jogador experiente e homem de negócios exigia-se, se tivesse agido com a devida diligência, e tivesse dúvidas em relação ao conteúdo contratual, que lesse integralmente as cláusulas que estava a subscrever, pedindo os esclarecimentos que entendesse necessários, designadamente, antes de começar a usar a linha de crédito e de solicitar o aumento do montante inicialmente contratado.
NN. Entende a Recorrente, que o Recorrido, não pode invocar o desconhecimento dessas cláusulas - e a sua eventual incúria -, para se eximir ao cumprimento, quando esse desconhecimento, a existir - o que não se crê - , apenas resultou da sua falta de diligência.
OO. Atento o exposto, salvo devido respeito por melhor entendimento, não pode considerar-se excluída a Cláusula 17.ª do Contrato de Concessão de Crédito que estipula os juros a pagar em caso de incumprimento, devendo os juros ser calculados à taxa contratualmente acordada, ou seja, 3 vezes a taxa legal (3*9,75=29,25%).
PP. O regime de pagamento de juros em Macau rege-se pelo disposto nos artigos 552.º e seguintes do Código Civil, tendo este regime sido complementado pela Ordem Executiva n.º 29/2006, que fixou a taxa de juros legais e a dos estipulados sem determinação de taxa em 9,75%.
QQ. Assim, tendo a Recorrente e o Recorrido acordado por escrito que os juros são capitalizáveis a 30 dias, os juros a pagar pelo Réu, pelo incumprimento das obrigações pecuniárias decorrentes do Contrato de Concessão de Crédito, são juros compostos.
RR. Atento o exposto, vencido o prazo acordado para o pagamento integral do capital em dívida, passaram a vencer-se juros sobre aquele capital, à taxa contratual acordada equivalente a 3 vezes a taxa legal, ou seja, à taxa de 29,25%, juros esses capitalizados a cada 30 dias, devendo o tribunal condenar o Réu ao pagamento nos termos supra expostos e conforme peticionado pela Recorrente na Petição Inicial.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. Doutamente suprirão, deve, requer-se a V. Exas., que seja o presente recurso julgado procedente:
a) alterando-se a douta decisão proferida pelo Tribunal Colectivo quanto à resposta aos quesitos 2.º, 5.º, 6.º e 7.º da base instrutória, ao abrigo do disposto no art. 629.º n.º 1 al. b) do CPC, que deverão passar a ter as seguintes respostas:
i. Quesito 2: “Em 8 de Novembro de 2019, a Autora desde logo interpelou o Réu para a liquidação das quantias devidas, quer atraves de carta conforme doc. 13 a 16, que aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidos”
ii. Quesito 5: Não Provado
iii. Quesito 6: Não Provado
iv. Quesito 7: Provado”
b) ser revogada a parte da sentença recorrida que indefere os parcialmente os pedidos da Autora, sendo substituída por outra que a julgue procedente por provado o peticionado pela ora Recorrente na Petição Inicial.
  
  Foram colhidos os vistos.
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

  Tendo sido interposto recurso da decisão quanto à Base Instrutória no que concerne às respostas dadas à matéria dos quesitos 2º, 5, 6º e 7º, impõe-se apreciar primeiro esta parte uma vez que, caso seja dado provimento ao recurso pode influenciar a decisão proferida.
  Perguntava-se no quesito 2º o seguinte:
  A Autora desde logo interpelou o Réu à liquidação das quantias devidas, quer através de carta, mensagens escritas e contactos telefónicos, conforme Doc. n.º 13 a Doc. n.º 16º, que aqui se juntam e dão por integralmente reproduzidos?
  Para prova deste quesito, aos autos foram juntas 4 cartas datadas de 7 de Novembro de 2019 remetidas ao Réu por correio registado.
  A fls. 129 é junto cópia de um documento de onde resulta terem sido remetidas 13 cartas registadas para o Réu e agora Recorrente.
  Ora, aceitando-se, face ao facto de 4 destes 13 registos terem as moradas daquelas 4 cartas juntas com a p.i. que é dessas que se trata, tal como se concluiu na decisão recorrida apenas se sabe que em 8 de Novembro de 2019 as cartas foram expedidas por correio registado, uma para a China Continental, duas para Hong Kong e outra para os Estado Unidos da América.
  Mas nada se diz, nem agora se invoca em sede de recurso que permita concluir quando foram recebidas.
  Sendo certo que a invocada regra do nº 2 do artº 201º do CPC só se aplica a processos judiciais, bem se andou na decisão recorrida ao considerar que o Réu havia sido interpelado para pagar em Novembro de 2019 desconhecendo-se o dia certo, o qual nunca poderia ser 8 desse mês como se sustenta em sede de conclusões pois só nessa data foi entregue o correio para ser expedido – cf. fls. 129 -.
  Relativamente à matéria do quesito 5º vem a Autora e agora Recorrente invocar o depoimento prestado por duas testemunhas – G e C por si arroladas – sem contudo “indicar as passagens da gravação em que se fundamenta”.
  Pelo que, no que concerne à impugnação da decisão quanto à resposta dada ao quesito 5º de acordo com a parte final do nº 2 do artº 599º do CPC impõe-se nesta fase negar provimento ao recurso.
  Quanto às respostas dadas aos quesitos 6º e 7º da Base Instrutória vem a Recorrente no essencial invocar que as regras da experiência demandavam uma resposta diferente.
  Sobre esta matéria veja-se Acórdão deste Tribunal de 15.10.2021 proferido no processo nº 240/2021:
  «Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
  Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
  “1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
  2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
  Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
  Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
  A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
  Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao Tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
  Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
  Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.
  Analisada a prova produzida na primeira instância, a saber, a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas, entendemos não assistir razão aos autores.».
  Destarte, não resultando da fundamentação do tribunal “a quo” quanto às respostas dadas à Base Instrutória, erro grosseiro e manifesto, de acordo com o disposto na al. b) do nº 1 e nº 2 do artº 599º do CPC, impõe que se negue provimento ao recurso subordinado no que concerne à impugnação da matéria de facto.

a) Dos Factos

  Nestes autos apurou-se a seguinte factualidade:
1. A Autora é uma sociedade que se dedica à exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, conforme consta de certidão de registo comercial que se encontra junta aos autos de providência cautelar, e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais. (al. A) dos factos assentes)
2. Em 6 de Fevereiro de 2019, a Autora celebrou com o Réu um contrato de concessão de facilidades de crédito designado em inglês por “Application for gaming credit factility” (doravante “contrato de concessão de crédito, conforme cópia que ora se junta como Doc.n.º1, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (al. B) dos factos assentes)
3. Ao abrigo do Contrato de Concessão de Crédito, a Autora obrigou-se a disponibilizar ao Réu crédito para jogo nos seus casinos, ate ao montante máximo de HK$20.000.000,00 (vinte milhões de dólares de Hong Kong). (al. C) dos factos provados)
4. Em 24 de Maio de 2019, o Réu solicitou um aumento da sua limite de crédito para o valor de HK$60.000.000,00 (sessenta milhões de dólares de Hong Kong), para o que preencheu, e assinou, o formulário intitulado “Application for a cheque cashing or credit facility limit change – TTO”, pedido que foi aprovado, conforme cópia que ora se junta como Doc.n.º2 e que aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (al. D) dos factos provados)
5. Em cumprimento do acordado, a Autora desembolsou a favor do Réu, em fichas para jogo, a quantia total de HK$60.000.000,00 (sessenta milhões de dólares de Hong Kong), que o Réu utilizou. (al. E dos factos assentes)
6. O Réu fez uso do montante total do crédito, mas de uma forma faseada, para o que assinou várias requisições de crédito (“markers”), em diferentes datas, e com diferentes montantes, em concreto:
* Marker n.ºCM170274, de 27 de Abril de 2019, no montante de HK10.000.000,00;
* Marker n.ºCM170357, de 30 de Abril de 2019, no montante de HK3.000.000,00;
* Marker n.ºCM170599, de 10 de Maio de 2019, no montante de HK1.000.000,00;
* Marker n.ºCM170686, de 13 Maio de 2019, no montante de HK2.000.000,00;
* Marker n.ºCM170711, de 14 de Maio de 2019, no montante de HK10.000.000,00;
* Marker n.ºCM170739, de 16 de Maio de 2019, no montante de HK6.000.000,00;
* Marker n.ºCM170759, de 17 de Maio de 2019, no montante de HK7.000.000,00;
* Marker n.ºCM170839, de 19 de Maio de 2019, no montante de HK1.000.000,00;
* Marker n.ºCM171143, de 28 de Maio de 2019, no montante de HK10.000.000,00; e
* Marker n.ºCM171160, de 29 de Maio de 2019, no montante de HK10.000.000,00.
Conforme Doc. n.º3 a Doc.n.º12, que aqui se juntam e dão por integralmente reproduzidos. (al. F) dos factos assentes)
7. Estas quantias foram integralmente disponibilizadas em fichas de jogo, que o Réu jogou no casino D, explorado pela Autora. (al. G) dos factos assentes)
8. Entre 15 de Junho de 2019 e a presente data o Réu fez quatro pagamentos parciais, no valor total de HK$3.400.000,00, a saber:
* Em 26 de Janeiro de 2020, o Réu efectuou um pagamento parcial no montante de HK$2.000.00,00;
* Em 25 de Março de 2020 o Réu efectuou um pagamento no montante de HK$1.000.000,00;
* Em 14 de Setembro de 2020 o Réu efectuou um pagamento no montante de HK$100.000.00; e
* Em 26 de Outubro de 2020 o Réu efectuou um pagamento parcial no montante de HK$300.000,00. (al. H) dos factos assentes)
Da audiência de julgamento, resultaram provados os factos: (vd. fls. 153 a 155 quantos aos fundamentos pelos quais foram dados como provados os factos)
9. Deduzido o valor de depósitos e comissões a que o Réu tinha direito, permaneceu em dívida a quantia de HK$52.479.911,00, que nos termos contratuais o Réu deveria reembolsar no prazo de 14 dias contados da data de realização da liquidação, o que aconteceu em 1 de Junho de 2019. (resposta ao quesito n.º1 dos factos a provar)
10. Em Novembro de 2019, a Autora interpelou o Réu à liquidação das quantias devidas. (resposta ao quesito n.º2 dos factos a provar)
11. O “contrato de concessão de crédito” indicado na al. B) dos factos assentes foi redigido previamente pela Autora e o seu teor também foi redigido unilateralmente pela Autora. (resposta ao quesito n.º4 dos factos a provar)
12. Para além da quota de crédito e do prazo de reembolso que podem ser discutidos com a Autora, pelo menos, o Réu não pode exigir a alteração do conteúdo da cláusula 17.ª do “contrato de concessão de crédito”, mas sim só tem que aceitar o conteúdo simples e meramente. (resposta ao quesito n.º5 dos factos a provar)
13. Na assinatura do “contrato de concessão de crédito”, indicado na al. B) dos factos assentes, o Réu não reparou em que na cláusula os juros de mora foram fixados em três vezes dos juros legais. (resposta ao quesito n.º6 dos factos a provar)
  
b) Do Direito
  
  É o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «Cabe ao Tribunal analisar concretamente os factos dados como provados nos autos e aplicar a lei, a fim de resolver o litígio entre as partes.
  Segundo os factos dados como provados, nos autos entre as partes existe uma relação de mútuo prevista no art.º 1070.º e seguintes do Código Civil.
  Segundo os pontos 2 e 9 dos factos provados, o Réu fica obrigado a reembolsar o capital de HK$52.479.911,00 conforme previsto na cláusula 16.ª do “contrato de concessão de crédito”, constante de fls. 7 a 9 dos autos.
  Nos autos o que está em causa é os juros de mora, que precisamente, devem ser calculados a partir de quando, e qual é a respecitva taxa dos juros, se a Autor tem o direito a considerar os juros de mora já aparecidos como capital, de tal modo a receber os juros adicionais e se está correcto o cálculo dos juros invocado pela Autora.
  Em relação a que a partir de quando devem ser calculados os juros de mora, o “contrato de concessão de crédito” dispõe na sua cláusula 16.ª que “Salvo disposição em contrário no contrato, o requerente concorda que irá reembolsar todos os créditos concedidos em “E”, ou “D”, ou “F” ou os que a “B” deu instruções e forneceu, no prazo máximo de 14 dias contados a partir da data de reembolso. E para a finalidade desta cláusula, o reembolso refere-se à operação de cálculo feita pelo “B” através dos prémios e/ou prejuízos de jogos, que foi arquivado na tabela de reembolso.”
  Nos termos do art.º 794.º, n.º1 do Código Civil, como princípio geral, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, a não ser que ocorra a situação prevista no n.º2 do mesmo artigo.
  De acordo com o conteúdo da cláusula 16.ª do “contrato de concessão de crédito”, deve a Autora proceder previamente ao cálculo (settlement) dos prémios ou prejuízos de jogos. Quer dizer, só depois do processo de cálculo feito pela Autora, pode o Réu saber qual a quantia em concreto que deve reembolsar. E de acordo com o ponto n.º9 dos factos provados, a liquidação deu-se em 1 de Junho de 2019.
  Nos autos, o que precisa de ser explorado é se o Réu está em situação de mora, uma vez feita a liquidação e ele não efectuou o pagamento dentro do prazo de 14 dias previsto na supracitada cláusula 16.ª, ou só após a Autora ter notificado o Réu da liquidação?
  Salvo melhor entendimento, o presente caso não constitui qualquer uma das situações previstas no n.º2 do art.º 794.º do Código Civil, em particular, a situação prevista na al. a).
  Quanto a esta questão, servindo como referência do direito comparado, este Tribunal entende que vale seguir o ponto de vista do douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 10/7/2014 no processo 3120/10.0T2OVR.C1, que indica:
  “I – A dispensa de interpelação do devedor prevista no art.º 805.º, n.º2, al. a) do CC, pressupõe que a obrigação tenha efectivamente, de antemão, um prazo ceto, correspondendo este à fixação de um lapso de tempo calendarizável, em termos de tornar inequívoco ao devedor o momento exacto (o dia) em que deve cumprir.
  II – Não corresponde à fixação de um prazo certo, não dispensando a interpelação, a referência a um evento ou acontecimento, determinável mas não determinado (do tipo: pagar no final de todos os trabalhos), quando evento se não siga a efectiva fixação de um prazo passível de determinação pelo calendário.”
  Com base nisso, este Tribunal considera que nos termos do art.º 794.º, n.º1 do Código Civil, tendo em consideração o ponto n.º10 dos factos provados, deve ser dado com provado que o Réu se encontrava em mora, a partir de 1 de Dezembro de 2019 (dado que os factos provados não conseguem indicar qual o dia de Novembro em que o Réu foi interpelado)
  Em seguida, cabe analisar qual a taxa que deve ser e se a Autora tem o direito a receber os juros compostos.
  Quanto a esta questão o que se deve analisar é o efeito da cláusula 17.ª do “contrato de concessão de crédito”. Segundo tal cláusula: “Face ao montante já vencido, mas não reembolsado, deve o requerente pagar à “B” os juros de mora iguais a três vezes da taxa de juros legais em vigor em Macau, que poderá ser actualizada eventual e constantemente. O requerente autoriza expressamente que pode a “B” incluir no capital quaisquer juros específicos de compensação que serão calculados 30 dias após o vencimento.”
  Realizada a audiência de julgamento, nos autos os factos provados indicam que:
  “- O “contrato de concessão de crédito” indicado na al. B) dos factos assentes foi redigido previamente pela Autora e o seu teor também foi redigido unilateralmente pela Autora.
  - Para além da quota de crédito e do prazo de reembolso que podem ser discutidos com a Autora, pelo menos, o Réu não pode exigir a alteração do conteúdo da cláusula 17.ª do “contrato de concessão de crédito”, mas sim só tem que aceitar o conteúdo simples e meramente.
  - Na assinatura do “contrato de concessão de crédito”, indicado na al. B) dos factos assentes, o Réu não reparou em que na cláusula os juros de mora foram fixados em três vezes dos juros legais.”
  Além disso, depois de realizada a audiência de julgamento, não ficou provado o ponto n.º7 dos factos a provar - (“Todas as cláusulas dos contratos, inclusivamente as relativas ao modo e prazo de pagamento, assim como as cláusulas referentes aos juros, foram lidas e explicadas a cada ao Réu antes da assinatura de cada contrato?”)
  De acordo com os factos supra referenciados, pelo menos, a cláusula 17.ª do “contrato de concessão de crédito” constitui a cláusula geral do contrato previsto no art.º 1.º, n.º2 da Lei n.º17/92/M.
  Nos termos do art.º 4.º da supracitada lei, as cláusulas contratuais gerais inseridas em propostas de contratos singulares consideram-se incluídas nestes pela aceitação desde que observadas as disposições previstas no art.º art.ºs 5.º e 6.º da lei.
  A razão para o legislador é implementar o princípio da autonomia da vontade e garantir que a outra parte contratante manifesta o consentimento para a celebração do contrato só quando tiver clareza sobre a existência, conteúdo e sentido das cláusulas contratuais gerais previamente preparadas, de modo a que pode estar sujeito ao contrato.
  Segundo o art.º 5.º da supracitada lei, a Autora fica obrigada a notificar a parte e nos termos do n.º3 do mesmo artigo, cabe à Autora o ónus de prova, a fim de provar o cumprimento do dever de notificação. Além disso, nos termos do art.º 6.º, a Autora é obrigada ainda a fornecer informações.
  Nos autos, segundo o ponto n.º13 dos factos provados, na assinatura do “contrato de concessão de crédito”, o Réu não reparou em que na cláusula os juros de mora foram fixados em três vezes dos juros legais. Além disso, realizada a audiência de julgamento, finalmente também não se conseguiu provar que a Autora tivesse lido e explicado ao Réu as cláusulas contratuais, antes da assinatura do Réu.
  Tendo em consideração que cabe à Autora provar o cumprimento dos deveres previstos nos art.º 5.º, n.º2 e 6.º da supracitada lei, contudo, realizada a audiência de julgamento, quando os factos provados não deram para mostrar o cumprimento dos deveres por parte da Autora, deve a cláusula 17.ª do “contrato de concessão de crédito” ser considerada inexistente, nos termos do art.º 5.º, als. a) e b) da lei supra referenciada.
  Na exclusão do efeito da dita cláusula, nos autos só pode a Autora, nos termos das disposições gerais, exigir do Réu o pagamento dos juros de mora calculados à taxa legal sem direito de receber os juros compostos. (como evidentemente as actividades da Autora revestem de natureza comercial e o crédito em causa pertence ao crédito comercial, aos juros pode acrescer a taxa adicional prevista no art.º 569.º, n.2 do Código Comercial).
  Isto quer dizer, face ao capital de HK$52.479.911,00, deve o Réu pagar à Autora os juros de mora calculados à taxa de 11,75%, desde 1 de Dezembro de 2019.
  Dado que as partes não celebraram acordo em contrário, ao presente caso é aplicável a presunção prevista no art.º 774.º, n.º1 do Código Civil, ou seja presume-se o pagamento efectuado por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.
  Indica o ponto n.º8 dos factos provados que o Réu efectuou pagamentos parciais, assim, feito o cálculo, foi obtido o resultado seguinte:
Data de reembolso
26/01/2020
25/03/2020
14/9/2020
26/10/2020
Capital
HK$52.479.911,00
HK$51.425.987,20
HK$51.402.728,73
HK$51.402.728,73
Período de juros (dias)
56 dias
59 dias
173 dias
42 dias
Juros já vencidos
HK$946.076,20
HK$976.741,52
HK$2.862.709,50
HK$694.993,06
Montante já reembolsado
HK$2.000.000
HK$1.000.000
HK$100.000
HK$300.000
Juros vencidos após a dedução
HK$0
HK$0
HK$2.762.709,50
HK$394.993,06
Capital que resta após a dedução
HK$51.425.987,20
HK$51.402.728,73
HK$51.402.728,73
HK$51.402.728,73
  Em suma, feito o cálculo até 25 de Outubro de 2020 (incluindo este dia), o Réu ainda deve à Autora o capital no valor de HK$51.402.728,73, acrescido de juros de mora calculados desde 26 de Outubro de 2020. Por outro lado, feito o cálculo até 25 de Outubro de 2020 (incluindo este dia), são de HK$3.157.702,56 (HK$2.762.709,50+HK$394.993,06) os juros já vencidos que o Réu ainda não reembolsa.».
  
  O Recurso interposto pelo Réu versa apenas na alegada nulidade da sentença recorrida por aplicar aos juros de mora a sobretaxa de 2% dos juros comerciais prevista no artº 659º nº 2 do C.Com. o que em momento algum foi pedido.
  A aplicação da sobretaxa dos juros comerciais depende da previa qualificação do acto como sendo de comércio para uma das partes o que tem de ser invocado como causa de pedir.
  Ora, sem prejuízo de resultar da prova produzida que a Autora exerce a actividade de concessão de crédito para jogo no âmbito do exercício da sua actividade comercial, o certo é que, em momento algum da p.i. tal se invoca bem como que aos juros acresça a sobretaxa dos juros comerciais.
  De acordo com o disposto no nº 1 do artº 564º do CPC “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”, pelo que, tendo condenado no pagamento de juros acrescidos da sobretaxa dos juros comerciais sem que tal houvesse sido alegado e pedido na p.i. é a mesma nula nesta parte de acordo com o disposto na alínea e) do nº 1 do artº 571º do mesmo diploma legal.
  Assim sendo deve proceder-se a novo cálculo dos valores devidos.
Data de reembolso
26/01/2020
25/03/2020
14/9/2020
26/10/2020
Capital
HKD52.479.911,00
HKD51.264.952,95
HKD51.072.902,65
HKD51.072.902,65
Período de juros (dias)
56 dias
59 dias
173 dias
42 dias
Juros já vencidos
HKD785.041,95
HKD807.949,70
HKD2.360.197,76
HKD572.995,99
Montante já reembolsado
HKD2.000.000,00
HKD1.000.000,00
HKD100.000,00
HKD300.000,00
Juros vencidos após a dedução
HKD0
HKD0
HKD2.260.197,76
HKD272.995,99
Capital que resta após a dedução
HKD51.264.952,95
HKD51.072.902,65
HKD51.072.902,65
HKD51.072.902,65
  
  Destarte, deve ser concedido provimento ao recurso interposto pelo Réu.
  
  No que concerne à decisão de direito vem a Autora e aqui também Recorrente sustentar que ao caso se aplica a alínea a) do nº 2 do artº 794º do C.Civ..
  Ora, nesta matéria nada mais há a acrescentar à Douta decisão recorrida a cujos fundamentos aderimos integralmente sem reservas e para os quais remetemos, negando provimento ao recurso.
  No mais sustenta a Autora Recorrente que os juros haveriam de ser contados desde 13.11.2019, o que como resulta da improcedência do recurso quanto à matéria de facto, não tendo nesta fundamento, bem se decidiu ao contar os juros desde 1 de Dezembro uma vez que se desconhece o dia de Novembro em que o Réu haja sido interpelado
  
  Termos em que, deve ser negado total provimento ao Recurso da Autora.
  
III. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
  1. Concedendo-se provimento ao recurso do Réu altera-se a decisão recorrida no que concerne à taxa de juros os quais devem ser calculados de acordo com a taxa dos juros legais condenando-se o Réu:
  - A pagar à Autora o capital de HKD51.072.902,65 e os juros de mora de HKD2.533.193,75;
  - Com base no supracitado capital de HKD51.072.902,65, a pagar à Autora os juros de mora calculados à taxa legal, desde 26 de Outubro de 2020.
  - Mantendo-se em tudo o mais a decisão recorrida.
  2. Negar provimento ao Recurso subordinado interposto pela Autora.
  
  Custas pela Autora Recorrente quanto ao Recurso por si interposto, não se condenado nenhuma das partes em custas quanto ao Recurso interposto pelo Réu porquanto em momento algum a Autora invocou ou sustentou a parte da decisão revogada, sendo as custas devidas em 1ª instância nos termos em que ali se condenou, mas de acordo com o agora decidido no que concerne a valores.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 07 de Março de 2024
  Rui Pereira Ribeiro
  (Relator)
  Fong Man Chong
  (Primeiro Juiz Adjunto)
  Ho Wai Neng
  (Segundo Juiz Adjunto)

805/2023 CÍVEL 1