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Processo nº 31/2023
(Reclamação para a Conferência)

Data do Acórdão: 14 de Março de 2024

ASSUNTO:
- Condenação como litigante de má-fé
- Consignação em depósito


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Rui Pereira Ribeiro














Processo nº 31/2023
(Reclamação para a conferência)

Data: 14 de Março de 2024
Recorrente: A
Recorrido: B
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
  
  I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos, notificada do Acórdão proferido nestes autos que negou provimento aos recursos por si interpostos veio a fls. 822 – tradução fls. 827/828 - requerer o levantamento da quantia depositada e objecto destes autos de Consignação em Depósito.
  A fls. 829 foi proferido o seguinte despacho:
  «Fls. 822: Considerando que o recurso versa sobre a legitimidade da consignação em depósito,
  Considerando que a decisão proferida ainda não transitou em julgado nem a Requerente renuncia ao recurso,
  Notifique a Recorrente e ora Requerente para esclarecer se o requerimento de fls. 822 equivale a aceitação da decisão e renuncia ao direito de recurso para efeitos do disposto no nº 2 do artº 586º do CPC.».
  Notificada daquele despacho veio a Requerente apresentar dois requerimentos a fls. 832 e 833 – traduzidos a fls. 838/840 -, onde vem interpor recurso do Acórdão proferido e em resposta àquele despacho esclarecer que o pedido apresentado de receber a quantia depositada visa apenas suspender a contagem dos juros e demonstra que não se trata de não receber/recusar de receber a dívida a que tem direito, apesar de não se conformar com o Acórdão deste Tribunal.
  A fls. 841 foi o recurso admitido e ordenada a notificação da Recorrida e Requerente da Consignação em Depósito para se pronunciar sobre o requerimento de fls. 833.
  A fls. 844 a Recorrida informou nada opor que a Recorrente receba a quantia depositada nos autos.
  A fls. 845 foi proferido o seguinte despacho:
  «Fls. 822, 833 e 844:
  Considerando o pedido da Recorrente e a não oposição da Recorrida, havendo o depósito sido feito à ordem do Juiz da Primeira Instância, remeta os autos ao tribunal “a quo” para decidir o que houver por conveniente sem prejuízo do recurso interposto.».
  A fls. 902, em 14.09.2023, foi feita a remessa dos autos ao Tribunal Judicial de Base para os efeitos ordenados naquele despacho.
  A fls. 903 – traduzido a fls. 909/910 -, em 15.09.2023 a Recorrente veio apresentar requerimento em que desiste do pedido de levantamento do dinheiro formulado em 26.06.2023, acrescentando que «não se opõe a que seja exarado despacho no sentido de a requerente B retirar a quantia depositada e emitir, a favor da requerida A, livrança ou cheque de qualquer banco em Macau, a entregar no escritório da mandatária judicial da Autora.».
  Proferido imediatamente despacho a fls. 904 solicitando a imediata devolução dos autos a este Tribunal e a tradução do requerimento apresentado, obtida esta, a fls. 911/912 foi proferido o seguinte despacho:
  «Fls. 903 (traduzido a fls. 909/910):
  Vem a Requerida e Recorrente desistir da sua pretensão a fls. 822 e 833 em que pedia que lhe fosse passado precatório cheque sobre a quantia depositada nos autos.
  Em tudo o mais que a Requerida e Recorrente refere no seu requerimento cabe referir:
  - O presente processo visa apreciar da legalidade da consignação em depósito;
  - A fls. 822, após a notificação do Acórdão proferido e no prazo do recurso a Requerida e Recorrente veio pedir o levantamento e que lhe fosse entregue a quantia depositada;
  - Notificada para esclarecer se tal pressupunha renuncia ao recurso veio a Requerida e Recorrente esclarecer que pretendia recorrer mas aceitava receber a quantia depositada nos termos que constam de fls. 833.
  - Nada opondo a parte contrária que lhe fosse entregue a quantia depositada foram os autos remetidos ao tribunal “a quo” para determinar o que tivesse por conveniente;
  - Vem agora a Requerida e Recorrente desistir do pedido que lhe seja entregue a quantia depositada e declarar que nada opõe que a Requerente e Recorrida levante a quantia depositada por si e lhe entregue o valor depositado através de cheque.
  Ora a sugestão de que a Requerente e Recorrida levante a quantia depositada acarretaria para esta a desistência da consignação em depósito, deixando este processo de ter objecto, inutilizando tudo quanto havia sido decidido e permitindo eventualmente que a discussão entre as partes sobre a questão dos juros voltasse a poder ser colocada.
  Não cabendo a este tribunal pronunciar-se no sentido de sugerir às partes que desistam da sua pretensão, nada mais há a decidir sobre a requerido que não seja ficar sem efeito o pedido da Requerida e Recorrente de lhe ser entregue a quantia depositada.
  Custas pelo incidente a cargo da Requerida/Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s dado o anómalo da situação e a actividade processual gerada sem propósito algum.
  Notifique sendo a Requerida/Recorrente também para se pronunciar sobre a sua eventual condenação como litigante de má-fé.
  Macau, 25.09.2023.».
  
  A Recorrente, notificada daquele despacho remeteu-se ao silencia nada dizendo.
  *
  A fls. 915 a Recorrida e Requerente da Consignação em Depósito veio pedir que fosse autorizado o depósito da quantia que resultava em falta da decisão proferida no montante que liquidou de MOP6.021,37 (capital em falta mais juros vencidos) uma vez que a Recorrente e Requerida nestes autos se recusa e não aceita receber.
  Notificada a Recorrente daquele requerimento a fls. 929 – traduzido a fls. 933/934 – veio aquela alegar que a quantia era inferior ao que tinha direito a receber pelo que se recusava a receber o cumprimento parcial da obrigação.
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  A fls. 935/937 foi proferido o seguinte despacho:
  «Fls. 915 e 929 (933/934):
  Na decisão recorrida e confirmada por este tribunal foi decidido que ao depósito realizado faltava a quantia HKD4.421,42 que corresponde a MOP4.554,06 considerando a taxa de câmbio de 1.03, condenando-se a Requerente a pagar aquela quantia;
  Dali não resulta que aquela quantia seja acrescida de juros – nem quanto a essa parte foi interposto recurso -, pelo que a quantia em cujo pagamento a Requerente da Consignação em Depósito, agora Recorrida foi condenada é devida na data da sentença proferida em 1ª instância, isto é, 26.07.2022 – cf. fls. 252 v. -.
  Confirmada aquela decisão por Acórdão deste Tribunal e interposto Recurso desse Acórdão com efeito meramente devolutivo, veio a Recorrida, alegando que a Recorrente se recusava a receber o pagamento pedir a emissão de guia de depósito à ordem dos autos da quantia de MOP6.021,37 considerando serem devidos juros desde 31.12.2019, embora tenha por erro calculado que o capital de 4.422,00 (4.421,42 arredondado para a unidade superior) era em Patacas e não em Dólares de Hong Kong como consta da decisão – cf. fls. 915 -.
  Notificada a Recorrente daquele requerimento veio esta dizer que recusava o pagamento parcial nos termos do nº 1 do artº 753º do C.Civ., porquanto o capital em dívida não era de MOP4.422,00 mas de MOP4.554,06.
  Porém, errou a Recorrente na liquidação do montante devido.
  Sendo o capital em dívida MOP4.554,06 os juros contados à taxa legal desde a data da decisão em primeira instância – 26.07.2022 – até ao dia de hoje – 09.11.2023 – são iguais a MOP574,19, perfazendo o valor global de MOP5.128,25, isto é, valor bastante inferior ao oferecido como pagamento pela Recorrida.
  Assim sendo, embora a Recorrente esteja correcta quanto ao erro de MOP132,06 quanto ao valor do capital em dívida porque se omitiu a conversão de Dólares de Hong Kong para Patacas, está errada quanto ao valor global devido uma vez que o oferecido é superior ao devido em MOP893,12.
  Termos em que a sua recusa não é legítima uma vez que o pagamento oferecido não era parcial mas superior até ao devido, pelo que, deve ser deferida a passagem de guias para depósito do valor devido à ordem dos autos, considerando-se o capital em dívida de MOP4.554,06 e os juros devidos no dia em que a guia for passada, contados desde a data da decisão em 1ª Instância (26.07.2022).
  Pelos fundamentos expostos, remeta os autos à 1ª instância para efeitos de ser passada a guia para consignação em depósito à ordem dos autos da quantia devida a calcular nos termos indicados, sem prejuízo da Recorrente se oferecer para receber o montante a que tem direito até que aquelas sejam emitidas.
  Custas pelo incidente a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc´s.
  Da litigância de má-fé.
Já dizíamos no despacho de fls. 911 o seguinte:
«Em tudo o mais que a Requerida e Recorrente refere no seu requerimento cabe referir:
- O presente processo visa apreciar da legalidade da consignação em depósito;
- A fls. 822, após a notificação do Acórdão proferido e no prazo do recurso a Requerida e Recorrente veio pedir o levantamento e que lhe fosse entregue a quantia depositada;
- Notificada para esclarecer se tal pressupunha renuncia ao recurso veio a Requerida e Recorrente esclarecer que pretendia recorrer mas aceitava receber a quantia depositada nos termos que constam de fls. 833.
- Nada opondo a parte contrária que lhe fosse entregue a quantia depositada foram os autos remetidos ao tribunal “a quo” para determinar o que tivesse por conveniente;
- Vem agora a Requerida e Recorrente desistir do pedido que lhe seja entregue a quantia depositada e declarar que nada opõe que a Requerente e Recorrida levante a quantia depositada por si e lhe entregue o valor depositado através de cheque.
Ora a sugestão de que a Requerente e Recorrida levante a quantia depositada acarretaria para esta a desistência da consignação em depósito, deixando este processo de ter objecto, inutilizando tudo quanto havia sido decidido e permitindo eventualmente que a discussão entre as partes sobre a questão dos juros voltasse a poder ser colocada.
Não cabendo a este tribunal pronunciar-se no sentido de sugerir às partes que desistam da sua pretensão, nada mais há a decidir sobre a requerido que não seja ficar sem efeito o pedido da Requerida e Recorrente de lhe ser entregue a quantia depositada.».
A acrescer ao que já ali se dizia, temos agora o incidente supra relatado e que desnecessário se torna repetir.
Toda a actuação da Requerida/Recorrente nestes autos tem sido a de criar situações que gerem litígios sem contribuir de forma alguma para a solução da verdadeira questão que é apenas receber aquilo que lhe é devido sem protelar esse mesmo recebimento para receber mais juros, ponto que está desde a decisão da causa principal da qual estes decorrem na génese do problema uma vez que não lhe foi dada razão pelo TUI no sentido de receber tudo quanto se achava com direito.
Tão flagrante o é que repetiu agora no que concerne ao recebimento das MOP4.554,06 a mesma forma de actuar que já vem descrita na factualidade apurada em sede de consignação em depósito, com a diferença que desta vez, porquanto estava já o tribunal alertado para o comportamento, ficou documentado nos autos o comportamento tendo-se chegado ao ponto de recusar receber mais do que aquilo a que tinha direito com o pretexto de que lhe era lícito recusar o pagamento parcial, não se dando sequer ao cuidado de proceder à liquidação e ver que apesar do erro na indicação dos factores era oferecido o pagamento de mais do que era devido
Erro esse, nos factores, que resultou da omissão da conversão da moeda que consta da decisão em Dólares de Hong Kong para Patacas e que poderia facilmente ser resolvido assim houvesse a intenção de receber e colaborar como era sua obrigação.
De acordo com o disposto no nº 2 alínea c) do artº 385º do CPC, litiga de má-fé quem com dolo cometer omissão grave do dever de cooperação, situação na qual se enquadra a descrita nestes autos.
A parte que litigar de má-fé é condenada em multa nos termos do nº 1 do indicado preceito legal.
A multa é fixada entre 2 e 100 UC´s nos termos do artº 101º do RCT.
Notificada a Requerida/Recorrente para se pronunciar esta silenciou.
Termos em que, por este incidente vai a Requerida/Recorrente A condenada como litigante de má-fé na multa igual a 20UC´s.
Notifique.
Macau, 09.11.2023.».

Não se conformando com aqueles dois despachos veio a Recorrente interpor recurso dos mesmos nos termos de fls. 944 a 947, traduzidos a fls. 952 a 961.

Por despacho de fls. 962v./963 foi aquele recurso convolado em reclamação para a conferência.

Notificada a Recorrida daquela Reclamação a mesma silenciou.
Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
  II. FUNDAMENTAÇÃO
  
No que concerne à sua condenação como litigante de má-fé nada acrescenta a agora Reclamante que altere a decisão proferida.
Aliás, o uso destes autos para protelar a resolução do processo, com o intuito de fazer deliberadamente a parte contrária incorrer no pagamento de juros ao mesmo tempo que protela e multiplica as acções judiciais num desgaste sem fundamento daqueles contra quem litiga é patente na actuação referente à aceitação do pagamento agora oferecido e que recusou receber, numa atitude manifesta de má-fé, pois ainda que lhe assistisse razão – o que não é o caso uma vez que como resulta do despacho proferido o montante oferecido era até superior àquele que tinha direito a receber -, caso o erro que aponta estivesse correcto e o cálculo estivesse errado porque a conta foi feita tendo por base Patacas quando devia ser Dólares de Hong-Kong, cuja diferença cambial é igual a 1,03 o que no valor em causa correspondia a uma diferença de MOP132,06, caso houvesse vontade de resolver a questão, fácil teria sido apresentar as contas e deixar então a parte contrária demonstrar se queria pagar ou não.
O resultado foi este tribunal concluir que a contagem de juros incidia sobre um período superior àquele que era devido e concluir que o montante oferecido era superior ao devido.
Se dúvidas ainda houvesse sobre a motivação com que a Recorrente litiga, o que já não era o caso pois já havia sido ordenado que se pronunciasse sobre a sua eventual condenação como litigante de má-fé, esclarecidos ficámos.
Destarte, no que concerne à condenação como litigante de má-fé, nada mais há a acrescentar mantendo-se o decidido.

Relativamente ao despacho em que se ordena a remessa dos autos à primeira instância para que se proceda à consignação em depósito como se requereu vem a Reclamante sustentar que os juros devidos sobre a quantia de HKD4.421,42 são devidos desde a data do Acórdão de Última Instância em 29.11.2019 e não desde a data da sentença em primeira instância em 26.07.2022 como se decidiu a fls. 935/936.
Contudo, não lhe assiste razão. Para que os juros fossem devidos desde a data em que foi proferido o Acórdão do TUI que indica era necessário que tal resultasse da decisão em 1ª instância o que não acontece.
A circunstância de na decisão em 1ª instância não se ter fixado que a quantia que havia a pagar de HKD4.421,42 era acrescida de juros, apesar das longas extensas e complexas alegações de recurso da Recorrente, não foi objecto de recurso.
Logo, este tribunal em sede de recurso não podia apreciar se eram devidos juros a partir de momento algum a anterior àquela decisão, não só porque a decisão não o diz, como também porque não tendo sido interposto recurso daquela decisão nessa parte a mesma transitou em julgado quanto à “não fixação de juros a contar de data anterior”, nada mais se podendo decidir a esse respeito.
Daí que a liquidação dos juros a contar desde a data da sentença proferida em 1ª instância se mostra correcta, nada havendo a reparar.

Destarte, impõe-se concluir no sentido de manter as duas decisões reclamadas.
  
  III. DECISÃO
  
Termos em que, pelos fundamentos expostos, indeferindo a reclamação apresentada, mantém-se o despacho recorrido de fls. 935 a 937v. e em consequência:
- Ordena-se a remessa dos autos à 1ª instância para efeitos de ser passada a guia para consignação em depósito à ordem dos autos, da quantia devida a calcular nos termos indicados a fls. 935/936, sem prejuízo da Recorrente se oferecer para receber o montante a que tem direito até que aquelas sejam emitidas.
- Pelo incidente descrito a fls. 936/937v. e supra transcrito, condena-se a Reclamante/Requerida/Recorrente A como litigante de má-fé na multa igual a 20UC´s.

Mantendo-se a condenação da Reclamante pelo incidente a fls. 936 sendo a taxa de justiça fixada em 3 Uc´s, vai também a Reclamante condenada nas custas desta Reclamação.

Notifique.

RAEM, 14 de Março de 2024
Rui Pereira Ribeiro (Relator)
Fong Man Cong (Primeiro Juiz Adjunto)
Ho Wai Neng (Segundo Juiz Adjunto)

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RECL P/CONF