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Processo nº 77/2023
(Autos de recurso jurisdicional relativo a uniformização de jurisprudência em processo penal)




ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), com os restantes sinais dos autos, traz o presente “recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência” alegando que a solução jurídica adoptada no Acórdão (recorrido) do Tribunal de Segunda Instância de 16.02.2023, proferido nos Autos de Recurso Penal n.° 863/2021, está em oposição à por este mesmo Tribunal assumida no Acórdão de 11.12.2014, Proc. n.° 417/2014, (doravante designado Acórdão fundamento); (cfr., fls. 2 a 14, onde juntou também as invocadas “decisões em oposição”, e cujo teor se dá aqui como reproduzido para todos os efeitos legais).

*

Adequadamente processados, com o douto Parecer do Ministério Público a considerar que o presente recurso não deve prosseguir por inverificada estar a alegada “oposição de Acórdãos”, (cfr., fls. 98 a 100-v), e com os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, vieram os autos à conferência a que alude o art. 423° do C.P.P.M..

Cumpre decidir.

Fundamentação

2. Em causa estando um “recurso – extraordinário – para a fixação de jurisprudência”, mostra-se-nos desde já adequado recordar a seguinte consideração de Gama Lobo, no sentido de que:

“A legitimidade do Direito assegura-se também pela sua capacidade de julgar casos iguais ou semelhantes de forma igual ou semelhante. Por tal razão o ordenamento jurídico prevê este mecanismo de fixação de jurisprudência, que mais não visa do que uniformizar as interpretações jurídicas e a sua aplicação, garantindo a coerência e a estabilidade da jurisprudência. E se alguma critica há a fazer a este sistema é a de que devia haver mais decisões uniformizantes, para gerar mais tranquilidade dos operadores judiciários e credibilidade da Justiça. (…)”; (in “C.P.P. Anotado”, Almedina, pág. 878).

Isto dito, importa ter presente que – no Título II, dedicado aos “Recursos extraordinários”, Capítulo I, quanto à “Fixação de jurisprudência”, e sob a epígrafe “Fundamento do recurso” – prescreve o art. 419° do C.P.P.M. que:

“1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Última Instância proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil podem recorrer, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido em último lugar.
2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando o Tribunal de Segunda Instância proferir acórdão que esteja em oposição com outro do mesmo tribunal ou do Tribunal de Última Instância, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Tribunal de Última Instância.
3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”.

Resulta assim do teor do dispositivo em questão que no que toca ao presente “recurso para fixação de jurisprudência” acolhe o legislador quatro “matérias” distintas, ou seja, relativamente a:
- decisões de que cabe recurso;
- legitimidade para recorrer;
- tribunal competente; e seus,
- requisitos de admissibilidade.

Em causa estando agora aferir da verificação dos ditos “requisitos de admissibilidade”, sem mais demoras, vejamos o que nesta sede se mostra de decidir; (sobre a matéria, pode-se ver os Acs. deste T.U.I. de 11.03.2009 e de 31.03.2009, Proc. n.° 6/2009; de 25.04.2012, Proc. n.° 17/2012; de 23.09.2015, Proc. n.° 59/2015; 13.01.2016, Proc. n.° 78/2015; de 22.01.2016, Proc. n.° 81/2015; de 17.01.2017, Proc. n.° 65/2016; de 22.03.2017, Proc. n.° 15/2017; de 26.04.2017, Proc. n.° 13/2017; 24.01.2018 e de 25.04.2018, Proc. n.° 84/2017; de 31.07.2018, Proc. n.° 53/2018; de 03.04.2020, Proc. n.° 130/2019; de 17.12.2021, Proc. n.° 156/2021; de 12.01.2022, Proc. n.° 160/2021; de 23.02.2022, Proc. n.° 9/2022; de 11.03.2022, Proc. n.° 19/2022; de 08.04.2022, Proc. n.° 36/2022; de 28.09.2022, Proc. n.° 90/2022; de 08.02.2023, Proc. n.° 94/2022 e de 03.05.2023, Proc. n.° 12/2023).

Pois bem, estes ditos “requisitos” podem apresentar-se como sendo os seguintes:
- a “existência de uma oposição de acórdãos”;
- “sobre a mesma (ou idêntica) questão de direito”; e
- a “permanência do mesmo quadro legislativo”.

Pronunciando-se sobre o “primeiro” considera Manuel Leal-Henriques que o mesmo “repousa na exigência de que dois acórdãos proferidos por Tribunais Superiores tenham dado soluções diversas e opostas a uma concreta questão, (…)”.

Por sua vez, considera que se está perante uma (mesma ou idêntica) “questão de direito” quando se trata de “interpretar e aplicar normas jurídicas a uma qualquer situação concreta. (…)”.

E, finalmente, em relação ao último requisito, é de opinião que o mesmo exige que “entre a prolação do 1.° acórdão (o acórdão-fundamento) e o 2.° (o acórdão-recorrido) não tenha havido alteração essencial na legislação aplicável à concreta questão decidida”, acrescentando que, “aqui, o legislador teve necessidade de adiantar um elemento de ajuda ao aplicador da lei, indicando no n.° 3 que se consideram acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação "quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida". (…)”; (in “Anotação e Comentário ao C.P.P.M.”, Vol. III, C.F.J.J., 2014, pág. 373 e 378).

Cabendo-nos reflectir e ponderar sobre a aludida “oposição de acórdãos”, vejamos.

Pois bem, cremos que adequado se mostra de ter que a “oposição de julgados” exige que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar “soluções” – “decisões” – diferentes para a mesma questão fundamental de direito e que as decisões em oposição sejam “expressas”.

Com efeito, nem a mera “aparência” de decisões opostas, nem decisões “implícitas” ou “tácitas”, são suficientes para fundar o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.

Aliás, vale aqui a pena recordar o que neste mesmo sentido foi considerado nos Acórdãos de 11.03.2009 e 31.03.2009, Proc. n.° 6/2009, onde, nos respectivos sumários, se deixou consignado que:

“Para que se possa considerar haver oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito é necessário que:
- A oposição entre as decisões seja expressa e não meramente implícita;
- A questão decidida pelos dois acórdãos seja idêntica e não apenas análoga. Os factos fundamentais sobre os quais assentam as decisões, ou seja, os factos nucleares e necessários à resolução do problema jurídico, devem ser idênticos;
- A questão sobre a qual se verifica a oposição deve ser fundamental. Ou seja, a questão de direito deve ter sido determinante para a decisão do caso concreto”; (cfr., v.g., o Ac. de 11.03.2009); e,
“Para que se possa considerar haver oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito é necessário que haja duas decisões diversas. Se uma referência, de um Acórdão, sobre uma questão jurídica, não se consubstancia numa decisão, nunca pode haver oposição de acórdãos conducente a uma decisão uniformizadora de jurisprudência por parte do Tribunal de Última Instância.
A parte preceptiva da decisão judicial é apenas a ratio decidendi, ou seja, a razão de decidir, a regra de direito considerada necessária pelo juiz para chegar à sua conclusão. Os obiter dicta (regras de direito que não são fundamentais para decidir, aquilo que é dito sem necessidade absoluta para tomar a decisão) não vinculam”; (cfr., v.g., o Ac. de 31.03.2009, podendo-se sobre a matéria ver também os Acs. de 17.12.2021, Proc. n.° 156/2021, de 23.02.2022, Proc. n.° 9/2022, de 08.04.2022, Proc. n.° 36/2022, de 08.02.2023, Proc. n.° 94/2022 e de 03.05.2023, Proc. n.° 12/2023).

No mesmo sentido, (e fazendo referência a variada jurisprudência do S.T.J. português), nota também P. P. de Albuquerque que:

“A oposição de acórdãos tem de ser expressa e não tácita, não bastando que um deles aceite tacitamente a doutrina contrária do outro. Os mesmos preceitos da lei devem ter sido interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos em ambos os acórdãos (acórdão do STJ, de 18.9.1991, in BMJ, 409, 664). A oposição deve respeitar à decisão e não apenas aos seus fundamentos (acórdão do STJ, de 3.4.2008, in CJ, Acs. do STJ, XVI, 2, 194, e acórdão do STJ, de 3.12.1998, in SASTJ, n.° 26, 74), a soluções de direito expressas e não implícitas, soluções tomadas a título principal e não acessório ou secundário (acórdão do STJ, de 12.11.2008, in CJ, Acs. do STJ, XVI, 3, 221). A concreta questão a decidir deve ser delimitada com precisão, devendo justificar-se a correspondente oposição de acórdãos (acórdão do STJ, de 20.1.2005, in CJ, Acs. do STJ, XIII, 1, 175)”; (in “Comentário do C.P.P.”, 4ª ed., pág. 1192, podendo-se ainda ver o recente Ac. do S.T.J. de 12.01.2023, Proc. n.° 11/20).

Aqui chegados, e clarificado que nos parece estar o sentido e alcance (do requisito) da “oposição de acórdãos”, debrucemo-nos sobre a “situação dos presentes autos”.

In casu, no presente recurso apresenta o ora recorrente as seguintes conclusões que – para cabal compreensão da sua “pretensão” – se passam a transcrever:

“1. No domínio da mesma legislação, face à questão de direito da fundamentação dos acórdãos, os acórdãos do recurso em processo penal proferidos no processo n.º 863/2021 pelo TSI em 16 de Fevereiro de 2023, e no processo n.º 417/2014 pelo TSI estão em oposição.
2. Os acórdãos que estão em oposição já foram transitados em julgado, reunindo o requisito consagrado no n.º 4 do art.º 419º do Código de Processo Penal.
3. A lei exige que da sentença constam a enumeração dos factos provados e não provados, bem como a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
4. Quanto ao conteúdo material da sentença, para além da disposição dos factos, da sentença devem constar as alegações da forma do exame crítico das provas e da formação da convicção que fundamentam a decisão.
5. O Tribunal a quo e o acórdão recorrido não reúnem os requisitos supracitados, não havendo claras alegações dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.
6. Do acórdão recorrido constam meramente a descrição do processo da audiência de julgamento realizada pelo Tribunal a quo e a enumeração de provas, nomeadamente as declarações do arguido, os depoimentos das 7 testemunhas, as identificações das testemunhas, os conteúdos dos depoimentos, a projecção do vídeo completo do disco compacto apreendido a fls. 4 dos autos, durante a audiência de julgamento, a exibição do conteúdo completo da gravação de áudio do disco compacto apreendido a fls. 199 dos autos, e as demais provas documentais constantes dos autos. A seguir, o Tribunal Colectivo ouviu o arguido e as 7 testemunhas, bem como apreciou os documentos comprovativos constantes dos autos, mormente o auto de visionamento do vídeo de disco compacto constante de fls. 6 a 15 dos autos, o relatório de análise constante de fls. 99 a 109, entre outros meio de prova, sobretudo, em conjugação com a análise lógica e o apuramento do vídeo e da gravação de áudio exibidos na audiência de julgamento, conclui-se que os factos assentes são bastantes e devem ser dados como provados.
7. De acordo com o recorrente, existe discrepância entre as declarações dele e as das testemunhas, pelo que o Tribunal a quo e o Tribunal ad quem devem, mediante a comparação, apreciação e exame das declarações do arguido e dos depoimentos das 7 testemunhas, optar, por acreditar em qual das partes ou, enfim, em qual/quais das testemunhas e se recusar a acreditar nas declarações do arguido, com vista a efectuar o raciocínio claro e as respectivas alegações, devendo expor os seus motivos mesmo que concluam que os depoimentos das testemunhas são mais credíveis em relação às declarações do arguido.
8. No acórdão recorrido, na apreciação das provas relativas ao vídeo e à gravação de áudio, o Tribunal Colectivo não apreciou nem analisou sobre a contraditoriedade ou compatibilidade entre o vídeo e a gravação de áudio exibidos e as declarações e depoimentos prestados pelo recorrente e testemunhas, respectivamente.
9. Do acórdão recorrido apenas constam as provas e não os verdadeiros motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, ou seja, expõe-se meramente no acórdão recorrido que, com base nas regras da experiência e a relação de provas em apreço, se conclui que são dados como provados os factos criminosos.
10. Invocou o recorrente, como motivo do recurso, que a decisão do Tribunal a quo padecia do vício de falta de fundamentação, isto é, na fundamentação feita pelo Tribunal a quo apenas se apresentou o processo da audiência de julgamento e se transmitiu concisamente os conteúdos das provas, a par disso, a decisão a quo não cumpriu as exigências obrigatórias da lei, ou seja, não especificou concisamente o exame crítico das provas, mormente não explicou por que razão foram aceites como provados os factos mencionados nos pontos 3 a 10 do despacho de pronúncia que contrariam as aludidas provas de gravações de vídeo e áudio com força probatória plena legal.
11. Assim sendo, entende o recorrente que a decisão a quo enferma do vício de nulidade da sentença previsto na alínea a) do art.º 360º do Código de Processo Penal.
12. Face aos factos objectivos constantes da decisão proferida pelo Tribunal a quo no processo n.º CR4-21-0058-PCS: “na fundamentação feita pelo Tribunal a quo apenas se apresentou o processo da audiência de julgamento e se transmitiu concisamente os conteúdos das provas” mas não existe “a especificação do exame crítico das provas exigida por lei”.
13. Quanto a isto, o Tribunal Colectivo recorrido defendeu a opinião contrária, entendendo que a decisão do Tribunal a quo não padecia do vício de nulidade; dela constavam os factos provados e os não provados; em termos do juízo de factos, foram detalhadamente expostos os motivos que serviram para formar a convicção; a convicção (apurado que o recorrente praticou os factos que lhe tinham sido imputados) formada pelo Tribunal a quo com base nos respectivos factos objectivos e na apreciação de todas as provas do caso era compatível com as regras da experiência comum; o Tribunal a quo procedeu à especificação detalhada; a decisão a quo cumpriu suficientemente a obrigação de fundamentação, reunindo o requisito consagrado no n.º 2 do art.º 355º do Código de Processo Penal e não se verificando a violação, pela decisão a quo, da alínea a) do n.º 1 do art.º 360º do mesmo Código assacada pelo recorrente. Deste modo, conclui-se que o supracitado motivo do recurso invocado pelo recorrente é improcedente.
14. No acórdão oposto proferido no mesmo grau de jurisdição, no ponto de vista do recorrente, na sentença do Tribunal a quo apenas se citaram os elementos provados da parte suplementar dos factos provados e não se procedeu ao exame das provas, verificando-se a violação do n.º 2 do art.º 355º do Código de Processo Penal, pelo que se solicita a declaração da nulidade do acórdão recorrido, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 360º do Código de Processo Penal aplicada por remissão do Código de Processo do Trabalho.
15. Segundo o acórdão oposto, no juízo de factos da fundamentação feita pelo Tribunal a quo, as provas e a fundamentação em que se fundamenta a convicção do tribunal consistem meramente nas provas bastantes apuradas com base nos documentos constantes dos autos e nos depoimentos das testemunhas, a par disso a decisão foi proferida com o apuramento dos factos do caso.
16. No entendimento do acórdão oposto, a sentença do Tribunal a quo não cumpriu as exigências obrigatórias da lei, ou seja, não especificou concisamente o exame crítico das provas, padecendo do vício de falta de fundamentação que fundamentou a nulidade da sentença (nos termos do art.º 360º do Código de Processo Penal aplicado por remissão do n.º 2 do art.º 115º do Código de Processo do Trabalho), daí resultou o provimento do recurso.
17. Como é evidente, face à mesma questão de direito (aplicação dos artigos 355º, n.º 2, e 360º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal), o TSI proferiu decisões contrárias e opostas entre si nos dois acórdãos, com base nos mesmos pressupostos de facto fundamentais e em relação a uma questão de direito radical.
18. No acórdão oposto em apreço, à luz da opinião sucinta do Tribunal Colectivo sobre a fundamentação da decisão e os critérios do exame das provas, e conforme o Código de Processo Penal recém alterado, exige-se com mais rigor a fundamentação da decisão judicial. A lei confere ao juiz a faculdade da livre formação da convicção e obriga-o a fundamentar a sua decisão, com vista a mostrar às pessoas como é que se formou a convicção e em que se baseou a convicção. A fundamentação da decisão sobre a factualidade da sentença judicial consiste justamente em que, com pressupostos no exame crítico das provas, o juiz é obrigado a examinar as provas, não só necessita de expor na fundamentação as provas em que se fundamenta a convicção, assim como examinar objectivamente as provas ao aceitá-las como verdadeiras, bem como especificar às pessoas como é que o julgador ajuizou claramente as coisas apuradas pelas provas, e efectuar, ainda que concisa, tanto quanto possível detalhada, uma apresentação dos factos que foram aceites como verdadeiros e dos motivos da não aceitação das demais provas como verdadeiras.
19. No acórdão oposto, o recorrente invocou os mesmos fundamentos da impugnação deduzida contra as provas e a fundamentação em que se fundamentava a convicção formada pelo Tribunal a quo.
20. Os dois casos fundamentam-se nos mesmos factos impugnados, assim, o Tribunal, tendo enumerado meramente as respectivas provas, afirmou conclusivamente que, pelos depoimentos e documentos em causa, formou a convicção, com provas bastantes.
21. As teorias judiciais defendem, por unanimidade, que, relativamente à fundamentação, o n.º 2 do art.º 355º do Código de Processo Penal não só exige a simples exposição das provas apreciadas na audiência de julgamento nem tão só a simples exposição das provas que fundamentam a sentença aprovada.
22. Em comparação com o acórdão oposto, o acórdão recorrido e a sentença do Tribunal a quo violaram igualmente o n.º 2 do art.º 355º do Código de Processo Penal, devendo produzir efeitos da decisão judicial iguais aos do acórdão oposto, ou seja, o acórdão recorrido padece igualmente do vício de nulidade da sentença, devendo ser declarado nulo, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 360º.
23. Todavia, o Tribunal Colectivo recorrido proferiu um acórdão completamente oposto e contrário disto.
24. Pelo exposto, entende o recorrente que se verifica o requisito consagrado no n.º 2 do art.º 419º do Código de Processo Penal, para requerimento de uniformização de jurisprudência”; (cfr., fls. 10 a 13 e 4 a 12 do Apenso).

Que dizer?

Desde já, sem mais demoras, e como – acertadamente – se salienta no douto Parecer do Ministério Público, que não se verifica a invocada “oposição de Acórdãos”, constatando-se, antes, do pelo recorrente alegado e concluído, constituir o presente recurso uma clara tentativa de, através do presente “meio – extraordinário – processual”, obter, (ilicitamente), uma “reapreciação” do decidido no “Acórdão recorrido”, o que, como é evidente, lhe estava (legalmente) vedado fazer pelos “meios ordinários” em virtude do trânsito do aí decidido.

Com efeito, como dizer-se que existe “oposição” se em ambas as decisões, e tendo-se em conta as “circunstâncias” e “especificidades” da “matéria de facto”, “meios probatórios” e das próprias “questões” objecto das “decisões” em questão, tão só se apreciou e decidiu da suficiência e adequação da sua “fundamentação”, e se, em boa verdade, com o presente recurso apenas vem o recorrente manifestar o seu “inconformismo”, dirigindo-o, primordialmente, ao que se entendeu dar como “assente” e que lhe é prejudicial, referindo-se, unicamente, «à latere», à “fundamentação” apresentada no Acórdão recorrido, pretendendo apenas voltar a discutir a “matéria de facto dada como provada” e as “razões da convicção” do Tribunal em sede de apreciação das provas na audiência do seu julgamento?

Ora, como cremos que – bem – se vê, evidente é a resposta.

Nesta conformidade, (e sem prejuízo do muito respeito por diferente opinião), mostra-se-nos pois de dizer que, nos termos em que vem motivado, o presente “recurso” apresenta-se-nos como um muito pouco sério e infeliz esforço de contornar as regras do C.P.P.M. que regulam a matéria do presente recurso, o que de forma alguma se mostra de acolher, sendo até caso de consignar que raia a má fé processual…

E, dest’arte, ociosas sendo quaisquer outras considerações, (porque inúteis, e, então, ilícitas), resta decidir como segue.

Decisão

3. Em face do exposto, em conferência, acordam rejeitar o presente recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 8 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$3.500,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 29 de Setembro de 2023


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 77/2023 Pág. 2

Proc. 77/2023 Pág. 3