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Processo nº 147/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 21 de Março de 2024

ASSUNTO:
- Contrato de Trabalho
- Direito a férias
- Despedimento com justa causa
- Obrigação de meios/Obrigação de resultado
- Indemnização da entidade patronal

SUMÁRIO:
- Nos contratos de trabalho por tempo superior a um ano o direito a férias vence-se no termo do ano em que o trabalho foi prestado, correspondendo esse direito às férias que o trabalhador tem direito a gozar no ano seguinte;
- Se o contrato de trabalho terminar em determinado momento do ano em curso nessa data vence-se o direito a férias que o trabalhador teria direito a gozar posteriormente e pelo qual tem de ser indemnizado;
- A violação culposa do dever de obediência sendo grave e leva à impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, verificando-se a justa causa lícita para a resolução do contrato de trabalho por parte da entidade patronal;
- A obrigação do trabalhador no contrato de trabalho é de meio e não de resultado, estando obrigado apenas a prestar a sua actividade;
- Os resultados positivos ou negativos com a realização das operações comerciais ou industriais decorrentes da actividade da entidade patronal são da responsabilidade desta;
- Se da violação culposa do dever de obediência resultar que a entidade patronal ficou sem meios humanos para exercer a sua actividade tal apenas a esta é imputável.



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Rui Pereira Ribeiro





Processo nº 147/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 21 de Março de 2024
Recorrente: A
Recorrido: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  B, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar acção declarativa em processo comum do trabalho contra
  A, também com os demais sinais dos autos,
  Pedindo a condenação deste a pagar-lhe o seguinte:
  1) MOP$529.125,00, face ao período de 3 meses de aviso prévio em falta;
  2) MOP$85.890,00, face à indemnização pelo despedimento sem justa causa; e
  3) MOP$34.532,00, face ao proporcional de 298 dias de direito a férias de 2020, ou seja, 25 dias de férias.
  
  Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente, e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP34.532,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da sentença até ao efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do restante pedido e ao Autor do pedido reconvencional.
  
  Não se conformando com a sentença proferida vem a Ré e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
A) Entendeu o Tribunal a quo que o Recorrido tem direito a uma compensação pelas férias não gozadas no valor de MOP$34.532,00.
B) Salvo o devido respeito, o facto de que o Recorrido efectivamente não gozou “x” dias de férias no ano da cessação do contrato não consta na matéria dada como provada.
C) Não consta na matéria de facto qualquer referência aos dias de férias efectivamente não gozados pelo Autor-Recorrido no ano de cessação do seu contrato de trabalho.
D) Está apenas provado que, em termos contratuais, o Recorrido teria direito a gozar anualmente um período de 25 dias de férias remuneradas - tratando-se de matéria de direito e não matéria de facto.
E) É incontestável que a Recorrente cumpriu com ónus da prova do pagamento do crédito correspondente aos 14.5 dias de férias não gozados.
F) Contudo, os factos provados não permitem sustentar que o Recorrido satisfez o seu próprio ónus de contra-prova ou ónus de prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Recorrente.
G) Não tendo o Recorrido logrado alegar e contra-provar, em concreto, os dias de férias que não gozou no ano da cessação, e não constando tal matéria nos factos assentes, não podia o Tribunal condenar, na matéria de direito, ao pagamento de qualquer montante pecuniário.
H) O Recorrido apenas tinha direito a receber MOP$91.048,00 pelos 14.5 dias de férias não gozados no ano da cessação, tal como efectivamente recebeu.
I) Portanto, a decisão do Tribunal Recorrido não encontra respaldo na decisão fáctíca, merecendo censura e devendo ser revogada nessa parte em que reconhece ao Recorrido o direito a receber o valor adicional de MOP$34.532,00 por dias de férias não gozados.
J) No que diz respeito ao pedido reconvencional realizado pelo Recorrente, com base na responsabilidade civil do Recorrido, decidiu o Tribunal a quo julgar totalmente improcedente.
K) Esta fundamentação de direito, salvo melhor entendimento, não tem qualquer mérito face à matéria de facto dada como provada, perante a decisão quanto ao despedimento com justa causa do Recorrido e, ainda, face à melhor doutrina sobre o assunto.
L) Primeiramente, não podemos deixar de sublinhar o que ficou provado quanto à categoria profissional e a actividade laboral específica do Autor-Recorrido: piloto de aviões!
M) A sua obrigação é transportar, de um lado para o outro, pessoas ou coisas, pela via aérea, enquanto operador da aeronave.
N) O piloto de aviões não cumpre minimamente com a sua actividade laboral no caso de se recusar, sem justificação legal ou legítima, descolar e pilotar o avião - função principal para a qual foi contratado.
O) Foi exactamente essa recusa ilícita que aconteceu no caso sub judice, tal forma que levou o próprio Tribunal recorrido a afirmar que o Autor, aqui Recorrido, cometeu uma desobediência ilegítima às ordens dadas por superiores hierárquicos - fundamentando assim a justa causa de despedimento.
P) É evidente que a obrigação de um piloto de aviões se aproxima muito mais de uma obrigação de resultado do que de uma obrigação de meios, sob pena de, por absurdo, entendermos que os pilotos, quando são contratados, não se comprometem a desenvolver a mera actividade de descolar e pilotar as aeronaves.
Q) Portanto, andou mal o Tribunal a quo ao considerar, em abstracto, que o Recorrente não se encontrava obrigado a garantir a realização do voo - como resultado - naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o que é manifestamente contraditório com o facto de considerar que houve uma desobediência ilegítima às ordens dadas por superiores hierárquicos.
R) Posto isto, cumpre responder à questão principal aqui em causa: há ou não nexo de causalidade entre a recusa da realização do voo por parte do Recorrido e os danos sofridos pela Recorrente? A resposta, na nossa opinião, é claramente positiva.
S) Dispõe o art.º 557.º do C.C. (“nexo de causalidade”) que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
T) O dano é “provável” sempre que a sua ocorrência, segundo a ordem das coisas e a experiência da vida, se apresente como normal e adequada.
U) Ora, no caso em apreço, ficou provado que “com a recusa por parte do Autor de realizar o voo de 23 de Outubro e o despedimento dele, a Ré acabou por contratar os serviços da C ... (40º)”
V) Também ficou provado que “Como em cada voo são exigidos dois pilotos qualificados para voar na mesma aeronave, e apenas se encontravam ao serviço da Ré, à data, em Macau, o Autor e D, não era possível proceder à substituição do Autor, sendo tal situação do conhecimento do próprio Autor” (37º).
W) Ou seja, segundo o normal decurso das coisas na actividade aeronáutica, o facto de o Recorrido-Autor se ter recusado, de forma ilícita, a operar o voo, aumentou e modificou o “círculo de riscos” de verificação do dano.
X) Por outras palavras: todos os danos emergentes e lucros cessantes que a Recorrente sofreu - melhor identificados na matéria de facto dada como assente - decorreram do facto de um seu piloto, o Recorrido, se ter recusado ilegitimamente a operar a aeronave naquelas circunstâncias de tempo e lugar, bem sabendo que não era possível proceder à sua substituição e que o voo não se realizaria sem ele.
Y) Estes danos decorreram e são uma consequência adequada da conduta do Recorrido-Autor porque o próprio os desencadeou, directamente, por omissão ilícita dos seus deveres laborais.
Z) E não se pode comparar, nem é comparável, com a não realização do voo por motivos de doença, porque essa causa virtual - invocada pelo Tribunal recorrido - seria uma eventual omissão legítima e legal da não prestação da actividade laboral.
AA) Portanto, pugnamos pela existência de um nexo de causalidade entre os danos sofridos e a conduta dó Recorrido no caso presente, havendo matéria de facto suficiente para decidir nesse sentido.
BB) Os restantes pressupostos da responsabilidade civil também estão nitidamente preenchidos: ilicitude e culpa - ainda para mais com dolo.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado:
A) revogando a decisão recorrida na parte em que condena a ora Recorrente ao pagamento de MOP$34.532,00, substituindo por outra que a absolva do pedido;
B) revogando a decisão recorrida em na parte em que indefere o pedido reconvencional, condenando assim o Recorrido ao pagamento de MOP$2.003.181,36, acrescida de juros à taxa legal,

  Notificado o Réu para contra-alegar este silenciou.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. FACTOS
  
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
­ O autor é piloto de aviões. (A)
­ Em 26 FEV 2013, o autor começou a trabalhar para a ré, desempenhando funções de piloto de avião com a categoria de comandante (Cfr. fls. 38 a 41, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (B)
A partir de 1 AGOST 2013 o autor passou também a desempenhar funções de Director de Treino e Verificações (Cfr. fls. 41, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (C)
­ Em 1 SET 2018, acumulando com os 2 outros cargos que já detinha, o autor foi promovido a principal responsável pela área das operações de voo, ou seja, “diretor de operações de voo / head of flight operations” (Cfr. fls. 41 a 42, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (D)
­ O vencimento mensal do autor são MOP$176.375,00 e o subsídio de habitação são MOP$12.000,00. (E)
­ Em 20 OUT 2020 a ré notificou o autor e os demais funcionários que iria realizar 3 voos, a saber:
i) em 23 OUT 2020, voo n.º MJ025C20, de Macau a Changsha, através de Hong Kong, e regresso a Macau;
ii) em 26 OUT 2020, de Macau para Shanghai e depois Osaka e em 27 OUT 2020, de Osaka para Shanghai e regresso a Macau; e
iii) em 5 NOV 2020, de Macau a Danang e regresso a Macau. (F)
­ Logo pelas 19:17 de 22 OUT 2020, o autor enviou uma mensagem de correio electrónico para o serviço de operações da ré, através da qual comunicou que se iria apresentar normalmente ao serviço logo de manhã (Cfr. fls. 50, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (G)
­ Nessa mesma mensagem de correio electrónico o autor informou que não iria realizar o voo se a quarentena não fosse efectivamente dispensada, solicitando para esse efeito que lhe fosse exibido um documento dos SERVIÇOS DE SAÚDE DA R.A.E.M. com tal dispensa (Cfr. fls. 50, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (H)
­ O autor não realizou o voo agendado para o dia 23 OUT 2020 e elaborou o relatório de voo no qual foram relatadas as razões à não realização do voo e que foram comunicadas à Ré (Cfr. fls. 51, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (I)
­ Em 26 OUT 2020 o autor foi notificado por escrito do seu despedimento pela ré (Cfr. fls. 52 a 53, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (J)
­ Pelo término do contrato e de acordo com a contabilização efectuada pela ré, o réu recebeu MOP$240.854,00 através de cheque com a data inscrita de 30 OUT 2020(Cfr. fls. 54, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (K)
­ São as seguintes as parcelas em que, de acordo com a contabilização efectuada pela ré, se decompõe essa verba de MOP$240.854,00:
i) MOP$81.900,00, a título de “basic salary”;
ii) MOP$70.958,00, a título de “appointment allowance”;
iii) MOP$10.400,00, a título de “housing allowance”; e
iv) MOP$91.048,00, a título de “anual leave balance”.
(Cfr. fls. 43, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (L)
­ O Autor através dos seus advogados repudiou a licitude do despedimento bem como a contabilização do valor de MOP$240.854,00 que lhe foi pago pela ré (Cfr. fls. 54 a 59, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (M)
­ Através de carta remetida em 11 NOV 2020, os advogados da ré responderam, sustentando os termos em que o despedimento tinha sido efectuado pela ré (Cfr. fls. 60 a 61, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (N)
­ Atendendo à decisão da OMS de classificar o “novo coronavírus” (vulgo Covid-19) como uma pandemia à escala mundial, o Governo e os Serviços de Saúde de Macau tomaram uma data de medidas excepcionais, temporárias e urgentes à luz da Lei de prevenção, controlo e tratamento de doenças transmissíveis (doravante, “Lei n.º 2/2004”), especialmente a partir do ano de 2020. (O)
­ A cada semana, o autor cumpriu sempre 5 dias de trabalho e 2 dias de descanso. (1º)
­ A Ré solicitou em 21 de OUT 2020 aos Serviços de Saúde a dispensa de quarentena dos pilotos para o voo a realizar em 23 de OUT de 2020 e, em 22 de OUT 2020 por volta das 18h30 horas, obteve a resposta negativa da referida dispensa por parte das entidades da RAEM e ficariam os pilotos obrigados a quarentena. (5º)
­ Às 18h40 horas de 22 OUT 2020, a ré notificou, por email do seu departamento de operações, o autor e os demais funcionários que teriam obrigatoriamente de cumprir quarentena relativamente ao voo a realizar em 23 de OUT de 2020. (6º)
­ Foi no seguimento que o Autor enviou o email das fls. 50, afirmando que apenas realizaria o voo se fosse dispensada a quarentena obrigatória no regresso a Macau. (8º及32º)
­ Em 23 OUT 2020, tendo chegado às instalações da ré pelas 9.00, o autor disse à vice-Directora Executiva E, ao F e ao piloto D que não realizaria o voo desse dia por não ter sido obtida e satisfeita a condição de dispensa de quarentena. (10º及11º)
­ O CEO, G, chegou ao local por volta das 10:40, para tentar convencê-lo à luz dos deveres éticos e morais da profissão, informando também ao Autor que a Ré iria cessar imediatamente o contrato de trabalho e responsabilizá-lo caso houvesse recusa da sua parte de levantar voo por motivos relacionados com a quarentena obrigatória. (13º及35º)
­ O Autor decidiu definitivamente não realizar o voo, por volta das 10h:45m, no dia 23 de Outubro de 2020. (14º及36º)
­ Uma quarentena causa separação com família ou amigos e a perda de liberdade ambulatória. (15º及16º)
­ Hong Kong experimentava pandemia de Covid-19 com casos infectados e os de mortes. (19º)
­ O autor teria direito a gozar anualmente um período de 25 dias de férias remuneradas, tudo tal qual flui da Cláusula 13.ª do contrato de trabalho. (20º)
­ Durante o período em causa, a Ré teve e tem de comunicar caso a caso, não apenas com a Autoridade de Aviação Civil de Macau, como também obrigatoriamente com a Direcção dos Serviços de Saúde sempre que tem a intenção de realizar um voo, de forma a ser dada autorização de entrada e ordenas, instruções ou isenção de quarentena obrigatória para os membros de tripulação e pilotos. (21º)
­ Face aos diferentes voos, a Direcção dos Serviços de Saúde confere diferentes orientações e medidas de protecção e prevenção, pelo que as ordens variam consoante a natureza do caso concreto e as circunstâncias epidemiológicas em causa. (22º)
­ Em 2020, o Autor tinha perfeita consciência de que o Governo e os Serviços de Saúde da RAEM, na viajem de regresso a Macau, podiam sujeitar os pilotos e os membros da tripulação à quarentena obrigatória pelo período de 14 dias, estando a sua profissão sujeita a cumprir com as ordens e orientações por elas emitidas. (23º)
­ Em 07 de Outubro de 2020, a Ré enviou ao Autor uma carta com um pré-aviso de 90 dias para a cessação do contrato de trabalho, a acontecer no dia 05 de Janeiro de 2021, com a explicação dos seus motivos, a qual o Autor recebeu e apôs a sua assinatura com o manuscrito “Received, not aknowledge”. (24º)
­ Em finais de Outubro de 2020, o Autor tinha então consciência:
a) de que existiam medidas de quarentena que podem ser adoptadas pelos Serviços de Saúde para cada um dos voos a realizar pela Ré,
b) de que o próprio já tinha sido submetido a um período de quarentena, em Julho de 2020, no seguimento do exercício das suas funções de piloto,
c) do facto de apenas estarem disponíveis, à data, dois pilotos para realizar os voos da Ré (sendo o próprio um deles); e
d) de que a sua relação laboral com a Ré iria terminar em Janeiro de 2021. (25º)
­ A Ré, efectivamente, tinha sido contratada para realizar os seguintes voos:
a) Em 23 de Outubro de 2020, transferência da aeronave de Macau para Hong-Kong, voo de transporte de passageiros para Changha e voo de regresso a Macau;
b) Em 26 de Outubro de 2020, transferência da aeronave de Macau para Xangai, transportar uma mãe e um bebé recém-nascido, que sofria de doença cardíaca congénita, para Osaka, Japão, com vista ao tratamento médico;
c) Em 05 de Novembro de 2020, voo de ida e regresso de Macau a Da Nang, Vietnam. (26º)
­ Em relação ao primeiro voo, com data de 23 de Outubro de 2020, a cidade de Hong Kong não tinha o aeroporto encerrado e permitia a realização de voos provindos de Macau, razão pela qual a Autoridade de Aviação Civil de Macau aprovou a missão. (27º)
­ Todos os trâmites junto da Autoridade de Aviação Civil de Macau foram terminados no dia 20 de Outubro de 2020, tendo o Departamento de Operações da Ré informado cada membro da tripulação sobre o plano de voo. (28º)
­ Depois, os pedidos de autorização de entrada e dispensa de quarentena são feitos individualmente para cada um dos voos, sendo a resposta dos Serviços de Saúde de Macau dada consoante a natureza do caso concreto. (29º)
­ A Direcção dos Serviços de Saúde é flexível ao ponto de permitir que os pilotos e tripulação da Ré realizem as suas missões de voo mesmo que se encontrem em quarentena obrigatória no local de isolamento. (30º)
­ A vice-Directora Executiva E apenas teve conhecimento da resposta dos Serviços de Saúde no dia 22 de Outubro de 2020, por telefone, na parte da tarde, tendo a autoridade sanitária enviado a resposta formal, por correio electrónico, posteriormente no mesmo dia. (31º)
­ Cerca de 20 horas no dia 22 de Outubro, a vice-Directora Executiva E procurou contactar o Autor, por telefone, com urgência, uma vez que o levantamento do voo estava programado para o dia seguinte, pelas 10:30, mas a chamada não foi atendida. (33º)
­ Na conversa descrita na resposta dada aos quesitos 10º e 11º, a vice-Directora Executiva E, F e o piloto D – procuraram convencer o Autor a realizar a viagem, frustrando. (34º)
­ Como em cada voo são exigidos dois pilotos qualificados para voar na mesma aeronave, e apenas se encontravam ao serviço da Ré, à data, em Macau, o Autor e D, não era possível proceder à substituição do Autor, sendo tal situação do conhecimento do próprio Autor. (37º)
­ A Ré não cumpriu com a missão pelos seus próprios meios e acabou por contratar uma empresa civil aérea de viação, a C, para realizar as viagens dos dias 23 e 26 de Outubro de 2020. (38º)
­ A Ré cancelou a viagem programada para o dia 05 de Novembro de 2020. (39º)
­ Com a recusa por parte do Autor de realizar o voo de 23 de Outubro e o despedimento dele, a Ré acabou por contratar os serviços da C, empresa de aviação civil, pagando-lhe o montante de ¥500.000,00, equivalente a MOP$617.040,16, valor esse que incluiu os seguintes serviços e despesas:
a) custos correntes e operacionais da viagem de 23 de Outubro de 2020, com partida em Hong Kong e chegada em Changsha, na China; e aluguer da aeronave Global Express 5000 para o transporte de oito passageiros;
b) custos correntes e operacionais da viagem de 26 de Outubro de 2020, com partida em Xangai, chegada a Osaka, Japão, e regresso a Xangai, na China; aluguer da aeronave Falcon 2000LX para o transporte de seis passageiros, entre os quais a mãe e o bebé recém-nascido; valor da quarentena realizada pela tripulação depois de completada a missão; e valor dos lucros cessantes pelo facto de a tripulação se encontrar de quarentena obrigatória por 14 dias.
c) combustível para aviação, as despesas com o pessoal das operações e tráfego, salários, refeições, transporte e acomodação da tripulação da aeronave. (40º)
­ E assim assumiu despesas no valor total de MOP$10.775,88 na preparação e no cancelamento da viagem de 23 de Outubro de 2020, valor esse que incluiu os seguintes serviços e despesas:
a) MOP$3.409,90, relativos a custos de assistência em terra ao voo, nomeadamente com as despesas de alimentação dos passageiros e da tripulação, transporte e um teste de ácido nucleico Covid-19.
b) USD$921,00, equivalente a MOP$7.365,98, relativos aos custos de cancelamento imputados pelos serviços dos aeroportos de Hong Kong e Changsha. (41º)
­ E deixou de auferir por não ter realizado, ela própria, as três viagens, os montantes seguintes:
a) USD$40.446,00 equivalente a MOP$323.479,38 pela viagem contratada, mas não realizada de 23 de Outubro de 2020.
b) USD$83.832,00 equivalente a MOP$670.472,32 pela viagem contratada, mas não realizada de 26 de Outubro de 2020.
c) USD$33.800,00 equivalente a MOP$270.325,94 pela viagem contratada, mas não realizada de 05 de Novembro de 2020. (42º)
­ A Ré opera na indústria da aviação com o objectivo da persecução dos lucros, sendo que o seu bom nome, reputação e imagem comercial traduzem-se em vantagens económicas. (43º)
  
2. DO DIREITO
  
  É do seguinte teor a decisão recorrida:
  «Cumpre analisar os factos e aplicar o Direito.
  No presente caso, não há nenhuma dúvida para qualificar a relação entre o Autor e a Ré como de trabalho nos termos do art. 1079º do Código Civil. Por isso só apreciamos as questões suscitadas pelas partes.
  Quanto a isso, o Autor alegou que foi despedido ilegalmente pela Ré porquanto foi ordenado para realizar 3 voos com que tinha sido notificado pela Ré da isenção de quarentena mas depois se obteve a resposta negativa da dispensa, e a Ré despediu o Autor depois de ele ter recusado a sua realização para evitar a quarentena sucessiva e obrigatória; que foi despedimento ilegal por violar o direito ao descanso efectivo semanal e o direito a não ser exposto ao elevado risco para a vida, saúde e integridade física; que o despedimento ilegal carece de qualquer justa causa e por isso corresponde a uma indemnização previsto no art. 70º mas não no art. 68º, n. 2º e 69º, n. 3º da LRT; que a Ré também não pagou as compensações pelas férias anuais não gozadas. Com esses fundamentos pede-se a condenação da indemnização de aviso prévio de 3 meses, da indemnização pelo despedimento sem justa causa e das compensações pelas férias anuais não gozadas.
  Por sua vez, entendeu a Ré que teve o despedimento com justa causa porquanto se tratou das medidas excepcionais da quarentena obrigatória e teve o Autor o dever de colaboração, nomeadamente quando a Ré só teve dois pilotos na altura; o Autor já teve conhecimento de que podiam sujeitar à quarentena obrigatória; a Ré já fez o pré-aviso da cessação; o Autor decidiu não realizar o voo tendo conhecimento dos referidos factos. Portanto, constituem como justa causa a desobediência ilegítima às ordens dos superiores, a não cooperação com a Ré em matéria de higene e segurança no trabalho, o desrespeito pelas normais legais e regulamentares das entidades competentes e lesão grave de interesses da empresa. Quanto às compensações pelas férias anuais, repugnou a Ré o montante e alegou já as ter pago. Ao mesmo tempo, a Ré também reconveio a condenação das indemnizações pelos danos patrimoniais e pelos danos não patrimoniais do seu bom nome, reputação e imagem causadas pelo facto de não respeitou as ordens e instruções da Ré.
  O Autor refutou a reconvenção da Ré.
*
  Resolução com ou sem justa causa
  A primeira questão a apreciar é determinar qual é a forma da cessação do contrato de trabalho em causa. Mais directamente, precisamos de saber se se trata da resolução com justa causa ou sem justa causa.
  Nos termos do art. 68º da Lei n. 7/2008, “1. A resolução do contrato de trabalho pode ocorrer, com ou sem justa causa, por iniciativa do empregador ou do trabalhador. 2. Constitui, em geral, justa causa para a resolução do contrato qualquer facto ou circunstância grave que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”(sublinhado nosso)
  A resolução com justa causa e a resolução sem justa causa são realidades distintas e institutos jurídicos diversos, correspondendo aquela à anterior rescisão com justa causa enquanto esta à anterior denúncia com aviso prévio1.
  No entanto, cada uma figura jurídica supra referida constitui, de per si, condição suficiente para a cessação do contrato de trabalho. Isto quer dizer que, entre uma e outra existe uma relação de alternatividade tal como entre as outras formas da cessação do contrato de trabalho.
  Quanto à resolução com justa causa, dispõe no art. 69º, n. 1º da Lei n. 7/2008 que “1. Havendo justa causa para a resolução do contrato, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito e no prazo de trinta dias contados da data do conhecimento do facto, a decisão de cessação da relação de trabalho, descrevendo sumariamente os factos que lhe são imputados.” Daí resulta que, se o empregador optar por esta forma da resolução, com a comunicação da decisão da cessação deve ele alegar sumariamente os factos que considera constituir justa causa, ou seja, os comportamentos do trabalhador gravemente violadores de deveres laborais que tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Mesmo que a justa causa seja infundada ou ilícita, nada impede a constituição da resolução com justa causa (ilícita) e que se aplica a este caso uma sanção prevista no art. 69º, n. 4º da Lei n. 7/2008.
  Caso contrário, isto é, se o empregador comunica ao trabalhador a decisão unilateral da cessação do contrato de trabalho sem que alegue nenhum facto que considere constituir justa causa, a resolução deve ser qualificada como sem justa causa. Em regra, a resolução sem justa causa acompanha na maioria dos casos com o aviso prévio. No entanto, mesmo que o empregador não dê um aviso prévio, a sua inobservância só dá lugar um pagamento in lieu previsto no art. 72º, n. 4º da Lei n. 7/2008, mas não a transforma em resolução com justa causa.
  In casu, ficaram apurados os factos seguintes que são relevantes para determinar a forma da cessação:
  - Em 07 de Outubro de 2020, a Ré enviou ao Autor uma carta com um pré-aviso de 90 dias para a cessação do contrato de trabalho, a acontecer no dia 05 de Janeiro de 2021, com a explicação dos seus motivos, a qual o Autor recebeu e apôs a sua assinatura com o manuscrito “Received, not aknowledge”2. (24º)
  - Em 26 OUT 2020 o autor foi notificado por escrito do seu despedimento pela ré (Cfr. fls. 52 a 53, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)3. (J)
  Quanto à primeira carta, dúvida nenhuma não resta para a qualificar como resolução sem justa causa porque lá não se alegou nenhuma justa causa, isto é, os comportamentos do trabalhador gravemente violadores de deveres laborais que tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, e porque deu um aviso prévio. Quanto à segunda, a Ré alegou a justa causa (desobediência ilegítima dos ordens dos superiores, falta do compromisso pelo cumprimento dos deveres inerentes ao exercício do cargo do trabalho, abandono do trabalho durante o horário de trabalho sem autorização, falta injustificada que causou danos directos e graves para a Ré, os clientes delas e a indústria por causa da recusa ilegítima de realizar voos) para a resolução, por isso constitui a resolução com justa causa.
  Sendo uma declaração unilateral do empregador, é sempre explícita ou tacitamente revogável e modificável por outra declaração posterior do mesmo antes da produção dos efeitos da primeira.
  Assim, uma vez que a Ré resolveu imediatamente com justa causa o contrato de trabalho através da segunda carta antes da data de cessação do contrato de trabalho determinada pela primeira carta, deve entender ser aquela mas não esta como facto extintivo do contrato de trabalho entre o Autor e a Ré. Por isso, cabe-nos analisar se a resolução com justa causa invocada pela Ré é ou não fundada ou lícita.
*
  Justa causa lícita ou ilícita
  Nos termos do art. 68º, n. 2º da Lei n. 7/2008 e do art. 21º do CPT, ao empregador cabe, caso haja resolução do contrato por sua iniciativa com justa causa, o ónus de alegar e provar a subsistência desta, que se baseia, em princípio, num comportamento culposo por parte do trabalhador que viole gravemente os deveres inerentes à sua qualidade e que faça com que o empregador perde a confiança junto daquele, determinando razoavelmente a impossibilidade prática de subsistir a mesma relação de trabalho.
  Por outras palavras mais simples, a resolução do contrato por iniciativa do empregador com justa causa depende da verificação cumulativa dos requisitos seguintes:
1) A violação culposa dos deveres inerentes ao trabalhador;
2) A gravidade da sua violação; e
3) Impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho.
  Ao lado da regra geral supra, o legislador também elenca exemplificativamente, nos termos do art. 71º, n. 2º da Lei n. 7/2008, os casos típicos da justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do empregador: 1) Desobediência ilegítima às ordens dadas por superiores hierárquicos; 2) Desinteresse repetido pelo cumprimento das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho; 3) Atraso, saída antecipada ou abandono do posto de trabalho durante o período de trabalho, sem autorização e de forma reiterada; 4) Faltas injustificadas ao trabalho que causem directamente prejuízos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo, quando o número de faltas injustificadas for superior, em cada ano, a três dias consecutivos ou cinco dias interpolados; 5) Falsas declarações relativas à justificação de faltas; 6) Redução acentuada da capacidade produtiva do trabalhador provocada intencionalmente pelo mesmo; 7) Provocação repetida de conflitos com outros trabalhadores da empresa; 8) Prática, no âmbito da empresa, de actos de violência, injúria ou outras ofensas punidas por lei sobre o empregador, superiores hierárquicos ou demais trabalhadores da empresa; 9) Lesão grave de interesses da empresa; 10) Violação culposa das normas de higiene e segurança no trabalho. etc..
  No caso subjudice, a questão fulcral reside em saber se o Autor cometeu a desobediência ilegítima às ordens dadas por superiores hierárquicos. Isto depende de saber se é legítima a ordem dada pela Ré para realizar o voo em 23 de OUT de 2020 sem a dispensa de quarentena obrigatória pelo período de 14 dias.
  Salvo o melhor entendimento, as repostas não deixam de ser positivas com as razões seguintes:
  Primeiro, a quarentena obrigatória, mais correcta, a observação médica em causa foi decretada pelos Serivços de Saúde, mas não pela Ré, nos termos do art. 14º, n. 1º, al. 1) da Lei n.º 2/2004 (Lei de prevenção, controlo e tratamento de doenças transmissíveis), com o fim de prevenir e controlar situação epidémica do COVID-19. Quer o Autor quer a Ré ou qualquer pessoa ou entidade de Macau deve cumprir as ordens e orientações emitidas pelas entidades competentes, mesmo que a liberdade dos cidadãos possa ser, em certo grau, limitada temporariamente por elas.
  Segundo, não está provado nos autos o facto alegado pelo Autor de que a Ré tenha prometido a dispensa de quarentena obrigatória como condição de realizar o voo em 23 OUT 2020.
  Terceiro, segundo os factos provados, foi o Autor piloto de aviões. Esse cargo tem, sem nenhuma dúvida, muita importância e mais responsabilidade na Indústria Aeronáutica, nomeadamente durante a situação epidémica do COVID-19, porque os pilotos assumiam uma tarefa de transporte aéreo ininterrupta e urgente, tal como os médicos na área de saúde e higiene durante a pandemia. Compreende-se que a realização dos voos na altura pode arriscar ou aumentar o risco para a vida, saúde e integridade física dos pilotos, mas não é menos certo que os pilotos têm a liberdade de escolher a exoneração ou não desse trabalho, quer por via de obter a licença sem vencimento negociando com o empregador, quer por via da resignação do trabalho, se tiver preocupação séria de ser exposto no risco de infecção. Desde que optem por prestar trabalho e receber o salário, devem, em contrapartida, os pilotos fazê-lo com paciência, realizando voos como seu trabalho principal. Não é razoável nem equilíbrio que não presta trabalho, mas ao mesmo tempo recebe o salário!
  No caso vertente, não vejamos que, salvo o devido respeito, o Autor tenha tido qualquer intenção de não receber o seu salário para trocar a não prestação do trabalho, isto é, a realização do voo, através da negociação com a Ré para obter, por exemplo, a licença sem vencimento, mas sim por um lado continuou a receber salário mais alto, mas por outro lado recusou a prestação de trabalho em contrapartida. Essa atitude não se correspondia ao ditame da boa fé previsto no art. 7º, n. 2º da Lei n. 7/2008.
  Quarto, muito embora a situação epidémica do COVID-19 e as medidas antiepidémicas sejam caso fortuito e por isso não sejam previsíveis nos regulamentos de navegação aérea vigentes, para a subsunção dos factos da observação médica obrigatória naqueles regulamentos, não nos parecem que viole a regra do descanso semanal, ou mais correcta, do DDO (domestic day off) aplicável aos pilotos. Por exemplo, na “General Operation Manual” da Ré das fls. 186 a 190 e 300 a 302 dos autos, o DDO destina-se a garantir o lazer ou relaxação e livre do trabalho durante 34 horas consecutivas com a mínimo de 2 noites depois de 6 dias consecutivos de trabalho no máximo (6.4.1.4. e 6.22.1). Essa regra é manifestamente conjugável com a observação médica obrigatória, desde que durante esses 14 dias não seja exigida a realização contínua dos voos mais de 6 dias consecutivos. Por outro lado, as referidas regras nunca garantem a liberdade ambulatória absoluta dos pilotos. E isto só deve ser ponderado, na modesto entendimento do Tribunal, no caso de quarentena/ observação médica obrigatória sucessiva, isto é, a quarentena/ observação médica contínua por causa da realização dos voos contínuos e repetidos durante menos de 14 dias, porque neste caso a liberdade ambulatória dos pilotos pode ser limitada indefinidamente, que equivale à privação da liberdade.
  No presente caso, a quarentena/ observação médica obrigatória sucessiva ainda não se verificou, porquanto, segundo os factos provados, os pedidos de autorização de entrada e dispensa de quarentena são feitos individualmente para cada um dos voos e não se provou que a ré disse ao autor que se sujeitaria uma quarentena sucessiva durante 27 dias consecutivos por causa da realização de 3 voos em causa. Nesta hipótese, pode ainda acontecer que, seria dispensada a quarentena relativamente ao voo de 26 OUT 2020 ou ao de 05 NOV 2020, ou aos ambos. No entanto, o Autor recusou, logo no início, a realizar o primeiro voo, mas não no momento em que já se verificou a não dispensa da quarentena obrigatória no segundo voo ou no terceiro voo, ou seja, a razão invocada pelo Autor não é a quarentena/ observação médica obrigatória sucessiva, mas somente uma quarentena isolada que viola os regulamentos de navegação aérea vigentes. Portanto, não existe razão ponderosa para a recusa legítima.
  Assim, devemos concluir que a Ré (através dos superiores do Autor) deu uma ordem legítima ao Autor para realizar o voo em 23 de OUT de 2020 e que a recusa do Autor para prestar este trabalho constituir uma desobediência ilegítima àquela ordem previsto no art. 71º, n. 2º, al. 1) da Lei n. 7/2008, violando culposamente o dever da obediência do trabalhador previsto no art. 11º, n. 1º, al. 4) da mesma Lei.
  Quanto à gravidade da violação e à impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, devemos atender aos factos provados de que, os vários superiores e colegas tentaram convencer o Autor para realizar o voo mas se frustraram; finalmente o CEO G também tentou convencê-lo para realizar o voo à luz dos deveres éticos e morais da profissão e com a intimação do despedimento imediato. Daí resulta a insistência e a vontade firme contra a ordem legítima da Ré com o desrespeito dos seus superiores até do topo dos seus superiores, o que já constitui a desobediência qualificada por parte do Autor. E razoavelmente presumível é que o Autor também teria recusado a realizar não só os segundo e terceiro voos, mas também os voos posteriores caso não se tivesse dispensado a quarentena/ observação médica obrigatória relativa a qualquer um dos voos, quebrando integralmente a confiança entre um e outro na continuação da relação de trabalho. Portanto, devemos concluir que a violação culposa do dever da obediência é grave e leva à impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, verificando-se a justa causa lícita para a resolução do contrato de trabalho por parte da Ré nos termos dos art. 68º, n. 2º, 69º, n. 1º e n. 2º, al. 1) da Lei n. 7/2008.
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  Consequências da resolução
  Nos termos do art. 69º, n. 3º da Lei n. 7/2008, “3. Havendo justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do empregador não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização compensatória.”
  Nos termos do art. 72º, n.1º da mesma Lei, “1. Havendo justa causa para resolver o contrato, a parte que a invoca não necessita de dar um aviso prévio para fazer cessar a relação de trabalho.”
  Face ao pedido do Autor, não devemos ignorar que, por um lado, sendo a resolução com justa causa, seja lícita seja ilícita, em caso algum confere ao trabalhador o direito de compensação por falta de aviso prévio que apenas é aplicável ao caso da resolução sem justa causa; por outro lado, havendo justa causa lícita, não tem o trabalhador qualquer indemnização pela resolução unilateral do contrato de trabalho por iniciativa do empregador.
  Razões pelas quais improcedem os pedidos da indemnização/pagamento do período de 3 meses de aviso prévio e pelo chamado despedimento sem justa causa.
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  Compensações pelas férias anuais
  Nos termos do art. 75º, n.1º da Lei n. 7/2008, “1. Na cessação da relação de trabalho, o trabalhador tem direito a receber: 1) A remuneração de base correspondente aos dias de férias anuais não gozados no ano civil anterior; 2) A remuneração de base correspondente aos dias de férias anuais do ano da cessação da relação de trabalho calculados de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 46.º”
  Nos termos do art. 46º, n. 1º e 2º da mesma Lei, “1. O trabalhador cuja relação de trabalho seja superior a um ano tem direito a gozar, no ano seguinte, um mínimo de seis dias úteis de férias anuais remuneradas. 2. O trabalhador cuja relação de trabalho seja inferior a um ano mas superior a três meses tem direito a gozar, no ano seguinte, metade de um dia de férias por cada mês de trabalho prestado, assim como pelo tempo de trabalho remanescente, se for igual ou superior a quinze dias.”
  No presente caso, ficou apurado que o vencimento mensal do autor era MOP$176.375,00 mais um subsidio de habitação de MOP$12.000,00; o autor teria direito a gozar anualmente 25 dias de férias remuneradas conforme o contrato de trabalho em causa; em 26 OUT 2020 o autor foi notificado por escrito do seu despedimento pela ré; pelo término do contrato foi pago MOP$91.048,00 a título de “anual leave balance”. Fora disso, não se alegou nem provou nenhum dia já gozado relativamente às férias anuais.
  Assim, concluímos que o Autor tem ainda direito de receber as compensações pelas férias anuais não gozadas no ano da cessação de MOP$39,767.97 [(MOP$176.375,00 + MOP$12.000,00)/ 30 dias x 25 dias / 12 x 10 meses - MOP$91.048,00].
  Segundo o princípio dispositivo, deve a Ré pagar ao Autor o MOP$34.532,00.
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  Responsabilidade civil por causa da não realização dos voos
  Quanto à reconvenção da Ré, pediu ela a indemnização dos danos patrimoniais resultantes da substituição dos voos a realizar em 23 e 26 OUT 2020, as despesas na preparação e no cancelamento do voo em 23 OUT 2020 e os lucros cessantes pela não realização dos primeiros dois voos e do voo em 05 NOV 2020, bem como dos danos não patrimoniais relativamente ao seu bom nome, reputação e imagem comercial.
  No entanto, a Ré não indicou a(s) sua(s) Anspruchsgrundlage(n), ou seja, não a qualificou ou como responsabilidade contratual ou como responsabilidade extracontratual.
  Mesmo assim, nada impede que o Tribunal a qualifica como responsabilidade extracontratual, uma vez que, tendo contrato de trabalho um regime ad hoc, devemos procurar a sua responsabilidade contratual com a Lei das Relações de Trabalho (Lei n. 7/2008). No entanto, a Lei só prevê as sanções disciplinares emergentes da violação dos deveres do trabalhador nos termos do seu art. 5º, n.1º, nomeadamente se confere ao empregador, nos termos do seu art. 69º, o direito de resolução do contrato de trabalho com justa causa sem qualquer indemnização. Assim, não nos parece que o empregador tenha direito de ser indemnizado contratualmente pela violação dos deveres do trabalhador.
  Quanto à responsabilidade extracontratual, nos termos do art. 477º, n. 1º do Código Civil, “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
  A responsabilidade extracontratual depende da verificação dos cinco pressupostos: 1) o facto/acto voluntário, traduzido em acção ou omissão; 2) a ilicitude; 3) a culpa ou nexo de imputação do facto ao lesante; 4) o dano, como prejuízo a ressarcir; 5) O nexo de causalidade entre o facto e o dano.
  No caso subjudice, segundo os factos provados, não há dúvida a existência do acto voluntário por omissão e da culpa do Autor e a dos danos sofridos pela Ré, mesmo que não se provem todos os danos alegados. No entanto, é duvidoso se existem também a licitude e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
  De facto, diferentemente das outras figuras afins, uma das características do contrato de trabalho é a prestação de actividade, que se traduz numa obrigação de meio e não de resultado.
  Como refere, no direito comparado, no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal datado em 28 de Maio de 2008, “III - No contrato de trabalho a prestação do trabalhador consiste no exercício de uma actividade (trata-se de uma simples obrigação de meios), bastando que o trabalhador cumpra a obrigação de se manter disponível para prestar a actividade.”
  O que significa que, o trabalho só se obriga a prestação duma actividade mas não garante a obtenção do resultado previsto pelo empregador com a prática dessa actividade. Caso contrário, a não prestação da actividade só causa a responsabilidade contratual do trabalhador, ou seja, a sanção disciplinar dele, mas não leva, porque não garante a verificação do resultado, à violação de qualquer direito ou interesse legalmente protegido no âmbito da responsabilidade extracontratual.
  Por outro lado, quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, tendo em conta as características do contrato de trabalho e o risco da exploração das actividades comerciais do próprio empregador, os danos relativos à essa exploração resultam mais da falha ou falta da organização dos meios de produção para a exploração do que da não prestação de actividade por parte do trabalhador. Caso contrário, irrazoável é que o trabalhador quem apenas recebe o salário, mas não partilha os lucros emergentes da exploração das actividades comerciais, iria suportar indevidamente todos os riscos da perda nessa exploração em contrapartida só com o pretexto da violação dos deveres do trabalhador.
  No presente caso, entre os factos provados, podemos encontrar, salvo o devido respeito, essa falha na exploração das actividades comerciais por parte da Ré que contribuiu aos danos por ela sofridos:
  - Como em cada voo são exigidos dois pilotos qualificados para voar na mesma aeronave, e apenas se encontravam ao serviço da Ré, à data, em Macau, o Autor e D, não era possível proceder à substituição do Autor, sendo tal situação do conhecimento do próprio Autor. (37º)
  Supomos que o Autor obedecesse à ordem dos seus superiores para realizar o voo, mas ele apenas estivesse doente. Nesta hipótese, os voos também teriam de ser cancelados, não pela razão da doença do Autor, mas sim por causa de não haver outro piloto substituto para realizar o voo em vez do Autor.
  Isto quer dizer que, se a Ré tivesse havido, e devia, mais um ou dois pilotos em tempo de espera, a não realização do voo, voluntária ou não, por parte do Autor não teria causado os danos alegados pela Ré.
  Portanto, não existe nexo da causalidade entre a não recusa da realização do voo por parte do Autor e os danos sofridos pela Ré.
  Concluímos que, não se verificando a ilicitude e o nexo da causalidade entre o facto e o dano, o Autor não é responsável pelos danos sofridos pela Ré nos termos do art. 477º do Código Civil.
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  Juros de mora
  Sendo os créditos supra mencionados (MOP$34.532,00) ilíquidos, à quantia a eles referentes acrescerão, nos termos do art. 794º, n 4º do Código Civil que se conjuga com a jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 2 de Março de 2011, no processo n. 69/2010, juros a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.».
  
  Nas suas alegações e conclusões de recurso vem a Ré insurgir-se contra a sua condenação no pagamento ao Autor da quantia de MOP34.532,00 e contra a improcedência da sua Reconvenção.
  
  Nas conclusões de recurso das alíneas A) a I) em síntese invoca a Ré que a sua condenação no pagamento ao Autor pela compensação do direito a férias não tem fundamento na factualidade apurada.
  Salvo melhor opinião não lhe assiste razão.
  A condenação da Ré no pagamento da impugnada indemnização resulta da seguinte factualidade:
  «- O autor é piloto de aviões. (A)
­ Em 26 FEV 2013, o autor começou a trabalhar para a ré, desempenhando funções de piloto de avião com a categoria de comandante (Cfr. fls. 38 a 41, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (B)
A partir de 1 AGOST 2013 o autor passou também a desempenhar funções de Director de Treino e Verificações (Cfr. fls. 41, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (C)
­ (…)
­ O vencimento mensal do autor são MOP$176.375,00 e o subsídio de habitação são MOP$12.000,00. (E)
­ (…)
­ Em 26 OUT 2020 o autor foi notificado por escrito do seu despedimento pela ré (Cfr. fls. 52 a 53, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (J)
­ Pelo término do contrato e de acordo com a contabilização efectuada pela ré, o réu recebeu MOP$240.854,00 através de cheque com a data inscrita de 30 OUT 2020 (Cfr. fls. 54, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (K)
­ São as seguintes as parcelas em que, de acordo com a contabilização efectuada pela ré, se decompõe essa verba de MOP$240.854,00:
i) MOP$81.900,00, a título de “basic salary”;
ii) MOP$70.958,00, a título de “appointment allowance”;
iii) MOP$10.400,00, a título de “housing allowance”; e
iv) MOP$91.048,00, a título de “anual leave balance”.
  (Cfr. fls. 43, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (L)».
  
  A respeito desta matéria explica-se na fundamentação da decisão recorrida invocando e bem o disposto no artº 46º da citada Lei das Relações de Trabalho que o trabalhador cuja relação de trabalho seja superior a um ano tem direito a gozar, no ano seguinte, um mínimo de seis dias úteis de férias anuais remuneradas.
  Como no caso em apreço a relação de trabalho deste trabalhador é superior a um ano e resulta do contrato de trabalho a fls. 38 a 41 dos autos e dado por reproduzido na factualidade dada por provada e indicada supra, que ao tempo da cessação do contrato, o mesmo tinha direito a gozar 25 dias de férias por ano, é este o número de dias que deve ser considerado.
  Como resulta da indicada disposição legal, no caso de contratos de trabalho por tempo superior a 1 ano, o direito a férias vence-se no início do ano seguinte àquele em que o trabalho foi prestado, isto é, o direito a férias pelo trabalho prestado em 2020 vence-se no dia 1 de Janeiro de 20214, àquele em que o trabalhador trabalhou.
  Se acaso o contrato de trabalho termina antes do termo do ano, o trabalhador tem direito a receber o proporcional do direito a férias que se vence na data do termo, relativamente ao direito às férias que se iria vencer no termo desse ano para serem gozadas no ano seguinte.
  Sendo o contrato de trabalho superior a um ano, tendo a relação laboral terminado em Outubro de 2020, o direito a férias que se vence neste momento é o proporcional do direito a férias que se iria vencer em 1 de Janeiro de 2021 para ser gozadas em 2021.
  Se acaso o trabalhador gozou férias em 2020 estas seriam do direito adquirido em 1 de Janeiro de 2020 por força do trabalho prestado em 2019.
  Nos termos da lei o trabalhador não goza férias antes do direito a férias se vencer e se tal aconteceu, cabe à entidade patronal invocar que autorizou o trabalhador a gozar férias antes do direito às mesmas se vencer e, dado que se trata de um excepção peremptória impeditiva do direito do Autor, cabe-lhe fazer a prova da mesma – nº 2 do artº 335º do C.Civ. -.
  O direito a férias de que se trata no pedido e na decisão recorrida venceu-se no mesmo dia em que cessou a relação laboral, pelo que, segundo a lógica e a prática corrente não podia ter sido gozado antes porque ainda nem sequer se tinha vencido.
  Logo o trabalhador não tinha que provar absolutamente nada quanto ao gozo das férias cujo direito se venceu na data do despedimento, uma vez que vencendo-se o direito nesse momento resulta da lógica que ainda não as gozou.
  Como já se disse e reiterando, se acaso a entidade patronal autorizou que gozasse as férias antes de se vencer o direito às mesmas, cabia à entidade patronal invocar e demonstrar por ser facto impeditivo do direito do Autor, agora ao Autor não cabe provar um facto negativo que se traduz em não ter gozado o direito antes dele se vencer o que é ilógico e não resulta do direito.
  As férias que eventualmente o trabalhador haja gozado em 2020 reportavam-se a direitos vencidos nos anos anteriores.
  O que resulta do cálculo das remunerações indicado na matéria de facto é que ao fazer o cômputo do valor devido a título de indemnização pelo direito a férias vencido na data do despedimento foi considerado o valor correspondendo a 14,5 dias nada mais se dizendo.
  Ora, tendo o trabalhador direito a 25 dias de férias por ano, tendo trabalhado 10 meses em 2020, os dias de férias proporcionais aos tempo que trabalhou em 2020 é igual a 20,83, isto é, 21 dias (25:12x10), pelo que, não foi pago da diferença entre os 14.5 e os 21 dias.
  É certo que naquela folha de cálculo a fls. 43 umas linhas acima se diz “contabilização das férias em 2020.10.26: 25.5+21-39=14.5”, contudo, nada se explica, nem nada se provou quanto ao que aqui se diz e o que se quer dizer, nada constando da matéria de facto apurada que o esclareça. Esta suposta operação aritmética para além de estar errada nada explica. 25,5+21 é igual a 46.5 menos 39 o resultado deveria ser 7.5 e não 14.5. Não sabemos a que corresponde 25.5 admitindo-se que sejam, dias de férias mas que não se diz em que ano se venceram, o mesmo se diga para 21, 39 e o resultado enigmático de 14.5.
  A única coisa que sabemos e que a Ré invoca no artº 76º da sua contestação é que a indemnização relativa ao direito a férias foi calculada tendo por base 14.5 dias quando o que resulta da lei é que o Autor teria direito a gozar 21 dias.
  Logo nenhum reparo há a apontar à decisão recorrida no que concerne à decisão quando entende que o Autor tem direito a ser indemnizado pelo valor correspondente a 21 dias uma vez que se faz o cálculo como por nós indicado, 25:12x10.
  Quanto ao valor da indemnização ela foi correctamente calculada em MOP39.767,97 mas limitada ao pedido feito de MOP34.532,00 no qual a Recorrente foi condenada.
  Destarte, nesta parte deve improceder o recurso.
  
  Vem a Recorrente impugnar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a reconvenção.
  Nas suas alegações de recurso a Recorrente conjuga tudo, isto é, a responsabilidade contratual e a responsabilidade por factos ilícitos.
  Ora nós estamos no âmbito de um contrato de trabalho em que por o trabalhador não ter executado a tarefa a que lhe mandaram o despediram, despedimento esse que se julgou lícito.
  Como se explica na decisão recorrida através do contrato de trabalho o trabalhador obriga-se a uma prestação de meios e não de resultados.
  Porque se denota uma grande confusão de conceitos é bom precisar, no caso em apreço o objecto do contrato de trabalho é a actividade a que o Autor se obrigou e que foi pilotar um avião mas o objecto do contrato não é garantir que o avião realiza os voos que a entidade patronal quer.
  Monteiro Fernandes em Direito do Trabalho , 6ª Ed., Almedina, Coimbra, 1987, pág. 49, aponta este elementos como sendo o traço característico “entre as relações de trabalho subordinado e as relações de trabalho autónomo: nestas, precisamente porque o fornecedor de força de trabalho mantém o controlo da aplicação dela, isto é, da actividade correspondente, o objecto do seu compromisso é apenas o resultado da mesma actividade – só este é devido nos termos pré-determinados no contrato; os meios necessários para o tornar efectivo em tempo útil estão, em regra, fora do contrato, são de livre escolha e organização por parte do trabalhador. No contrato de trabalho, pelo contrário, o que está em causa é a própria actividade5 do trabalhador, que a outra parte organiza e dirige no sentido de um resultado que (aí) está por seu turno fora do contrato;”.
  Sobre esta questão veja-se ainda a diferença entre as definições legais de contrato de trato de trabalho e prestação de serviços nos artigos 1079º e 1080 do C.Civ, acentuando-se a diferença entre prestar uma actividade intelectual ou manual e proporcionar certo resultado.
  A entidade patronal por definição é o sujeito que adquire a disponibilidade da força de trabalho alheia mediante o pagamento de uma retribuição.
  Como resulta do ensinamento do indicado Autor o contrato de trabalho não tem por objecto a realização do negócio ou da indústria da entidade patronal.
  É certo que o trabalhador deve actuar com a diligência e zelo correspondentes à actividade para que foi contratado para desempenhar e de acordo com as “regras da arte”, mas já não é responsável pelo resultado que daí possa resultar.
  Se o trabalhador no exercício da sua actividade, em total desrespeito pelas regras da arte, actuando com culpa destruir determinado bem da entidade patronal, poderá ser equacionada a possibilidade de responsabilidade pelos danos que daí resultaram.
  Mas se o trabalhador pura e simplesmente se recusa a prestar a sua actividade, ainda que ilicitamente, isto é sem fundamento legal, o que acontece é violação do contrato de trabalho com as consequências que daí decorrem e que neste caso foi o seu imediato despedimento com justa causa.
  Resumindo o trabalhador no caso em apreço não tinha obrigação de garantir que o avião voava mas apenas de prestar a sua actividade de o pilotar, recusando-se a fazê-lo violou a obrigação a que estava obrigado.
  O resultado obtido com o voo dos aviões é da exclusiva e inteira responsabilidade da Ré aqui entidade patronal.
  Em momento algum do contrato consta cláusula alguma que responsabilize o trabalhador pelos resultados da entidade patronal.
  Como bem se diz na decisão recorrida a Ré não pôde realizar o voo do dia 23 de Outubro de 2020 porque não tinha um número de pilotos suficiente ao seu serviço para garantir que os aviões pudessem ser pilotados se por alguma razão um dos dois pilotos que tinha aos seu serviço não o pudesse/quisesse fazer.
  A forma como explora o seu negócio é da responsabilidade da entidade patronal a qual podendo confiar que tem os seus empregados ao seu serviço para desempenharem as suas tarefas também não deve descurar que assim pode não acontecer, tomando as precauções e assumindo os riscos que entender.
  Em qualquer momento os funcionários podem despedir-se incorrendo apenas na indemnização devida pela falta de cumprimento de aviso prévio. Mas se daí decorreu para a entidade patronal a impossibilidade de explorar o seu negócio foi porque assumiu o risco de o explorar com base apenas naquele empregado.
  Ao empregado não pode ser exigida a responsabilidade pelo resultado obtido com a exploração da actividade da entidade patronal.
  Mas se tanto não fosse bastante para a improcedência da Reconvenção outras incongruências resultam deste pedido.
  Para além da indemnização pela não realização da viagem em 20 de Outubro a Ré vem pedir indemnização também pelas viagens de 26 de Outubro e de 5 de Novembro quando foi ela Ré quem despediu o trabalhador em 26 de Outubro.
  Se o despediu e se não tinha trabalhadores para operar o avião o insucesso apenas se deve à Ré. Se o trabalhador foi despedido, ainda que com justa causa e por culpa daquele, se a entidade patronal não tem quem execute a si apenas se deve.
  Destarte, pelos fundamentos expostos, corroborando a posição sustentada na decisão recorrida, também no que concerne à improcedência da reconvenção só pode o recurso improceder.
  
III. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos nega-se provimento ao recurso mantendo-se as decisões recorridas nos seus preciso termos.
  Custas pela Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 21 de Março de 2024
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  
  Fong Man Chong
  (1º Adjunto)
  
  Choi Mou Pan
  (2º Adjunto)
  
  



1 Manual de Formação de Dreito do Trabalho em Macau, CFJJ, 2012, P.384.
2 Na carta de 07 de Outubro de 2020 foi redigido o seguinte:
“7th October, 2020
To: Captain B
Subject: Termination of Employment Contract
Captain B:
As you are certainly aware, Macau Jet (MJ) has been facing the hardest internal and external challenges this year. In April 2020, you refused to sign the new contract that we provided and required all MJ employees to sign. Subsequently you also repeatedly brought up your European offer as well as your intention and plan to retire and resign from MJ. We were thus made to anticipate that you would resign at any time, and we have made the necessary and appropriate plan to properly maintain the company's operation after you leave. Yet you took the liberty to change your mind again last week and contradicted your earlier communications. We felt deeply disappointed about your communications and behavior and the lack of consistency in them over the past several months.
In the view of Macau Jet, your position, as the head of flight operation, is especially crucial for the company’s normal operation. Thus, we definitely need a highly stable and devoted person to maintain our operation. However, your words and behavior seemed departure from these characteristics and expectations, broke our trust and increased the uncertainty and instability to our company.
Therefore, we regret to inform, in accordance with Macau Labor Relations Law and the employment contract Item 17, this letter serves as a 90-day prior written notice to terminate your employment with our company as of 5th January 2021. The aforementioned date will be your last working day and the final payment will be issued within 9 working days since then.
Please let us know if you need any assistance. Thank you for your service to the company. …” (sublinhado nosso)
3 Na carta de 26 de Outubro de 2020 foi redigido o seguinte:
“October 26th, 2020
To: Captain B
Subject: Notice of Termination of Employment Contract
Event description: Since the end of January 2020, with the ongoing pandemic of COVID-19, the whole aviation industry has been facing serious challenges. Macau Jet Co., Ltd (MJ), as a charter operation company in Macau, has also been inevitably running under significant internal and external pressure. Under this situation, we expect and anticipate all our employees to show their enthusiasm, maintain strong responsibility, and serve the customers with professionalism.
We recently had three committed itineraries, one was on 23rd Oct Hong Kong- Changsha-Hong Kong, another on 26th - 27th Oct Macau-Shanghai-Osaka-Shanghai-Macau (to transport a Japanese baby who was born in Shanghai with life-threatening heart disease and needs affordable medical treatment back in Japan)and the third on 5th Nov Macau-Danang- Macau. Due to the nature of charter flight business, all our flight schedules could be urgent and change at any time according to the customer's request, especially in the pandemic. To conduct the charter flights, all three crew members from MJ, including you, Captain D and flight attendant Supaporn Yeevijittakul (Nid), have been notified. You also applied and received your working “C" visa to Mainland China in time.
Surprisingly, while all the EMD and OPS staff were working hard to prepare for the flights, at around 19:18 on 22nd Oct (the night before the 23rd Oct trip), our deputy CEO, Ms. E, was noted by OPS department that you sent an email to OPS, stating that you would only conduct the flight if a written CDC (Health Bureau) letter is received to waive the quarantine after you return to Macau. You said the 14-day-quarantine breaks the chapter 6 of GOM (according to this chapter, the pilot is required to take two days break after 6 days of continuous duties). We immediately consulted AACM. They confirmed that during the quarantine, pilots will not be considered on duty. Besides, all pilots in Air Macau also fly under the same quarantine requirement. Ms. E tried to call you, but no one answered the phone. Therefore,at 23:55 on 22nd Oct, Ms. E explained by email to you and all the crew staff that quarantine would not be considered as on duty and thus would not break the GOM rule.
The 23rd Oct the flight was set to take off at 10:30 in the morning. However, at around 9:00 on 23rd Oct, Low-Hang H, head of OPS, called Ms. E, saying you wanted to talk with her. At around 9: 15, Ms. E, Captain D, Mr. F met you at the CAM office. They repeated the two points: 1. Quarantine is a government requirement as everyone knows; 2. Quarantine will not be treated as on duty, so it won't break the AACM regulation for pilots’ flight time. But you insisted not to fly unless quarantine is waived by CDC.
Mr. G, CEO of MJ, arrived at around 10:40. All the operational leadership members were there. They tried to persuade you in light of your ethics and profession as a pilot, your responsibilities, and the potential damage your action could bring to yourself, to the customer, to MJ and even to the whole Macau Aviation industry. The deadline for you to make the decision was set to be 11 :00 by Mr. G
Regretfully, at 10:45, you finally made your mind not to fly unless quarantine is waived. Because most flight training centers have been closed or inaccessible, we now only have two pilots who can fly (you and Captain D), the 23rd Oct flight from Hong Kong to Changsha had to be canceled.
Besides this 23rd Oct flight, we still have two more upcoming itineraries that we already know will be affected: 26th – 27th Oct Macau-Shanghai-Osaka-Shanghai-Macau and 5th Nov Macau-Danang-Macau. They will both have to be canceled or transferred to other operational companies as well and all the chaos will accumulate the losses for MJ.
Discipline: Due to the incident mentioned above, you have already seriously breached your duty, especially with willful disobedience to orders given by superiors, lack of commitment in fulfilling duties inherent in the exercise of the employee’s functions, abandoning work during the working hours without authorization and unjustified absences from work causing direct serious harm to the company, our customer and the industry. In compliance to Macau Labor Relations Law Article No.69, the serious circumstance makes it impossible to continue the labor relation, and also constituted just cause for rescission of the Employment contract. This letter serves as notice to immediately terminate your employment with just cause. Your last employment day is today 26th October 2020 and the final payment will be issued within 9 working days since today.
Meanwhile, if your improper action caused any subsequent financial or non-financial losses to the company, we reserve the right to take further legal action to protect the company’s interest and all liability shall be pursued in accordance with the law. …”(sublinhado nosso)
4 Sobre esta matéria o artº 237º do Código de Trabalho Português é bastante claro o que auxilia na interpretação da norma do artº 46º da Lei das Relações de Trabalho de Macau.
5 Como se notará, esta fundamental distinção é feita, no CCiv., justamente pelo critério da actividade e do resultado (cfr. arts. 1152.º e 1154.º); na mesma esteira, e quanto à jurisprudência, vejam-se por exemplo os Act. S.T.A. 4/7/67 (AD, 71, 1 644) e 23/7/68 (AD, 83, 1 507).
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147/2024 CÍVEL 33