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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.º 10 / 2009

Recorrente: Secretário para a Segurança
Recorrido: A






   1. Relatório
   A era titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente de Macau válido até 1 de Julho de 2007. Requerida a renovação da autorização de residência posteriormente, foi indeferida por despacho do Secretário para a Segurança de 18 de Dezembro de 2008.
   Deste despacho veio o requerente a pedir a suspensão de eficácia. Por acórdão proferido no processo n.º 63/2009, o Tribunal de Segunda Instância deferiu a requerida suspensão de eficácia.
   Inconformado com este acórdão, o Secretário para a Segurança recorreu para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. “Ao decretar a suspensão de eficácia do despacho em causa estaria o Tribunal a ... conceder uma autorização provisória de residência, substituindo-se assim à Administração ...”, o que lhe é vedado por lei e, designadamente em face do “princípio da separação de poderes”.
   2. É impossível e inútil suspender a eficácia de um acto de indeferimento de uma pretensão de revitalização de uma relação jurídica caducada, porque:
   - Não se trata de um acto de conteúdo positivo revogatório da mesma relação;
   - Não existe qualquer expectativa de recuperação da mesma relação, que depende de um acto discricionário da Administração;
   - A decretada suspensão não possui a virtualidade de conceder uma autorização de residência, nem produz quaisquer efeitos na esfera do requerente.
   3. O acto administrativo impugnado é de conteúdo exclusivamente negativo e a suspensão da sua eficácia é ilógica e imprópria nos termos do art.º 120.º, a), do CPAC.
   4. O requerente não demonstra nem pode demonstrar a existência de prejuízo irreparável ou de difícil reparação porque o acto administrativo impugnado não produz qualquer alteração na sua situação de vida que mantém há cerca de 5 anos.
   5. O requerente não quantifica, como considera a doutrina dever fazê-lo, para efeitos do art.º 121.º, n.º 1, a), do CPAC o alegado prejuízo, que não é quantificável por ser imaterial e também por não existir na realidade.
   Ao interpretar e aplicar erradamente o direito aos factos, violou o acórdão recorrido os princípios e normas invocados e designadamente as dos art.ºs 120.º, al. a) e 121.º, n.º 1, al. a) do CPAC, pelo que deve ser anulado.”
   
   O recorrido não apresentou as alegações.
   
   O Ministério Público emitiu o parecer no sentido de manter a posição assumida no parecer anterior e entende que deve ser mantido o acórdão recorrido.
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   “- O requerente foi autorizado a residir em Macau em 2002 e foi renovado o prazo de validade da sua autorização de residência até 1 de Julho de 2007.
   - Em 21 de Novembro de 2008, quando o requerente A entrou em Macau através do posto fronteiriço das Portas de Cerco, recebeu e assinou a Notificação n.º XXX/08/E, entregue por um guarda policial do CPSP, através da qual o requerente foi informado que o Secretário para a Segurança proferiu um despacho em 27 de Fevereiro de 2008, em que declarou a caducidade da autorização de residência do requerente por falta de requerimento para renovação da referida autorização de residência dentro dos 180 dias após a expiração do seu prazo de validade.
   - Em 28 de Novembro de 2008, o requerente apresentou o requerimento de renovação da autorização de residência ao Serviço de Migração do CPSP, com um esclarecimento em que explicou detalhadamente um justo impedimento pelo cumprimento da pena na RP da China que levou à falta de requerimento para a renovação da autorização de residência no prazo legalmente fixado, e apresentou os documentos comprovativos.
   - O Sr. Secretário para a Segurança proferiu um despacho em 18 de Dezembro de 2008, cujo teor é: “concordo com o parecer proferido pela Assessora, Dr.ª Cheong, e indefiro o pedido de renovação”.
   - O parecer proferido pela Assessora entende que:
   “tendo em consideração os fundamentos e documentos apresentados pelo interessado, o requerente perdeu efectivamente a liberdade pessoal desde o fim do ano de 2005, o que é manifestamente impossível para o requerente dirigir-se pessoalmente ao Serviço de Migração para pedir a renovação da autorização de residência no prazo fixado, porém, o cumprimento da pena de prisão do interessado não provoca a perda da capacidade de gerir seus próprios assuntos nem impede o interessado de apresentar oportunamente o referido pedido através de carta ou através de nutrem”.
   - Em 26 de Janeiro de 2006 o requerente encontrava-se preso na R. P. da China até 20 de Novembro de 2008, em que lhe foi concedida a liberdade condicional.
   - A mulher do requerente, ..., é residente permanente da RAEM, com quem têm dois filhos menores, ... e ..., que também são residentes permanentes da RAEM.”
   
   
   2.2 Possibilidade de suspender a eficácia do indeferimento de renovação de autorização de residência
   O recorrente pugna pela revogação do acórdão recorrido por entender que a autorização de residência do requerente já caducou e o tribunal não pode substituir à Administração para prorrogar a autorização de residência já caducada. O acto visado tem conteúdo totalmente negativo, sendo impossível suspender a sua eficácia.
   
   É fundamental o disposto no art.º 120.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC):
“A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.”

Consideram-se actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica” e são actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica.”1
   
   A questão em causa consiste em saber se o acto visado, ou seja, o despacho do ora recorrente de indeferir a renovação de autorização de residência do recorrido tem efeito positivo susceptível de suspensão.
   
   O tribunal recorrido, para fundamentar a concessão de suspensão de eficácia do acto, considera que este vinha necessariamente alterar a situação pré-existente do requerente e a sua suspensão poderia lhe resultar efeito útil, como a manutenção de estadia autorizada em Macau.
   
   Ora, parece-nos que o acto visado não altera a situação jurídica anterior do recorrido e consequentemente é um acto totalmente negativo, sem qualquer vertente positiva.
   Vejamos.
   
   Segundo o art.° 22.° do Regulamento Administrativo n.° 5/2003, a autorização de residência pode ser renovada por período de dois anos, a pedido do interessado, e depende da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios e neste regulamento.
   Em relação à renovação tardia, prescreve o seu art.° 23.°:
   “1. Findo o prazo de validade da autorização de residência, os interessados podem ainda requerer a renovação no prazo máximo de 180 dias, mediante o pagamento da multa fixada no artigo 36.° do presente regulamento.
   2. ...
   3. A falta do requerimento para renovação dentro do prazo do n.° 1, salvo por motivo de força maior devidamente comprovada, implica a caducidade da autorização de residência e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente.”
   
   Deste artigo resulta que a situação do interessado com residência autorizada pode-se manter, embora condicionalmente, até 180 dias após o fim do prazo de validade ou à cessação da força maior impeditiva.
   Se a renovação da autorização de residência for pedida ainda nesta situação condicional e afinal indeferida, o acto de indeferimento é um acto negativo com vertente positiva que consiste em retirar a situação anterior de residência autorizada ao interessado.
   
   Mas no caso concreto existe uma particularidade que marca diferença com a referida conclusão. A autorização de residência do recorrido já foi declarada caduca por um outro acto praticado pelo recorrente em 27 de Fevereiro de 2008, muito antes de o recorrido ter regressado a RAEM. Tal acto foi notificado ao recorrido logo no mesmo dia que regressou a Macau.
   Ou seja, antes de o recorrido apresentar o pedido de renovação da autorização de residência, objecto do acto visado, ele já estava na situação de não ser titular de qualquer autorização de residência na RAEM válida, condicionalmente ou não.
   É um facto objectivo cuja conformidade com a lei não pode ser discutida nesta sede, pois apenas pode constituir objecto de discussão no respectivo recurso contencioso. E é isso que se deve tomar em consideração para apreciar a possibilidade de suspender a eficácia do acto visado.
   Assim, o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência apresentado pelo recorrido em momento posterior não altera a sua situação jurídica anterior, pois a situação de falta de autorização de residência mantém-se antes e depois do acto de indeferimento.
   Uma vez que falta efeito positivo no acto negativo de indeferimento ora em causa, o pedido de suspensão da sua eficácia deve ser negado por falta de verificação do requisito previsto no art.° 120.° do CPAC, conclusão essa que determina a procedência do recurso com a revogação do acórdão recorrido.
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso jurisdicional, revogar o acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância e, em consequência, indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
   Custas neste Tribunal e no Tribunal de Segunda Instância pelo recorrido com a taxa de justiça fixada em 3 e 4UC, respectivamente.
   
   Aos 29 de Junho de 2009


Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

A Procuradora-Adjunta
presente na conferência: Song Man Lei

1 Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 279.
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Processo n.º 10 / 2009 8