打印全文
Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso civil
N.º 20 / 2008

Recorrentes: A
B
C
Recorridas: as mesmas






   1. Relatório
   A e B requereram a providência cautelar de suspensão de deliberações sociais contra a C, pedindo que seja declarado que a requerida não pode executar as deliberações da assembleia geral ordinária da requerida realizada em 30 de Março de 2007. Na petição as requerentes indicaram o valor da causa em MOP$1.000.001,00.
   Posteriormente a requerida suscitou o incidente de valor que, nos termos do art.º 257.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) se requer a fixação à causa novo valor, alegando sobretudo que a deliberação cuja suspensão se peticiona consiste na distribuição do dividendo no valor de MOP$695.093.735,70.
   Por acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Base, foi fixado a esta providência cautelar o valor de MOP$695.093.735,70 (fls. 1796 e 1797).
   Desta decisão recorreram as requerentes.
   Por acórdão proferido no processo n.º 15/2008, o Tribunal de Segunda Instância julgou parcialmente procedente o recurso e fixou o valor em MOP$495.309.894,18, correspondente ao dividendo a que teria direito dos sócios, com qualidade posta em dúvida, detentores de 70,138% do capital social da C.
   Ambas as partes interpuseram recursos deste acórdão para o Tribunal de Última Instância.
   As requerentes A e B formularam as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. O valor processual de um procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais é determinado, de acordo com o disposto no art.º 255.°, n.º 3, al. c), do CPCM, pela importância do dano resultante da execução da deliberação para o requerente ou os requerentes da providência.
   2. Se as requerentes ao identificarem os prejuízos que pretendem evitar por via do procedimento dão maior relevância aos danos não patrimoniais do que aos danos patrimoniais, então estão em causa interesses não susceptíveis de avaliação pecuniária, pelo que se justifica estabelecer um paralelo com o disposto no art.° 254.°, do CPCM, relativo às acções sobre valores imateriais, e atribuir à causa o valor de MOP$1,000,001.00.
   3. Se as requerentes não têm possibilidade de quantificar o dano sequer aproximadamente, quanto mais com exactidão, também por essa via se afigura adequado perante as circunstâncias concretas que fosse fixado ao procedimento o valor de MOP$1,000,001.00, indicado no requerimento inicial.
   4. Decidindo de forma diferente, o despacho recorrido violou o disposto nos art.°s 341.°, n.º 1 e 255.°, n.º 3. al. c) do CPC, no art.º 498.°, n.º 3, 1.ª parte do CC.
   5. Mesmo não se entendendo assim, e se se tomasse o valor dos lucros distribuíveis como referência essencial para a fixação do valor da causa, como se está perante uma mera providência cautelar deve partir-se do pressuposto de que não há ao tempo qualquer violação ou lesão do direito, mas tão-somente e apenas simples receio justo delas, e portanto o valor é inferior ao que se verificaria no caso de consumação da ofensa, do prejuízo que com a diligência se pretende evitar.
   6. E sendo nesse pressuposto de mero receio de violação ou lesão de direitos que as requerentes articulam o objecto da acção, por isso demonstrando a probabilidade forte de existência do dano e cuidando das respectivas medida e extensão apenas em termos de permitir a sua avaliação como apreciável e não de modo a consentir a sua exacta quantificação, o valor da causa não deve corresponder ao valor dos lucros distribuíveis, mas antes ser fixado em valor igual ou próximo das MOP$1,000,001.00 indicados pelas recorrentes na petição.
   7. Decidindo de forma diferente, o despacho recorrido violou o disposto nos art.°s 341.°, n.º 1 e 255.°, n.º 3, al. c) do CPC.
   8. Ainda que se entenda que o dano deve ser referenciado apenas ao montante dos lucros distribuíveis àqueles sócios relativamente aos quais as requerentes têm sérias dúvidas sobre terem tal qualidade, e sendo estes alegadamente detentores de 70,138% do capital social, a que correspondem lucros de MOP$495,309,894.18, como se trata do dano sofrido pelas requerentes da providência e não por terceiros, deveria ainda projectar-se naquele montante a percentagem do capital social detido pelas recorrentes, isto é, fixar como valor da causa apenas a parte nesse montante correspondente ao capital social titulado pelas recorrentes.
   9. Não tendo ficado provada essa percentagem deve, nos termos previstos no art.º 650.°, n.º 1, do CPCM, ser ordenado novo julgamento da causa a fim de tal matéria ser adquirida para o processo.
   10. Decidindo de forma diferente, o despacho recorrido violou igualmente, em vertente diversa, o disposto nos art.°s 341.°, n.º 1 e 255.°, n.º 3, al. c) do CPC.”
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso e o despacho recorrido revogado e substituído por outro que atribua ao presente procedimento cautelar o valor processual de MOP$1.000.001,00 ou, não se entende assim, o valor correspondente à parte do capital detido pelas recorrentes no montante de MOP$495.309.894,18.
   
   A requerida concluiu de seguinte forma nas suas alegações:
   “1. A ora recorrente conforma-se com a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância na parte em que a mesma conclui pela admissibilidade processual de recurso para aquele interposto e mantido pelas ora recorridas quanto à decisão do incidente de verificação do valor da causa, procedendo, assim, à redução expressa do objecto do recurso nos termos do n.º 3 do art.º 589.º do Código de Processo Civil.
   2. Tal como afirmado pelo Tribunal de Segunda Instância na fundamentação do acórdão recorrido, a verificação do valor dos autos de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais deve ser feita segundo o critério previsto no n.º 3 do art.º 255.º do Código de Processo Civil o qual, no entendimento da ora recorrente, constitui uma concretização do mesmo critério que se acha previsto na al. b) do art.º 7.º do DL 63/99/M de 25 de Outubro (Regime das Custas dos Tribunais);
   3. A concreta aplicação daquele mesmo critério e a verificação, por essa via, do valor da causa não se mostra, porém, correcta pelas seguintes e fundamentais razões:
   4. As ora recorridas vieram requerer a suspensão da execução de todas as deliberações tomadas pelo colectivo de sócios da ora recorrente na assembleia geral realizada em 30 de Março de 2007; ou seja, designadamente, (i) da deliberação de aprovação do relatório anual do Conselho de Administração, (ii) da deliberação de provação das contas do exercício de 2006 e (iii) da deliberação de distribuição de parte do lucro distribuível gerado naquele mesmo exercício.
   5. De tal facto são necessariamente extraídas as seguintes três conclusões:
   a) As ora recorridas não vieram requerer a suspensão da execução de apenas uma, ou de apenas algumas das deliberações aprovadas pelo colectivo de sócios da ora recorrente em 30 de Março de 2007;
   b) As ora recorridas não vieram requerer a suspensão apenas de alguns dos efeitos, ou de apenas uma parte dos efeitos, de qualquer das deliberações tomadas pelo colectivo de sócios da ora recorrente em 30 de Março de 2007; e
   c) Em especial, as ora recorridas vieram requerer a suspensão da execução da deliberação de distribuição do valor correspondente a 35% do lucro distribuível apurado pela aprovação das contas relativas ao exercício económico de 2006.
   6. Porque assim é, a providência requerida visava impor à ora recorrente o dever de se abster de proceder à distribuição do valor de MOP695.093.735,70, correspondente a 35% do valor de lucro distribuível gerado no exercício de 2006, e não apenas do valor de MOP495.309.894,18.
   7. Sendo aquele, e não este, o valor que os accionistas da ora recorrente teriam deixado de receber no caso em que a providência houvesse sido decretada nos termos requeridos, carecendo, assim, de justificação, a redução pro rata por referência à percentagem de 70,138% do capital social da ora recorrente.
   8. O facto de que as ora recorridas, no âmbito da alegação de recurso que apresentaram junto do Tribunal de Segunda Instância, tenham vindo afirmar que pretendiam, tão só e apenas, a suspensão da distribuição de parte proporcional (70,138%) dos dividendos deliberados distribuir é irrelevante, processual e substantivamente, dado o encerramento da instância e a consequente insusceptibilidade de alteração do pedido deduzido nos autos de providência cautelar em que foi proferida decisão transitada em julgado;
   9. Pela mesma razão, tão pouco pode o Tribunal, em face de tal alegação, promover uma redução oficiosa do pedido ou uma interpretação do mesmo, restritiva e contrária aos respectivos termos tal como patenteados à, e apreciados pela, instância na decisão de mérito entretanto transitada em julgado.
   10. Mesmo que se devesse atribuir relevância, para efeito de verificação do valor da causa, à alegação de que as ora recorridas se teriam limitado a invocar dúvidas quanto à titularidade de 70,138% do capital social da ora recorrente – o que, atentas as razões antes vistas, só por exigência de exaustão do patrocínio se cogita – nem por isso se justificaria a redução do valor do dano para esse mesmo efeito, nos termos em que o mesmo foi feito pelo Tribunal recorrido;
   11. Sob o ponto de vista lógico – ou, mais rigorosamente, aritmético – a eventual de lucros a pessoas relativamente às quais as ora recorridas alegaram ter dúvidas sérias quanto a essa sua invocada qualidade repercute-se, na razão inversa de 1 para 1, no apuramento do montante que os sócios titulares das participações àqueles transmitidas deveriam, a final, receber (ou deveriam, segundo a perspectiva das recorridas, ter recebido);
   12. Porque assim é o que está em causa como dano a evitar – legalmente relevante para a verificação do valor da causa – não é apenas o rateamento do lucro a distribuir pelos titulares de acções correspondentes a 70,138% do capital social mas, antes, a execução dessa mesma deliberação de distribuição nos efeitos que a mesma produz relativamente à capitação de 100% do capital social.”
   Pedindo a revogação parcial do acórdão recorrido e a sua substituição por outro valor em MOP$695.093.735,70.
   
   Só a requerida apresentou contra-alegações.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   A determinação do valor da causa do presente procedimento cautelar
   Das deliberações da assembleia geral ordinária da requerida realizadas em 30 de Março de 2007 que as requerentes se pretendem suspender consta que foram aprovados o relatório do Conselho de Administração e o parecer do Conselho Fiscal relativos ao exercício do ano 2006 e que 35% dos lucros líquidos distribuíveis que totalizam MOP$1.985.982.102,00 serão distribuídos como dividendos pelos accionistas.
   
   Na parte relativa ao incidente do valor da causa, o tribunal colectivo do Tribunal Judicial de Base decidiu de seguinte forma:
   “... as requerentes atribuem à presente providência o valor de MOP$1,000,001.00, enquanto a requerida defende que o valor de acção é de MOP$695,093,735.70.
   Não havendo acordo das partes, ao Tribunal cabe dizer a última palavra – art.º 259.° do CPCM.
   A propósito da matéria em discussão, o art.º 255.°, n.º 3, al. c) do CPCM dá resposta expressa, que preceitua:
   ‘3. O valor dos procedimentos cautelares é determinado nos termos seguintes:
   ...
   c) Na suspensão de deliberações sociais, pela importância do dano;
   ...’
   Pergunta-se, qual é o dano que as requerentes pretendem evitar em esta providência de suspensão da deliberação de 30/3/2007?
   Seguramente não é 1 milhão e uma patacas tal como as requerentes indicam. Uma de 2 hipóteses:
   a) Ou tomamos como valor da acção o valor total dos dividendos distribuídos aos sócios da requerida mediante a deliberação de 30/3/2007; ou
   b) O valor de dividendo distribuído apenas à 1ª requerente enquanto sócio da requerida.
   Ora na perspectiva das requerentes e conforme a forma como estão alegados os factos, elas defendem que algumas pessoas singulares e colectivas que participaram na assembleia geral e votam nela não são sócias, assim, o presumível prejuízo é distribuir os dividendos aos estranhos (não sócios). Pelo que, nesta lógica, o dano que as requerentes pretende evitar é justamente o valor global dos dividendos distribuídos aos “sócios” por deliberação em ataque.
   Pelo exposto, o Tribunal fixa a esta providência cautelar o valor de MOP$695,093,735.70.”; (cfr., fls. 1796v a 1797).”
   
   No recurso desta decisão, o Tribunal de Segunda Instância entendeu fixar o valor da causa em MOP$495.309.894,18, correspondente a 70,138% dos lucros distribuíveis da requerida a que os “não” sócios teriam direito, por considerar ser tal valor o presumível prejuízo.
   
   As requerentes alegam agora que os danos patrimoniais são na situação concreta impossíveis de quantificar e os danos não patrimoniais são fixados equitativamente. Por conseguinte, os interesses que se visaram acautelar eram insusceptíveis de avaliação. Entendem que se afigura adequado o valor de MOP$1.000.001,00 indicado no requerimento inicial. E o valor da causa não deve corresponder ao valor dos lucros distribuíveis porque as requerentes alicerçaram a acção no receio de lesão de direitos e não numa lesão efectiva destes. Por fim, pediu o novo julgamento da causa para apurar a percentagem do capital social detido pelas recorrentes de modo a determinar o valor da causa segundo a respectiva parte de lucros distribuíveis.
   
   Para a requerida, sustenta que o valor do presente procedimento cautelar deve ser o de todos os lucros distribuíveis, e não o de 70,138% destes dos accionistas com qualidade posta em dúvida.
   
   Está em discussão o valor do presente procedimento cautelar da suspensão de deliberações sociais.
   Nos termos do art.º 255.º, n.º 3, al. c) do CPC, o valor do procedimento cautelar da suspensão de deliberações sociais é determinado pela importância do dano.
   
   Segundo a petição inicial das requerentes, foram alegados os danos patrimoniais e não patrimoniais por execução das deliberações da requerida visadas.
   Na parte dos danos não patrimoniais, as requerentes defendem que o bom nome e a reputação da requerida são prejudicados pela forma como esta tratou elas e um seu representante, bem como pela irregularidade na eleição do corpo administrativo da sociedade, ora requerida. Mas não chegaram a quantificar estes danos.
   Já na parte dos danos patrimoniais, as requerentes alegam sobretudo que a falta de confirmação da qualidade de accionista de alguns participantes da assembleia geral e dos números de acções que detêm causará prejuízos à sociedade requerida e é difícil recuperar os montantes indevidamente distribuídos a estes accionistas putativos, que detêm 71,028% do capital social. Por outro lado, o não exercício do direito de preferência na transmissão de algumas destas acções implica para as requerentes a correspondente diminuição de dividendo a receber.
   
   Assim, ao contrário do que alegam as requerentes no presente recurso, os danos patrimoniais são perfeitamente quantificáveis. Por isso, não é aplicável o critério estabelecido no art.º 254.º do CPC sobre os interesses imateriais para fixar o valor da causa em MOP$1.000.001,00.
   Também não se deve tomar o valor total dos dividendos a distribuir aos accionistas como o valor da presente causa, como sucederia na acção principal de anulação das próprias deliberações sociais, pois o que as requerentes consideram prejuízos para elas próprias e a sociedade requerida consiste na parte dos dividendos a que os accionistas com qualidade posta em causa teriam direito e que correspondem a 71,258% do capital social, conforme o referido nas suas alegações do anterior recurso (fls. 1837).
   E segundo o referido art.º 255.º, n.º 3, al. c) do CPC, é de atender ao valor do dano que a providência cautelar de suspensão de deliberações sociais pretende evitar, na perspectiva de requerente, para fixar o valor da causa deste tipo de procedimento, pelo que é esse valor que se deve tomar em conta para fixar o valor da presente causa.
   Assim, é de manter o valor do presente procedimento cautelar fixado pelo tribunal recorrido em MOP$495.309.894,18, que correspondem a 71,258% dos dividendos a distribuir entre os accionistas, que totalizam em MOP$695.093.735,70.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em negar provimento aos recursos.
   Custas pelas recorrentes na proporção do seu decaimento.
   
   
   Aos 15 de Julho de 2009




Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.º 20 / 2008 1