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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso civil
N.º 16 / 2009

Recorrente: A
Recorridas: B
     C






   1. Relatório
   No presente procedimento cautelar, B e C pediram, contra a A, a suspensão de deliberações da assembleia geral extraordinária da requerida realizada em 25 de Setembro de 2006.
   Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, foi indeferida a requerida providência cautelar.
   Desta sentença e de outras decisões recorreram ambas as partes para o Tribunal de Segunda Instância. Por decisão do relator do processo deste tribunal, foi ainda apensado outro recurso interposto pela requerida duma decisão referente ao mesmo procedimento que subiu em separado.
   Na pendência dos trâmites dos recursos no Tribunal de Segunda Instância, foi declarada, por despacho do relator, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e as custas da lide ficam a cargo da requerida. Essa decisão foi confirmada na reclamação para a conferência, mediante acórdão proferido no processo n.º 415/2007.
   Deste acórdão vem a requerida interpor recurso para o Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões úteis nas suas alegações do recurso:
   – O critério fundamental subjacente à regra geral de imputação das custas processuais é o da causalidade, tal responsabilidade corre por conta da parte demandante a título de responsabilidade pelo risco.
   – A norma do art.º 342.°, n.° 3 do CPC constitui um desvio ao regime instituído pelo art.º 465.°, n.° 1 do Código Comercial, nos termos do qual constitui dever do órgão de administração das sociedades dar execução às deliberações dos sócios, ainda que tais deliberações possam ser inválidas.
   – Tal efeito inibitório acha-se expressamente circunscrito à emissão de sentença em primeira instância que não decreta a providência concretamente requerida.
   – O risco de perecimento da utilidade da providência corre por conta da parte requerente que a lei lhe imputa causalmente a responsabilidade pelas custas nos termos da primeira parte do art.º 377.° do CPC.
   – As conclusões anteriores não são contrariadas pelo efeito suspensivo atribuído ao recurso da sentença de primeira instância que julga improcedente a providência requerida.
   – O requerimento de suspensão de eficácia ou de execução de deliberações sociais constitui um direito potestativo.
   – A acção de anulação ou de declaração de nulidade de deliberações sociais e a providência de suspensão de deliberações sociais não têm como único âmbito de protecção de interesses da sociedade, servindo também interesses da parte requerente e ainda do comércio jurídico geral.
   – Quando assim seja, as custas são assumidas pela parte requerente segundo o art.° 377.°, n.° 2 do CPC.
   – O acórdão recorrido é nulo por omissão de pronunciar sobre a matéria de ampliação do objecto do recurso pedida pela ora recorrente nas contra-alegações apresentadas no Tribunal de Segunda Instância.
   Pedindo afinal que seja julgado procedente o recurso, revogado o acórdão recorrido e as recorridas condenadas no pagamento das custas ou, no caso em que assim se não entenda, seja julgada procedente a nulidade do acórdão recorrido e ordenado o processo ao Tribunal de Segunda Instância para proceder à reforma do acórdão recorrido.
   
   As requerentes B e C., ora recorridas, apresentaram contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Recorribilidade do acórdão do Tribunal de Segunda Instância
   A requerida vem impugnar, por meio do presente recurso ordinário, a decisão constante do acórdão do Tribunal de Segunda Instância que indeferiu a reclamação para a conferência do despacho do relator e que confirmou a declaração da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e a condenação da mesma nas custas da presente lide.
   Assim, o valor do presente procedimento cautelar torna-se decisivo para determinar a recorribilidade do acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
   Atendendo à impugnação do valor da presente causa formulada pela requerida, foi decidido na sentença final da primeira instância que as custas do presente procedimento cautelar serão calculadas com base no valor da acção principal a ser fixado definitivamente (fls. 1355). A decisão não foi impugnada pelas partes, pelo que deve ser considerada como transitou em julgado.
   
   Na acção principal instaurada pelas ora requerentes, também foi suscitado expressamente pela ré, requerida do presente procedimento cautelar, o incidente da verificação do valor da causa na contestação, em que se pede fixar outro valor da causa substancialmente superior ao indicado pelas autoras.
   Por despacho do juiz titular do processo do Tribunal Judicial de Base (fls. 236 a 237), foi expressamente abordada a matéria da verificação do valor da causa alegada pela ré e determinou que “passando daqui em diante a considerar como valor indicado pela ré para valor da causa o de MOP$11.500.575.000,00.”
   Notificado às partes da acção principal, tal despacho não foi impugnado e formou-se caso julgado.
   Posteriormente, depois de ser notificadas para proceder ao pagamento dos preparos para julgamento, as autoras voltaram a suscitar por duas vezes a questão do valor da causa, com fundamentos diferentes. Ambos os requerimentos foram indeferidos pelos despachos do juiz titular do processo a fls. 620 e 677 a 678. Embora foram interpostos e admitidos recursos destes dois últimos despachos e mais ainda do outro despacho mais recente que mandou as partes pagar o remanescente dos preparos iniciais conforme a aumento do valor da causa, recursos que ainda não subiram para o Tribunal de Segunda Instância, tal não é susceptível de alterar a situação do caso julgado do primeiro despacho proferido sobre o valor da causa.
   Assim, no presente procedimento cautelar, é de considerar MOP$11.500.575.000,00 como valor da causa. Em consequência, as custas e deste modo o valor de sucumbência da recorrente serão largamente superiores à metade da alçada do Tribunal de Segunda Instância.
   Reunidos os requisitos do art.º 583.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), o presente recurso é admissível.
   
   
   2.2 Responsabilidade das custas da causa por inutilidade superveniente da lide
   A recorrente considera que as custas por inutilidade superveniente da presente lide não lhe podem ser imputadas por meio do art.º 377.º, n.º 1 do CPC por seguintes razões:
   O órgão administrativo da recorrente tem o dever legal de executar as deliberações sociais depois da sentença de primeira instância de improcedência da providência de suspensão de deliberações sociais, ao abrigo do art.º 342.º, n.º 3 do CPC, conjugado com o art.º 465.º, n.º 1 do Código Comercial;
   A inutilidade superveniente da lide resultada da execução de deliberações sociais em causa é um risco inerente à posição de requerente da providência;
   É irrelevante o efeito suspensivo atribuído ao recurso da segunda instância;
   Considerando que as requerentes estão a exercer um direito potestativo, a recorrente não é responsável por custas nos termos do art.º 377.º, n.º 2 do CPC, pois a providência não se destina à tutela de interesses seus.
   
   No presente procedimento cautelar, as requerentes pretendem suspender a execução das deliberações da assembleia geral extraordinária da requerida de 25 de Setembro de 2006, em que se aprovou a constituição de uma nova sociedade em Hong Kong cujo capital será detido por todos os actuais accionistas da D e proceder à admissão dessa sociedade à cotação na Bolsa de Valores de Hong Kong.
   Na pendência dos recursos no Tribunal de Segunda Instância, o relator deste tribunal declarou extinta a instância por a requerida ter executado as deliberações sociais em causa e condenou a mesma nas custas do processo, decisão essa foi confirmada posteriormente em conferência.
   
   A propósito da responsabilidade do autor pelas custas, prescreve assim a seguinte norma do CPC:
“Artigo 377.º
(Responsabilidade do autor)
   1. As custas ficam a cargo do autor quando a instância se extinguir por impossibilidade ou inutilidade da lide, excepto se estas resultarem de facto imputável ao réu.
   2. Quando o autor se proponha exercer um mero direito potestativo, as custas só são pagas pelo réu vencido se for de protecção a este a finalidade legal da acção.”
   
   Antes de mais, não é de aplicar o n.º 2 deste artigo ao presente caso, pois para o caso de impossibilidade ou inutilidade da lide é sempre aplicável o n.º 1, independentemente da natureza da acção.
   
   Por outro lado, é certo que a execução pela recorrente das deliberações sociais, objecto da presente providência cautelar de suspensão da execução, é o factor determinante da inutilidade superveniente do presente processo.
   Mas não parece que isso seja um risco do desenvolvimento processual imputável à parte requerente com incidência na responsabilidade das custas.
   Para este tipo de procedimento cautelar, é verdade que o art.º 342.º, n.º 3 do CPC prescreve que entre a citação e a sentença final de primeira instância a sociedade requerida não pode executar a deliberação impugnada.
   Mas desta norma não se pode deduzir que a partir da sentença final de primeira instância, a sociedade requerida possa executar a deliberação social em causa sem mais, como se o procedimento cautelar e até a acção principal de anulação ou de declaração de nulidade de deliberações sociais não existissem. No presente caso, estes processos já existem objectivamente.
   Esta situação da sociedade requerida é incomparável com a que existe entre a propositura do procedimento cautelar e a citação daquela, pois neste período a sociedade ainda não é citada para os termos processuais, a sua actuação é totalmente independente destes.
   Na realidade, a partir da citação até à decisão definitiva de improcedência da providência cautelar requerida, a deliberação social impugnada constitui sempre objecto do processo sujeita ao exame judicial.
   É natural que a sociedade requerida pode ter interesse em executar já a deliberação em causa ainda na pendência dos processos. Mas neste caso, é a própria sociedade que faz desaparecer o objecto do procedimento cautelar e que determina que este perde o sentido de continuar os seus trâmites, consumando assim a inutilidade superveniente da lide.
   Não parece razoável eximir a responsabilidade pelas custas do processo por inutilidade superveniente da lide alegando o cumprimento do dever de executar deliberações sociais. O que está prescrito no art.º 465.°, n.° 1 do Código Comercial é a competência do conselho de administração de sociedades anónimas. Com isto não se pode negar que o requerente da providência cautelar tem direito a recorrer a meios judiciais, neste caso procedimento cautelar, para proteger os interesses próprios e sociais.
   Assim, consideramos que a inutilidade superveniente da presente lide resulta do acto imputável à recorrente, pelo que as custas do presente processo devem ficar a cargo dela.
   
   
   2.3 Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia
   A recorrente invoca esta nulidade por entender que o tribunal recorrido não apreciou a matéria de recurso ampliado formulado por ela nas suas contra-alegações perante o mesmo tribunal.
   
   No entanto, tal não passa mais que um equívoco da recorrente.
   O objecto do acórdão recorrido é o despacho do relator sob reclamação, e não os recursos interpostos pelas ambas as partes perante o tribunal recorrido, então é evidente que este não apreciou, nem pode apreciar as matérias alegadas naqueles recursos.
   É manifesto que inexiste a nulidade alegada.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
   Custas pela recorrente.
   
   
   Aos 17 de Julho de 2009





Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.º 16 / 2009 10