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(TRADUÇÃO)
   
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
   
   Recurso penal
   Processo n.º 22/2009
   
   Recorrente: A
   
   
   I – Relatório
   Julgado no Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base no processo n.º CR3-08-0076-PCC junto com outros dois arguidos envolvidos no mesmo processo, o arguido A foi condenado junto com o 3º arguido do mesmo processo pela prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de 8 anos e 9 meses de prisão e 15.000 patacas de multa, ou em alternativa, 99 dias de prisão.
   Deste acórdão o arguido A interpôs o recurso para o Tribunal de Segunda Instância. Através do acórdão proferido no processo n.º 223/2009, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso e alterou o acórdão condenando o recorrente e o 3º arguido pela prática do crime de tráfico qualificado de estupefacientes previsto e punível pelo art. 10º, al. g) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, contudo mantendo as penas fixadas em primeira instância atento ao princípio da proibição de reformatio in pejus.
   Interpondo o recurso ao Tribunal de Última Instância, o ora recorrente A terminou as alegações com as seguintes conclusões:
    “Erro notório na apreciação da prova (art. 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal), pelas seguintes razões:
   1. O acórdão recorrido, designadamente na parte “convicção sobre os factos” apontou: ‘Atendendo ao facto de que foram encontrados e apreendidos na posse do 2.º arguido HKD$600 e que este não se encontrava sem dinheiro nenhum, o Tribunal Colectivo não deu como provado o facto de que o acto praticado pelo 2º arguido tinha apenas por finalidade para conseguir dinheiro destinado à compra de drogas para satisfazer seu vício de drogas.’
   2. No entanto, a presunção do Tribunal Colectivo de primeira instância não se encaixa nos factos dados como provados: nomeadamente em relação à antecedência criminal, ao estado de desempregado e ao rendimento do recorrente.
   3. Dos demais factos provados do acórdão do Tribunal Colectivo de primeira instância, resulta que o recorrente tinha praticado um crime de consumo de estupefacientes em 9 de Junho de 2007 e um crime de detenção de estupefacientes para consumo pessoal em 18 de Agosto de 2007, pelos quais, ou seja, por tal antecedência criminal, verificou-se que o recorrente era um consumidor de drogas.
   4. Além disso, o acórdão recorrido, na parte de “Mais se provou” ainda apontou: ‘O 2.º arguido alegou que estava frequentando um curso de formação de croupier antes de ser preso para depois trabalhar nessa área, como não tinha nenhuma experiência de trabalho, vivia com a mesada no montante de 3000 patacas dada por seus familiares... ’
   5. Assim, o recorrente vivia de uma mesada de 3000 patacas dada por seus familiares. Conforme as regras de experiência geral, uma mesada de 3000 patacas não consegue sustentar as despesas quotidianas de um tóxico-dependente adulto e lhe permitir a compra de estupefacientes no valor 300 patacas por uma vez.
   6. O recorrente pagava mensalmente 1.500,00 patacas por gasolina, a este respeito, a irmã mais velha do recorrente B declarou, na audiência de julgamento, que 600 patacas encontradas na posse do recorrente no dia de sua detenção foi lhe dada para pagar a gasolina. Além disso, o recorrente precisava pagar pequeno almoço e almoço todos os dias. Por isso, uma mesada de 3000 patacas dada por familiares ao recorrente foi mal suficiente para pagar as despesas da vida quotidiana.
   7. A compra de drogas precisa de muito dinheiro, caso gasta diariamente 200 patacas na compra de drogas, é necessário gastar um total de 6000 patacas por mês.
   8. Assim, o recorrente não tinha dinheiro suficiente para comprar drogas e satisfazer seu vício de drogas.
   9. Quando condenado pela prática de consumo de estupefacientes, o recorrente também é a vítima de drogas, pois, foi o vício de drogas que impulsionou o recorrente para consumir mais tais produtos e assim praticar o tráfico de quantidade diminuta para conseguir mais drogas para si. Foi assim que o recorrente se atolou na lama e viu-se obrigado a traficar drogas para conseguir drogas para si. Por isso, deve-se dizer que o recorrente também é vítima de drogas em vez de ser beneficiado por drogas.
   10. Assim, percebe-se logo que, apenas por ‘foram encontrados e apreendidos na posse do recorrente HKD$600 e que este não se encontrava sem dinheiro nenhum’, não se pode excluir a possibilidade de o recorrente, para satisfazer seu vício de drogas, estar por conseguir dinheiro para comprar estupefacientes.
   11. O Tribunal Colectivo de primeira instância deu como provado que o recorrente não foi por conseguir dinheiro para comprar drogas e satisfazer seu vício de drogas, por ter encontrado e apreendido na posse do recorrente 600 patacas e este não se encontrava sem dinheiro nenhum, assim a sentença recorrida enfermou do erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 400º, n.º 2, alínea c) do CPPM.
   
   Violação do princípio de in dubio por reo, pelas seguintes razões:
   12. Tendo em vista a antecedência criminal do recorrente e o facto de que o recorrente se encontrava desempregado ao ser detido, é suficiente para provar que o recorrente vendeu drogas com a finalidade para conseguir dinheiro e comprar drogas para satisfazer seu vício de drogas.
   13. Mesmo entendendo que não tem provas suficientes para comprovar que o recorrente vendeu drogas para conseguir dinheiro e comprar drogas para satisfazer seu vício de drogas, não está excluída essa possibilidade. Assim, verificam-se razoáveis dúvidas em relação ao facto de que o recorrente vendeu drogas para conseguir dinheiro e comprar drogas para si. À luz do princípio de in dubio pro reo, deve-se entender que o recorrente vendeu drogas para conseguir dinheiro e comprar drogas para satisfazer seu vício de drogas.
   14. Face a tudo isso, o acórdão recorrido violou o princípio de in dubio por reo.”
   
   Pedindo que conceda provimento ao recurso, absolve o recorrente do crime de tráfico de drogas lhe imputado e condene pelo crime de traficante-consumidor de estupefacientes p. e p. pelo artigo 11.º n.º 1 do mesmo Decreto-Lei n.º 5/91/M.
   
   O Digno Magistrado do MP oferece a seguinte douta resposta:
   Pela invocação do erro notório na apreciação da prova, o recorrente apresentou apenas sua reclamação quanto à convicção sobre os factos, violando assim o princípio de livre apreciação da prova estipulada pelo art. 114º do Código de Processo Penal.
   Além disso, o princípio de in dubio por reo invocado também pelo recorrente se relaciona, na realidade, com o vício acima referido;
   O crime de traficante-consumidor de estupefacientes exige que o agente tenha por finalidade exclusiva conseguir substâncias ou preparados, o que não está configurado nos factos provados.
   Por fim, entendeu que deve ser rejeitado o recurso por manifesta improcedência.
   O Magistrado do Ministério Público junto desta instância decidiu manter a posição assumida na sua resposta.
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   II. Fundamentação
   Factos
   Foram considerados provados os seguintes factos pelos Tribunais de primeira e segunda instância:
   “Pelo menos a partir de uma semana antes do dia 8 de Novembro de 2007, os arguidos A e C começaram a vender Ketamina, nos estabelecimentos de karaok e discoteca, a pessoas que se divertiam ali, por preço de 250 a 300 patacas de cada pacote.
   Os arguidos A e C dividiam os lucros resultantes da venda das drogas pela metade.
   Dia 8 de Novembro de 2007, pelas 19h30, agentes da PJ interceptaram o arguido D no Centro de Jogo Electrónico da [Endereço(1)] e dirigiram-se com este a sua residência localizada na [Endereço(2)], para uma operação de busca, durante a qual, foi encontrado na gaveta da secretária do seu quarto um saco plástico manchado de pó branco.
   Após o exame laboratorial, o referido saco plástico está manchado de Ketamina abrangida na Tabela II-C anexa ao Decreto-Lei n.º 5/91/M (com a redacção introduzida pela Lei n.º 4/2001, de 2 de Maio).
   O referido saco plástico de Ketamina foi adquirido pelo arguido D junto de um jovem cuja identidade ainda não apurada, num local próximo do Restaurante na Areia Preta, pelo preço de 250 patacas três semanas atrás, posteriormente consumido estupefacientes contidos nesse saco nessa residência onde deixou o saco.
   Segundo instrução de agentes da P.J, o arguido D contactou o arguido A por telefone (número XXXXXXXX), combinando com este que o primeiro ia ter uma transacção de drogas junto à porta do Café, localizado na Praça Dynasty, às 22h45 do mesmo dia.
   Na hora combinada, ou seja, às 22h45, o arguido A conduziu o carro (matrícula n.º ML-XX-XX) e chegou ao pé do Café da Praça Dynasty, tendo a bordo o arguido C no lugar de co-piloto.
   A seguir, agentes da P.J efectuaram uma busca no seu carro e encontraram debaixo do volante um saco plástico transparente em que se continha quarenta pacotes de pó branco e dois comprimidos de cor laranja clara.
   Após o exame laboratorial, verificou-se que os quarenta pacotes de pó branco supra citados, com o peso líquido de 29,338 gramas, continham Ketaminha, substância abrangida pela Tabela II-C anexa ao DL n.º 5/91/M (com redacção introduzida pela Lei n.º 4/2001, de 2 de Maio), num peso líquido de 27,355 gramas; os dois comprimidos de cor laranja clara, com peso de 0,370 gramas, continham Nimetazepam substância abrangida pela Tabela IV, anexa ao mesmo Decreto-lei.
   As referidas drogas eram juntamente possuídas e escondidas pelos arguidos A e C dentro do carro acima referido, a fim de as vender ao arguido D e a outros.
   No decurso de investigação, agentes da P.J encontraram na posse do arguido C um telemóvel de cor preta, de Sony Ericsson, HKD$ 900 e 600 patacas.
   O referido telemóvel apreendido na posse do arguido C era instrumento de contacto utilizado na transacção de droga, enquanto o dinheiro foi adquirido através da venda de droga.
   Ao mesmo tempo, agentes da PJ encontraram na posse do arguido A um telemóvel de cor preta, de Sony Ericsson, e HKD$ 600.
   O referido telemóvel apreendido na posse do arguido A era instrumento de contacto utilizado na transacção de droga, enquanto o dinheiro foi adquirido através da venda de droga.
   Agentes da PJ apreenderam o carro conduzido pelo arguido A de matrícula n.º ML-XX-XX.
   Os arguidos D, A e C agiram livre, voluntária, conscientemente ao ter dolorosamente as condutas acima referidas.
   Os arguidos D, A e C conheciam perfeitamente a natureza e as características das drogas por eles adquiridas e detidas.
   O arguido D sabia bem que não podia adquirir drogas para consumo pessoal, quando sem autorização.
   Os arguidos A e C adquiriram, transportaram, venderam e ocultaram ou detiveram as drogas para as pôr em venda ou fornecer a outros, de acordo comum e em conjugação de esforços, para obter ou tentar obter interesses pecuniários.
   Os arguidos D, A e C sabiam bem que suas condutas eram punidas e proibidas por lei.
   De acordo o CRC, o 1.º arguido é delinquente primário.
   O arguido trabalhava como croupier no casino auferindo um vencimento mensal de 14.000,00 patacas, e vivia com os pais. O pai do arguido é gerente do estabelecimento nocturno e a mãe, croupier. O arguido tem uma irmã mais velha que trabalha na Austrália. O arguido tem como habilitação literária o 1.º ano do curso do ensino secundário complementar.
   Conforme o CRC, o 2.º arguido não é delinquente primário.
   Em 9 de Junho de 2007, o arguido foi condenado no processo sumário deste Tribunal n.º CR2-07-0105-PSM, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de multa de MOP$5.000,00 patacas, ou em alternativa, 33 dias de prisão. A sentença transitou em julgado em 20 de Junho de 2007. O arguido cometeu o crime em 9 de Junho de 2007. O recorrente pagou a multa no dia 13 de Setembro de 2007.
   Dia 18 de Agosto de 2007, o arguido foi condenado, no processo sumário deste Tribunal n.º CR3-07-0157-PSM, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente em quantidade diminuta e um crime de detenção de droga para consumo pessoal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão com suspensão da execução da pena por 2 anos e na multa de MOP$9.000,00 ou em alternativa, 60 dias de prisão. A sentença transitou em julgado em 10 de Setembro de 2007. O arguido cometeu o crime em questão no dia 18 de Agosto de 2007 e pagou a multa em 22 de Outubro de 2007.
   O 2.º arguido alegou que frequentava o curso de formação de croupier antes de ser preso e estava disposto a trabalhar nesta área, sem nenhuma experiência de trabalho, vivia de uma mesada dada por familiares no montante de 3000 patacas. O arguido morava junto com os familiares, tendo o pai como mestre de construção civil e a mãe, dona da casa. O arguido tem ainda um irmão e uma irmã mais velhos, ambos são casados e trabalham como contabilistas no casino. O arguido tem como habilitação literária o 5.º ano do curso do ensino secundário.
   De acordo com o CRC, o 3.º arguido é delinquente primário.
   O 3.º arguido alegou que era DJ numa karaoke antes de ser preso e auferia um vencimento mensal de alguns mil patacas. Com os pais do arguido divorciados, ele vivia junto com o pai que é operário de construção. O arguido tem duas irmãs mais jovens que estudam na escola secundária. O arguido terminou o curso do ensino primário.
   
   Factos não provados:
   Outros factos essenciais descritos na acusação e contestação que não estão conforme com os factos provados:
   Alguns dias atrás, o arguido D comprou junto ao arguido A, um pacote de Ketamina pelo preço de 300 patacas, destinado ao consumo pessoal.
   O referido carro era utilizado pelos arguidos A e C, como meio de transporte na transacção das drogas.
 *
   O contestante não tinha recursos financeiros para comprar drogas para o seu consumo pessoal.
   Produtos estupefacientes causaram no arguido sofrimentos insuportáveis de tal modo que ele chegou a prestar auxílio ao do 3.º arguido em seus actos de tráfico, no entanto, esgotou toda a quantia da remuneração na aquisição de estupefacientes para o consumo pessoal, satisfazendo o vício cada vez mais forte de drogas.”
   
   (2) Erro notório na apreciação da prova
   Igualmente como tinha alegado no recurso anteriormente interposto, o recorrente alegou que fora condenado por duas vezes em 2007 pela prática de tráfico de estupefacientes, revelando ser consumidor de drogas e desempregado na altura de ser preso, assim sem nenhum vencimento estava vivendo apenas com uma mesada de 3000 patacas dada por familiares, por isso sem dinheiro suficiente para comprar drogas. Mas, o Tribunal de primeira instância concluiu que a conduta do recorrente não foi para conseguir dinheiro e comprar estupefacientes para satisfazer seu vício de drogas, com o fundamento de ter encontrado na posse do recorrente HKD$600 dólares, verificando-se assim o erro notório na apreciação da prova.
   Mas, decisões judiciais vêm entendendo que existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
   Da descrição sobre a convicção dos factos contida no acórdão proferido pelo Tribunal de primeira instância, resulta que o Tribunal Colectivo deu como provados os factos de que o recorrente e o 3º arguido detinham juntamente 40 pacotes de ketamina e dois comprimidos de Nimetazepam escondidos no carro em causa a serem vendidos ao 1º arguido e a outros, depois de ouvir declarações prestadas por todos os arguidos e por agentes policiais responsáveis pela investigação do caso, além de relatórios dos exames laboratoriais sobre os estupefacientes apreendidos. Além disso, mesmo face ao facto de que o recorrente tinha na posse HKD$600 quando foi detido, o Tribunal Colectivo não deu como provado que a conduta do recorrente tinha por finalidade exclusiva conseguir dinheiro para comprar drogas e satisfazer seu vício de drogas.
   Não se verificou erro notório na apreciação da prova alegado pelo recorrente tanto na convicção dos factos como entre os factos provados e não provados.
   Pelo contrário, não está fundamentada, face aos factos provados, a alegação do recorrente de que ele vendia estupefacientes com a pura finalidade de conseguir dinheiro e comprar drogas para o consumo próprio, apenas por dedução de não ter nenhum rendimento e viver somente com a mesada de 3000 patacas dada por familiares.
   Além disso, dos factos dados como provados, resulta claramente que os estupefacientes detidos pelo recorrente e pelo 3º arguido eram destinados à venda para o 1º arguido e outros, assim, sendo excluída a possibilidade de o recorrente deter tais produtos para seu próprio consumo pessoal.
   Da mesma maneira, também não está fundamentada a alegação do recorrente, segundo a qual, mesmo não ter provado que ele vendia estupefacientes para conseguir dinheiro e comprar estupefacientes para satisfazer seu vício de drogas, também não está excluída tal possibilidade, pelo que entendeu que o acórdão recorrido violou o princípio de in dubio por reo. Na realidade, nem sequer se pode falar sobre a existência dessa dúvida.
   Assim, acordam em rejeitar o recurso por sua manifesta improcedência.
   
   
   III. Decisão
   Pelo exposto, acordam em rejeitar o recurso.
   Condena o recorrente a pagar uma importância em 4 UC nos termos do art. 410º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
   Condena ainda o recorrente a pagar as custas processuais com as taxas de justiça em 4 UC.
   
   
   Aos 30 de Julho de 2009
   
   
    Os juízes:Chu Kin
    Sam Hou Fai
    José Maria Dias Azedo
   
Processo n.º 22 / 2009 1