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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.º 45 / 2008

Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças






   1. Relatório
   A veio interpor recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 20 de Junho de 2007 que concordou com a proposta de lhe indeferir a autorização para o exercício de actividade em proveito próprio.
   Posteriormente, o Secretário para a Economia e Finanças reformou o despacho e proferiu outro em 12 de Outubro seguinte que manteve a decisão de indeferimento, embora com novos fundamentos. E a recorrente requereu o prosseguimento do recurso contencioso contra o novo despacho.
   Por acórdão proferido no processo n.º 497/2007, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso contencioso.
   Vem agora a recorrente recorrer para este Tribunal de Última Instância e formulou as seguintes conclusões úteis nas suas alegações:
   - O acto administrativo recorrido mostrava-se substancialmente ilegal e ferido de falta de fundamentação válida, pois não esboçou qualquer esforço para justificar a afirmação de que tal actividade se insere num sector que não apresenta carências;
   - Falece não só de base legal como de base fáctica de sustentação esse primeiro fundamento de indeferimento, do que decorria a ilegalidade do acto;
   - A apreciação da autorização requerida consubstancia a pretensão da recorrente no não exercício de actividade pessoal e directa e em proveito próprio, do que o decorre o vício de erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão;
   - O facto de a lei que regula tal autorização não especificar quais são, concretamente, os pressupostos de que depende uma tal autorização, não quer significar que uma tal autorização consubstancie um poder discricionário da administração;
   - O acto administrativo recorrido incorreu nos vícios de falta de fundamentação e de erro nos pressupostos de facto, assim como a violação dos princípios da justiça e da imparcialidade e da boa fé;
   - Ao não reconhecer a existência dos aludidos vícios, incorreu o douto aresto recorrido em erro de julgamento na apreciação e caracterização dos vícios imputados ao acto administrativo;
   - Fundar o indeferimento do pedido de licenciamento da ora recorrente nos dois primeiros fundamentos – a actividade exercida pela requerente não traz benefícios relevantes à economia de Macau; e as qualificações do TNT não correspondem às exigidas para a categoria para que foi contratado para, seguidamente a situar nos dois outros fundamentos – uma alegada ‘falta de particular interesse para Macau da actividade por se tratar de um sector que não apresenta carências’; e um alegado ‘não exercício pessoal e directa de actividade’ pela recorrente – teve o exclusivo propósito de derrubar a pretensão da recorrente a qualquer preço e por qualquer meio, com completo alheamento da situação concreta;
   - Perante esta conjugação da razões e as contradições da autoridade recorrida, parece excessivo concluir, como concluiu o Tribunal recorrido, que a compra de mais sete computadores e a afluência de utilizadores àquele espaço da net, um cyber café, que a recorrente visava explorar e desenvolver, não foram suficientemente demonstrativos da carência do sector de actividade em que se inscreve o estabelecimento da recorrente;
   - O que a recorrente pretendeu, ao submeter o pedido de licenciamento aqui em questão, foi o de poder dedicar-se à actividade empresarial em exclusividade, procedendo à exploração do estabelecimento comercial de que é proprietária, o que constitui um objectivo marcadamente diferente que tem como escopo ‘o desenvolvimento de uma indústria ou de um negócio com fins lucrativos’;
   - Essa possibilidade está claramente demarcada no espírito do legislador, demonstra-o o facto de o n.° 3 da mesma disposição legal;
   - Mostra-se suficientemente concretizado o exercício pessoal e directo de uma actividade em proveito próprio;
   - A decisão ora recorrida incorreu em erro de julgamento ao não reconhecer os vícios imputados ao acto administrativo previamente recorrido e ao não decidir no sentido da anulação do acto.
   Pedindo que seja concedido provimento ao recurso contencioso e anulado o despacho recorrido.
   
   O recorrido Secretário para a Economia e Finanças formulou as seguintes conclusões úteis nas suas alegações:
   - O pedido da recorrente foi indeferido por razões de interesse público, nomeadamente na protecção dos direitos e interesses dos residentes de Macau, ancorado num controlo do fluxo de mão-de-obra não-residente;
   - Do conteúdo do despacho consegue determinar-se com clareza quais as razões que motivaram o indeferimento do pedido. Conceder-se autorização para que trabalhadores não-residentes pudessem permanecer na RAEM como proprietários de pequenos negócios acarretaria um aumento injustificável e insustentável de trabalhadores não-residentes;
   - A titularidade e exploração de um estabelecimento comercial não carece de qualquer autorização administrativa;
   - O pressuposto da aplicação do Regulamento Administrativo n.° 17/2004, de 14 de Junho é o exercício pessoal e directo de uma actividade. Ora, o exercício de uma actividade é pessoal e directo quando efectuado pelo próprio requerente, por si (directo) e pela sua pessoa (pessoal), sem intermediação de uma nova pessoa jurídica – o que não se verifica no caso em apreço;
   - A recorrente criou uma sociedade para o exercício da actividade económica que se propôs, com o que, juridicamente, passou a ser a sociedade a exercer a actividade, não a recorrente que passou a mera titular de uma participação social, ainda que única, na sociedade;
   - Do mesmo passo, proprietária do estabelecimento sub judice é a sociedade, não a recorrente que é mera sócia, ainda que única;
   - Não exerce, pois, a recorrente, juridicamente, pelo facto de ser sócia, ainda que única, da sociedade a actividade económica que constitui o objecto social da sociedade.
   Entendendo que deve ser negado provimento ao recurso.

   O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “Inconformando com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao seu recurso contencioso, vem A interpor recurso para o Tribunal de Última Instância.
   Continua a defender que o acto administrativo recorrido incorreu nos vícios de falta de fundamentação e de erro nos pressupostos de facto, invocando também a violação dos princípios da justiça e da imparcialidade e da boa fé.
   Salvo o devido respeito, não nos parece que lhe assiste razão.
   
   Nos termos do art.ºs 114.º e 115.º n.ºs 1 e 2 do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos e a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
   A lei exige que a fundamentação seja expressa, clara, congruente e suficiente.
   No caso sub judice, da leitura do acto administrativo impugnado facilmente resulta que o mesmo está clara, suficiente e congruentemente fundamentado, dando a conhecer perfeitamente as razões de facto e de direito, embora sucintas, por que foi mantido o indeferido do pedido apresentado pela ora recorrente de autorização para o exercício de actividade em proveito próprio.
   Constata-se no acto administrativo em causa que a decisão foi tomada por duas ordens de razões, tendo considerado que, por um lado, a actividade invocada pela recorrente não se reveste de particular interesse para Macau, “uma vez que se trata de um sector de actividade que não apresenta carências” e, por outro lado, essa actividade não é exercida pessoal e directamente pela recorrente, conforme o comando do art.º 3.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2004.
   Perante uma fundamentação como veio exposta no despacho em causa, qualquer destinatário normal fica logo a perceber claramente as razões, de facto e de direito, que levaram a Administração a tomar aquela decisão.
   E a leitura das peças processuais apresentadas pela recorrente e juntas aos autos revela que a recorrente percebeu, logo depois da notificação da decisão, das razões que fundamentaram a decisão (cfr. fls. 104 dos autos).
   Daí que improcede o argumento da recorrente.
   
   E não se mostram violados os princípios aludidos pela recorrente.
   Ora, não se vê como pode afirmar, como afirmou a recorrente, que ao tomar a decisão a Administração “teve exclusivo propósito de derrubar a pretensão da recorrente a qualquer preço e por qualquer meio.”
   Não se deve perder de vista que, para além desses princípios, a Administração tem ainda obrigação de obedecer aos outros princípios, tal como o princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes de Macau, consagrado no art.º 4.º do Código do Procedimento Administrativo.
   Resulta do acto administrativo impugnado que nesta decisão está subjacente a preocupação sobre a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes locais, sendo esta uma das razões que levou a Administração a indeferir o pedido da ora recorrente.
   
   Quanto ao alegado vício de erro nos pressupostos de facto, concordamos com as judiciosas considerações tecidas no douto Acórdão ora recorrido.
   Por um lado, com a prova apresentada, a recorrente não conseguiu abalar o invocado pressuposto de falta de oferta no respectivo sector de actividade, tal como afirma o Tribunal a quo.
   E não restam dúvidas em afirma que, no que concerne ao assunto em causa, a Administração tem poder discricionário em tomar decisão, apreciando o que se deve entender como bem para a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes no caso concreto.
   Por outro lado, e mesmo independentemente da discussão sobre a carência ou não da actividade em causa, há que ter presente o segundo fundamento invocado pela Administração para indeferir o pedido da recorrente, que se refere ao não exercício pessoal e directo de actividade pela recorrente.
   Nos temos do art.º 3.º n.º 1 da Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho, está sujeito a prévia autorização administrativa o exercício pessoal e directo por parte do não residente de actividade em proveito próprio, ou seja, a autorização da Administração pressupõe o exercício pessoal e directo por parte do não residente de actividade em proveito próprio.
   No caso sub judice, afirma a própria recorrente que não pretendia exercer as funções de gerente do estabelecimento comercial de que é proprietária, alegando que “a actividade em proveito próprio que pretende exercer é a de proprietária do aludido estabelecimento comercial”.
   Ora, salvo o devido respeito, não nos parece que se trata duma situação do chamado “exercício pessoal e directo” de actividade em proveito próprio, que pressupõe que o não residente pratica actividade directamente e pela própria pessoa, sem intermediação de outrem.
   
   Pelo exposto, entendemos que se deve julgar improcedente o presente recurso.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram considerados provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
   “Em 21 de Dezembro de 2006, A, apresentou na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, autorização para o exercício de actividade em proveito próprio, ao abrigo do artigo n.° 3 do Regulamento Administrativo n.° 17/2004, de 14 de Junho, a desenvolver na área do entretenimento internet e aluguer de computadores.
   Como justificação do pedido, dizia-se que a recorrente tinha constituído uma sociedade comercial de responsabilidade limitada, possuía meios de subsistência na RAEM, estava a viver e a trabalhar em Macau há treze anos, tinha adquirido uma fracção habitacional, razões pelas quais se achava merecedora do privilégio de uma autorização para exercer uma actividade comercial por conta própria na RAEM.
   O pedido foi objecto de análise e pareceres técnicos, mas veio a ser indeferido através do Despacho do Senhor Director dos Serviços para os Assuntos Laborais n.º XXXXX/NRPP/DSAL/2007, de 19 de Março, atendendo ao facto de “a actividade exercida pelo requerente não trazer beneficias relevantes à economia de Macau”, bem como pelo facto de “as qualificações do TNR não corresponderem às exigidas para a categoria a que foi contratado”.
   Em sede de recurso hierárquico necessário, a recorrente pugnou pela ilegalidade do acto administrativo, alegando que o despacho assentava em erro nos pressupostos de facto, uma vez que a questão suscitada quanto à falta de qualificações para o exercício das funções de gerente não se colocaria, dado que a sociedade estava dotada de um administrador com poderes de vinculação, sendo propósito da recorrente permanecer apenas como proprietária do estabelecimento.
   Analisado o recurso, e atento o conteúdo da petição inicial, através do preenchimento do Modelo SA, da qual resulta que a requerente pretendia exercer funções de gerente, manteve-se a decisão anteriormente proferida, ou seja, a de indeferimento, por Despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 20/06/2007, sustentado na mesma fundamentação.
   Despacho este que foi impugnado contenciosamente alegando então a recorrente que o mesmo enferma de ilegalidade, por erros nos pressupostos de facto e atendendo à falta de fundamentação. Ou seja, foi em fase de recurso contencioso que a recorrente chegou à conclusão de que não apreendeu quais os motivos que conduziram à decisão tomada.
   Foi então dada uma reformulação ao despacho anteriormente proferido, vindo a ser proferido o seguinte despacho:
   “A, na qualidade de proprietária do estabelecimento comercial denominado Limitada(1), solicitou autorização para o exercício de actividade em proveito próprio, ao abrigo do artigo n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho.
   O pedido foi indeferido através do Despacho do Director dos Serviços para os Assuntos Laborais n.º XXXXX/NRPP/DSAL/2007, de 19 de Março, tendo sido objecto de um recurso hierárquico necessário, no qual foi mantida a decisão anteriormente proferida, ou seja, a manutenção do seu indeferimento, através do meu Despacho de 20/06/2007.
   Considerando que a interessada interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, alegando falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto no Despacho de 20/06/2007.
   Ao abrigo dos artigos 126.º, n.º 2 e 130.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, procede-se à reformulação da fundamentação do meu Despacho de 20/06/2007, nos seguintes termos :
   Considerando que, no exercício dos poderes que dispõe, a Administração tem como objectivo observar e respeitar o princípio da prossecução do interesse público;
   Considerando que a actividade a desenvolver no Estabelecimento não se reveste de particular interesse para Macau, uma vez que se trata de um sector de actividade que não apresenta carências;
   Considerando ainda, que o art.º 3.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho, expressamente reclama o exercício pessoal e directo por parte o não-residente de actividade em proveito próprio;
   Considerando que o exercício de uma actividade é pessoal e directo, quando efectuado pelo próprio requerente, sem intermediação de terceiros;
   Considerando que o exercício da actividade em proveito próprio que a requerente A invoca, não é exercido pessoal e directamente pela própria.
   Nos termos do disposto no despacho n.º 12/GM/88, de 01 de Fevereiro, e no uso dos poderes que me foram conferidos e confirmados, respectivamente, pela Ordem Executiva n.º 12/2000 de 28 de Fevereiro e pela Ordem Executiva n.º 6/2005, de 14 de Fevereiro, mantenho o indeferimento do pedido apresentado.
   Aos 12 de Outubro de 2007, em Macau
   O Secretário para a Economia e Finanças,
   Tam Pak Yuen” ”
   
   
   2.2 Falta de fundamentação
   A recorrente imputa ao acto recorrido a falta de fundamentação por ausência de qualquer instrução complementar do processo administrativo para justificar a decisão recorrida, ou seja, a afirmação de que a actividade comercial da recorrente se insere num sector que não apresenta carência.
   
   Ora, é fácil de notar que a recorrente não pretendia impugnar a falta de fundamentação do acto propriamente dita, mas sim o próprio conteúdo da fundamentação, manifestando a sua discordância.
   Na realidade, o recorrido fundamentou a sua decisão na prossecução do interesse público, na actividade da recorrente para o interesse de Macau e na existência ou não do exercício pessoal e directo de actividade em proveito próprio pela recorrente, para além de invocação de disposições legais.
   É evidente que não há aqui falta de fundamentação, tendo em conta o disposto no art.º 115.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo.
   
   De qualquer modo, é sempre irrelevante saber se a actividade proposta pela recorrente apresenta carências em Macau, pois como adiante se verá, é o exercício pessoal e directo da actividade em proveito próprio que constitui o ponto chave do presente caso.
   
   
   2.3 Sobre o exercício pessoal e directo de actividade pela recorrente
   A recorrente pretende, com a autorização requerida, o exercício pessoal e directo da actividade oferecida pelo seu estabelecimento, isto é, a exploração do estabelecimento e considera que não necessitaria da pretendida autorização ser apenas proprietária do estabelecimento. Entende que existe erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão ao negar a autorização.
   
   Dispõe assim o art.º 3.º, n.º 1 do Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal (Regulamento Administrativo n.º 17/2004):
   “1. O exercício pessoal e directo por parte do não residente de actividade em proveito próprio está sujeito a prévia autorização administrativa para esse efeito.”
   
   Portanto, a autorização incide sobre o exercício pessoal e directo de actividade em proveito próprio, por parte do não residente.
   A recorrente pediu a autorização com base no facto de ser sócia única da Limitada(1) e na vontade de se dedicar à respectiva actividade comercial. No entanto, não explicou mais a que título se iria exercer a actividade comercial, sendo certo que a administração do estabelecimento é confiada a um administrador não sócio, conforme o que consta do respectivo registo comercial.
   A mera qualidade de sócio de um estabelecimento comercial não pressupõe o exercício pessoal e directo da actividade comercial e, em consequência, não cabe no âmbito da autorização administrativa prevista na referida norma.
   Perante a falta do exercício pessoal e directo, por parte da recorrente, de uma actividade em proveito próprio, outra solução não resta ao recorrido senão negar o pedido da recorrente.
   Sobre a possibilidade de permanecer em Macau ou continuar a manter o estatuto de trabalhador não residente, já são assuntos que nada se relacionam com a questão em causa e têm tratamento legal diferente.
   
   
   2.4 Violação do princípio da boa fé
   A recorrente considera que a conduta da entidade recorrida viola o princípio da boa fé, uma vez que agiu através da prática de actos sucessivos e sem fundamentação que foram condicionando gravemente as perspectivas da recorrente, e os fundamentos invocados nos actos recorridos tiveram o exclusivo propósito de derrubar a pretensão da recorrente a qualquer preço e por qualquer meio, com completo alheamento da situação concreta.
   
   Sobre o princípio da boa fé, prescreve o art.° 8.° do Código do Procedimento Administrativo:
“1. No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
2. No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial:
a) Da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa;
b) Do objectivo a alcançar com a actuação empreendida.”
   
   “A autonomização do princípio da boa fé no âmbito do princípio da justiça corresponde à necessidade premente de criar um clima de confiança e previsibilidade no seio da Administração Pública. Neste contexto, o princípio da boa fé impõe, desde logo, que a conduta administrativa se funde em valores básicos do ordenamento jurídico, determinando, nomeadamente, à Administração, o dever jurídico-funcional de adoptar comportamentos consequentes e não contraditórios, definidos em função dos objectivos a alcançar em cada actuação.”1
   De facto, os dois actos impugnados no presente recurso contencioso foram no mesmo sentido de negar o pedido da recorrente. Não é possível qualquer situação de confiança sobre o deferimento do pedido criada pela conduta da Administração. Simplesmente, a entidade recorrida reformulou, depois de ser citada para a acção, os fundamentos da decisão que mostraram a apreciação objectiva da situação da recorrente, mais conformes com o disposto no art.° 3.°, n.° 1 do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, substituindo assim o primitivo acto recorrido.
   Não se verifica como foi violado o princípio da boa fé.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso jurisdicional.
   Custas pela recorrente com a taxa de justiça fixada em 4UC.
   
   
   
   
   Aos 4 de Novembro de 2009



Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

A Procuradora-Adjunta
presente na conferência: Song Man Lei




1 Diogo Freitas do Amaral e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 47.
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Processo n.º 45 / 2008 16