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Processo n.º 67/2010. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para as Obras Públicas e Transportes, Autoridade de Aviação Civil e B.
Assunto: Acto administrativo oral. Documento escrito. Petição do recurso contencioso. Documento comprovativo do acto recorrido. Artigo 43.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Data da Sessão: 23 de Fevereiro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
Quando num recurso contencioso se pede a declaração de nulidade ou a anulação de um acto administrativo oral, não reduzido a escrito, o Tribunal não pode rejeitar liminarmente o recurso com fundamento na falta de apresentação de documento escrito corporizando o acto impugnado (com fundamento em que o acto oral seria ilegal por falta de forma, pois teria de ser praticado por escrito), por não ter aplicação o disposto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, que exige a junção à petição do recurso contencioso do documento comprovativo do acto recorrido.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A1 interpôs recurso contencioso visando a declaração de nulidade ou a anulação de um acto administrativo oral que alega ter sido praticado pelo Secretário para as Obras Públicas e Transportes, em 28 de Março de 2010, pelo qual este terá determinado à B para terminar imediatamente o contrato de subconcessão com a A, do serviço de transporte aéreo de passageiros e carga.
O Relator do Tribunal de Segunda Instância (TSI), em despacho liminar no aludido processo de recurso contencioso, depois de dizer que os actos do Secretário para as Obras Públicas e Transportes têm de ter a forma escrita, não podendo praticar decisões verbais, notificou a recorrente para apresentar, em 10 dias, o documento comprovativo do acto administrativo recorrido, sem o qual o Tribunal rejeitaria o recurso contencioso.
A recorrente reclamou deste despacho para a conferência, dizendo que os actos administrativos podem ser orais, nos termos do artigo 112.º do Código do Procedimento Administrativo, dizendo caber ao Tribunal decidir se a comunicação oral em causa constitui uma decisão e se é um acto administrativo recorrível ou não.
Por Acórdão de 15 de Julho de 2010, o TSI negou provimento à reclamação, confirmando o despacho do Relator.
Para tal considerou que os actos administrativos da autoria de órgãos singulares devem ser praticados por escrito, sendo que o artigo 122.º, n.º 2, alínea f) do Código do Procedimento Administrativo fulmina com a nulidade os actos que careçam em absoluto da forma legal.
E termina, dizendo o seguinte: “Se a Companhia Aérea A insistir em seu entendimento de que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas praticou o alegado acto administrativo em 28 de Março de 2010 com efeitos externos vinculativos, deverá, nos termos do art. 43.º, n.º1, al. A) do Código de Processo Administrativo Contencioso, apresentar ao Tribunal o respectivo documento comprovativo por escrito do dito acto recorrido”.
Inconformada, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
I. O acto administrativo contenciosamente recorrido é a ordem dada pelo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas à B, em 28 de Março de 2010, transmitida via AACM, para que aquela rescindisse imediatamente o Contrato de Subconcessão do serviço de transporte aéreo de passageiros e carga que celebrara com a Recorrente, ordem que a B logo cumpriu.
II. O Secretário para os Transportes e Obras Públicas é um órgão administrativo singular.
III. A forma dos actos administrativos praticados por órgão singular é, nos termos do artigo 112.°, n.º 1, do CPA, a forma escrita, desde que outra não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do acto.
IV. O acto contenciosamente recorrido teve natureza urgente, que ditou a sua prática e execução imediata, e foi produzido em circunstâncias que impossibilitavam, dificultavam ou tornavam inconveniente que fosse lavrado em documento escrito.
V. Foi praticado oralmente, o que, por força do referido em IV., é lícito.
VI. O douto Acórdão recorrido violou e fez errada aplicação do artigo 112.° do CPA, por entender que os actos administrativos de órgãos singulares não podem revestir a forma oral e que, portanto, o acto contenciosamente recorrido não podia ter sido produzido oralmente; como consequência, rejeitou apreciar a sua natureza e circunstâncias, com vista a aquilatar-se da licitude da forma adoptada.
VII. O douto Acórdão recorrido fez errada aplicação do artigo 43.°, n.º 1, a), do CPAC, por julgá-lo aplicável aos actos orais, e violou o n.º 3 do mesmo artigo, que estatui sobre os meios de prova em juízo dos actos orais, por não ter aplicado essa disposição ao caso sub judice;
VIII. Fez também errada aplicação do artigo 113.°, n.º 1, do CPA, por crer que a exigibilidade de todos os elementos componentes do acto administrativo ali enumerados se estende aos actos orais e que os actos orais são legalmente inadmissíveis porque, a serem praticados nessa forma, tornam impossível fiscalizar o cumprimento do referido normativo;
IX. Aplicou também erradamente o artigo 122.°, n.º 2, f), do CPA, por ter julgado o acto contenciosamente recorrido nulo por absoluta falta de forma;
X. E fez errada aplicação do artigo 116.°, n.º 1, do CPA, ao entender que o mesmo só visa os actos orais de órgãos colegiais.
XI. Finalmente, violou o artigo 124.° do CPA, por considerar que a incompetência em razão da matéria para a prática do acto contenciosamente recorrido não gerou a sua anulabilidade.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pelo provimento do recurso, terminando por dizer que “ ... é inequívoco que existe uma decisão da Administração, que a recorrente entende ter produzido efeitos na sua esfera jurídica e vê contender com os seus direitos e interesses legítimos, não se mostrando que a priori a impugnação da mesma possa ser liminarmente rejeitada apenas por que se não efectuou prova da sua redução a escrito”.

II – Fundamentação
1. A questão a apreciar
Trata-se de saber se o Relator, em recurso contencioso, pode rejeitar o recurso liminarmente, considerando que o órgão administrativo não pode praticar actos administrativos orais, quando o recorrente, tendo eleito como objecto do recurso um acto administrativo oral, não apresenta um documento comprovando por escrito o acto.

2. Acto administrativo oral.
É exacto que os órgãos administrativos singulares devem praticar por escrito os actos administrativos “... desde que outra forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do acto” [artigo 112.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA)].
É também certo que, nos casos em que o acto administrativo tenha de ser praticado por escrito, a sua produção, sob a forma oral, torna-o nulo, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA, por carência em absoluto de forma legal.2
Parece, assim, evidente, que, independentemente da questão de saber se o hipotético acto3 dos autos podia ou não ter a forma oral, questão que não nos cumpre apreciar, se o TSI entendia que não podia ter esta forma, e que a falta de forma gera nulidade do acto, parece evidente, dizíamos, que não podia obrigar o recorrente a documentar um acto que este alegava ser oral, cumprindo-lhe, na sentença final, extrair as respectivas ilações, isto não havendo outras questões que obstassem ao conhecimento do objecto do recurso contencioso.
Assim, quando o recorrente alega que o acto administrativo impugnado é oral e não foi reduzido a escrito – porque há actos orais reduzidos a escrito, como é caso das deliberações dos órgãos colegiais, que são orais, mas lavradas em acta – não se aplica o disposto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, que exige a junção à petição do recurso contencioso do documento comprovativo do acto recorrido. Como, aliás, a mesma norma não é aplicável aos actos tácitos, pela mesma ordem de razões.
Expliquemos melhor. No presente estado do processo – fase do despacho liminar do recurso contencioso, em que nem sequer foi citada para contestar a entidade administrativa – nem o Tribunal recorrido, nem este Tribunal de recurso, está em condições de saber se foi praticado algum acto, e se, tendo-o sido, se este acto é administrativo e, sendo-o, se é um acto administrativo contenciosamente recorrível e sendo-o, se a recorrente tem legitimidade activa.
O que sabemos é que, desde que o recorrente alega que foi produzido um acto administrativo oral, não reduzido a escrito, o Tribunal não pode impor ao recorrente que apresente documento escrito a comprovar o acto, mesmo que seja certo que o acto só pudesse ser praticado por escrito.
Ou seja, mesmo que, legalmente, todos os actos administrativos de órgãos administrativos singulares tivessem de ser produzidos por escrito e fosse sempre ilegal a prática de actos orais – o que nem é exacto – não se pode excluir que entidades administrativas pratiquem – nessa perspectiva – actos administrativos ilegais, com efeitos externos, prejudicando particulares.
Nos casos em que o interessado alega a existência de um acto oral, o Tribunal não pode exigir documento, dizendo que não há actos administrativos orais. É o que resulta do disposto no n.º 3 do artigo 43.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Por fim, acrescentamos que o despacho liminar do recurso contencioso nunca seria o momento próprio para decidir, com a segurança que se exige às decisões judiciais, se o acto podia ou não ter a forma oral. É que, sendo a regra a forma escrita do acto, este pode ter a forma oral quando “... imposta pela natureza e circunstâncias do acto” (artigo 112.º, n.º 1 do CPA).
Uma destas circunstâncias que a doutrina assinala como plausível é a situação de urgência4.
Ora, a recorrente alegou na reclamação para a conferência a urgência do acto, pelo que, na fase do despacho liminar, o Tribunal não estava ainda em condições de saber se o hipotético acto oral podia ou não ter esta forma. A qualificação como ilegal do acto oral, sempre teria sido prematura.
Impõe-se o provimento do recurso, com revogação do despacho liminar, que deve ser substituído por outro.

IV – Decisão
Face ao expendido, concedem provimento ao recurso jurisdicional e revogam o despacho liminar do Relator.
Sem custas, tanto na reclamação para a conferência como neste recurso.
Macau, 23 de Fevereiro de 2011.
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho

1 Entretanto, tendo sido declarada a falência da recorrente A, a Massa Falida, representada pela Administradora da Falência, ratificou os actos processuais praticados pela recorrente, substituindo no processo a Falida.
2 Neste sentido, para norma semelhante do Código português, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, Almedina, 1997, p. 580 e 648. Para o Direito de Macau, LINO RIBEIRO, Curso de Procedimento Administrativo, Macau, 2001, p. 165.
3 Dizemos hipotético, porque temos conhecimento, por virtude do exercício de funções, que no processo de suspensão de eficácia do acto dos autos, apenso ao nosso processo, o TSI decidiu, com trânsito em julgado, que se tratava de mera opinião do Secretário para as Obras Públicas e Transportes e não de um acto administrativo. Claro que tal decisão não é vinculativa no recurso contencioso, visto que as decisões relativas ao objecto do procedimento cautelar ou aos seus pressupostos processuais não relevam no recurso contencioso, pela simples razão de que as questões atinentes às condições de existência ou aos pressupostos processuais dos procedimentos cautelares não afectam a acção principal. Mas o inverso já não é verdadeiro [artigo 334.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil].
4 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código..., p. 578.
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