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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso relativo ao direito de reunião e manifestação
N.º 6 / 2011

Recorrentes: Hoi Weng Chong
Lam Meng
Recorrido: Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública






   1. Relatório
   Hoi Weng Chong e Lam Meng vêm interpor recurso perante o Tribunal de Última Instância, nos termos do art.º 12.º da Lei n.º 2/93/M, da decisão do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública tomada em 16 de Fevereiro de 2011 sobre a actividade de manifestação promovida por Hoi Weng Chong.
   Os principais fundamentos do recurso são: “Em relação à manifestação comunicada previamente a realizar legalmente em vários lugares para exprimir pedidos, o Corpo de Polícia de Segurança Pública, com fundamento em afectar gravemente a normal circulação de pessoas e a ordem pública, restringiu e privou o direito de manifestação para exprimir pedidos.”
   Os recorrentes alegam ainda: “O horário das manifestações será das 9:00 às 20:00” e “A colocação de cartazes será permitida pela Polícia”. E pedem que seja atribuída a liberdade de expressão e manifestação.
   
   O Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública alega, na sua resposta, essencialmente o seguinte:
   - De acordo com a interpretação o art.º 5.º n.º 3, da Lei n.º 2/93/M, sem prejuízo do exercício do direito de reunião e manifestação, considera-se que não pode haver lugar a pedidos genéricos, para manifestações em dias sucessivos e espaços diferentes, sem descrição exacta das horas de utilização dos espaços públicos pretendidos.
   - Esses espaços públicos não podem ficar reservados na pendência da decisão momentânea dos manifestantes.
   - A exemplo de acções anteriormente levadas a cabo pelos recorrentes, verifica-se uma utilização desproporcionada dos espaços, o que impede a circulação dos outros cidadãos.
   - Um dos locais pretendidos para a manifestação, é em frente ao Edifício do Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM, o qual, além do seu estatuto que exige protecção especial a todo o tempo.
   - A actividade pretendida cuja falta concreta de especificação e objectivo, não deixa igualmente perceber o interesse da presença dos manifestantes no referido local.
   - O afastamento de 30 metros que sempre deveriam guardar relativamente a esta edificação sensível, transferiria o ajuntamento dos manifestantes para o eixo da via, o que constituiria grave perigo para a sua própria segurança, bem como para a segurança de terceiros.
   - Por sua vez, o afastamento lateral no passeio, daria sempre lugar a grave perturbação da circulação de pessoas bem como constituiria um entrave às medidas de segurança que envolvem as imediações do local, bem como indesejável embaraço a uma eventual necessidade de accionamento de dispositivos securitários.
   - Pelas razões expostas, foram assim os recorrentes notificados da inviabilidade da manifestação em frente as instalações do Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM, e de que não é permitida nos outros locais pretendidos a colocação de tarjas como têm feito os recorrentes noutras actividades, que impeçam o livre exercício dos direitos dos outros cidadãos na prossecução dos seus afazeres diários.
   - Entende afinal que, em virtude do despacho recorrido não estar ferido de qualquer ilegalidade ou inconveniência, deve manté-lo e negar provimento ao presente recurso.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   De acordo com os documentos juntos nos autos, são considerados provados os seguintes factos:
   - Em 14 de Fevereiro de 2011, os recorrentes comunicaram previamente ao Presidente do Conselho de Administração do IACM a realização de manifestação nos dias 17 a 28 de Fevereiro de 201, nos locais de Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM, Largo do Senado, Praça de Amizade, Jardim Triangular da Areia Preta, Praça das Portas do Cerco e Jardim Iao Hon.
   - Em 16 de Fevereiro de 2011, o Presidente do Conselho de Administração do IACM procedeu às respectivas notificações aos recorrentes.
   - No mesmo dia, o Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública proferiu o seguinte despacho:
“Despacho
   I. Relatório
   Hoi Weng Chong e Lam Meng deram conhecimento de manifestação ao Presidente do Conselho de Administração do IACM em 14 de Fevereiro de 2011, que tem o seguinte conteúdo:
   “Actividades de Promoção de Salvaguarda dos Direitos Atribuídos pela Lei Básica.
   Para a concretização da instrução do Presidente (isto é, tem que dar cumprimento rigoroso à Lei Básica), o presidente da Macao Resident Maintains Legitimate Rights Federation, Hoi Weng Chong, e o presidente da Associação das Forças do Povo, Lam Meng, vão divulgar entre os cidadãos a salvaguarda de direitos atribuídos pela Lei Básica de Macau, servindo do exemplo os casos que vêm acontecido com eles próprios ao longo dos anos, a fim de garantir a inviolabilidade dos seus direitos e interesses legítimos.
   São seguintes a respectiva data e local:
   Data: Entre 17 e 28 do Fevereiro de 2011
   Local: Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM, Largo do Senado, Praça de Amizade, Jardim Triangular da Areia Preta, Praça das Portas do Cerco e Jardim Iao Hon”
   
   II. Análise
   1. Uma das localidades onde se pretende realizar a manifestação é a Sede do Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM, que é órgão de representação do Governo Central na RAEM, razão pela qual existe a necessidade de garantir a segurança das suas instalações; por outro lado, é ainda preciso assegurar que o seu normal funcionamento não seja perturbado, e garantir a segurança do pessoal deste organismo e dos seus visitantes.
   2. Outra localidade onde se pretende realizar a manifestação é o Largo do Senado, situado na zona central de Macau, confrontando a Norte com o Largo de São Domingos (entre o Largo do Senado e as Ruínas de São Paulo), a Sul com a Avenida de Almeida Ribeiro (uma das vias principais de Macau), sendo rodeado de várias lojas comerciais (tais como bancos, farmácias, ourivesarias, relojoarias, lojas de vestuários, lojas de petiscos locais e restaurantes) e de construções históricas e patrimónios culturais mundiais (tais como o Edifício de Misericórdia, o Edifício do Leal Senado, o Edifício dos Correios, e a Igreja São Domingos), cuja zona reservada exclusivamente para peões é espaço de frequência necessária para a maioria dos turistas, especialmente nos feriados. Dado que os grupos iniciadores de manifestação realizaram no passado várias actividades de natureza semelhante no espaço acima referenciado, chegando a usar grandes faixas com dizeres e colocar no chão objectos tais como placas com mensagens, ocupando assim uma área aproximadamente de 70 m2 (4,5×15m) (v. a figura anexada ao despacho), condutas essas que violam o disposto no art.º 4.º, n.º 1 do Regulamento Geral dos Espaços Públicos e que perturbarão a normal circulação dos peões, exercendo assim uma influência grave à ordem pública.
   3. A Praça de Amizade, o Jardim Triangular da Areia Preta, a Praça das Portas do Cerco e o Jardim Iao Hon sãos sítios onde regista grande fluxo de pessoas, especialmente nos feriados, de maneira que, a ocupação de grande área destes espaços tem virtualidade de perturbar a normal circulação de peões e de exercer uma influência grave à ordem publica, para além de violar o disposto no art.º 4.º, n.º 1 do Regulamento Geral dos Espaços Públicos.
   
   III. Decisão
   1. Pelo exposto, é inviável a realização da respectiva manifestação numa das localidades solicitadas (isto é, nos espaços públicos adjacentes ao Gabinete de Ligação), visto que fica muito próximo da sede do órgão de representação do Governo Popular Central na RAEM, e como tal influencia gravemente o interesse público e a segurança pública, bem como a boa ordem de peões.
   Nos termos do art.º 8.º, n.ºs 3 e 2 da Lei n.º 2/93/M de 17 de Maio, em conjugação com o art.º 11.º, é rejeitado o pedido de realização de manifestação neste espaço.
   2. Atendendo a que o Largo do Senado, a Praça de Amizade, o Jardim Triangular da Areia Preta, a Praça das Portas do Cerco e o Jardim Iao Hon são espaços de alta frequência turística onde existem várias lojas comerciais e sítios onde regista grande fluxo de pessoas, a realização de manifestação neles tem a virtualidade de exercer grave influência à ordem e segurança públicas.
   Nos termos do art.º 4.º, n.º 1 do Regulamento Geral dos Espaços Públicos, não é autorizada a colocação nestes espaços de objectos que prejudiquem a normal circulação de peões.
   3. Nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 2/93/M:
   Não é permitida a realização de reuniões ou manifestações entre as 00h30 e 7h30.
   4. De harmonia com o disposto no art.º 12.º da Lei n.º 2/93/M, alterada pela Lei n.º 16/2008, notifique os iniciadores de manifestação da presente decisão, para, querendo, interpor recurso contencioso para o Tribunal de Última Instância no prazo de 8 dias.
   
O Comandante do CPSP
Lei Siu Peng
Superintendente Geral
Aos 16 de Fevereiro de 2011”
   
   
   2.2 Apreciação do recurso
   Nas alegações do recurso os recorrentes mencionam apenas “a Polícia de Segurança Pública restringe e reprime o direito de manifestação para apresentar reclamações com base em afectar a normal circulação de pessoas e o grave risco para a ordem pública”, sem alegar mais fundamentos concretos do recurso.
   
   No aviso prévio de manifestação apresentado ao Presidente do Conselho de Administração do IACM, os recorrentes não referiram as horas exactas da realização de manifestação. Mas nas alegações do presente recurso complementaram os dados indicando as horas das 9:00 às 20:00. Assim, não há incompatibilidade entre a referência na decisão recorrida ao art.° 4.° da Lei n.° 2/93/M sobre as restrições temporais para reunião e manifestação (das 00:30 às 07:30) e as horas de manifestação indicadas agora pelos recorrentes.
   
   
   Entre os vários locais em que o promotor de manifestação pretende realizar as respectivas actividades, a entidade recorrida considera que é inviável realizar a referida manifestação no local onde se situa o Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM (abreviado por Gabinete de Ligação), com fundamento de que o local pretendido para a reunião está muito próximo das instalações de funcionamento do Gabinete de Ligação e que é necessário assegurar a segurança destas instalações e que não sejam danificadas, garantir que o seu funcionamento não seja perturbado, bem como a segurança pessoal das pessoas que se passam naquele local. Tendo em conta que as actividades de manifestação agora comunicadas prejudicam gravemente o interesse e a segurança públicos e para manter a boa ordem de passagem de peões no local, não permitiu realizar as referidas actividades de manifestação no mesmo local, nos termos do art.° 8.°, n.ºs 3 e 2 da Lei n.° 2/93/M.
   
   De facto, é manifesta a importância do edifício do Gabinete de Ligação, situado na Av. do Dr. Rodrigo Rodrigues, como entidade representativa do Governo Central destacada para a RAEM. De acordo com o art.° 2.° do Regulamento Administrativo n.° 22/2000, tal entidade e os seus funcionários gozam, nos termos da lei, de garantias e isenções, correspondentes ao seu estatuto, não inferiores às das instituições e pessoal diplomáticos.
   
   Por outro lado, é consabido que é relativamente estreito o passeio nas imediações do edifício do Gabinete de Ligação e está em frente de uma via principal com grande movimento de automóveis em alta velocidade.
   Assim, considerando a natureza e a necessidade em funcionamento desta entidade, as garantias que se deve assegurar legalmente e a segurança do trânsito de peões e automóveis nas vias imediatas, bem como dos próprios manifestantes, está conforme com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.° 8.° da Lei n.° 2/93/M a decisão da entidade recorrida de não permitir realizar as actividades de manifestação ora comunicadas no exterior da área do edifício do Gabinete de Ligação.
   
   
   Em relação aos restantes locais que se pretende realizar manifestação, a entidade recorrida entende que se tratam de locais com intensas actividades comerciais e turísticas, e a passagem e concentração de grande número de pessoas. Refere-se ainda a associação promotora desta manifestação já realizou várias vezes as mesmas actividades nos mesmos locais, alturas em que se colocaram no chão cartazes e placas com mensagens de grande dimensão que ocuparam grande área da zona reservada aos peões em cerca de 70m2 (4.5m×15m). Foi invocado o art.° 4.°, n.° 1 do Regulamento Geral dos Espaços Públicos para não permitir a colocação de objectos que obstem a normal circulação do público, ao realizar as respectivas actividades nos referidos locais.
   
   Dispõe assim o art.° 4.°, n.° 1 do Regulamento Geral dos Espaços Públicos:
   “1. Sem prejuízo das disposições sobre pejamento, nos espaços públicos é proibido colocar quaisquer materiais ou objectos, excepto:
   1) No período estritamente necessário a operações ocasionais de carga e descarga sem obstrução do tráfego de peões e veículos;
   2) Nos locais e recipientes adequados.”
   
   É normal o uso conforme com a lei de certos objectos, tais como placas com slogan e quadros, pelo público na reunião e manifestação para transmitir determinadas mensagens, o que irá ocupar muito provavelmente algum espaço público e consequentemente afectará, de certo modo, a normal circulação do público. Por isso, não se pode invocar o n.° 1 do art.° 4.° do Regulamento Geral dos Espaços Públicos para proibir genericamente a colocação em espaço público de objectos relacionados com reunião e manifestação, sob pena de restrição desproporcional ao exercício dos direitos de reunião e manifestação pelos residentes.
   No entanto, para além de ser estritamente necessários para a realização das respectivas actividades de manifestação, os objectos não podem ocupar demasiado espaço público, pois devem corresponder aos factores como o conteúdo, a natureza e a dimensão das actividades, e reduzir o espaço ocupado ou até retirar imediatamente os objectos do local quando for exigido pela característica do local, as situações concretas na altura da realização das actividades, nomeadamente a dimensão do fluxo de pessoas existente no local na mesma altura, o número de pessoas concentradas, outros factores de risco que afectam a segurança de pessoas e bens, acontecimentos imprevistos e perigosos, etc.
   Tendo em conta as diversas circunstâncias acima mencionadas, as autoridades policiais de segurança pública devem limitar o espaço público ocupado pelos objectos utilizados nas actividades de reunião ou manifestação segundo as situações concretas, por aplicação adaptada do disposto na al. c) do n.° 1 do art.° 11.° da Lei n.° 2/93/M.
   Deste modo, o conteúdo do ponto 2 da decisão recorrida que “não permite a colocação de objectos que obstem a normal circulação do público, ao realizar as respectivas actividades nos referidos locais” deve ser entendido segundo o acima exposto.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
   Custas pelos recorrentes com as taxas de justiças individuais de 2UC.



   Aos 24 de Fevereiro de 2011





Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.º 6 / 2011 12