打印全文
Processo n.º 7/2011. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Crime de tráfico de estupefacientes. Recurso. Tribunal de Última de Instância. Medida da pena desproporcionada.
Data do Acórdão: 18 de Março de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
O Tribunal de Última de Instância altera a medida concreta da pena quando esta se revele desproporcionada.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 5 de Novembro de 2010, condenou o arguido A, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 9 (nove) anos e 8 (oito) meses de prisão.
  Em recurso interposto pelo arguido o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 27 de Janeiro de 2011, negou provimento ao recurso.
  Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), pedindo a fixação da pena de prisão em 7 anos ou, se assim se não entender, numa pena entre 7 e 8 anos de prisão, terminando com as seguintes conclusões:
  
  1. A moldura penal prevista no art. 8º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M é de 8 a 12 anos de prisão, enquanto a prevista no art. 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 é de 3 a 15 anos de prisão.
  2. A norma antiga, quer dizer, o art. 8º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M deixou um espaço restrito da moldura, o que não permitia maior flexibilidade na aplicação de penas diferentes face a circunstâncias diferentes para cada caso.
  3. O actual legislador para a proibição de drogas pretende, através da previsão da Lei n.º 17/2009, deixar os julgadores determinarem penas de prisão mais proporcionais e justas entre 3 e 15 anos segundo os factos e as circunstâncias concretas de caso a caso.
  4. Face à lei antiga e à nova, deve-se observar a norma contida no art. 2º, n.º 4 do Código Penal, determinar a medida da pena nos termos do art. 65º do mesmo Código e concluir pela aplicação do regime que se mostrar concretamente mais favorável ao agente.
  5. Neste caso, o recorrente mostrou uma atitude de cooperação na audiência de julgamento, confessou sem reservas os factos lhe imputados, arrependeu-se profundamente e é primário.
  6. O recorrente confessou, ao Tribunal Colectivo, durante o decurso, todo o seu percurso delinquente, causas e consequências, causas sociais e os fins, apontando que foi por pobreza de sua terra natal e dificuldades de vida que o levaram à prática do crime, mas se arrependeu muito e prometeu ao Tribunal empenhar-se na recuperação e não repetição do delito.
  7. Tal como o Tribunal a quo confirmou os factos imputados que o recorrente confessou integralmente e sem reservas, o que demonstrou a atitude de cooperação do recorrente para a investigação da verdade do Tribunal a quo, concluindo que ele tem tirado lições e determinado a se corrigir.
  8. A pena de prisão de 9 anos e 8 meses aplicada pelo Tribunal a quo não ajuda quer sua recuperação quer sua reinserção social.
  9. O mais importante foi o facto de que, com o reenvio do processo e o exame laboratorial de análise quantitativa, verificou-se que a percentagem das substâncias contidas nos dois pacotes foram respectivamente de 43,90% (peso líquido de 4,313 gramas) e 40,93% (peso líquido de 300,16 gramas), ou seja, o peso líquido dos produtos apreendidos totaliza 304,473 gramas, quer dizer, 438,691 gramas menos que o peso líquido inicialmente dado como provado de 743,164 gramas.
  10. Segundo a jurisprudência já fixada, o recorrente entende que o peso líquido das substâncias apreendidas constitui um importante factor na determinação da medida da pena.
  11. Antes do reenvio do processo, a sentença de primeira instância condenou o recorrente na pena de 10 anos e 6 meses de prisão por ser acusado de ter transportado heroína num peso líquido de 743,164 gramas, enquanto o acórdão actualmente recorrido condenou o recorrente na pena de 9 anos e 8 meses por ele ter transportado heroína num peso líquido de 304,473 gramas; face aos outros factores inalterados para a determinação da medida da pena, a pena concreta decidida pelo acórdão recorrido mostra-se expressamente desproporcional, pois, de acordo com a análise quantitativa, o peso líquido de tais substâncias é apenas 40,97% do peso líquido inicialmente dado como provado.
  12. O recorrente praticou o crime por causa de dificuldades na vida e de forma casual, o recorrente tem ainda a seu encargo o pai, a esposa e uma filha menor.
  13. Atendendo às consequências e à gravidade dos factos, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais e a sua situação económica e a conduta posterior ao facto, o recorrente entende ser o mais adequado condená-lo na pena de 9 anos de prisão nos termos da lei antiga e na multa de 10000 patacas ou na pena de 7 anos de prisão nos termos da nova lei.
  14. Comparando assim os dois resultados, sem dúvida alguma, o segundo afigura-se concretamente favorável ao recorrente.
  15. Neste caso, mesmo o Tribunal a quo tem entendido que a nova lei se mostra mais favorável ao recorrente e a aplicou na determinação da medida da pena, no entanto, o recorrente entende que a pena concreta lhe aplicada devia ser de 7 anos de prisão nos termos do art. 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 face ao crime praticado pelo recorrente.
  16. De acordo com a jurisprudência supra citada, apesar de o recorrente ter transportado estupefacientes em quantidade ainda apreciável, os acórdãos de primeira e segunda instância não determinaram a medida da pena a partir do limite mínimo, parece só ter atentado no limite máximo (15 anos) previsto pela nova lei e sem ter atentado no limite mínimo (que é de 3 anos).
  17. As penas decididas nos acórdãos proferidos na primeira e na segunda instância mostram-se desproporcionais, violando assim o art. 8º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 conjugado com o art. 65º do Código Penal.
  Na resposta à motivação do recurso o Ex.mo Procurador-Adjunto defendeu a improcedência do recurso ou a redução da pena em medida não superior a um ano de prisão.
  No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
  
  II – Os factos
  As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
  1. Dia 4 de Novembro de 2008, pelas 15h20, agentes da PJ de Macau interceptaram, na área de recebimento de bagagens do Aeroporto Internacional de Macau, o ora recorrente A que acabou de chegar pelas 14h45 desse dia, a Macau, no voo XXXX.
  2. Por suspeita de o recorrente A ter transportado drogas no interior do organismo, agentes da PJ levaram-no ao Centro Hospitalar C.S.J., para exames necessários.
  3. Submetido ao exame CT no Centro Hospitalar C.S.J, foram detectados, na parte abdominal do recorrente A, muitos objectos em forma de cápsulas.
  4. Dia 4 de Novembro de 2008, cerca das 21h00, foram evacuados do corpo do recorrente A 75 objectos em forma de cápsulas de plástico.
  5. Após exame laboratorial, foi confirmado que os referidos objectos continham “heroína”, substância controlada na Tabela I- A referida no Decreto-Lei nº 5/91/M, com o peso líquido de 743,164 gramas.
  6. Drogas supra referidas foram adquiridas pelo recorrente A, a um indivíduo cuja identidade ainda não apurada, com o objectivo de as transportar a Macau dentro do corpo e depois entregá-las ao indivíduo cuja identidade ainda não apurada, para assim ganhar uma remuneração de PKR$ 300 mil a 400 mil.
  7. Além disso, foram ainda encontrados na posse do recorrente A um telemóvel, 1000 dólares americanos, 1000 dólares de Hong Kong, 970 MYR de Malásia, um bilhete electrónico de passagem, 2 bilhetes de embarque e um bilhete de passagem de cinco páginas.
  8. O telemóvel, dinheiro, bilhetes de passagens foram entregues ao recorrente A por indivíduo cuja identidade ainda não apurada como instrumentos de ligação, despesas e passagens aéreas em actividades de tráfico de drogas.
  9. O recorrente A agiu de maneira livre, voluntária e consciente quando teve as referidas condutas.
  10. O recorrente A teve perfeitos conhecimentos da natureza e das características da droga acima referida.
  11. O recorrente A sabia que sua conduta não foi permitida por nenhuma lei.
  12. O recorrente A sabia que sua conduta foi proibida e punida pela lei.
  *
  Foram ainda dados como provados os seguintes factos:
  13. Após a análise quantitativa, confirmou-se que a percentagem de heroína contida foi respectivamente de 43,90% num peso líquido de 4,313 gramas e 40,93% num peso de 300,16 gramas.
  14. O recorrente confessou todos os factos lhe imputados integralmente e sem reservas, na audiência de julgamento.
  15. O recorrente era condutor de táxi, auferindo um vencimento mensal de 4500 patacas.
  16. O recorrente tem habilidades académicas do ensino secundário, tendo a seu encargo o pai, a esposa e uma filha menor.
  17. De acordo com o CRC, o recorrente é delinquente primário.
  *
  Factos não provados: Não há factos por provar, face a todos os factos contidos na acusação dados como provados.
  
  III - O Direito
  1. As questões a resolver
  A questão a resolver é a de saber se o Acórdão recorrido aplicou ao recorrente uma pena demasiado pesada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
  
  2. Medida da pena
  Quanto à questão suscitada a propósito da medida da pena este Tribunal tem entendido que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 23 de Janeiro e 19 de Setembro de 2008 e 29 de Abril de 2009, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008, 57/2007 e 11/2009).
  O recorrente pretendia introduzir em Macau heroína, com o peso líquido de 743,164 gramas, sendo que da análise quantitativa resultou que a percentagem de heroína contida foi respectivamente de 43,90% num peso líquido de 4,313 gramas e 40,93% num peso de 300,16 gramas.
  O recorrente confessou todos os factos lhe imputados integralmente e sem reservas, na audiência de julgamento, embora sem grande relevância para a descoberta da verdade, visto que foi encontrado com o produto estupefaciente dentro do seu corpo.
  O recorrente era condutor de táxi, auferindo um vencimento mensal de 4500 patacas e tinha a seu cargo o pai, a esposa e uma filha menor.
  Embora sem prova directa, mas face aos factos relatados e à experiência de casos semelhantes, o recorrente deverá ter sido tentado a traficar droga por ter reduzidos proventos para as suas necessidades.
  A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, como se expressa o n.º 1 do artigo 65.º do Código Penal.
  Tendo em conta outros casos com algumas semelhanças com o presente, parece-nos algo desproporcionada a pena encontrada, afigurando-se mais justa a de 8 (oito) anos e 8 (oito) meses de prisão, ou seja, um pouco abaixo do meio termo (9 anos) entre os limites mínimo e máximo da penalidade aplicável (3 a 15 anos de prisão).
  Procede parcialmente, portanto, o recurso.
  
  IV – Decisão
  Face ao expendido, concedem parcial provimento ao recurso e, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, condenam o arguido na pena de 8(oito) anos e 8 (oito) meses de prisão.
  Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC.
  Fixam os honorários do defensor do arguido em mil patacas.
  Macau, 18 de Março de 2011.
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
  




1
Processo n.º 7/2011

10
Processo n.º 7/2011