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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.º 9 / 2011

Recorrente: A







   1. Relatório
   A foi julgado no Tribunal Judicial de Base no âmbito do processo comum colectivo n.º CR3-10-0055-PCC e foi condenado pela prática dos seguintes crimes:
   - um crime de tráfico ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 na pena de 6 anos e 2 meses de prisão;
   - um crime de consumo ilícito de drogas previsto e punido pelo art.º 14.º da Lei n.º 17/2009 na pena de 45 dias de prisão;
   - um crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento previsto e punido pelo art.º 15.º da Lei n.º 17/2009 na pena de 45 dias de prisão.
   Em cúmulo, foi condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão.
   Desta decisão o arguido recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. No seu acórdão de 20 de Janeiro de 2011 proferido no processo n.º 991/2010, julgou-se rejeitar o recurso por manifesta improcedência.
   Vem agora o arguido recorrer deste acórdão para o Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões na motivação do recurso:
   “1. Salvo o devido respeito pelos acórdãos proferidos pelo Tribunal a quo e pelo Tribunal de Segunda Instância, sobre o mesmo o recorrente está com as seguintes opiniões:
   2. O acórdão recorrido violou o princípio in dubio pro reo;
   3. Dos factos dados como provados acima referidos e dos elementos constantes dos autos, resulta que não surgiu nenhum indivíduo como comprador de drogas, ou seja, não teve nenhuma pessoa com a eventual suspeita de comprar estupefacientes do arguido;
   4. E agentes policiais apenas descreveram clara e objectivamente tudo o que passou, quer dizer, como foi interceptado o arguido quando ele saiu da residência, como foram encontrados produtos estupefacientes na posse do arguido e posteriormente, encontrados produtos estupefacientes e instrumentos para uso de drogas na sua residência, mas não têm falado sobre o tráfico de drogas praticado pelo arguido com os eventuais factos e pessoas envolvidas. Face a tudo isso, não se deve concluir que o arguido teve praticado o crime de tráfico de produtos estupefacientes;
   5. De acordo com o princípio in dubio pro reo, deve-se julgar improcedente a imputação de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009 e, em consequência, decide absolver e libertar o recorrente.
   6. Caso com opiniões divergentes e ainda entendem que a condenação do recorrente pela prática do crime supra citado de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas é sustentada pelos factos provados e o crime imputado como procedente, ora, assim o acórdão recorrido enferma do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”;
   7. Do ponto 7 da parte dos factos provados consta que “o recorrente adquiriu os supracitados estupefacientes junto dum indivíduo de identidade desconhecida, com a intenção de, para além do consumo pessoal próprio, fornecer principalmente a outrem”.
   8. Por o acórdão recorrido não ter apurado a quantidade de produtos estupefacientes apreendidos tanto destinada ao consumo pessoal do recorrente como à venda a terceiro, deve se determinar o reenvio do processo para novo julgamento.
   9. Assim, não se deve condenar o recorrente pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009 e de um crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento p. p. pelo art. º 14.º do mesmo diploma.”
   Pedindo que seja julgado procedente o recurso com a revogação do acórdão recorrido.
   
   Na resposta, o Ministério Público entende que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência.
   
   Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   O Tribunal Judicial de Base e o Tribunal de Segunda Instância consideraram fixada a seguinte matéria de facto:
   “1. Em 23 de Outubro de 2009, pelas 3h15, o arguido A saiu da sua residência no [Endereço(1)] e na porta do [Endereço(2)] situado na mesma rua, foi interceptado pelos agentes da PJ. O arguido ficava com ar nervoso e deixou no chão uma garrafa plástica de marca “EXTRA” que tinha na mão direita.
   2. Os agentes da PJ apanharam a referida garrafa e encontraram nesta 5 pacotes de cristal de cor branca, 10 comprimidos redondos de cor de rosa embalados em 2 sacos plásticos transparentes; além disso, os agentes da PJ também encontraram na posse do arguido A duas chaves à sua residência.
   3. Submetidos a exame laboratorial, os supracitados 5 pacotes de cristal de cor branca, com peso líquido de 1,936g, revelaram tratar-se de “Metanfetamina”, substância abrangida pela Tabela II-B anexa à Lei n.º 17/2009 (após análise quantitativa, a proporção de “Metanfetamina” foi verificada em 68,23%, com peso de 1,321g); os supracitados 10 comprimidos de cor de rosa, com peso líquido de 0,947g, revelaram tratar-se de “Efedrina”, substância abrangida pela Tabela V anexa à mesma Lei.
   4. O arguido A dquiriu os supracitados estupefacientes junto dum indivíduo de identidade desconhecida, com a intenção de vender aos compradores no local de negócio.
   5. No mesmo dia às 5 horas, os agentes da PJ dirigiram-se à residência do arguido A sita na [Endereço(1)] para buscar, encontrando debaixo do lençol da cama no quarto de dormir do arguido 6 pacotes de cristal de cor branca com a mesma embalagem acima referida, bem como 28 comprimidos de cor de rosa e 16 comprimidos redondos de cor vermelha embalados em 9 saquinhos plásticos transparentes; encontrando na cama um saco plástico de mercado San Miu contendo 4 canudos, uma tampa de cor branca na qual estava inserido um canudo de cor azul e vermelha, 7 papéis de estanho; e encontrando na gaveta da mesa de computador um saco plástico transparente, um pedaço de canudo de cor vermelha, uma tesoura e dois papéis de estanho.
   6. Submetidos a exame laboratorial, os supracitados 6 pacotes de cristal de cor branca, com peso líquido de 2,419g, revelaram tratar-se de “Metanfetamina” (após análise quantitativa, a proporção de “Metanfetamina” foi verificada em 68,57%, com peso líquido de 1,659g); os supracitados 28 comprimidos de cor de rosa, com peso líquido de 2,591g, continham “Efedrina”; os supracitados 16 comprimidos de cor vermelha, com peso líquido de 1,490g, continham “Metanfetamina” (após análise quantitativa, a proporção de “Metanfetamina” foi verificada em 15,49%, com peso líquido de 0,231g); um saco plástico transparente e um pedaço de canudo de cor vermelha acima referidos estavam com vestígios de “Metanfetamina”, e uma tampa de cor branca na qual estava inserido um canudo de cor azul e vermelha estava com vestígios de “Anfetamina”, “Metanfetamina” e “N, N-dimetanfetamina”, substâncias abrangidas pela Tabela II-B anexa à mesma Lei.
   7. O arguido A adquiriu os supracitados estupefacientes junto dum indivíduo de identidade desconhecida, com a intenção de consumir pessoalmente e principalmente fornecer a outrem.
   8. A garrafa plástica, a tesoura, os papéis de estanho, os canudos e a tampa acima referidos são instrumentos utilizados pelo arguido A para o consumo de estupefacientes.
   9. O arguido A conhecia bem a natureza e as características dos supracitados estupefacientes.
   10. O arguido A adquiriu, transportou e deteve os supracitados estupefacientes, com a intenção de consumir pessoalmente e vender ou fornecer a outrem.
   11. O arguido A deteve e utilizou a garrafa plástica, a tesoura, os papéis de estanho, os canudos e a tampa acima referidos como instrumentos de consumo de estupefacientes, sabendo bem que eram proibidas tais condutas.
   12. O arguido A agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar dolosamente as condutas acima referidas.
   13. O arguido A sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
   
   De acordo com o CRC, o arguido é delinquente primário.
   O arguido alegou que era desempregado antes de ser preso, trabalhou como bate-fichas em Macau e tem a seu cargo a mãe; o arguido tem como habilitações literárias o 6º ano da escola primária.”
   
   Factos não provados:
   Não há factos relevantes para julgamentos por provar.”
   
   
   2.2 Integração do crime de tráfico ilícito de drogas
   O recorrente invoca o princípio de in dubio pro reo para afastar a imputação a ele da prática de um crime de tráfico ilícito de drogas, com fundamento de que nunca apareceu um comprador, real ou suspeito, nem os agentes de Polícia Judiciária demonstraram a realização de venda de drogas por parte do recorrente e as pessoas implicadas.
   Por outro lado, alega ainda o recorrente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada com base na falta de apuramento de quantidades das drogas para o consumo próprio e para venda a terceiros, entre as apreendidas.
   
   No fundo, as questões invocadas pelo recorrente resumem-se no preenchimento do tipo do crime de tráfico ilícito de drogas imputado ao mesmo.
   Em relação ao princípio de in dubio pro reo, o que alega o recorrente não consiste em nenhuma dúvida sobre os factos dados como provados, mas sim em sustentar a sua absolvição por falta de factos relativos a compradores de drogas e a realização da venda de drogas.
   A questão seria a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como vem alegado a seguir pelo recorrente, a propósito da falta de indicação de quantidades de drogas para cada uma das finalidades.
   
   Mas na realidade, nem um nem outro aspecto é suficiente para invalidar a condenação confirmada pelo acórdão recorrido.
   Como tem sido decidido, para o preenchimento do tipo do crime de tráfico de drogas previsto no art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 não são necessários os elementos fácticos sobre as vendas concretas de drogas, tal como os compradores identificados, até a mera detenção de drogas que não sejam destinados ao consumo próprio é suficiente para concluir a prática do mesmo crime.
   Do mesmo modo, as quantidades concretas de drogas, quer para o consumo próprio, quer para venda a terceiros, também não são elementos necessários para a integração do referido crime, embora são circunstâncias susceptíveis de relevar sobretudo na fixação da pena concreta, sem prejuízo, naturalmente, da possibilidade da integração do crime de tráfico de menor gravidade previsto no art.º 11.º da mesma Lei.
   
   Da matéria de facto apurada resulta claramente que o recorrente deteve pelo menos metanfetamina em peso líquido de 1,321g para vender aos compradores de droga, tendo em conta a quantidade relevante para o crime de tráfico de menor gravidade previsto no art.º 11.º da Lei n.° 17/2009 (1g para metanfetamina), tal já é suficiente para condenar o mesmo pela prática do crime de tráfico ilícito de drogas previsto no art.° 8.°, n.° 1 da mesma Lei.
   
   Assim, são manifestamente improcedentes os fundamentos do recurso, conducente à rejeição do presente recurso.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
   Nos termos do art.º 410.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, é o recorrente condenado a pagar 4 UC.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4 UC e os honorários de 1000 patacas à sua defensora nomeada.
   
   Aos 30 de Março de 2011



Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.º 9 / 2011 1