打印全文
Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.º 55 / 2010

Recorrente: Secretário para a Economia e Finanças
Recorrido: A






   1. Relatório
   A interpôs perante o Tribunal de Segunda Instância recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu a renovação da fixação de residência.
   Por acórdão proferido no processo n.º 546/2009, o Tribunal de Segunda Instância concedeu provimento ao recurso contencioso e anulou o acto impugnado.
   Deste acórdão vem agora o Secretário para a Economia e Finanças recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. O objectivo legislativo do DL n.º 14/95/M assenta em criação de incentivos específicos à captação de investimentos de reconhecida relevância económica.
   2. À luz deste objectivo legislativo, o investimento, para efeito da fixação da residência, tem que ser estável e contínuo, não podendo ser temporário e em curto prazo.
   3. Este aspecto revela-se concretamente no disposto do art.º 2.º n.º 1 al. d) do DL, em consonância com esta disposição legal, o investimento em propriedade imobiliária deve ter o carácter permanente.
   4. Razão pela qual, o titular do direito à fixação da residência por investimento imobiliário obriga-se a manter a situação jurídica da referida propriedade imobiliária durante a sua residência temporária.
   5. Na realidade, o art.º 7.º n.º 3 do DL n.º 14/95/M expressamente prevê: Em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada ... .
   6. A Administração tem o poder e dever de verificar se o titular do direito à residência por investimento imobiliário mantém a situação jurídica da propriedade imobiliária aquando da apreciação do deferimento do pedido de renovação do título de residência.
   7. Ao abrigo do art.º 8.º n.º 2 do referido DL, a autorização de residência temporária só será renovada quando o titular de autorização de residência por investimento imobiliário provar que se mantenha inalterada a situação jurídica de imóveis titulados aquando da concessão da autorização de residência temporária.
   8. Isto quer dizer, a propriedade imobiliária que o titular do direito à residência possui no momento do pedido de renovação do título de residência tem que ser necessariamente aquela mesma que foi apreciada pela Administração e fundamentou a autorização da residência provisória, não podendo ser quaisquer imóveis, ainda que esteja conforme com o valor mínimo exigido.
   9. De facto, o texto do art.º 8.º n.º 2 do DL é o seguinte: a renovação está sujeita à verificação dos mesmos requisitos de emissão inicial do título de residência, pelo que o pedido de renovação só será autorizado quando o titular do direito à residência por investimento imobiliário, no momento de pedir a renovação, mantiver a titularidade dos mesmos imóveis.
   10. Se o titular do direito à residência não conseguir manter os imóveis que antes possuía, e se “tal não manutenção” não resultar da aplicação do art.º 7.º n.º 3 in fine do DL, ainda que o titular do direito prove a sua titularidade sobre outros imóveis, não se verificarão os requisitos para renovação do título de residência previstos no art.º 8.º n.º 2 do mesmo diploma.
   11. No entanto, considerou o Tribunal a quo que a Administração não devia recusar a concessão da renovação do título de residência, mesmo o interessado ter vendido o imóvel depois de ter sido autorizado o seu pedido de fixação da residência, contanto que o interessado adquirir outro imóvel logo antes de apresentar o pedido de renovação para a “reconstituição da situação anterior”.
   12. A interpretação do art.º 8.º n.º 2 do DL n.º 14/95/M pelo Tribunal a quo vai obviamente contra o requisito de manutenção do imóvel anterior, nem está conforme com o espírito legislativo do DL por não ter considerado o carácter permanente do investimento imobiliário para efeito do mesmo diploma (art.º 2.º n.º 1 al. d)).
   13. Consideramos que a interpretação do Tribunal a quo vai frustrar inteiramente o objectivo legislativo do DL n.º 14/95/M. Com este entendimento, o interessado pode vender o respectivo imóvel logo depois da aquisição do título da residência provisória, e adquirir outro imóvel antes de apresentar o pedido de renovação para preencher o valor mínimo de propriedade imobiliária exigido, enquanto a Administração não pode recusar a renovação do título de residência.
   14. Nos termos expostos, entendemos que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo acerca do recurso contencioso n.º 546/2009 violou o disposto do art.º 8.º n.º 2 do DL n.º 14/95/M, e contradisse o espírito legislativo daquele diploma.”
   
   O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo no sentido de improcedência do recurso jurisdicional por falta de fundamento legal.
   
   O Ministério Público emitiu o parecer em que se mantém o entendimento de que o acto impugnado deve ser anulado.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Factos provados:
   Foram considerados provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
   – Em XX.XX.2003, deduziu A, ora recorrente (do recurso contencioso), pedido de autorização de residência em Macau para si e seu agregado familiar, composto pela sua esposa e filho.
   – Por despacho de XX.X.2004, decidiu-se deferir o peticionado.
   – Em XX.X.2007 subscreveu, o recorrente pedido de renovação da sua atrás mencionada autorização de residência, sendo que no mesmo consta como data de apresentação ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento em Macau a de XX.X.2007.
   – Sobre tal pedido, elaborou-se a informação seguinte:
“Informação XXXX/residência/2003/1R
   Assunto: Revisão do requerimento da residência por investimento
   1. As seguintes pessoas solicitaram a renovação da autorização de residência temporária:
N.º
Nome
Relações
Documentos
N.º
Validade
Validade da autorização da residência provisória
1
A
Requerente
Passaporte chinês
GXXXXXXXX
XX de XX de 2018
XX de X de 2007
2
B
Cônjuge
Passaporte chinês
GXXXXXXXX
XX de X de 2017
XX de X de 2007
3
C
Descendente
Passaporte chinês
GXXXXXXXX
XX de X de 2017
XX de X de 2007
   2. O requerente apresentou o requerimento de residência temporária a este Instituto com base no investimento em imóveis no valor de um milhão de patacas, foi autorizado o respectivo requerimento em 10 de Agosto de 2004, e as informações das respectivas propriedades são as seguintes:
   (1) N.º de descrição predial: XXXXX-III
   [Endereço(1)]
   Valor: MOP$226.600,00
   Data de registo: 30 de Outubro de 2003 (XXX)
   (2) N.º de descrição predial: XXXXX
   [Endereço(2)]
   Valor: HKD$850.000,00, equivalente a MOP$875.500,00, calculado com a taxa de câmbio de que 1 HKD equivalente a MOP$ 1,03.
   Data de registo: 30 de Outubro de 2003(XXX)
   3. Para efeitos de renovação, o requerente apresentou a informação escrita da Conservatória do Registo Predial e outros documentos:
   (1) N.º de descrição predial: XXXXX
   [Endereço(2)]
   Valor: HKD 850.000,00, equivalente a MOP$ 875.500,00, calculado com a taxa de câmbio de que 1 HKD equivalente a MOP$ 1,03.
   Data de registo: 30 de Outubro de 2003(XXX)
   (2) N.º de descrição predial:XXXXX
   [Endereço(3)]
   Valor: MOP$ 330.080,00
   Data de registo: 12 de Julho de 2007(XXX)
   4. Segundo os documentos, foi provado que o requerente assinou a procuração no dia 3 de Dezembro de 2004, pretendendo vender a propriedade mencionada na alínea (1) do ponto 2. (vide documento constante das fls. 72 a 76)
   5. Segundo os documentos, foi provado que um indivíduo assinou a escritura de compra e venda no dia 20 de Março de 2006 e comprou, pelo preço de MOP$ 210.000,00, a propriedade com que o requerente requereu a residência. (vide documento constante das fls. 67)
   6. O requerente apresentou o documento por escrito a este Instituto em 29 de Junho de 2007, indicando: “Devido à ignorância, vendi uma propriedade predial mais pequena das duas propriedades que possuía inicialmente para trocar por outra propriedade.” (vide documento constante das fls. 49)
   7. Segundo os documentos, foi provado que o requerente assinou a escritura de compra e venda em 10 de Julho de 2007 e comprou a propriedade mencionada na alínea (2) de ponto 3 no valor de MOP$300.000,00.( vide documento constante das fls. 40)
   8. Os documentos acima referidos demonstram que, desde o dia 20 de Março de 2006 até ao dia 9 de Julho de 2007, o requerente apenas tem a posse de propriedades acima referidas na alínea (2) do ponto 2 no valor de MOP$875.500,00, ou seja, durante o período acima referido, o requerente carece de investimento legais no valor de MOP$124.500,00.
   9. Além disso, depois das alterações dos fundamentos do requerimento da residência, o requerente não comunicou atempadamente a este Instituto.
   10. Ao abrigo do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M de 27 de Março: “Aplicação de fundos, a título permanente, em propriedade imobiliária ou outros activos corpóreos produtivos, que representem um valor não inferior a um milhão de patacas. ”
   11. Ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M de 27 de Março: “Em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a trinta dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível. ”
   12. Ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M de 27 de Março: “A renovação está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial……. ”
   13. Nestes termos, entre 20 de Março de 2006 e 9 de Julho de 2007, período em que o seu requerimento foi autorizado, a situação jurídica que tinha sido considerada importante foi alterada e essa situação não se enquadra no disposto da lei acima mencionada.
   14. Face aos expostos, como a renovação do requerente desta vez não cumpriu os requisitos da emissão inicial, quer dizer, não mantém o valor de investimento de propriedade no valor de um milhão de patacas em conformidade com a lei, ao abrigo do disposto no art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M de 27 de Março, sugere-se que não autorize o requerimento da renovação da autorização de residência temporária apresentado no dia 23 de Agosto de 2007 pelos seguintes interessados.
N.º
Nome
Relações
1
A
Requerente
2
B
Cônjuge
3
C
Descendente
   15. Submete-se a informação acima referida à consideração superior da V. Exa.”; (cfr. fls. 23 a 25 e 50 a 54).
   – Apreciando-se o pedido de renovação e concordando-se com o teor da atrás transcrita informação, foi aquele, por despacho de X.X.2009 do Exm° Secretário para a Economia e Finanças, indeferido; (sendo este o acto administrativo objecto do recurso contencioso).
   – O recorrente efectuou a venda da fracção identificada na alínea (1), ponto 2, da referida informação por desconhecer que devia manter a situação que apresentou quando apresentou o seu primeiro pedido de autorização de residência por investimento.
   
   
   2.2 Alteração da situação jurídica determinante da autorização de residência
   De acordo com o acto impugnado, o pedido de renovação de autorização de residência do recorrido foi indeferido, com base nos dispostos nos art.ºs 7.º, n.º 3 e 8.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 14/95/M, porque o mesmo interessado tinha o investimento imobiliário menos de um milhão de patacas de 20 de Março de 2006 a 9 de Julho de 2007 por ter vendido uma das fracções de que era proprietário, não satisfazendo assim o requisito previsto no art.º 2.º, n.º 1, al. d) do Decreto-Lei n.º 14/95/M.
   O Tribunal de Segunda Instância anulou o acto por entender que o recorrido tinha reposto a situação aquando da apresentação do pedido de renovação de autorização de residência em 23 de Agosto de 2007, com a compra de um novo imóvel em 10 de Julho do mesmo ano, e reunia assim os requisitos da emissão inicial do título de residência, tal como se estatui no art.º 8.º, n.º 2 do referido Decreto-Lei.
   Para sustentar a manutenção do acto impugnado, o ora recorrente salienta o carácter de permanência do investimento, pressuposto de concessão de autorização de residência em Macau, e avançou com uma interpretação própria sobre o disposto no mencionado n.º 2 do art.º 8.º de que os “mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência” a que está sujeita a renovação de autorização de residência implicam que o interessado deve continuar a ser proprietário do mesmo imóvel, salvo a não manutenção da situação jurídica resultar da aplicação do disposto da última parte do n.º 3 do art.º 7.º do mesmo Decreto-Lei.
   
   De acordo com os art.ºs 1.º, n.º 1, al. b) e 2.º, n.º 1, al. d) do Decreto-Lei n.º 14/95/M (esta última alínea na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 21/96/M), para efeitos de concessão de autorização da fixação de residência em Macau, é considerado investimento relevante a aplicação de fundos, a título permanente, em propriedade imobiliária ou outros activos corpóreos produtivos, que representem um valor não inferior a um milhão de patacas.
   É natural que a renovação da autorização de residência está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência, de acordo com o n.° 2 do art.° 8.° do mesmo Decreto-Lei.
   Em relação à interpretação de que “os mesmos requisitos” previstos nesta norma significam que os imóveis objecto de investimento imobiliário em valor não inferior a um milhão de patacas têm de ser sempre os mesmos durante a autorização inicial e renovada sucessivamente de residência, a resolução do presente caso não depende da posição a tomar sobre esta questão, embora esta é dotada de interesse prático bastante importante.
   
   A questão fundamental consiste, antes, no regime de alteração da situação jurídica que determinou a concessão anterior de autorização de residência.
   Prescreve assim o n.° 3 do art.° 7.° do Decreto-Lei n.º 14/95/M:
   “Em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a trinta dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível.”
   Embora a al. d) do n.° 1 do art.° 2.° do Decreto-Lei n.º 14/95/M exige a permanência de aplicação de fundos em propriedade imobiliária, a alteração da situação jurídica do interessado não determina logo a perda da autorização de residência, pois isso depende de se o interessado constituir em nova situação jurídica atendível pelo IPIM no prazo fixado por este.
   
   No presente caso, o recorrido teve o investimento imobiliário menos de um milhão de pataca durante mais de um ano por ter vendido uma das fracções de que era proprietário, no período de autorização inicial de residência.
   O recorrido comunicou, em 29 de Junho de 2007 e por forma simples, a venda de uma fracção ao IPIM. Entretanto, o recorrido voltou a comprar novamente um imóvel ainda antes de expiar a autorização de residência, sem que o IPIM emitiu qualquer cominação no sentido de repor a situação jurídica inicial ou constituir uma outra atendível pelo Instituto.
   Assim, o acto impugnado não pode deixar de ser anulado por violação do disposto no art.° 7.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.º 14/95/M.
   
   É legítimo questionar a razoabilidade da disposição desta norma por pouca exigência em relação à manutenção da aplicação de fundos em propriedade imobiliária em valor não inferior a um milhão de patacas e a falta de previsão expressa do ónus de comunicar ao IPIM qualquer alteração ou extinção da respectiva situação jurídica.
   Já no novo regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados regulado pelo Regulamento Administrativo n.° 3/2005, através do seu art.° 18.°, n.°s 3 e 4, é exigida a comunicação pelo próprio interessado ao IPIM quanto à extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamenta a concessão da autorização de residência, cuja falta implicará o cancelamento desta.
   Contudo, este novo regime é inaplicável ao presente caso que foi requerido ao abrigo do anterior regime consagrado no Decreto-Lei n.º 14/95/M. Pois, o art.° 22.°, n.° 1, al. 1) do Regulamento Administrativo n.° 3/2005 prescreve expressamente que o disposto no Decreto-Lei n.º 14/95/M continua a aplicar-se às autorizações de residência temporária concedidas ao abrigo deste Decreto-Lei e ao pedido da respectiva renovação.
   Na realidade, o legislador bem podia determinar que o novo regime seja aplicável às renovações de títulos de residência anteriormente emitidos, tal como foi previsto no art.° 2.° do Decreto-Lei n.º 22/97/M, um dos diplomas que introduziram alterações ao primitivo Decreto-Lei n.º 14/95/M.
   Sem constar esta norma transitória do novo Regulamento Administrativo n.° 3/2005, ao tribunal não resta outra alternativa senão continuar a aplicar ao presente caso o antigo Decreto-Lei n.º 14/95/M, por força do art.° 22.°, n.° 1, al. 1) deste Regulamento Administrativo, com a consequente anulação do acto impugnado.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso jurisdicional.
   Sem custas por a entidade recorrente ser legalmente isenta delas.
   
   Aos 6 de Abril de 2011


Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai


O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Victor Manuel Carvalho Coelho


Processo n.º 55 / 2010 13