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Processo n.º 11/2011. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Fundamentação da sentença.
Data da Sessão: 29 de Abril de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
   I - A enumeração dos factos provados e não provados, a indicação dos meios de prova utilizados e a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão devem permitir conhecer as razões essenciais da convicção a que chegou o tribunal, no que se refere à decisão de facto.
   II – A exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão pode satisfazer-se com a revelação da razão de ciência das declarações e dos depoimentos prestados e que determinaram a convicção do tribunal.
   III – A extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo.
IV - Não é exigível que o tribunal faça a apreciação crítica das provas.
   O Relator,
   Viriato Manuel Pinheiro de Lima
   
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 20 de Outubro de 2010, condenou o 2.º arguido A, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 8 (oito) anos e 8 (oito) meses de prisão, como autoria material e na forma consumada de um crime de detenção de estupefacientes para consumo, previsto e punível pelo artigo 23.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão e em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de prisão.
  Em recurso interposto pelo arguido o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 27 de Janeiro de 2011, negou provimento ao recurso.
  Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões:
  (1) O acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente.
  (2) Salvaguardando o devido respeito, o recorrente não se conforma com o acórdão recorrido, pelo que vem interpor o presente recurso.
  (3) Em primeiro lugar, o “juízo dos factos” consta de fls. 18-19 da decisão da primeira instância, cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido. Da análise do respectivo auto de audiência constante dos autos e das declarações feitas pelos 1.º, 3.º e 6.º arguido e pelo recorrente, podemos descobrir que existe contradição nas declarações dos vários arguidos.
  (4) Dada a existência de declarações contraditórias, o juiz leu, em audiência, as declarações antes prestadas pelos vários arguidos, e com fundamento nelas, procedeu à determinação da pena com fundamento nelas.
  (5) Aqui, o juiz optou acreditar nas declarações antes prestadas, e não nas prestadas em audiência, mas ao fazer isso, o tribunal não explicou os motivos. Portanto, entende o recorrente que a fundamentação constante do “juízo dos factos” da decisão da primeira instância é meramente formal, uma vez que ela não explicou substancialmente qual o motivo que o levou a acreditar num determinado facto.
  (6) Violou assim o disposto no n.º 2 do artigo 355.º do CPPM, e verifica-se o “vício procedimental” previsto no artigo 400.º, n.º 3 do CPPM. Portanto, o acórdão deve ser anulado, e devolvido ao Tribunal Judicial de Base para reapreciação.
  (7) Porém, o acórdão recorrido não entendeu desta maneira.
  (8) Portanto, o acórdão recorrido aplicou erradamente o disposto no n.º 2 do artigo 355.º do CPPM, e verifica-se o “vício resultante do mal-entendimento das leis”, devendo assim ser anulado, e devolvido ao Tribunal Judicial de Base para reapreciação.
  (9) Em segundo lugar, se o tribunal não entender assim, o recorrente vem alegar os seguintes fundamentos.
  (10) Não foi encontrada nenhuma droga na posse do recorrente, nem nenhuma droga ou instrumento na casa dele, e, em audiência, todos os arguidos manifestaram que o recorrente não participou na venda.
  (11) Apesar de os arguidos terem manifestado nas suas declarações anteriores que o recorrente participou na venda, a verdade é que existe contradição entre as declarações anteriores e posteriores, o que leva os cidadãos a duvidar da veracidade das mesmas.
  (12) E das provas constantes dos autos também não se pode concluir que o recorrente chegou a participar na venda.
  (13) Segundo a regra da experiência, o tribunal devia absolver o recorrente do “crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”.
  (14) Mesmo que assim não se entendesse, sempre deveria o tribunal absolver o recorrente do “crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” por aplicação do princípio de “in dubio pro reo”.
  (15) Mas o tribunal da 1.ª instância não acolheu este entendimento, pelo que, violou a regra da experiência, bem assim como o princípio de “in dubio pro reo”, que é um princípio fundamental do direito penal, e padece do “vício de erro notório na apreciação de provas” previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 400.º do CPPM, devendo assim ser anulado.
  (16) No entanto, o acórdão recorrido não acolheu este entendimento. Mais, a subsunção dos factos ao direito é matéria de direito. Visto que o acórdão recorrido aplicou erradamente o artigo 400.º, n.º 2, alínea c) do CPPM, onde prevê o vício de “erro notório na apreciação de provas”, as “regras da experiência comum” e o princípio de “in dúbio pro reo”.
  (17) Deste modo, violou, esta parte do acórdão recorrido, as “regras da experiência comum”, o princípio de “in dúbio pro reo” e o artigo 400.º, n.º 2, alínea c) do CPPM, a mesma padece do vício resultante do “mal-entendimento das leis” previsto no artigo 400.º, n.º 1 do CPPM, devendo assim ser anulado.
  (18) Mais, entende o recorrente que, na correcta apreciação e valoração das provas acima referidas, deveria o recorrente ser absolvido do “crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”.
  (19) Finalmente, o recorrente solicita ao tribunal que se pronuncie sobre os referidos vícios, os quais são do conhecimento oficioso, fazendo mais uma vez Justiça!
  Na resposta à motivação do recurso a Ex.ma Procuradora-Adjunta defendeu a rejeição do recurso.
  No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
  
  II – Os factos
  As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
  Factos Provados:
  1. Pelo menos a partir de Março de 2009, os arguidos B e A já começaram a comprar, em conjugação de esforços e distribuição de tarefas, no Interior da China, estupefacientes normalmente conhecidos por “K Chai”, “Ice”, “Five Chai” e “Cocacola”, para depois os vender em Macau, às pessoas que frequentam estabelecimentos recreativos nocturnos.
  2. Ambos os dois utilizavam os seus próprios telemóveis como telefones de contacto, especialmente o telemóvel de n.º XXXXXXXX pertencente ao arguido B.
  3. O arguido B deslocava-se ao Interior da China para adquirir estupefacientes e depois os transportava para Macau, enquanto que o arguido A responsabilizava-se pela guarda, venda e cobrança do preço resultante da venda dos estupefacientes.
  4. Depois, os arguidos C, D e E aderiram ao grupo dos dois, e a partir daí, os cinco arguidos começaram a dedicar-se, em conjugação de esforços e distribuição de tarefas, ao tráfico de estupefacientes em Macau, fornecendo estupefacientes a um número indeterminado de pessoas, entre as quais o arguido F, as testemunhas G e H.
  5. Os arguidos C, D e E encarregavam-se principalmente da guarda de estupefacientes, de contactar compradores, e de vender estupefacientes.
  6. Por cada 500 patacas de venda bem-sucedida, os arguidos C, D e E ganhavam, junto dos arguidos B e A, um lucro de 150 patacas, ou estupefacientes de valor equivalente para consumo próprio.
  7. Durante o período entre 11 e 13 de Junho de 2009, o arguido B, depois de ter adquirido estupefacientes junto de um indivíduo de identidade desconhecida em Zhuhai, entregava-os, ou em conjunto com o arguido A, ou individualmente, à guarda da arguida C ou da arguida D.
  8. Sob a proposta da arguida D, as arguidas C e D normalmente guardavam os estupefacientes, conjunta ou individualmente, numa caixa do carretel da mangueira do fogo localizada entre o 6.º e o 7.º andar do Edifício onde C mora (isto é, o [Endereço (1)]), para depois os levantar ali e entregar aos compradores, conforme as instruções dadas pelos arguidos B e A.
  9. Em 17 de Junho de 2009, pelas 4h30, no [Hotel (1)], agentes da PJ interceptaram os arguidos A, D e C, os quais na altura estavam a caminho para a casa de F [Endereço (2)] para divertirem-se.
  10. Com a cooperação da arguida C, os agentes da PJ apanharam, junto à porta do [Endereço (2)], um saco plástico transparente, onde continha um pacote de cristal amarelo e outro pacote de cristal branco (v. os objectos apreendidos a fls. 16 dos autos).
  11. Após exame clínico, verificou-se que o referido cristal amarelo, com o peso líquido de 0,717gramas, continha elementos de metanfetamina (que estava com o peso de 0,528gramas, ocupando uma percentagem de 73,65%), abrangida pela tabela II-B do DL n.º 5/91/M, e o referido cristal branco, com o peso líquido de 0,243gramas, também continha elementos de metanfetamina (que estava com o peso de 0,187 gramas, na percentagem de 77,16%).
  12. Os referidos estupefacientes foram levantados pela 3.ª arguida C da referida caixa do carretel da mangueira do fogo sob a instrução do 2.º arguido A, para serem levados à casa do 6.º arguido F, para o 2.º arguido os consumir ou distribuir a terceiros. Mas, a caminho para a casa do arguido F, já no táxi, depois de A, C e D se terem apercebido da chegada dos agentes da PJ, a 3.ª arguida C, seguindo a instrução dada pelo 2.º arguido A, deitou os estupefacientes para fora do táxi.
  13. No mesmo dia, com a cooperação da arguida C, na caixa do carretel da mangueira do fogo acima referenciada, os agentes da PJ encontraram uma mala de mão de cor cinzenta, onde continha oito pacotes de pó de cor branca, um pacote de cristal de cor branca, um pacote de plantas, um pacote de pó branco, e uma mala de mão de cor azul (v. os objectos apreendidos a fls. 21 dos autos).
  14. Após exame clínico, verificou-se que os referidos oito pacotes de pó de cor branca, com o peso líquido de 15,821gramas, continham elementos de ketamina (que estava com o peso de 12,271gramas, na percentagem de 77,56%), abrangida pela tabela II-C do DL n.º 5/91/M; que o referido cristal branco, com o peso líquido de 0,239gramas, continha elementos de metanfetamina (que estava com o peso de 0,192 gramas, na percentagem de 80,29%), abrangida pela tabela II-B do DL n.º 5/91/M; que o referido pacote de plantas, com o peso líquido de 1,088 gramas, continha elementos de canabis, abrangida pela tabela I-C do DL n.º 5/91/M; e que o referido pacote de pó branco, com o peso líquido de 2,040 gramas, também continha elementos de ketamina (que estava com o peso de 1,579gramas, na percentagem de 77,38%).
  15. Os referidos estupefacientes foram adquiridos pelo 1.º arguido B em Zhuhai, e entregues à 3.ª arguida C, ou em conjunto com o 2.º arguido A, ou individualmente, para serem guardados no sítio acima referenciado. Os referidos estupefacientes eram destinados principalmente à venda para terceiros.
  16. Pelas 18h00 do mesmo dia, depois de terem interceptado os arguidos E e F, os agentes da PJ dirigiram-se ao domicílio de E (sito na [Endereço (3)] para realizar uma busca, e encontraram, em cima da mesa de computador, uma caixinha de papel de cor de laranja. No seu interior, foram encontrados, um saco plástico, onde continham duas pílulas de cor azul, já esmagadas, um pacote de pó branco, certa quantidade de pó branco embrulhado numa nota de vinte patacas, e três pílulas de cor de laranja embrulhadas com papel de estanho de cor vermelha (v. os objectos apreendidos a fls. 52 dos autos).
  17. Após exame clínico, verificou-se que as referidas duas pílulas de cor azul, com o peso líquido de 0,589gramas, continham elementos de MDMA abrangida pela tabela II-A do DL n.º 5/91/M e elementos de ketamina abrangida pela tabela II-C do DL n.º 5/91/M; que o referido pacote de pó branco, com o peso líquido de 0,628gramas, também continha elementos de ketamina (que estava com o peso de 0,450 gramas, na percentagem de 71,63%); que o referido pó branco embrulhado numa nota de vinte patacas, com o peso líquido de 0,177gramas, continha elementos de ketamina (que estava com o peso de 0,137 gramas, na percentagem de 77,62%); e que as referidas três pílulas de cor de laranja, com o peso líquido de 0,558gramas, continham NIMETAZEPAM, substância essa abrangida pela tabela IV.
  18. Os referidos estupefacientes foram adquiridos pelo arguido E junto do arguido A, com o objectivo de consumo próprio, e de fornecer a terceiros, incluindo a testemunha H.
  19. Depois, os agentes da PJ deslocaram-se ao domicílio do arguido F (sito no [Endereço (2)]) para realizar uma busca, e encontraram numa gaveta da mesa de computador uma caixinha quadrada de cor de café escura, manchada de vestígios de pó branco (v. os objectos apreendidos a fls. 42 do autos).
  20. Após exame clínico, verificou-se que o pó branco manchado na referida caixinha quadrada, com o peso líquido de 0,012gramas, continha elementos de ketamina (que estava com o peso de 0,008gramas, na percentagem de 63,02%).
  21. Os referidos vestígios foram deixados pelo arguido F, ao consumir os estupefacientes adquiridos junto dos arguidos B e A.
  22. Às 00h15 do dia 18 de Junho de 2009, o arguido B entrou em Macau pelo posto fronteiriço das Portas do Cerco. E às 00h30 do mesmo dia, ele foi interceptado por agentes da PJ junto à porta do [Endereço (4)].
  23. Os agentes da PJ encontraram, no bolso direito das calças do arguido B um saco hermeticamente fechado, onde continha 50 pedaços de palhinhas transparentes, com pó branco embrulhado no seu interior, e um envelope de cor vermelha, no interior do qual havia 103 pílulas de cor de laranja embrulhadas com papel de estanho de cor vermelha. Encontraram ainda na carteira do arguido B um saco plástico transparente, onde havia mais dois saquinhos transparentes, um dos quais continha 3 pacotes de pó branco no seu interior, e o outro, com 4 pílulas de cor castanha (v. os objectos apreendidos de n.ºs 6 e 7, a fls. 81 dos autos).
  24. Após exame clínico, verificou-se que o referido pó branco contido nas palhinhas, com o peso líquido de 43,538gramas, continha elementos de ketamina (que estava com o peso de 37,800gramas, na percentagem de 86,82%); que as referidas 103 pílulas de cor de laranja, com o peso líquido de 19,179 gramas, continha elementos de NIMETAZEPAM, abrangida pela tabela IV; que os 3 pacotes de pó branco, com o peso líquido de 1,264 gramas, continham elementos de ketamina (que estava com o peso de 1,031gramas, na percentagem de 81,56%); que as referidas 4 pílulas de cor castanha, com o peso de 1,279 gramas, continham elementos de ketamina; e que um dos saquinhos encontrados no interior do saco plástico transparente também tinha vestígios de ketamina.
  25. Os referidos estupefacientes foram comprados pouco antes pelo arguido E no Interior da China e transportados para Macau, com o objectivo de consumo próprio e de venda para terceiros.
  26. Depois, os agentes da PJ entraram no [Endereço (4)] onde o arguido B mora para realizar uma busca, e encontraram em cima de uma cadeira longa colocada na sala de estar um pacote de pó branco, um pedaço de tubo de vidro, um utensílio de vidro, dois tubos plásticos, duas balanças eléctricas de cor preta, e um telemóvel (v. os objectos apreendidos de n.ºs 8 e 12, a fls. 85 dos autos).
  27. Após exame clínico, verificou-se que o referido pó de cor branca, com o peso líquido de 1,256gramas, continha elementos de ketamina (que estava com o peso de 0,993gramas, na percentagem de 79,08%); e que os dois tubos plásticos estavam manchados de vestígios de ketamina.
  28. Além disso, os agentes da PJ ainda encontraram, em cima da mesa- de-cabeceira do quarto de dormir do arguido B, um pacote de pó branco, um saco plástico transparente, um utensílio de vidro enchido de líquido e com uma palhinha inserida, oito pedaços de tubos de vidro, mais três utensílios de vidro, vários sacos plásticos transparentes de tamanhos diferentes, duas balanças electrónicas de cor prateada, bem como um papel onde registava os negócios efectuados (v. os objectos apreendidos de n.ºs 9 e 13, a fls. 85 dos autos).
  29. Após exame clínico, verificou-se que o referido pó de cor branca, com o peso líquido de 11,943gramas, continha elementos de ketamina (que estava com o peso de 8,931gramas, na percentagem de 74,78%); que o referido saco plástico estava manchado de vestígios de metanfetamina, que o referido líquido que estava dentro do utensílio de vidro tinha o peso líquido de 26ml, e que continha elementos de metanfetamina, anfetamina, e N,N-Dimetanfetamina, todas abrangidas pela tabela II-B do DL n.º 5/91/M; que a palhinha estava manchada de vestígios de metanfetamina, anfetamina, e de N,N-Dimetanfetamina; enquanto que os oito tubos de vidro estavam manchados de vestígios de metanfetamina e de anfetamina.
  30. Mais, os agentes da PJ ainda encontraram na cama do arguido B um saco plástico de cor azul, no interior do qual havia vários sacos plásticos de tamanhos diferentes; uma caixa de papel de cor preta, onde continha vários utensílios de vidro; uma caixa para sapatos de cor amarela, com cinco pacotes de pó branco no seu interior; dois sacos plásticos transparentes, cada um dos quais continha quatro pacotes de cristal amarelo; três pacotes de plantas; três pacotes de cristal branco; dez pílulas de cor de laranja embrulhadas em papéis de estanho de cor vermelha; e dois pedaços de tubo de vidro (v. os objectos apreendidos de n.ºs 10 e 14, a fls. 86 dos autos).
  31. Após exame clínico, verificou-se que os referidos cinco pacotes de pó branco, com o peso líquido de 100,446gramas, continham elementos de ketamina (que estava com o peso de 85,259gramas, na percentagem de 84,88%); que os referidos oito pacotes de cristal de cor amarela, com o peso líquido de 1,388gramas, continham elementos de cocaína (que estava com o peso de 0,507gramas, na percentagem de 36,55%), abrangida pela tabela I-B do DL n.º 5/91/M; que as referidas plantas estavam com o peso líquido de 2,066gramas, e que continham elemento de canabis, abrangida pela tabela I-C do DL n.º 5/91/M; que os referidos três pacotes de cristal de cor branca, com o peso líquido de 1,435gramas, continham elementos de metanfetamina e anfetamina, abrangidas pela tabela II-B do DL n.º 5/91/M (verificou-se, após análise quantitativa, que a metanfetamina estava com o peso de 1,023gramas, na percentagem de 71,32%); que as referidas dez pílulas de cor de laranja estavam com o peso líquido de 1,862gramas, contendo elementos de NIMETAZEPAM, abrangida pela tabela IV; e que os referidos dois tubos de vidro estavam manchados de vestígios de metanfetamina, substância essa abrangida pela tabela II-B do sempre citado DL n.º 5/91/M.
  32. Os referidos estupefacientes encontrados no domicílio do arguido B foram adquiridos por ele em Zhuhai, junto de um indivíduo de identidade desconhecida, a seguintes preços: “K Chai”, MOP60/g; ICE (metanfetamina), MOP600/g; e, CANABIS, MOP200/g. Uma pequena parte dos estupefacientes eram destinados ao consumo próprio, e o resto eram para vender a terceiros, a seguintes preços: “K Chai”, MOP200/g; ICE (metanfetamina), MOP1000/g; e, CANABIS, MOP300/g.
  33. As balanças electrónicas e os sacos plásticos transparentes eram utilizados como instrumento de divisão de estupefacientes.
  34. Os referidos utensílios de vidro, palhinhas, e tubos de vidro eram instrumentos utilizados pelo arguido B para consumir drogas.
  35. Além disso, os agentes da PJ ainda encontraram no bolso esquerdo das calças do arguido B cinco telemóveis com cartões SIM (entre os quais, um com o número XXXXXXXX), um molho com seis chaves, e na carteira dele 400 RMB (v. o objecto apreendido n.º 11, a fls. 81 dos autos).
  36. Os referidos telemóveis e cartões SIM (entre os quais o de número XXXXXXXX) são instrumentos de comunicação utilizados pelo arguido B, e o referido dinheiro é o lucro resultante de venda.
  37. Os arguidos B, A, C, D, E e F bem sabiam da natureza e das características dos referidos estupefacientes.
  38. Os arguidos B, A, C, D e E adquiriram, obtiveram, detiveram e transportaram os estupefacientes em conjugação de esforços e divisão de tarefas, com o objectivo principal de os vender ou proporcionar a terceiros, e de fornecer uma parte aos 1.º, 2.º e 5.º arguidos para consumo próprio.
  39. O arguido B bem sabia que não podia possuir nem utilizar os referidos instrumentos tais como utensílios de vidro, palhinhas e tubos de vidro, com a intenção de os utilizar como utensilagem de consumo.
  40. O arguido F bem sabia que não podia obter nem possuir os referidos estupefacientes para consumo próprio.
  41. Os arguidos B, A, C, D, E e F agiram de forma livre, voluntária, consciente e dolosa.
  42. Os arguidos B, A, C, D, E e F bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
  43. As arguidas C e D, depois de detidas, deram auxílios e prestaram informações importantes à Polícia, de modo que os agentes policiais conseguiram identificar e prender os outros arguidos com sucesso, especialmente o arguido B.
  *
  Mais se provou:
  De acordo com o certificado de registo criminal, o 1.º arguido e a 4.ª arguida são delinquentes primários.
  O 2.º arguido tem antecedente criminal: foi condenado, no âmbito do processo sumário n.º CR1-09-0028-PSM, em 6 de Fevereiro de 2009, por ter cometido um crime de detenção de estupefacientes para consumo próprio, na pena de multa de 3.000 patacas, e a pena já foi executada.
  A 3.ª arguida tem o seguinte antecedente criminal: foi acusada, no âmbito do processo n.º CR1-09-0651-PCS, de ter cometido um crime de ofensa simples à integridade física.
  O 5.º arguido tem o seguinte antecedente criminal: foi condenado, no âmbito do processo n.º CR4-10-0225-PCT, em 9 de Junho de 2010, por ter cometido duas contravenções, na pena de três meses de prisão, suspensa na execução por período de um ano, e a pena ainda não se extinguiu.
  O 6.º arguido tem o seguinte antecedente criminal: foi condenado, no âmbito do processo comum criminal n.º CR2-07-0255-PCC, em 17 de Julho de 2009, pela prática dum crime de detenção de estupefacientes para consumo próprio, na pena de dois meses de prisão, pela prática dum crime de tráfico de quantidades diminutas, na pena de prisão de um ano e três meses e de multa de 5.000 patacas (conversível em 30 dias de prisão), e pela prática de um crime de violação, na pena de cinco anos de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado numa pena única de prisão efectiva de cinco anos, e de multa de 5.000 patacas (conversível em 30 dias de prisão). Actualmente o processo está na fase de recurso.
  *
  O 1.º arguido declarou que trabalhava como “croupier” num casino antes de ficar desempregado meio ano atrás, e tem a sua mãe e duas irmãs mais jovens a seu cargo. Possui como habilitações académicas o 2.º ano do ensino secundário geral.
  O 2.º arguido declarou que era “bate-fichas” antes de ser preso, auferindo um rendimento mensal de 30.000 patacas. Tem a sua mãe e duas irmãs mais jovens a seu cargo. Possui como habilitações académicas o ensino secundário complementar.
  A 3.ª arguida declarou que era desempregada antes de ser presa, não tendo ninguém a seu cargo. Possui como habilitações académicas o 2.º ano do ensino secundário complementar.
  A 4.ª arguida declarou que era desempregada antes de ser presa, não tendo ninguém a seu cargo. Possui como habilitações académicas o 3.º ano do ensino secundário geral.
  O 5.º arguido declarou que era desempregado, não tendo ninguém a seu cargo. Possui como habilitações académicas o 3.º ano do ensino secundário geral.
  O 6.º arguido declarou que trabalhava como “relações-públicas”, com o rendimento mensal entre 25.000 e 28.000 patacas, tendo os seus pais a seu cargo. Possui como habilitações académicas o 3.º ano do ensino secundário geral.
  *
  Factos não provados:
  Os restantes factos constantes da acusação e que estão em desconformidade com os factos provados, nomeadamente os seguintes:
  Os referidos estupefacientes que os arguidos estavam a transportar para a casa do 6.º arguido foram tirados da referida caixa do carretel da mangueira do fogo pelas 4.ª e 3.ª arguidas em conjunto.
  Os referidos estupefacientes que os arguidos estavam a transportar para a casa do 6.º arguido eram para o consumo das 3.ª e 4.ª arguidas.
  Os referidos estupefacientes escondidos naquela caixa do carretel da mangueira do fogo eram entregues à 4.ª arguida, sendo depois colocados e guardados por esta na referida caixa do carretel da mangueira do fogo.
  *
  Juízo dos factos:
  A convicção do tribunal for conformada com base na análise sintética das declarações prestadas pelos diversos arguidos e testemunhas (excepto a da 4.ª arguida) em audiência, bem assim como as provas documentais, os objectos apreendidos, e as outras provadas revistas em audiência, nomeadamente os seguintes:
  O 1.º arguido prestou declaração em audiência, confessando, de forma livre e sem qualquer coacção, que tinha consumido e proporcionado drogas a terceiro, que detinha utensilagem para consumo, negando, porém, ter comprado e vendido drogas em conjunto com o 2.º arguido.
  O 2.º arguido prestou declaração em audiência, negando totalmente os factos acusados.
  A 3.ª arguida prestou declaração em audiência, confessando a prática dos respectivos factos.
  A 4.ª arguida manteve-se silencioso durante a audiência.
  O 5.º arguido prestou declaração em audiência, confessando ter consumido drogas mas negando tê-las vendido.
  O 6.º arguido prestou declaração em audiência, confessando ter consumido drogas.
  Em audiência, o tribunal colectivo leu as declarações prestadas pelos 1.º, 2.º, 3.ª e 6.º arguidos no Juízo de Instrução Criminal, na parte em que estavam em desconformidade com as prestadas durante a realização da audiência.
  Os agentes da PJ prestaram declarações em audiência, relatando de forma explícita e objectiva todo o processo de como interceptaram os arguidos, e como encontraram os respectivos estupefacientes, utensilagem e instrumentos de consumo.
  O relatório de exame constante dos autos comprovou a natureza e as respectivas percentagens das drogas.
  Também foram ouvidas outras testemunhas.
  
  III - O Direito
  1. As questões a resolver
  São duas as questões a apreciar.
  A primeira é a da suscitada nulidade da sentença, por falta de fundamentação das razões da prova de factos.
  A segunda é a de saber se houve erro notório na apreciação da prova ou violação do princípio in dubio pro reo.
  
  2. Nulidade da sentença. Falta de fundamentação.
  Segundo o recorrente o Tribunal de 1.ª instância deveria ter esclarecido a razão substancial para ter acreditado nas declarações prestadas no inquérito (lidas em audiência) e não nas prestadas em audiência, pelo que houve violação do disposto no n.º 2 do artigo 355.º do Código de Processo Penal.
  Mas nada na lei obriga a tal explicitação. A norma legal em causa apenas impõe a “indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
  Sobre esta questão, escrevemos o seguinte no Acórdão de 9 de Julho de 2003, no Processo n.º 11/2003, jurisprudência que é de manter:
  “Para o recorrente, da sentença da primeira instância não consta a apreciação crítica das provas, nem o raciocínio lógico indicando os meios de prova que se encontram na base da sua convicção acerca da prova dos factos, pelo que foi violado o disposto no n.º 2 do art. 355.º do Código de Processo Penal.
  Ora, este Tribunal de Última Instância já se pronunciou várias vezes sobre esta questão e sempre no mesmo sentido. Assim, no acórdão de 18 de Julho de 2001, no Processo n.º 9/2001, considerou que, de acordo com o disposto no n.º 2, do art. 355.º, do Código de Processo Penal, na fundamentação da sentença, deve constar, além da enumeração dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova utilizados, uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão. Ponderou-se ainda que a enumeração dos factos provados e não provados, a indicação dos meios de prova utilizados e a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão devem permitir conhecer as razões essenciais da convicção a que chegou o tribunal, no que se refere à decisão de facto.
  Acrescentou-se, por outro lado, no mesmo acórdão, que a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão pode satisfazer-se com a revelação da razão de ciência das declarações e dos depoimentos prestados e que determinaram a convicção do tribunal. E que se, em determinado caso, for possível conhecer as razões essenciais da convicção a que chegou o tribunal, pela enumeração dos factos provados e não provados e pela indicação dos meios de prova utilizados, torna-se desnecessária a indicação de outros elementos, designadamente a razão de ciência.
  Tendo-se entendido, nesse acórdão, que a extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo, concluiu-se que não é exigível que o tribunal faça a apreciação crítica das provas.
  A mesma doutrina foi reafirmada nos acórdãos de 9 de Outubro de 2002 e 5 de Março de 2003, respectivamente, nos Processos n. os 10/2002 e 23/2002”.
  Pois bem, na sentença proferida nos autos, fez-se constar quais os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal e é possível conhecer as razões essenciais da convicção a que chegou o tribunal, pela enumeração dos factos provados e não provados e pela indicação dos meios de prova utilizados - apenas os arguidos e os agentes policiais envolvidos na investigação do crime – pelo que se torna desnecessária a indicação de outros elementos, designadamente a razão de ciência.
  Em suma, a fundamentação da sentença satisfaz os requisitos legais, pelo que improcede a questão suscitada.
  
  3. Erro notório na apreciação da prova. Princípio in dubio pro reo.
  Considera o recorrente ter havido erro notório na apreciação da prova ou violação do princípio in dubio pro reo, já que nenhuma droga foi encontrada em sua casa, nem nenhum instrumento destinado à venda de estupefacientes, sendo que em audiência os restantes arguidos declararam que ele não participou na venda. Embora anteriormente tenham dito o contrário.
  Não se verifica o vício indicado ou violação do princípio mencionado.
  Não se vislumbra nenhum erro na apreciação da prova, nem muito menos esse hipotético erro seria notório.
  O que se passou é que o Tribunal Colectivo valorou livremente a prova, dando relevância a uma declarações e não a outras. Mas é isso que sucede frequentemente, formando o Tribunal a sua convicção pelo contacto directo com os meios de prova. É para isso que servem os juízes e os tribunais, para decidir onde está verdade, perante meios de prova, por vezes, contraditórios.
  O princípio in dubio pro reo só é violado se resultar da decisão que a dúvida sobre a prova de factos foi resolvida contra o arguido, isto é, considerando esse facto como provado.
  Ora, da sentença não resulta que o Tribunal tenha tido qualquer dúvida sobre a prova de determinado facto, pelo que não se verifica violação de tal princípio.
  O recurso é, pois, manifestamente improcedente.
  
  IV – Decisão
  Face ao expendido, rejeitam o recurso, por manifesta improcedência.
  Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC, condenando-o, ainda pagar MOP$2000,00 (duas mil patacas), nos termos do artigo 410.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
  Fixam os honorários do defensor do arguido em mil patacas.

Macau, 29 de Abril de 2011.

   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin



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