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Processo nº 455/2010
(Autos de pedido de escusa)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:




Relatório

1. A Exmª Juíz do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base veio formular pedido de escusa de intervir nos autos de Processo Comum Colectivo aí registados sob o nº CR1-09-0008-PCC; (cfr. fls. 22 e 32).

Alegou, em síntese, que conhece o arguido do supra referido processo, acusado da prática de 1 crime de “ofensas graves à integridade física”, com quem, às vezes, tem contacto, e que, num jantar, com outras pessoas presentes, ocorrido antes de saber da sua intervenção no dito processo, e em que o arguido também estava presente, o mesmo chegou a referir a sua versão dos factos, considerando assim existir “motivo sério adequado a gerar a desconfiança sobre a sua imparcialidade”

Em sede de vista, emitiu o Exmº Procurador-Adjunto douto Parecer, pronunciando-se no sentido de se conceder a solicitada escusa; (cfr. fls. 12-v).

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Colhidos os vistos legais dos Mmºs Juízes-Adjuntos, vieram os autos à conferência.

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Sendo este T.S.I. o competente, (art. 34° do C.P.P.M.), e nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Sob a epígrafe “Recusas e escusas” preceitua o artº 32º do C.P.P.M. que:
“1. A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
2. A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pela parte civil.
3. O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições referidas no n.º 1.
4. Os actos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a decisão do processo.”

Atento o assim estatuído, desde logo se vê que não basta um (ainda que grande) “desconforto” ou “inconveniência” para se afastar um Magistrado de determinado processo que em conformidade com as normas legais aplicáveis lhe foi distribuído.

De facto, o princípio do Juiz natural pressupõe, em prol do respeito pelos direitos dos arguidos, que na causa intervirá o Juiz que o deve ser segundo as regras de competência legalmente estebelecidadas para o efeito, implicando que o mesmo só deva ser afastado quando outros princípios ou regras, porventura, de maior ou igual dignidade, o ponham em causa, como sucede, v.g., quando não ofereça garantias de imparcialidade e isenção no exercício da sua função.

Assim postas as coisas, vejamos se o circunstancialismo invocado justifica a peticionada escusa.

A imparcialidade, como exigência específica de toda e qualquer decisão judicial, define-se, por via de regra, com a ausência de qualquer prejuízo ou preconceito em relação à matéria a decidir ou às pessoas que possam vir a ser afectadas pela decisão.

Tem-se entendido que os actos geradores de desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz hão-de ser de tal modo suspeitos que a generalidade da opinião pública sinta que o Juiz em causa, está tomado de preconceito relativamente à decisão, ou que, de algum modo, antecipou o seu sentido.

Porém, a verdade é que a imparcialidade do Juiz (e do Tribunal), não se apresenta sob uma noção unitária, reflectindo antes dois modos, diversos mas complementares, de consideração e compreensão da imparcialidade: a imparcialidade subjectiva e a imparcialidade objectiva.

A perspectiva subjectiva, tem a ver com a posição pessoal pelo Juiz assumida, e presume-se até prova em contrário.

Por sua vez, na abordagem objectiva, em que são relevantes as aparências, intervem, por regra, considerações de carácter orgânico e funcional, mas também todas as posições com relevância externa, que de um ponto de vista dos destinatários da decisão possam fazer suscitar dúvidas, provocando o receio quanto ao risco da existência de algum elemento ou preconceito que possa ser considerado em seu desfavor.

Apresenta-se assim a imparcialidade objectiva como um conceito construído sobre as “aparências”, e para não se cair numa “tirania das aparências”, impõe-se que os fundamentos ou motivos invocados sejam, em cada caso, apreciados nas suas próprias circunstâncias, ponderando-se sempre que “não basta ser, há que parecer”.

Como afirma o Prof. Figueiredo Dias (também citado no douto Parecer) : “o fim do processo de suspeição consiste em determinar, não se o juiz se encontra realmente impedido de se comportar com imparcialidade, mas se existe perigo de a sua intervenção ser encarada com desconfiança e suspeição pela comunidade”; (in, “Dtº Proc. Penal”, Vol. I, pág. 319).

Assim, em face do que até aqui se expôs, julga-se que o circunstancialismo invocado pela Exmº Juíza requerente justifica a pretendida escusa.

Com efeito, para além de se nos mostrar verificada a vertente subjectiva com base no próprio pedido em apreciação, cremos que a “relação” que existe entre a Exmª Juiz requerente e o arguido dos autos atrás identificados, constitui motivo bastante para que, em conformidade com a perspectiva objectiva, e não apenas pelo lado dos destinatários da decisão, mas também do público em geral, possa ser entendida como susceptível de afectar, na aparência, a garantia da boa justiça.

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Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, concede-se a peticionada escusa.

Sem tributação.

Notifique.

Após trânsito, remeta certidão ao processo CR1-09-0008-PCC.

Macau, aos 10 de Junho de 2010

José Maria Dias Azedo (Relator)
Chan Kuong Seng
João A. G. Gil de Oliveira
Proc. 455/2010 Pág. 6

Proc. 455/2010 Pág. 1