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Processo n.º 15/2011. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrentes: C, D e [Companhia de Seguros (1ª)].
Recorridos: C, D, [Companhia de Seguros (1ª)] e B.
Assunto: Responsabilidade por acidente. Redução brusca da velocidade e paragem do veículo. Condução sem manter em relação ao veículo que o precede a distância necessária para evitar qualquer acidente, em caso de diminuição de velocidade ou paragem do veículo. Não regulação da velocidade de modo a fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente. Perda do direito à vida. Danos não patrimoniais próprios da vítima mortal e danos não patrimoniais dos pais da vítima.
Data do Acórdão: 25 de Maio de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.
SUMÁRIO:
  I – É de fixar em 50% a responsabilidade de cada um dos condutores pela morte de vítima que era transportada num motociclo, precedendo um veículo ligeiro que seguia na mesma via e sentido de trânsito, cuja condutora reduziu bruscamente a velocidade e parou o veículo, sem que se provasse que a manobra foi motivada por perigo iminente e sem assinalar a mesma, levando a que o condutor do motociclo embatesse no seu veículo, condutor esse do motociclo que não manteve em relação ao veículo que o precedia a distância necessária para evitar qualquer acidente em caso de diminuição de velocidade ou paragem do veículo e que não regulou a velocidade de modo a que pudesse fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
  II - Com a morte, a vítima de lesão não adquire direito aos vencimentos que viria presumivelmente a auferir na sua vida activa, a título de lucros cessantes, pois a morte faz extinguir a personalidade jurídica.
  III – Em caso de morte, o responsável pela lesão é obrigado a indemnizar aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, nos termos do n.º 3 do artigo 488.º do Código Civil.
  IV – É de fixar o valor da perda do direito à vida em MOP$1.000.000,00 de uma jovem de 22 anos, que estava bem de saúde e não tinha qualquer doença; era uma pessoa activa, optimista, dinâmica e estudiosa.
  V - É de fixar o montante de MOP$150.000,00 a título de danos não patrimoniais, pelas dores sofridas pela vítima com o acidente e antes de falecer, quando desde o acidente de viação até a morte da vítima decorreram 16 dias e 1 hora, tendo a vítima entrado em coma logo após o acidente, tendo sido sujeita a cirurgia craniana no período de internamento hospitalar.
  VI - É de fixar o montante de MOP$300.000,00 a título de danos não patrimoniais, pelos danos psicológicos sofridos, para cada um dos progenitores de jovem de 22 anos de idade, solteira, saudável, falecida em acidente de viação.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
  I – Relatório
  No processo penal em que foram arguidos e condenados A e B, pela prática de um crime de homicídio por negligência, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 14 de Abril de 2010, condenou a [Companhia de Seguros (1)] – actualmente designada [Companhia de Seguros (1A)] (seguradora da arguida B) no pagamento da indemnização de MOP$564.035,96, acrescido de juros legais desde o trânsito em julgado da decisão, aos demandantes civis C e D, pais da vítima mortal E.
  Este montante representa 20% do total indemnizatório (MOP$2.820.179,80), por ter sido considerado que a arguida B tinha tido 20% na responsabilidade do acidente e o arguido A 80%.
  O montante total da indemnização (MOP$2.820.179,80), integrava as seguintes parcelas:
  - Indemnização pela perda do direito à vida da vítima E: MOP$1.500.000,00;
  - Indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima E no período que antecedeu a sua morte: MOP$250.000,00;
  - Indemnização pelos danos não patrimoniais da perda da filha E, atribuídos à mãe da vítima: MOP$500.000,00;
  - Indemnização pelos danos não patrimoniais da perda da filha E, atribuídos ao pai da vítima: MOP$500.000,00;
  - Indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelos dois demandantes: MOP$70.179,80.
  Não foi deduzido qualquer pedido de indemnização contra o arguido A, irmão da vítima, nem o Tribunal, oficiosamente, o condenou a pagar qualquer indemnização.
  
  Em recursos interpostos pelos demandantes civis e pela demandada seguradora o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 3 de Março de 2011, julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos demandantes civis e improcedente o recurso interposto pela demandada seguradora, manteve o total da indemnização a pagar (MOP$2.820.179,80), bem como os montantes parciais atrás mencionados (MOP$1.500.000,00 + MOP$250.000,00 + MOP$500.000,00 + MOP$500.000,00 + MOP$70.179,80), condenando a [Companhia de Seguros (1)] no pagamento aos demandados civis da quantia de MOP$1.833.116,87, por ter entendido que a proporção da responsabilidade dos arguidos no acidente foi de 35% para o arguido A e 65% para a arguida B.
  Ainda inconformados, recorrem as mesmas partes civis para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando os demandantes civis C e D a sua motivação com as seguintes conclusões úteis:
  - Pelos factos acima expostos, verifica-se que embora a vítima não tenha o rendimento fixo no momento do seu óbito, são previsíveis os seus ganhos futuros.
  - Analisando o acórdão da 2.ª instância, verificamos que o Tribunal de Segunda Instância concordou com a concessão de indemnização, só que não deu razão ao pedido de indemnização pelos lucros cessantes porque não havia factos que provassem que a ofendida realmente auferia rendimentos ou que auxiliava a economia da família.
  - Todavia, entendem os recorrentes que o acórdão recorrido violou a regra da experiência e não reparou que o legislador admite a indemnização pelos prejuízos futuros previsíveis.
  - Em conformidade com os últimos dados estatísticos, a mediana do rendimento mensal dos graduados nos cargos profissionais é de MOP 19.552,00 e o limite máximo da idade dos empregados é de 65 anos.
  - Mais, é de salientar que a mãe da vítima (ora recorrente) não tem rendimento; o pai dela (ora recorrente) também não tem rendimento a partir da sua aposentação em 3 de Janeiro de 2005; e o irmão dela ainda está a estudar.
  - Daí, verifica-se que os recorrentes podiam exigir alimentos à vítima, todavia, com o óbito da vítima, os recorrentes perderam o direito de lhe exigir alimentos.
  - Independentemente das razões do respectivo pedido de indemnização, os recorrentes vêm requerer aos Venerandos Juízes que julguem procedente o pedido de indemnização e fixem o montante da indemnização por lucros cessantes da vítima, ou por lucros cessantes dos recorrentes por serem herdeiros da vítima, ou por lucros cessantes dos recorrentes por serem os quais que podiam exigir alimentos à vítima (indemnização perante o terceiro), ou fixem um valor de indemnização adequado nos termos do princípio da equidade, a fim de garantir a reparação do dano causado ao titular do direito.
  - Tendo em conta que a vítima, antes do seu óbito, era jovem, saudável, com grande capacidade de produção e com longo período de produção, bem como não tinha culpa nenhuma no acidente, enquanto a arguida B, como co-lesante, tinha culpa grave por ter ignorado a segurança de vida de outras pessoas na condução e retirado da vítima a maior parte do direito à vida, pelo que os recorrentes vêm solicitar aos Venerandos Juizes que alterem o valor da indemnização fixado pelo acórdão a quo para o montante de MOP$ 2.500.000,00.
  - Os recorrentes consideram que o montante no valor de MOP 500.000,00 da indemnização pelos danos não patrimoniais fixado pelo Tribunal a quo, a atribuir à recorrente D, não consegue, tanto quanto possível, reparar ou neutralizar a dor sofrida pela mesma.
  - Deste modo, os recorrentes vêm requerer aos Venerandos Juizes que alterem o montante da indemnização pelo dano moral causado à recorrente D para MOP 600.000,00 ou fixem um valor proporcional nos termos do princípio da equidade.
  
  A [Companhia de Seguros (1A)] formula as seguintes conclusões úteis:
  - Quanto à atribuição de culpa na produção do acidente à arguida B, entendeu o Venerando Tribunal de Segunda Instância que resultou da factualidade apurada que a arguida reduziu de repente a velocidade e parou o automóvel, provado não estando que foi tal conduta motivada por perigo iminente, não logrando também o Tribunal fundamentar e explicar, tendo em conta as regras da experiência comum e a actuação do bonus pater familias, qual o motivo que levou a arguida a abrandar e a parar o veículo.
  - Ao surgir um obstáculo ou uma situação imprevista na via em que a arguida B circulava, o motociclo do primeiro arguido, que seguia atrás não conseguiu controlar a velocidade a que seguia e embateu no veículo que o precedia.
  – O único nexo de causalidade é que a parte traseira direita do veiculo da 2a. arguida foi ligeiramente danificado pelo embate do motociclo conduzido pelo 1.º arguido. Para isso, a morte da vítima decorrente do referido acidente de viação é da culpa exclusiva do 1.º arguido.
  - De facto, existe efectivamente dúvida sobre tal facto não provado, pelo que, deve-se observar o princípio de in dubio pro reo e por isso ser em consequência a Segunda arguida absolvida do crime que é acusada e a ora Recorrente absolvida do pedido cível, na parte que lhe toca.
  - Face aos factos e fundamentos acima invocados o tribunal a quo, e por consequência o Tribunal de Segunda Instância por acompanhar este argumento, incorreu no erro na apreciação da prova, e em maior erro incorreu o Tribunal de Segunda Instância por considerar em agravar o grau de culpa da 2a arguida para 65 e em desagravar a culpa do 1.º arguido para 35%.
  - Pelo que, nos termos do artigo 400.° n.º 2 alinea c) do Código de Processo Penal, a recorrente vem recorrer do acórdão do Tribunal de Segunda Instância na parte em que arbitrou à 1a. Arguida uma percentagem de culpa de 65% e dado que a responsabilidade civil foi transferida para a recorrente, a recorrente tem direito a recorrer desta parte da decisão.
  - Contudo, caso o Venerando Tribunal de Última Instância venha a considerar que alguma culpa possa ser atribuída à arguida, que seja no montante já fixado pelo Tribunal Judicial de Base, visto se afigurar como mais consentânea com a realidade tendo, aliás, sido neste sentido a declaração de voto do Exmo. Senhor Juiz Relator no Douto Acórdão recorrido.
  - O quantum indemnizatório arbitrado pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância em MOP$1,500,000.00., a título de perda do direito à vida não foi fixado segundo critérios de equidade revelando-se excessivo e exagerado, ficando muito acima do normalmente atribuído pelos Tribunais de Macau.
  - Entendendo-se por isso que uma indemnização num valor entre as MOP$ 800,000.00 e MOP$ 900,000.00, será adequado a título de perda do direito à vida.
  - Acresce que o valor atribuído pelo Tribunal de Segunda Instância a título de indemnização pelos danos patrimoniais1 sofridos pela vítima no período que antecedeu a sua morte se mostra também excessivo, não concordando a Recorrente com o mesmo.
  - Acrescentando o facto que ficou provado em julgamento de que após o embate a infeliz vítima entrou imediatamente em coma, e que a sua situação se deteriorou rapidamente e de acordo com estudos médicos ''No coma profundo o paciente não sente nada" (ln Wikipédia).
  - No entanto, tendo em conta, in casu, que a infeliz vítima esteve ainda 17 dias hospitalizada antes de falecer, parece-nos adequada uma indemnização de valor entre MOP$ 100,000.00 e não superior a MOP$ 150,000.00.
  - Acresce que o valor arbitrado pelo Tribunal de Segunda Instância, a título de pretium doloris dos pais da infeliz vitima, no valor de MOP$ 500,000.00 para cada um, mostra-se também totalmente excessivo e exagerado, ficando muito acima do normalmente atribuído pelos Tribunais de Macau, não tendo aquele Tribunal lançado mão de critérios de equidade para efeitos do cálculo do respectivo quantum indemnizatório, considerando a Recorrente como adequada a quantia de MOP$ 200,000.00 para cada um dos pais da infeliz vítima.
  – Conclui-se pois que a Douta Decisão Recorrida infringiu mais uma vez os artigos 3.º, 489.º, 487.º e 560.º, n.º 6 do Código Civil.
  
  II – Os factos
  As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
  Estão provados os factos seguintes:
  Em 1 de Dezembro de 2005, pelas 18h15, o arguido A estava a conduzir o motociclo de matrícula ME-XX-XX ao longo da Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, na direcção do Arco do Oriente ao Casino Jai Alai, transportando a vítima E.
  Ao mesmo tempo, a arguida B estava a conduzir o automóvel ligeiro de matrícula MI-XX-XX ao longo da Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, na mesma direcção com o arguido A e à frente deste.
  Perto do poste de iluminação n.º XXXXXX, quando a arguida B pretendeu mudar da via de trânsito direita para a via de trânsito esquerda, por causas não provadas, a arguida reduziu de repente a velocidade e parou o automóvel sem anunciar a sua intenção ao arguido A atrás dela, e o arguido A perdeu controlo da velocidade do motociclo e não podia travá-lo, causando o motociclo a embater na traseira do automóvel ligeiro de matrícula MI-XX-XX. O motociclo de matrícula ME-XX-XX encontrou-se fora do controle e caiu no chão, deixando a vítima E cair no chão e ficar ferida.
  O embate acima referido resultou directamente nas lesões crâneo-encefálicas de E e no coma desta. E foi transportada para o Centro Hospitalar Conde de S. Januário para a salvação e foi verificado seu óbito às 19h13 de 17 do mesmo mês; o relatório das lesões, o certificado de óbito e o relatório da autópsia de E são constantes das fls. 27, 37, 38, 49 a 51 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
  No dia do acidente, o tempo era bom e a iluminação da rua era suficiente, também eram normais o estado da via e a densidade do trânsito.
  O supracitado acidente de viação foi causado porque o arguido A não observou atentamente o estado da via, não controlou adequadamente a velocidade e não manteve entre o seu veículo e o que o precedeu uma distância necessária, pelo que em caso de diminuição da velocidade e paragem do supracitado veículo, o arguido A não podia parar o motociclo a tempo, causando o embate dos veículos, o ferimento grave da vítima e a morte desta.
  Também, este acidente de viação foi causado porque a arguida B, sem verificar que não haver perigos ou não impedir outros utentes da via, não anunciou a sua intenção de deslocação lateral do veículo ou mudança de via de trânsito ao arguido A atrás dela, por meio do correspondente sinal, mas reduziu de repente a velocidade e parou o veículo, causando o embate e em consequência, o ferimento grave da vítima e a morte desta.
  Os arguidos A e B agiram de forma voluntária e consciente ao praticar as condutas supracitadas, e sabiam bem que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
  *
  Factos provados relacionados com o pedido da indemnização cível:
  Depois do acidente de viação, quando a vítima E foi transportada para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, já estava no estado de coma e o seu corpo estava a espasmar. As condições da vítima deterioraram-se rapidamente. Através de exames de tomografia computorizada do encéfalo craniano, foram verificadas a hematoma subdural, a hemorragia na aracnóide e contusões do lobo cerebral esquerdo, e precisou-se de realizar uma craniotomia para eliminar a hematoma; depois da cirurgia, E foi transferida à unidade de terapia intensiva; às 19h13 de 17 de Dezembro de 2005, foi verificado o óbito de E.
  Passaram-se 17 dias desde o acidente (as 18h15 de 1 de Dezembro de 2005) até a morte da vítima (as 19h13 de 17 de Dezembro de 2005).
  Além de hematoma cerebral, a vítima E também sofreu de fractura do fundo do crânio: fractura da fossa craniana média direita, com a linha de fractura de 10 centímetros; fractura da clavícula direita e contusões dos tecidos moles no quadrante ilíaco direito. A vítima recebia vários tratamentos de emergência, dentro dos quais a craniotomia deixou uma incisão curva de 32 centímetros na região parietotemporal esquerda, que precisava de 29 cosidelas.
  Na altura do acidente, a vítima E tinha 22 anos, estava bem de saúde e não tinha qualquer doença; foi uma pessoa activa, optimista, dinâmica e estudiosa.
  Durante o período de 2000 até 2003, a vítima E andava na College na Califórnia dos EUA, e obteve “Associate in Arts Degree” em 24 de Maio de 2003, tendo boas notas e elogios.
  Mais tarde E voltou para Macau, e no ano lectivo de 2005/2006, andou no 4º ano do curso de bacharel na literatura inglesa da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Macau, teve boas notas e graduar-se-ia logo.
  A vítima E aperfeiçoou-se activamente.
  Dos 12 de Março de 2005 aos 3 de Julho de 2005, a vítima E frequentou o curso de diploma profissional do desenvolvimento da economia principal de Macau no Instituto de Educação Continuada da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, tendo boas notas.
  Dos 5 de Setembro aos 2 de Dezembro de 2005, a vítima E frequentou o curso intensivo de guia (inglês) na Escola de Educação Continuada e Profissional do Instituto de Formação Turística.
  Em Junho de 1999, a vítima E obteve o certificado de nível 8 da dança feminina da Real Academia de Dança de Londres.
  Em 2004, a vítima E obteve o certificado de nível 8 de piano da Real Academia de Música de Londres, bem como o diploma de contabilista de LCC.
  A vítima E também participou activamente nas actividades de serviço social, por exemplo, prestou serviços voluntários nos 4ºs Jogos da Ásia Oriental de Macau.
  A vítima E falou várias línguas e foi voluntário dos Jogos da Ásia Oriental de Macau, trabalhando como intérprete e responsabilizando-se pela recepção dos hóspedes ilustres.
  Em Setembro de 2005, a vítima E trabalhou como escriturário temporário na [Companhia (2)], que prometeu continuar a contratar a vítima para trabalhar na companhia após a sua graduação em 2006, com vencimento mensal de MOP$20.000,00.
  A mãe da vítima E é dona de casa e não tem rendimento; o pai da vítima reformou-se em 3 de Janeiro de 2005, também não tem rendimento excepto as pensões de aposentação; e o irmão A ainda está na escola.
  Antes do acidente, a vítima E deu aulas suplementares a outrem e fez trabalhos temporários no tempo fora das aulas.
  Durante o período do tratamento da vítima E, os dois demandantes da indemnização cível acompanharam-na todo o tempo, guardando-a ao lado da cama; tiveram dificuldades em descansar e perderam o apetite; além de triste e preocupado, sentiram-se também cansados.
  Ao ouvir a notícia da morte da vítima E, a mãe desta desmaiou e encontrou-se em estado de choque.
  Os pais da vítima têm muitas saudades da filha e ficam deprimidos, tendo dificuldades em aceitar o facto da morte da filha.
  A mãe da vítima foi influenciada emocionalmente e foi diagnosticada de ter resposta emergente emocional, precisando de receber tratamento psicológico.
  Os dois demandantes da indemnização cível pagaram MOP$28.910,80 para o funeral da vítima E.
  Os dois demandantes da indemnização cível pagaram MOP$65 para a certidão de nascimento da vítima constante das fls. 146 dos autos.
  Os dois demandantes da indemnização cível pagaram MOP$1.620,00 para pôr anúncios nos jornais para chamar as testemunhas do acidente a contar o decurso deste.
  Durante o período no que a vítima E ficava em coma na unidade de terapia intensiva, os dois demandantes da indemnização cível pagaram MOP$32.000,00 para contratar mestres de Chi Kung para realizar tratamentos de Chi Kung à vítima por 16 dias (dos 2 aos 17 de Dezembro de 2005).
  As despesas médicas para o tratamento da vítima E no Centro Hospitalar Conde de S. Januário são de MOP$39.584,00, e ainda não são pagas.
  Através do apólice de seguro n.º XXX-XX-XXXXXX-X, B transferiu a responsabilidade da indemnização cível do acidente de viação do seu automóvel ligeiro de matrícula MI-XX-XX à [Companhia de Seguros (1)].
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  Mais se provou:
  De acordo com o CRC, os dois arguidos são delinquentes primários.
  O 1º arguido é contabilista em acumulação, aufere mensalmente cerca de MOP$9.000,00 e tem a seu cargo os pais; agora está a frequentar o 4º ano da universidade.
  A 2ª arguida é funcionária pública, aufere mensalmente cerca de MOP$18.000,00 e tem a seu cargo os pais; tendo como habilitações literárias ensino universitário.
  *
  Factos não provados:
  Deram-se como não provados os factos constantes da petição inicial, da petição da indemnização cível e da contestação e não correspondentes com os factos provados, designadamente:
  E não usou capacete.
  A arguida B dirigiu o automóvel na via de trânsito esquerda, e ao aproximar-se dum parque de estacionamento para veículos abandonados, um automóvel de carga saiu de súbito do parque de estacionamento.
  
  III - O Direito
  1. As questões a apreciar
  As questões a apreciar são as seguintes:
  Em primeiro lugar, determinar quem é o responsável pelo acidente e, se for caso disso, em que proporção.
  Seguidamente, importa decidir se os demandantes civis têm direito a indemnização por lucros cessantes da vítima, ou por serem aqueles que podiam exigir alimentos à vítima.
  A terceira questão será a de fixar o montante pela perda do direito à vida da vítima.
  Depois, a de saber se o montante fixado a título de danos não patrimoniais, pelas dores sofridas pela vítima com o acidente e antes de falecer, é o adequado ou se deve ser reduzido, como pretende a companhia seguradora.
  Por fim, apreciar-se –á se os valores fixados pelos danos próprios dos pais da vítima se devem manter ou ser alterados, como pretendem as partes.
  
  2. A responsabilidade pelo acidente
  Em primeiro lugar, cabe determinar quem é o responsável pelo acidente e, se for caso disso, em que proporção.
  A companhia seguradora parece pretender que este TUI altere a matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância e não alterada pelo TSI.
  Mas o TUI não conhece de matéria de facto, mas apenas de matéria de direito (artigo 47.º, n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária), sendo que, por outro lado, não se divisa qualquer erro notório na apreciação da prova.
  Por conseguinte, limitar-nos-emos a extrair as consequências jurídicas dos factos apurados pelas instâncias.
  O Acórdão recorrido considerou ambos os condutores responsáveis pela produção do acidente, embora a condutora do veículo ligeiro em medida superior (65%) à do condutor do motociclo (35%), onde seguia a vítima mortal do acidente.
  Recordemos que se deu como provado que ambos os veículos seguiam na mesma via e no mesmo sentido, o veículo ligeiro à frente e à sua retaguarda o motociclo onde era transportada a vítima.
  A determinado momento e, por motivos não apurados, a condutora do veículo ligeiro reduziu de repente a velocidade e parou o automóvel sem anunciar a sua intenção ao condutor do motociclo que a seguia, pelo que este perdeu o controlo da velocidade do motociclo, de modo a que o motociclo embateu na traseira do automóvel ligeiro.
  Entendeu o TSI que a condutora do veículo ligeiro praticou duas contravenções, uma prevista e punível pelos artigos 22.º, n.º 4 e 70.º, n.º 3 e outra pelos artigos 15.º, n.º 1 e 72.º, n.º 1, do Código da Estrada então vigente.
  O artigo 15.º, n.º 1 do Código da Estrada impõe ao condutor, que pretenda reduzir a velocidade ou parar o veículo, a obrigação de efectuar o correspondente sinal, anunciando claramente e com a necessária antecedência a sua intenção aos demais utentes da via.
  O artigo 22.º, n.º 4 do Código da Estrada dispõe que o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via nem perturbação ou entrave para o trânsito, salvo se tal procedimento for motivado por perigo iminente.
  Não se tendo provado o condicionalismo do perigo iminente que terá levado a condutora do veículo ligeiro a parar subitamente o veículo, temos que ela praticou as apontadas contravenções.
  Já quanto ao condutor do motociclo, considerou o Acórdão recorrido que o mesmo praticou a contravenção prevista e punível pelos artigos 14.º, n.º 2 e 70.º, n.º 2, do Código da Estrada então vigente.
  O artigo 14.º, n.º 2 estatui que o condutor deve manter em relação ao veículo que o precede a distância necessária para evitar qualquer acidente em caso de diminuição de velocidade ou paragem do veículo.
  Também não sofrem dúvidas que o condutor do motociclo praticou a indicada contravenção.
  Por outro lado, o artigo 22.º, n.º 1, do Código da Estrada estabelecia que o condutor deve regular a velocidade de modo a que possa fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, o que o condutor do motociclo não logrou.
  Entendeu o TSI que tendo ambos os condutores tido culpa na produção do acidente, a responsabilidade da condutora do veículo ligeiro seria algo superior à do condutor do motociclo.
  Não nos parece, afigurando-se-nos que as responsabilidades de ambos são sensivelmente iguais, sendo de fixar, portanto, em 50%, para cada um.
  
  3. Indemnização a terceiros em caso de morte.
  Importa, agora, decidir se os demandantes civis têm direito a indemnização por lucros cessantes da vítima, ou por serem aqueles que podiam exigir alimentos à vítima.
  Quanto a factos temos:
  Os demandantes civis são os pais da vítima, que faleceu no estado de solteira, com 22 anos de idade.
  A mãe da vítima E é dona de casa e não tem rendimento; o pai da vítima reformou-se em 3 de Janeiro de 2005, também não tem rendimento excepto as pensões de aposentação; e o irmão A ainda está na escola.
  A vítima tinha feito alguns trabalhos temporários mas, à data do óbito, não exercia nenhuma actividade profissional remunerada.
  No Acórdão de 31 de Março de 2004, no Processo n.º 7/2004, entendemos que:
«Mas quanto aos lucros cessantes que a vítima obteria após a morte, nunca os pode ter a vítima, faleça no momento da agressão ou em momento posterior. É que para a vítima adquirir os benefícios que deixou de obter por causa do facto ilícito, é necessário estar viva. Morta a vítima, não pode nascer na sua esfera jurídica tal direito, pois deixou de ter personalidade jurídica.
“... só tem danos quem está vivo”, escreve impressivamente J. OLIVEIRA ASCENSÃO2 que, acrescenta, “...o facto morte, extintivo de todas as situações jurídicas da pessoa, não pode funcionar ao mesmo tempo como facto aquisitivo de direitos ... ... À luz dos princípios, é insanável a contradição que consiste em considerar facto aquisitivo de um direito o próprio facto extintivo da capacidade de adquirir do de cujus – a morte”. 3
Como ensina ANTUNES VARELA, 4 citando o Conselheiro ARALA CHAVES, a propósito do dano não patrimonial – mas cuja lógica se aplica, como é bem de ver, ao dano patrimonial – é inadmissível reconhecer o nascimento do direito com o facto jurídico de que deriva, para o pretenso titular, a incapacidade para o adquirir.
Ou seja, em caso de morte, a vítima nunca pode adquirir o direito a ser indemnizada pelos benefícios que deixou de obter com o facto ilícito, após a morte. E, por conseguinte, tal direito, que não existe, não pode ser transmitido aos seus herdeiros.
O que a lei se preocupou em garantir foi que, em caso de morte, o lesante tenha de indemnizar aqueles que podiam exigir alimentos ao falecido. É este direito que consta do n.º 3 do art. 488.º do Código Civil, que corresponde ao n.º 3 do art. 495.º do Código Civil de 1966. É que esta norma, como explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA5 “constitui uma excepção ao princípio segundo o qual só o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal tem direito a indemnização, e não os terceiros que apenas reflexa ou indirectamente seriam prejudicados”. 6
É também por esta via que segue o princípio 15 da Recomendação 75/7, de 14.03.75, do Conselho da Europa, onde se estipula que a morte da vítima dá lugar a um direito ressarcitório do dano patrimonial causado às pessoas para com as quais a vítima assumiu, ou deveria ter assumido, um dever de sustento, ainda que não exclusivo, mesmo que não judicialmente exigível.7».
Afigura-se-nos de manter este entendimento.
Assim sendo, improcede o pedido feito no pedido civil de indemnização a título de perda de salários futuros da vítima, que os demandantes computaram em MOP$10.080.000,00.
  Mesmo a título de alimentos – pedido não deduzido pelos demandantes – também estes não teriam qualquer direito, pois não provaram que a vítima lhes prestava alimentos ou que teria de os prestar no futuro.
  
  4. Perda do direito à vida
  A terceira questão será a de fixar o montante pela perda do direito à vida da vítima.
  Relativamente à perda do direito à vida, este TUI fixou tais valores em MOP$900.000,00 (Acórdão de 11 de Março de 2008, no Processo n.º 6/2007 e de 21 de Janeiro de 2009, no Processo n.º 54/2008) e em MOP$800.000,00 (Acórdão de 27 de Junho de 2008, no Processo n.º 15/2008).
  Atendendo a que a vítima E tinha 22 anos, estava bem de saúde e não tinha qualquer doença; foi uma pessoa activa, optimista, dinâmica e estudiosa, parece-nos justo fixar o valor da perda do direito à vida em MOP$1.000.000,00.
  
  5. Danos não patrimoniais sofridos pela vítima
  Apreciemos a questão de saber se o montante fixado a título de danos não patrimoniais, pelas dores sofridas pela vítima com o acidente e antes de falecer, é o adequado ou se deve ser reduzido, como pretende a companhia seguradora.
  Tal montante foi fixado em MOP$250.000,00.
  Desde o acidente até a morte da vítima decorreram 16 dias e 1 hora, sensivelmente.
  Depois do acidente de viação, quando a vítima E foi transportada para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, já estava no estado de coma e o seu corpo estava a espasmar.
  A vítima foi sujeita a cirurgia ao crânio.
  Em coma, ao que parece, os doentes não sentem dores.
  Equitativamente, fixamos tal valor em MOP$150.000,00.
  
  6. Danos não patrimoniais próprios dos pais da vítima
  Por fim, apreciar-se –á se os valores fixados pelos danos não patrimoniais próprios dos pais da vítima se devem manter ou ser alterados, como pretendem as partes,
  O Acórdão recorrido fixou tais valores em MOP$500.000,00, tanto para o pai como para a mãe da vítima.
  Face aos factos provados e aos montantes habitualmente fixados por este Tribunal, parece-nos equitativo o valor de MOP$300.000,00, para cada um dos progenitores da vítima.
  
  7. Montante devido
  Sendo o total da indemnização de MOP$1.820.179,80, incluindo o montante não objecto de recurso, atendendo a que a condutora foi responsável pelo acidente em 50%, suportará a sua seguradora metade daquele montante, ou seja, MOP$910.089,90.
  
  IV – Decisão
  Face ao expendido, julgam improcedente o recurso dos demandantes civis C e D parcialmente procedente o recurso da [Companhia de Seguros (1A)], condenando esta a pagar àqueles o montante de MOP$910.089,90 (novecentas e dez mil e oitenta e nove patacas e noventa avos), bem como juros legais, nos termos do Acórdão deste TUI, de 2 de Março de 2011, no Processo n.º 69/2010.
  Custas na proporção do decaimento.
   Macau, 25 de Maio de 2011.
  
   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
  
   1 Deveria querer dizer danos não patrimoniais.
   2 J. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil Sucessões, Coimbra Editora, 2000, 5.ª edição revista, p. 246.
   3 J. OLIVEIRA ASCENSÃO, obra citada, p. 247 e 248.
   4 ANTUNES VARELA, obra e volume citados, p. 611 e 616.
   5 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, obra e volume citados, p. 498.
   6 Cfr. J. A. ÁLVARO DIAS, obra citada, p. 307 a 321, que, na sua recentíssima tese de doutoramento, publicada em 2001 e dedicada ao dano corporal, aborda a problemática dos lucros cessantes em caso de morte, frequentemente com recurso a doutrina e jurisprudência estrangeiras, sempre em função do direito a alimentos dos familiares do falecido, mas nunca coloca sequer a hipótese de o falecido ter adquirido o direito a ver ressarcidos os benefícios que deixou de obter com a sua morte.
   7 Citada por J. A. ÁLVARO DIAS, obra citada, p. 315, nota 712.
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Processo n.º 15/2011

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