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Processo n.º 8/2010
(Recurso Penal)
  
  Data: 1/Julho/2010
    
  Assuntos:
  
    - Proibição de condução automóvel; suspensão da execução
    - Desmembramento da suspensão
    

Sumário :
    
    A pena acessória de proibição de conduzir prevista Lei do Trânsito rodoviário pode ser desmembrada de forma a ser cumprida em relação à condução não profissional e suspensa em relação à condução profissional.



O Relator,





Processo n.º 8/2010
(Recurso Penal)

Data: 1 de Julho de 2010

Recorrente: Ministério Público

Objecto do Recurso: Sentença condenatória da 1ª Instância

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. No Tribunal Judicial de Base o arguido A foi condenado, para além da pena de multa voluntária e oportunamente paga, na pena acessória de inibição de condução dos veículos automóveis, por um período de seis (6) meses, nos termos do art. 98°, n.º 3, al. 2) da Lei n.º 3/2007, embora suspensa relativamente ao exercício da condução por motivos profissionais, por um período de seis (6) meses, devendo o arguido proceder à entrega de carta de condução ou o documento ao CPSP no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão, sob pena de prática de crime de desobediência (art. 121°, n.º 7 e art. 143°, n.º 1 do L.T.R.)
    
    2. O Ministério Público, não se conformando com a sentença proferida, dela vem recorrer, alegando em síntese conclusiva:
     Consideramos que, tanto o n.º 1 do artigo 90.° como o n.º 1 do artigo 109,°, ambos da Lei do Trânsito Rodoviário, não prevêem a possibilidade de aplicação simultânea de inibição efectiva de condução e suspensão de inibição de condução de veículos automóveis por motivos diferentes.
    Para ponderar a suspensão ou não da inibição de condução, não basta provar a sua profissão como motorista, é preciso ponderar ainda se, para o caso concreto, estão reunidos e satisfeita os pressupostos formais e materiais e finalidade do instituto de suspensão.
    Ao conceder a suspensão parcial da execução da pena acessória em causa, o Mmo Juiz violou, por errada interpretação e aplicação de direito, o disposto no n.º 1 do artigo 90.° e o n.º 1 do artigo 109.°, ambos da Lei do Trânsito Rodoviário, bem como o disposto no artigo 48.° do Código Penal de Macau.
    Padece a douta Sentença do vício de erro de interpretação e de aplicação de direito, previsto no n.º 1 do artigo 400,° do Código de Processo Penal de Macau.
    Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, condenando-se na pena acessória de suspensão da validade da licença de condução por um período de seis (6) meses, suspendendo a execução da suspensão da validade da licença de condução aplicada por seis (6) meses pela prática duma contravenção prevista no artigo 31.°, n.º 1, da Lei n.º 3/2007.
    
    3. A responde, em síntese, que concorda com a posição do MP, enquanto propugna pela suspensão sem restrições da pena acessória da proibição de conduzir.
    
    4. O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o seguinte douto parecer:
    Acompanhamos as judiciosas considerações da nossa Exmª Colega.
    E nada temos, de facto, a acrescentar-lhes.
    A compartimentação decretada na douta sentença não tem, efectivamente, a nosso ver, fundamento legal.
    Não repugna aceitar, entretanto, a propugnada suspensão da inibição.
    Deve, em conformidade, ser concedido provimento ao recurso.
    
    5. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Com pertinência, respiga-se da sentença proferida o seguinte:
    “(...)
    Pela convicção fundada na confissão integral e sem reserva do arguido que julga válido e relevante, na análise na audiência de documentos juntos aos presentes autos resultam provados todos os factos constantes (sem excepção nenhuma) do auto de transgressão de fls. 4, nomeadamente:
    Em 20 de Outubro de 2009, cerca das 13:29 horas, o arguido conduzia o automóvel pesado com chapa de matrícula MM-XX-XX, na Estrada da Avenida Dr. Rodrigo Rodrigues, à velocidade de 70 quilómetros por hora
    O arguido é motorista da agência viagens e turismo XXX, sendo esta a uma única forma de subsistência.
    Mais se provou que o arguido praticou as contravenções referidas na ficha de cadastro juntos nos autos de fls. 4 e já pagou a multa pelo mínimo legal.
    Facto não provado: nada a assinalar.
    (...)”

    III - FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente pela análise da questão de saber se é possível desmembrar a suspensão da pena acessória de proibição de condução de veículos automóveis entre condução por motivos profissionais e não profissionais.
     Esta a questão que vem colocada no recurso do MP, sendo, como se sabe, as conclusões do recurso que delimitam o objecto do recurso, conforme determina o art. 402º, n.º 1 do CPP (Código de Processo Penal).
     
    2. Atentemos na justificação do Mmo Juiz para tal desmembramento:
    “... o arguido exerce a profissão de motorista, atendendo à circunstância de o arguido necessitar de conduzir para o exercício da sua profissão, entendemos adequado suspender, para tal efeito, e somente para tal efeito, a inibição de conduzir pelo período de seis (6) meses, tendo em consideração a possibilidade concedida por lei no art° 109°, n° 1, in fine, da L. T. R. Entendemos que a lei permite esta solução mais restritiva – com efeito, na norma em causa, prevê-se a possibilidade de suspender a inibição de conduzir quando haja motivos atendíveis, portanto, ponderosos; ora, precisando o arguido de conduzir para exercer a sua profissão, à falta de especiais exigências de prevenção especial, entendemos estar preenchida a exigência legal; por outro lado, alargar, igualmente ao exercício da condução fora do tempo de trabalho, à falta de outros elementos de facto, parece-nos uma "benesse" excessiva e, portanto, um tratamento de favor injustificado relativamente aos demais arguidos detectados a praticar semelhante infracção, mas que, por via da sua profissão, não precisam da carta de condução e assim não têm obtido o mesmo benefício.”
    O artigo 109º, n.º 1 da LTR (lei do trânsito Rodoviário) permite a suspensão da sanção de inibição de condução por um período de 6 meses a 2 anos “quando existirem motivos atendíveis”
     Numa visão menos tecnicista das coisas poder-se-á, desde logo, aderir a tal solução e ter o raciocínio do Mmo Juiz como irrepreensível e mais justo em relação àqueles que cometessem a mesma infracção e não tivessem a sorte de exercerem uma condução profissional.
     Por outro lado, nada impediria aquela decisão, já que a lei não proibiria aquela distinção entre a condução profissional e não profissional.
     Pode-se até contrapor ao argumento da dificuldade de controle do cumprimento daquela proibição que tal dificuldade já não ocorreria se em vez de uma genérica formulação entre condução profissional e não profissional, se restringisse a proibição a uma categoria de veículos, tais como pesados de passageiros, de mercadorias ou veículos de uma dada empresa.
     
     3. Não nos furtaremos, no entanto, a enfrentar as eventuais dificuldades técnico-jurídicas a tal solução, tentando perscrutar a natureza da sanção em causa e as finalidades subjacentes à sua aplicação.
     Parece não haver dúvidas de que se trata de uma sanção acessória. A alternativa poderia ser, como já se entendeu, noutros tempos, da dogmática jurídico-penal que se estaria perante uma medida de segurança.
     Não obstante esta afirmação, refira-se que essa sanção, ainda que abstractamente prevista no Código Penal - cfr. art. 60º, n.º 2 do CP (Código Penal), -, nem sequer a propósito do crime de condução perigosa de transporte rodoviário previsto no art. 279º do CP aí está concretamente definida sob essa asserção, tal como acontece com o art. 69º do CP português.
     É a própria lei, como acima se viu, que permite a suspensão da execução dessa pena, situação não facilmente compaginável com a natureza de uma medida de segurança, onde emergem com acentuado pender as razões preventivas objectivas tendentes à ocorrência do dano, à margem da capacidade de determinação, da conduta e da vontade do agente.
     
     4. Por motivo atendível, enquanto relevante para suspender a execução de tal pena, tem-se entendido que a aplicação da pena acessória não deve implicar necessariamente a perda de emprego, em especial quando se trata de uma primeira vez.
     Não obstante este entendimento particular na Jurisprudência de Macau e comparada, outras situações se podem prefigurar, como seja a necessidade de transporte de um filho deficiente ou de um familiar a tratamentos, apenas a título de exemplo, sendo certo que caberá ao julgador proceder à integração típica da norma no que respeita ao motivo atendível.
     O recorrente, pela pena avalizada do MP, entende ser ilegal e destituído de sentido condenar na proibição de conduzir veículos motorizados e depois restringir e excepcionar dessa proibição os veículos inerentes à profissão do arguido.
     Nessa perspectiva tratar-se-ia da introdução de uma ressalva ou de excepção à pena acessória de proibição de condução de veículos com motor.
     Importa ainda referir a constatação da posição homogénea da Jurisprudência comparada no sentido da inadmissibilidade de tal ressalva ou limitação, não se conhecendo arestos de tribunais de recurso que o admitam, no respectivo quadro legislativo.1
     Mas desse olhar sobre a experiência comparada ressalta a preocupação e insistência da 1ª Instância em recorrer a essa separação de águas.
     Por outro, os argumentos que não permitem o recurso a esse aparente fraccionamento punitivo não se afiguram como irredutíveis.
     
5. A nossa lei, a lei da RAEM, consagra, a par da punição por determinadas contravenções em especial e por crimes cometidos no exercício da condução, ainda outros elencados no art. 94º da LTR, a inibição do direito de conduzir por determinado período de tempo.
     Trata-se assim de uma matéria regulada e punida em legislação avulsa, não importando para o caso que não se trate de matéria privativa do CP.
     A criação desta pena acessória surge na sequência de um conjunto de medidas para combater a elevada taxa de sinistralidade na estrada e reflecte as propostas doutrinárias do Prof. Figueiredo Dias que defendia que se “... deve, no plano de lege ferenda, enfatizar-se a necessidade e a urgência político-criminais de que o sistema sancionatório português passe a dispor - em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária - de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados. Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e a personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável, censurabilidade esta que, dentro do limite da culpa, desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, cumprindo, assim, as penas acessórias uma função preventiva adjuvante da pena principal.”2 “Uma tal pena - possuidora de uma moldura penal específica - só não teria lugar quando o agente devesse sofrer, pelo mesmo facto, uma medida de segurança de interdição da faculdade de conduzir, sob a forma da cassação da licença de condução ou de interdição da sua concessão”, ibidem.

6. Da natureza da inibição do direito de conduzir
Servimo-nos ainda aqui da lição do Prof. Figueiredo Dias.
     “A proibição de conduzir veículos motorizados - distinta das medidas de segurança de cassação do título, interdição da concessão do título de condução e interdição da concessão da licença - assume a natureza de verdadeira pena acessória pois que, está, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente e desempenha uma função adjuvante da pena principal, reforçando e diversificando o conteúdo sancionatório da condenação”-3
     
“Esta pena acessória tem um sentido e um conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas de defesa contra a perigosidade individual”, ibidem.4
     As sanções penais acessórias são aquelas que só podem ser pronunciadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal. As penas acessórias distinguem-se das penas principais uma vez que a condenação nestas é condição necessária da sua aplicação, sendo, porém, ainda necessário que o juiz comprove, perante o facto, a existência de uma justificação material para a sua aplicação. Não se devem confundir como um efeito de outra pena, que é consequências determinada aplicação de uma pena, principal ou acessória, não assumindo a natureza de verdadeira pena, por lhes faltar o sentido, a justificação, as finalidades e os limites próprios daquelas.5
     Muito embora a aplicação da pena acessória dependa da condenação na pena principal, assumindo uma função preventiva adjuvante da pena principal, a pena acessória não tem efeito automático,6 não deixando de estar submetida aos princípios gerais da pena, como os da legalidade, proporcionalidade, jurisdicionalidade, com duração variável, devendo ainda ser fixada em função da gravidade do crime e do fundamento que justifica a privação do direito.
     A pena acessória de proibição de conduzir veículos não pode ser decretada sem prévia decisão judicial tomada de acordo com as regras pertinentes em matéria penal, em que, necessariamente, haverão que ser respeitados os princípios da culpa, tipicidade, proporcionalidade e necessidade.7

     7. Os fins de tal pena acessória

“A pena acessória visa, tão só, prevenir a perigosidade do agente, muito embora se lhe assinale também, um efeito de prevenção geral, enquanto a pena principal tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”8
     Não obstante a determinação da medida da pena acessória obedecer aos mesmos critérios que os da pena principal – a culpa do agente e as exigências de prevenção9, tal não significa que não deva existir distinção nos objectivos de política criminal ligados às penas principais e acessórias, pois que “enquanto os da pena principal se ligam aos fins genéricos da aplicação de qualquer pena - essencialmente prevenção geral e especial - já os da pena acessória se dirigem mais especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado”.10

     Podemos assim assinalar nas finalidades desta pena uma circunscrição, para além dos fins de prevenção geral e de reintegração do delinquente na sociedade, uma prevenção da perigosidade.11

8. Apreciação da fundamentação da sentença recorrida
     Desde logo se constata que a infracção cometida o foi no exercício profissional, donde a restrição da perigosidade a um vector profissional, podia parecer contrariar a razão de ser daquela penalidade.
     Mas este argumento só releva como decisivo se nos ancorarmos numa perspectiva de que estamos perante uma medida de segurança.
     Como acima se viu, está inerente no estabelecimento dessa consequência jurídica uma certa componente que assume laivos daquela natureza, só que não em termos exclusivos.
     Não obstante, o certo é que o Mmo Juiz, na tese detractora, operou uma cisão na pena, cuja formulação a lei não consentiria, já que a pena se traduz na proibição de conduzir, sob pena de se estar a criar - com a estipulação da ressalva - uma nova pena, ou forma espúria de execução, com patente e ostensiva violação do princípio da separação de poderes e dos princípios da legalidade e da aplicação da lei criminal, reportados ao momento da prática dos factos, contidos nos artigos 1º, n.º 3 e 2º, n.º 1 do CP.12
     Por outro lado, não há norma ou princípio da ordem jurídica que autorize ou torne menos censurável a condução em excesso de velocidade por parte de quem utiliza o veículo automóvel no exercício da sua actividade profissional, se comparada com a condução na vida pessoal ou de lazer.
     Antes pelo contrário, por força do apelo à ideia da culpa na formação da personalidade, podemos afirmar que a necessidade de conduzir no âmbito da actividade profissional constitui um argumento que, em vez de aligeirar a responsabilidade, pode até acentuar a necessidade da pena, pois àqueles que exercem a sua profissão conduzindo veículos é exigível um especial cuidado na abstenção de comportamentos que coloquem em risco a segurança dos outros utentes da via, dos próprios transportes e do seu posto de trabalho.
     Por outras palavras, se um condutor profissional infringe as regras, tal até pode constituir uma agravante, sendo-lhe exigível uma conduta estradal mais consentânea com a sua preparação profissional.
     Isto é, o princípio que a lei tutela vai até no sentido de agravar a responsabilidade dos condutores profissionais e de todos aqueles que, por virtude da sua profissão ou actividade, mais têm necessidade de conduzir, fazendo sobre eles recair um especial dever de maior cuidado na condução,
     Mas não é esta questão que está aqui em causa. O que está em causa é a possibilidade legal, perante um dado caso concreto, de todas essas razões poderem ceder quando houver motivos atendíveis.
     Então, se, por exemplo, se os motivos atendíveis forem a salvaguarda do trabalho, a assistência imprescindível a uma pessoa carecida de transporte especial ou qualquer outra, por que razão tais razões se hão-de estender injustificavelmente a situações em que aquelas razões já não se verificam?
     Não se pondo em causa a bondade da solução visada que procurou contemplar uma situação pessoal e social, perspectivadas as consequências muito possíveis de desemprego do transgressor, numa situação em que a infracção cometida passível da penalidade em causa o foi no limite - com menos 1 Km /hora o transgressor já não seria alvo de inibição – só importa discutir se há brecha no sistema e a fragmentação não consentida da penalidade infligida.
     Do que vimos não há um argumento forte donde se possa retirar violação da natureza ou dos fins inerentes a tal consequência jurídica.
     Não se nos antolha que o critério de justiça e preocupação igualitária a que o Mmo Juiz recorreu se situe fora do quadro normativo aplicável. Chama-se até a atenção para o facto de, não ressalvando assim, os condutores profissionais beneficiarem de uma benesse não concedida aos demais condutores, podendo beneficiar de uma suspensão em condições idênticas às que não permitiriam que os outros condutores dela beneficiassem. Uma suspensão ilimitada a todos os tipos de condução conduziria, aí sim, a uma violação de igualdade de tratamento dos cidadãos.
     Por outro lado, entendemos que não se operou uma fragmentação da penalidade.
     No fundo, o que se tratou foi de uma suspensão de uma pena, condicionada à observância de certos deveres, como seja o de não conduzir veículos que não seja por motivos profissionais. Assim, por motivos atendííveis se protege o trabalho, face a um eventual despedimento do contraventor, preservando esse valor, face aos riscos de uma inibição temporária por parte desse contraventor.
     Nesta perspectiva não se vê dificuldade técnica impeditiva dessa cisão, já que não se está a inventar nenhuma outra pena, apenas a condicionar a sua suspensão e isso é uma possibilidade que resulta claramente da lei penal substantiva.
     Por palavras mais simples: o elemento corrector de uma aparente desigualdade situa-se ainda dentro dos critérios legais que devem enformar a aplicação daquela pena acessória: prevenção geral e especial, perigosidade, reintegração comportamental estradal.
     A restrição operada aproxima-se mais daquelas finalidades do que uma irrestrita suspensão. Não estaremos aí perante uma modificação da pena não consentida por lei, mas tão somente perante uma suspensão da pena condicionada por um dever ou condição, traduzida numa restrição ou abstenção de conduta em relação a um determinado tipo de condução.
     Desta forma se entende que a lei não afasta a possibilidade de suspensão de execução de tal sanção.
     Como verdadeira pena, ainda que acessória e não principal, a proibição de conduzir veículos motorizados há-de constituir, por definição, sempre, um sacrifício real para o condenado, proporcional à sua culpa e - recorde-se - que satisfaça as necessidades de prevenção, que o caso concreto justifique.

      9. Também o argumento da exequibilidade não se mostra decisivo.
     Como se sabe o infractor que tenha sido inibido deve fazer entrega da sua licença de condução ou deve esta ser apreendida nos termos do art. 121º , n.º 6 da LTR.
Embora não esteja prevista um qualquer averbamento que limite ou restrinja a proibição a esta ou àquela categoria de veículos, como em caso de não entrega voluntária, sendo sempre a licença que é apreendida, tal regulação procedimental não se pode sobrepor sobre a solução substantiva.
     Há que compatibilizar estes normativos com a circunstância de o arguido poder continuar a conduzir determinada categoria de veículos, cabendo às autoridades fiscalizadoras apurar os termos do cumprimento do que for decidido pelos Tribunais.
     Não se deixando de referir, em termos meramente indicativos, de que seria preferível proceder a uma imposição restritiva em função de uma determinada categoria de veículos ou em função da pertença ou afectação dos mesmos, salvaguardando critérios mais objectivos tendentes a facilitar a a actividade fiscalizadora
     
     10. Não se devem deixar de ponderar os custos de ordem profissional e familiar que poderão advir para o arguido do facto de a proibição abranger a condução de todos os veículos, incluindo aqueles que utiliza na actividade profissional.
     Tais custos são próprios das penas, são inerentes à sua aplicação e só assumem verdadeiramente tal natureza se representarem para o condenado um verdadeiro sacrifício, com vista a atingirem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais.
     Contudo, afigura-se que a infracção em concreto, pela gravidade ínsita em si e demais circunstancialismo que vem comprovado permite o uso da medida de suspensão da pena, considerando-se haver aqui motivos atendíveis, tal como o Mmo Juiz considerou.
A restrição da suspensão não deixa de ir ao encontro do princípio do tratamento mais igualitário.
    Nesta conformidade, somos a julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença proferida nos seus precisos termos.
    IV - DECISÃO
     Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente o recurso apresentado, mantendo a decisão condenatória nos seus precisos termos.
     Sem custas.
                  Macau, 1 de Julho de 2010,

Dr. Gil de Oliveira

Dra. Tam Hio Wa

Dr. Lai Kin Hong(com declaração de voto)












Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente, com reserva quanto a um entendimento, citado no Acórdão, nos termos do qual, a pena acessória de inibição de conduzir visa prevenir a perigosidade do agente dos factos, pois entendo que, sendo pena (acessória) que é, a inibição de conduzir não pode deixar de ter como fundamento da sua aplicação ao agente dos factos a censurabilidade da conduta e a culpa do agente, e não a sua perigosidade que, como se sabe é fundamento da medida de segurança, cuja execução, por natureza nem sequer pode ser suspensa.

RAEM, 01JUL2010

O juiz adjunto,

Lai Kin Hong
    
1 - Ac,s RP de 19/03/2003, 04/02/2004, 16/02/2005, 09/03/2005, 16/03/2005, de 19/07/2006, de 17/2/2008 e 16.4.2008, no processo 5665/07 da 4ª secção ; RC de 31/10/2007; RL, de 01/03/2007, 27/09/2007 e de 09/10/2007 e, da RG, de 14/05/2007, www. dgsi.pt
2 - Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, 165 e 169.

3 - Ob. cit. , §232.
4 - Ob. cit, 97
5 - Ac. do Tribunal Constitucional português, n.º 202/2000, in DR II Série de 11.10.2000
6 - Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense ao CP, II, 1092
7 - Ac. do Tribunal Constitucional português n.º 440/2002, in DR II Série de 29/11/2002
8 - Ac. RC de 7.11.96, in CJ, V, 47
9 - Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, página 55
10 - Ac.RP de 11.9.95 in CJ. IV, 229
11 - Ac. RC de 25.11.98, in CJ, V, 59; Ac. RC de 17.1.2001, in CJ, I, 50
12 - Bem podendo o legislador ter optado por uma previsão normativa fragmentada, tal como o n.º 2 do artigo 69º do CP português que, na versão original, estabelecia que a proibição podia abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada.

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