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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.º 14 / 2011

Recorrente: A
Recorridos: Chefe do Executivo
B
C






   1. Relatório
   A requereu junto ao Tribunal de Segunda Instância suspensão de eficácia do acto do Chefe do Executivo que lhe excluiu do concurso público internacional para modernização, operação e manutenção da estação de tratamento de águas residuais da Península de Macau, aberto por anúncio publicado no Boletim Oficial da RAEM, II Série, de 31 de Março de 2010.
   Por acórdão de 10 de Março de 2011 proferido no processo n.º 17/2011/A, o Tribunal de Segunda Instância acorda em indeferir o referido pedido de suspensão de eficácia.
   Inconformada com esta decisão, a requerente vem recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões úteis nas suas alegações:
   - Existe um laço de íntima confundibilidade entre a sociedade D e a sociedade A, sendo nos termos do direito comercial de Macau, a primeira uma subsidiária da última, em que a sociedade-mãe, ora recorrente, detém o domínio total do capital e o controlo societário, pois é ela que forma a vontade da sociedade.
   - Esta realidade jurídica tem que ser sopesada na decisão da verificação do requisito periculum in mora para efeitos de deferimento da suspensão de eficácia do acto suspendendo.
   - O acto suspendendo é idóneo para produzir prejuízos de difícil reparação directamente na esfera jurídica da recorrente, impedindo-a definitiva e irreversivelmente de reintegrar o concurso e de vir a ser classificada em primeiro lugar, obtendo a adjudicação do contrato no presente concurso, bem como a continuação da operação da ETAR de Macau.
   - As consequências directas e imediatas do acto suspendendo para a ora recorrente são:
   a) A exclusão da recorrente do Concurso criará uma situação irreversível, logo de difícil, senão impossível reparação, porquanto os autos principais do recurso contencioso não terão desfecho antes da decisão de adjudicação.
   b) Eliminada liminarmente do concurso, a ora recorrente enfrentará a liquidação da sua subsidiária – D, com reflexos directos na sua esfera jurídica como sócia dominante, e o despedimento colectivo dos seus trabalhadores e técnicos especializados afectos à ETAR Macau.
   - Não é demais sublinhar que tais prejuízos, consequência directa do acto suspendendo, integram o conceito jurídico de prejuízos de difícil reparação ou até prejuízos irreparáveis, não sendo os que resultam do encerramento e liquidação da empresa, bem como os que resultam do despedimento colectivo dos trabalhadores, de imediato totalmente determináveis.
   - A recorrente invoca não só prejuízos com expressão pecuniária concreta, a título de lucros cessantes directos (art.° 13.° do requerimento de suspensão) e de encargos com a compensação dos trabalhadores despedidos (art.° 15.°), mas também demonstra a existência de prejuízos de difícil reparação, não contabilizáveis de imediato, sem expressão pecuniária determinável e que constituem danos prováveis e directos a serem causados pelo acto impugnado, nomeadamente os resultantes do encerramento e liquidação da sua subsidiária e do despedimento dos seus trabalhadores.
   - Sofrerá a recorrente, pelo menos, caso não seja concedida a suspensão de eficácia até à decisão do recurso contencioso de anulação, o prejuízo irreparável de estar irreversivelmente excluída do concurso, de não poder obter, através da D, a eventual adjudicação do contrato.
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso com a consequente revogação do acórdão recorrido e o deferimento do pedido de suspensão de eficácia do acto do Chefe do Executivo.
   
   O recorrido Chefe do Executivo formulou as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. A entidade requerida, Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, apoia e adere à decisão do Tribunal a quo, que concluiu pela não existência de prejuízos de difícil reparação para a requerente, o que, consequentemente, levou à improcedência do pedido de suspensão de eficácia requerido pela empresa A, por legalmente fundada perante a factualidade aí dada por assente e, portanto, imune a qualquer ilegalidade alegada pela ora recorrente.
   2. Toda a tese sustentada pela recorrente encontra-se cabal e suficientemente rebatida e contrariada no douto acórdão recorrido.
   3. Não existe qualquer erro sobre a factualidade ou má interpretação da lei pelo Tribunal a quo, mormente quanto à qualificação e interpretação dos factos relevantes para a decisão da causa, sendo que todo o sumariado nas conclusões da ora recorrente não passa de uma mera interpretação subjectiva da versão fáctica das coisas ou da lei comercial, na sua óptica meramente pessoal.
   4. Só não se acompanha o acórdão recorrido na parte em que aquele considera não haver grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto suspendendo, por ser nosso entendimento que tal lesão seria efectivamente produzida, caso houvesse lugar ao provimento da providência.
   5. Em tudo o mais, acompanhando o douto acórdão recorrido, oferece o merecimento dos autos.”
   Considerando improcedente o recurso e que seja mantido o acórdão recorrido.
   
   A recorrida B apresentou as seguintes conclusões úteis nas suas alegações:
   - A recorrente persiste em confundir-se com a actual adjudicatária da ETAR da Península de Macau, D;
   - A recorrente é uma pessoa jurídica distinta da D, facto que não depende do valor da sua participação no capital social desta;
   - A recorrente não se apresentou a concurso em consórcio com a D, não podendo sequer invocar que o acto recorrido é ablativo de um bem preexistente na sua esfera jurídica;
   - À recorrente foi apenas permitido beneficiar da experiência da D (nos termos dos pontos 6.3 e 6.4 do Programa do Concurso) e uma vez que esta sociedade não se associou à recorrente, não pode vir a fazer parte de um consórcio cuja constituição futura não foi dada a conhecer no momento da apresentação das propostas, como obriga o ponto 13.1, al. a), do Programa do Concurso;
   - O encerramento e liquidação da actual adjudicatária, que não se apresentou ao Concurso Público para a adjudicação da prestação de serviços, resulta exclusivamente da extinção do seu objecto social, que é o da exploração da ETAR de Macau e das actividades destinadas a esse fim, objecto que fica esgotado com a futura adjudicação a outra operadora à sua alteração – cfr. art.º 315.º, n.º 1, al. e) do Código Comercial;
   - A execução do acto de exclusão da recorrente e o prosseguimento do processo do concurso na pendência do recurso contencioso por si interposto, ao contrário do que esta afirma, não lhe causa nenhum prejuízo de difícil reparação, nem a impede de reagir contra o acto de adjudicação a proferir pela Administração;
   - Adiamento do acto de adjudicação que também se repercute na esfera jurídica dos contra-interessados, que apresentaram propostas, em Junho do ano passado, para um serviço cuja adjudicação ficou, agora, relegada para data indeterminada, para proveito da actual operadora e prejuízo daqueles;
   - Os alegados prejuízos decorrentes de um eventual despedimento de trabalhadores, não descriminados nem fundamentados, nada têm que ver com a exclusão da recorrente do concurso mas apenas com a cessação da relação de colaboração entre as sociedades;
   - A previsão de lucros cessantes da recorrente (que também não foram descriminados e fundamentados) só se justificaria se fosse ela a actual operadora, que não é, e se o acto suspendendo fosse causa adequada à ocorrência do prejuízo, que também não é;
   - Acresce que ao contrário do que consta do douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância, o contra-interessado considera que, também, não se verificam os dois requisitos previstos nas al.s b) e c), n.º 1, do art.º 121.º do CPAC, pelas razões que ficaram expostas na contestação e que são, cada vez mais, evidentes.
   Concluindo que deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, ser mantido o acórdão recorrido.
   
   A outra recorrida não apresentou alegações.
   
   O Ministério Público, no seu parecer, entende que não se verifica o requisito previsto no art.º 121.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, por a recorrente não conseguir comprovar a efectiva ocorrência de prejuízos de difícil reparação, nem apresentar os lucros previstos, e que assim não pode ser dado provimento ao pedido de suspensão de eficácia do acto.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Factos provados:
   Foram considerados provados os seguintes factos pelo Tribunal de Segunda Instância:
   - Por aviso do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas publicado no Boletim Oficial n.º 13, II Série, 31 de Março de 2010, foi aberto o Concurso Internacional para a Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau;
   - Foram entregues sete propostas, uma das quais foi apresentada pela ora requerente;
   - Na sessão de abertura das propostas, a proposta da 6ª concorrente, ora requerente, foi admitida;
   - Abertas as propostas admitidas, incluindo a proposta submetida pela 6ª concorrente, por deliberação da Comissão esta foi excluída do concurso devido a deficiência no documento a que se refere a cláusula 13.1 f), mais propriamente pela falta da lista de quantidades para a operação e manutenção, indicada na subalínea 2) do Programa do Concurso;
   - Da deliberação reclamou a 6ª concorrente, ora requerente, para a Comissão, que manteve a deliberação que o excluiu do Concurso;
   - Da deliberação da Comissão que julgou improcedente a reclamação, veio a 6ª concorrente, ora requerente, recorrer hierarquicamente para o Senhor Chefe do Executivo;
   - Por despacho datado de 04NOV2010 do Senhor Chefe do Executivo, foi indeferido o recurso hierárquico e mantida a decisão impugnada;
   - Não se conformando com esse despacho do Senhor Chefe do Executivo, veio a ora requerente interpor recurso contencioso em 21DEZ2010; e
   - Na pendência do recurso contencioso, veio a ora requerente formular o presente requerimento de suspensão de eficácia do acto recorrido.
   
   
   2.2 Prejuízo de difícil reparação causado pela execução do acto
   A recorrente continua a sustentar que o acto suspendendo é idóneo para produzir prejuízos de difícil reparação directamente na sua esfera jurídica com a sua exclusão do concurso, os lucros cessantes directos, a liquidação da D, sua subsidiária e o despedimento colectivo dos trabalhadores da recorrente afectos à ETAR Macau.
   
   Ora, no presente concurso público internacional para modernização, operação e manutenção da estação de tratamento de águas residuais da península de Macau, A, ora recorrente, foi admitida como concorrente neste procedimento de concurso na fase de análise da documentação, mas excluída na fase de verificação e admissão das propostas. Por acto do Chefe do Executivo suspendendo, foi indeferido o respectivo recurso hierárquico e mantida a decisão inicial.
   A recorrente é a sócia maioritária da D, actual operadora concessionária da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) da Península de Macau, que lhe forneceu todo o processo tecnológico e os 29 trabalhadores destacados à operação da Estação de tratamento.
   
   É verdade que a recorrente passou a ser sócia maioritária da D a partir de Maio de 2007, segundo os registos comerciais desta.
   No presente procedimento do concurso, a actual operadora D não é concorrente. Assim, pode-se dar por certo que a D não poderá continuar com a operação e manutenção da ETAR da Península de Macau no termo do respectivo contrato de adjudicação. Os prejuízos decorrentes da cessação das operações da ETAR e até de eventual liquidação da empresa serão suportados pela D que só indirectamente se reflecte na recorrente na qualidade da sua sócia.
   Assim, estes prejuízos não podem ser considerados próprios da recorrente, de difícil reparação ou não.
   
   Situação semelhante é em relação aos 29 trabalhadores técnicos contratados pela recorrente mas afectos aos serviços da actual operadora D, cuja impossibilidade de continuar a exercer funções na D não resulta directamente da exclusão da recorrente do concurso, determinada pelo acto suspendendo, mas sim do termo do referido contrato de adjudicação da D.
   De qualquer modo, a consequência do eventual despedimento destes trabalhadores não será tão penosa por estar prevista no caderno de encargos do processo do concurso a obrigação do novo adjudicatário, como primeira prioridade, de recrutar os trabalhadores que actualmente prestam serviço na ETAR da Península de Macau, especialmente os que sejam residentes permanentes de Macau, caso existam posições vagas na sua estrutura de pessoal.
   
   A recorrente alega ainda os prejuízos resultados de lucros cessantes por impossibilidade de continuar a obter por meio da sua participação na D em valor não inferior a MOP$25.000.000,00.
   Ora, tais prejuízos ou lucros, para além de não ser de difícil reparação, não podem dar por certo com segurança, simplesmente porque nada garante que a recorrente será a vencedora do concurso, sem olvidar que a sua “subsidiária” D já não participou neste concurso, assim sem qualquer expectativa de gerar mais lucros para a sócia recorrente após o termo do actual contrato de adjudicação.
   
   Uma vez que da execução do acto suspendendo não causa directamente prejuízos de difícil reparação para a recorrente, o presente recurso jurisdicional não merece provimento.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso jurisdicional.
   Custas pela recorrente com a taxa de justiça fixada em 4UC.
   
   Aos 25 de Maio de 2011




Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

          O Magistrado do Ministério Público
          presente na conferência: Victor Manuel Carvalho Coelho
Processo n.º 14 / 2011 11