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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 29 / 2011

Recorrentes: Ministério Público
A
B
C
Recorridos: D
E
F




1. Relatório
   A, B, C, D, E e F foram julgados, juntamente com outros 6 arguidos, no âmbito do processo comum colectivo n.º CR3-09-0180-PCC do Tribunal Judicial de Base e foi proferida a seguinte decisão em relação aos mesmos:
   A (3º arguido) foi condenado pela prática dos seguintes crimes:
   - 1 crime de associação secreta previsto e punido pelos art.ºs 1.º, al. a) e 2.º, n.º 2 da Lei n.º 6/97/M na pena de 8 anos de prisão;
   - 1 crime de homicídio qualificado previsto e punido pelo art.º 129.º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CP na pena de 18 anos de prisão;
   - 1 crime de ofensa ao respeito devido aos mortos previsto e punido pelo art.º 283.º, n.º 1, al.s a) e b) do CP na pena de 1 ano e 10 meses de prisão;
   - 1 crime de detenção de armas proibidas previsto e punido pelo art.º 262.º, n.º 3 do CP na pena de 9 meses de prisão.
   Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 21 anos e 9 meses de prisão.
   
   B (5º arguido) e C (6º arguido) foram absolvidos do crime de homicídio qualificado previsto no art.º 129.º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CP e foram condenados pela prática do seginte crime:
   - 1 crime de associação secreta previsto e punido pelos art.ºs 1.º, al. a) e 2.º, n.º 2 da Lei n.º 6/97/M respectivamente nas penas de 6 anos de prisão.
   
   D (10º arguido), E (11º arguido) e F (12º arguido) foram condenados respectivamente pela prática dos seguintes crimes:
   - 1 crime de associação secreta previsto e punido pelos art.ºs 1.º, al. a) e 2.º, n.º 2 da Lei n.º 6/97/M na pena de 6 anos de prisão;
   - 1 crime de homicídio qualificado previsto e punido pelo art.º 129.º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CP, por forma de cúmplice, na pena de 6 anos de prisão.
   Em cúmulo jurídico, os três arguidos foram condenados nas penas únicas de 9 anos de prisão.
   
   Recorrerem os referidos arguidos e outros, bem como o Ministério Público, ao Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão de 28 de Abril de 2011 proferido no processo n.° 415/2010, foram os recursos julgados improcedentes.
   Vêm agora o Ministério Público e os três arguidos A, B, C recorrer deste acórdão ao Tribunal de Última Instância.
   
   O Ministério Público formulou as seguintes conclusões da motivação:
   “1. Com o presente recurso, pretende-se impugnar o douto acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância na parte respeitante à condenação dos arguidos D, E e F pela prática, sob a forma de cumplicidade, do crime de homicídio qualificado.
   2. Salvo o muito respeito, afigura-se-nos que, analisando a matéria de facto dada como assente nos autos, os mesmos arguidos devem ser condenados não como mero cúmplices mas sim como co-autores.
   3. São os dois requisitos da co-autoria: i) a existência de acordo com outro ou outros, que pode ser expresso ou tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização do crime; e ii) a participação directa do agente na execução do facto juntamente com aquele ou aqueles, que traduz num exercício conjunto no domínio do facto, numa contribuição objectiva para a realização, que tem a ver com a causalidade, embora possa não fazer parte da “execução”.
   4. Por sua vez, se o agente prestar, dolosamente e por qualquer forma, auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso, é considerado como cúmplice.
   5. Sendo ambos formas de participação criminosa, a distinção entre co-autoria e cumplicidade consiste em que o co-autor participa directa e conjuntamente com outrem na execução do crime e o cúmplice presta apenas auxílio material ou moral à prática do crime.
   6. Entende este Alto Tribunal de Última Instância que “na participação criminosa sob a forma de co-autoria são necessários dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado e uma execução igualmente conjunta”.
   7. E “na comparticipação criminosa, quanto à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos (de execução), bastando que a actuação de cada um seja elemento do todo e que o resultado seja querido por cada um, mesmo sob a forma de dolo eventual” (cfr. Ac. de 15 de Outubro de 2008, proc. n.º 35/2008).
   8. No caso sub judice, ficou provado que os referidos arguidos fizeram parte de uma associação secreta, sendo membros de segunda linha do grupo, que se destinava a actividades criminosas.
   9. No que concerne ao crime de homicídio qualificado, ficou provado que os mesmos arguidos se deslocaram ao Restaurante, conjuntamente com os outros, incluindo os 1 ° a 4° arguidos.
   10. E durante a agressão à vítima, ocorrida na Sala VIP do Restaurante, aqueles arguidos ficaram fora dessa sala, fazendo vigilância, e abandonaram o local a seguir dos 1° e 2° arguidos, altura em que a vítima já tinha sido morta.
   11. Não obstante a não participação directa na agressão à vítima, certo é que aqueles arguidos ficaram fora da Sala VIP a fazer vigilância, de modo que não deixaram pessoas estranhas a entrar no restaurante e descobrir o sucedido.
   12. Ora, tomando em consideração a factualidade acima descrita, conjugando com os restantes factos também provados, parece-nos que os arguidos em causa agiram voluntária e coordenadamente com os outros arguidos, trabalhando em grupo e em nome de todos, cooperando entre si, sabendo, desejando e concordando com as condutas desenvolvidas, e retiraram a vida de outrem por motivo fútil, o que foi também dado como provado.
   13. Os elementos apurados nos autos não revelam apenas um mero auxílio à execução do crime; o que está provado é mais do que isto: os arguidos em causa tomaram uma parte na realização da actividade criminosa.
   14. Estamos perante uma situação em que foi feita uma distribuição das tarefas entre os vários arguidos intervenientes e cada um desempenhava o seu papel com vista à execução das mesmas actividades ilícitas.
   15. Em relação à medida concreta da pena, tendo em conta o disposto nos art.°s 40.° e 65.° do CPM e a moldura penal aplicável ao crime de homicídio qualificado, e analisando o circunstancialismo apurado nos autos, afigura-se-nos justa e equilibrada uma pena não inferior a 18 anos de prisão.
   16. O douto acórdão ora recorrido padece de erro em qualificação jurídica dos factos dados como provados, violando o disposto nos art.°s 25.° e 26.° do CPM.”
   Pedindo que seja dado provimento ao recurso e que se passe a condenar os três arguidos em causa como co-autores do crime de homicídio qualificado com aplicação de pena que se acha justa e adequada.
   
   A formulou as seguintes conclusões úteis na sua motivação:
   - Foi referido a fls. 822 dos autos, nem o próprio arguido, nem o defensor (ou defensor nomeado) dele presenciou a elaboração do referido auto. Pior ainda, nem foram notificados para estarem presentes.
   - Isto não está conforme ao disposto no art.º 253.º, n.º 2 do CPPM (isto é, tanto o arguido como o defensor devem ser comunicados para estarem presentes na elaboração do referido auto), nem está garantido o princípio de contraditório.
   - Aquando da elaboração do referido auto, já havia indícios evidentes que apontavam para certas pessoas.
   - Se bem que fosse difícil notificar essas pessoas, pelo menos tinha que designar um defensor em representação deles para estar presente na elaboração do auto.
   - Assim sendo, verificou-se aqui um vício de ilegalidade (violação ao art.º 253.º, n.º 2 do CPPM).
   - Entende que isto consubstancia a situação prevista na al. c) do art.º 106.º do CPPM,
   - Portanto, o acórdão recorrido, ao negar provimento à pretensão do recorrente no sentido de declarar inválido o auto de declaração para memória futura da 1.ª testemunha G constante de fls. 822-823 dos autos, violou o disposto no art.º 253.º, n.º 2 do CPPM,
   - Tanto mais que, este auto de declaração para memória futura era para demonstrar que o recorrente participou numa associação secreta – que tem o seu meio habitual para obter benefício ilegítimo.
   - Assim sendo, em virtude da invalidade do referido auto, deve ser declarada não provada a prática do crime de associação secreta prevista e punível pelo art.º 1.º, al. a) e art.º 2.º, n.º 2 da Lei n.º 6/97/M.
   - Em segundo lugar, relativamente ao crime de associação secreta, previsto e punível pelo art.º 1.º, al. a) e art.º 2.º, n.º 2 da Lei n.º 6/97/M, de que o recorrente foi imputado.
   - Temos que dizer que, o recorrente, depois de detido, tem mantido uma atitude cooperativa com os órgãos policiais e judiciais de Macau, tendo já manifestado várias vezes, quer durante a inquirição para a elaboração de autos, quer em audiência, que nunca participou em qualquer associação secreta, quer com nome quer anónimo, com o fim de obter benefícios ilícitos.
   - De facto, nas declarações e depoimentos prestados pelos arguidos e testemunhas que estiveram presentes em audiência, não há provas directas ou suficientes de que o recorrente tenha participado na prática de usura, de forçar o pagamento de dívida por violência, de praticar homicídio ou de prestar auxílio a terceiro para a sua entrada ilícita em Macau.
   - Não se provou suficiente e directamente que o recorrente tivesse praticado os respectivos actos de forma dolosa ou negligente, como autor ou cúmplice, nem o auto de declaração para memória futura (questionado pelo recorrido por existir vício de ilegalidade) constante de fls. 822-823 dos autos referiu o recorrente.
   - Pelo que, entende o recorrente que falta-lhe o elemento subjectivo para o crime de associação secreta.
   - Assim, o acórdão da 1.ª instância, ao julgar provada a prática do crime de associação secreta previsto e punível pelo art.º 1.º, al. a) e art.º 2.º, n.º 2 da Lei n.º 6/97/M, e o acórdão recorrido, ao confirmar o acórdão da 1.ª instância, violaram o disposto no art.º 1.º, al. a) e art.º 2.º, n.º 2 da Lei n.º 6/97/M, padecendo assim do “vício resultante do mal-entendimento das leis” previsto no art.º 400.º, n.º 1 do CPPM, motivo pelo qual, deve ser anulado.
   - Entende o recorrente que, na correcta aplicação do art.º 1.º, al. a) e art.º 2.º, n.º 2 da Lei n.º 6/97/M, ele deve ser absolvido do crime de associação secreta por falta do elemento subjectivo do crime.
   - Em terceiro lugar, em relação à condenação do recorrente na pena de prisão de 18 anos pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de homicídio qualificado previsto e punível pelo art.º 129.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) do CPM,
   - Ele foi incumbido de trazer a vítima de Casino(1) para o restaurante de hotpot a fim de discutir sobre o pagamento de dívidas meramente porque ele o conhecia.
   - O local onde o recorrente encontrou a vítima, a forma como aquele levou a vítima para o restaurante de hotpot, os ferimentos sofridos pelo recorrente, e os depoimentos prestados pelas testemunhas, todos indicam que o recorrente não estava presente no local onde ocorreu o incidente – sala VIP do restaurante, isto é, o recorrente não praticou homicídio quer em autoria material quer em co-autoria com outras pessoas.
   - Por outro lado, o recorrente entende que não há provas directas e suficientes de que ele tivesse intenção de matar. Por este motivo, o recorrente afirma que ele no fundo não tinha a intenção de matar a vítima, motivo pelo qual deve ser julgada não provada a prática do crime de homicídio qualificado.
   - Assim sendo, o acórdão recorrido, ao confirmar o acórdão da 1.ª instância, violou o disposto no art.º 129.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) do CPM, padecendo assim do “vício resultante do mal-entendimento das leis” previsto no art.º 400.º, n.º 1 do CPPM, motivo pelo qual, deve ser anulado.
   - Entende o recorrente que, na correcta aplicação do art.º 129.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) do CPM, o recorrente deve ser absolvido do crime de homicídio qualificado por falta do elemento subjectivo do crime.
   - O recorrente não tem antecedentes criminais, nem é arguido em qualquer processo criminal pendente ou alvo de qualquer inquérito criminal de que ele já tenha conhecimento. Quer dizer, o recorrente é delinquente primário.
   - Durante todo o processo criminal, especialmente a detenção, o 1.º interrogatório judicial e a audiência, ele tem contado sem reservas o decorrer dos factos, o que contribuiu, em certa medida, activa e positivamente para a descoberta dos factos e a realização da justiça.
   - Por este motivo, a pena de prisão de 8 anos fixada para o crime de associação secreta, e a pena de prisão de 18 anos encontrada para o crime de homicídio qualificado são manifestamente excessivas.
   - Assim sendo, o acórdão recorrido, ao decidir manter as penas determinadas pelo acórdão da 1.ª instância, violou o espírito legislativo que está subjacente aos art.ºs 65.º e 66.º do CPM, devendo assim ser anulado.
   - No entender do recorrente, na correcta aplicação do disposto nos art.ºs 65.º e 66.º do CPM, deve o tribunal ordenar a redeterminação das penas, e o cúmulo jurídico a decidir pelo Tribunal de Última Instância.
   Pedindo a procedência do recurso nos referidos termos.
   
   B apresentou as seguintes conclusões da motivação:
   “1. A matéria de facto dada como provada no acórdão impugnado é insuficiente para sustentar a decisão proferida quer no que concerne a escolha e determinação da medida da pena.
   2. A pena de prisão de 6 anos de prisão em que o arguido B foi condenado é claramente excessiva.
   3. Nos termos do disposto no art.° 65.° do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
   4. Na medida da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, incluindo as que são mencionadas na douta sentença recorrida.
   5. O Tribunal a quo e o acórdão recorrido aplicaram ao recorrente uma pena superior à aplicada aos restantes arguidos condenados pelo crime de associação secreta, com grau de hierarquia superior e que também praticaram outros crimes.
   6. O acórdão recorrido peca por falta de fundamentação, pois através da sua leitura não é possível reconstituir o itinerário cognoscitivo que levou o tribunal a tomar a decisão de condenação, especialmente em conjugação com as normas e os princípios que a doutrina, a jurisprudência e a lei determinam como orientadores da determinação da medida da pena, por não ter considerado os factores individuais e as circunstâncias particulares em que cada um dos arguidos cometeu os crimes de que vinha acusado.
   7. Não podemos alcançar o raciocínio do acórdão recorrido ao decidir condenar com a pena de seis a oito anos de prisão os arguidos, com posições hierárquicas diferentes na associação e com diferente participação nos factos, ou seja com diferentes graus de culpa e,
   8. Por outro lado, decidir condenar o recorrente em uma pena substancialmente superior à aplicada a quem, alegadamente, detinha na associação criminosa uma posição hierárquica mais elevada e teria outra participação nos factos levados a cabo por esta organização;
   9. O tribunal a quo violou os art.°s 40.° n.°s 2 e 3, 65.° n.°s 1 e 2, do Código Penal.”
   Pedindo que seja aplicada ao recorrente uma pena substancialmente inferior a seis anos de prisão.
   
   C formulou as seguintes conclusões úteis na sua motivação:
   - Não se provou que o recorrente tivesse praticado algum crime, particularmente o crime de homicídio qualificado ou de pertença a uma associação ou sociedade secreta nos termos descritos na Lei n.° 6/97/M e ficou plenamente assente que não tomou parte dos tristes acontecimentos ocorridos nos dia 6 e 7 de Setembro de 2008 que culminou no assassínio de H.
   - Ora, os factos dados como provados não se mostram suficientes para imputar ao ora recorrente a prática do crime de associação ou sociedade secreta porquanto não se vislumbra de que modo o recorrente terá praticado qualquer comportamento previsto nas diversas alíneas do art.° 2.°, n.° 2 da Lei n.° 6/97/M, ou outro comportamento similar.
   - Não se deu como provado que a organização secreta em causa se tenha constituído para obter vantagens ou benefícios ilícitos.
   - E não constando este facto da acusação e da matéria de facto provada não podia o Tribunal tê-lo considerado provado em sede de fundamentação.
   - A propósito, os crimes dos art.°s 1.° e 2.° da Lei n.° 6/97/M pressupõem um elemento adicional (a obtenção de vantagens ou benefícios ilícitos), que não consta do art.° 288.° do Código Penal, que menciona apenas a organização cuja finalidade ou actividade é dirigida à prática de crimes.
   - E esta diferença repercute-se na respectiva moldura penal.
   - Em conclusão, não se demonstrando que a constituição da organização em causa visasse obter vantagens ou benefícios, teria o recorrente de ser absolvido da prática do crime de chefia ou pertença a associação ou sociedade secreta, previsto e punível pelos art.°s 1.° e 2.° da Lei n.° 6/97/M.
   - Procedendo-se assim à convolação do crime dos art.°s 1.° e 2.° da Lei n.° 6/97/M para o crime do art.° 288.° do Código Penal em que se exige uma organização, com estabilidade, cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de crimes.
   - E, deverá o recorrente ser condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de membro de associação criminosa, previsto e punível pelo art.° 288.°, n.°s 2 e 1 do Código Penal, na pena de três anos e três meses de prisão.
   - Na eventualidade de não ser aceite a convolação acima invocada, à cautela, sempre se alega a pena que foi aplicada ao ora recorrente é manifestamente excessiva e viola o disposto no art.° 65.° do CP.
   - Não é adequada à culpa do recorrente e não contribui minimamente para realizar as finalidades da sua reinserção social (art.° 40.° do mesmo Código).
   - Nos diversos percursos de determinação da pena concreta final, não foi devidamente ponderada a inexistente ou reduzida culpa do arguido e, bem assim, a conduta, comportamentos, personalidade e situação económica, familiar e social do mesmo, as circunstâncias, a comparação com o comportamento dos restantes arguidos, tudo conforme o disposto nos art.°s 40.° e 65.° do CP.
   - Bem como, ainda mais patente, a culpa não foi apurada tendo em vista a actuação concreta do arguido, conduta anterior e demais circunstancialismo, ponderando o disposto no art.°s 64.° e 65.° do CP, tendo ainda em vista a necessidade de criar alguma proporcionalidade em relação à pena dos 1°, 2°, 4°, 10°, 11 ° e 12° arguidos, reduzem-se as penas aplicadas.
   - A douta sentença recorrida peca por falta de fundamentação, pois através da sua leitura não é possível reconstituir o itinerário cognoscitivo que levou o tribunal a tomar a decisão de condenação.
   - A pena aplicada ao recorrente deve ser substancialmente inferior à aplicada a quem detinha na associação criminosa uma posição hierárquica mais elevada e teria outra participação nos factos levados a cabo por esta organização.
   - Pelos motivos largamente discutidos acima aludidos, considerados agora globalmente, com destaque para o escasso envolvimento do recorrente e, por outro lado, considerando a matéria factual apurada, a ausência ou limitadíssima culpa objectiva da sua parte, não esquecendo a ausência de antecedentes criminais, julga-se ajustada e adequada, por se mostrar proporcionada em comparação com os restantes arguidos, a pena concreta de 5 anos e 3 meses de prisão.
   Pedindo que seja julgado procedente o recurso e passado a condenar o recorrente pelo crime de membro de associação criminosa previsto no art.° 288.°, n.°s 2 e 1 do CP na pena de 3 anos e 3 meses de prisão ou, se assim não for entendido, pelo crime de associação secreta previsto nos art.°s 1.°, al. a) e 2.° da Lei n.° 6/97/M na pena de 5 anos e 3 meses de prisão.
   
   Em resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, os arguidos D, E e F entendem que deve ser julgado improcedente.
   
   Na resposta emitida pelo Ministério Público sobre o recurso interposto por A, considera válida a declaração para memória future em causa, ou não consubstanciar em nulidades insanável ou ficar sanada a eventual irregularidades. Por outro lado, são manifesto o dolo subjectivo na prática dos crimes de associação secreta e do homicídio qualificado e adequadas as penas concretas fixadas.
   
   Sobre o recurso interposto por B, o Ministério Público entende que deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente.
   
   Em relação ao recurso interposto por C, o Ministério Público entende que a sua conduta integra perfeitamente o crime de associação secreta previsto nos art.ºs 1.º e 2.º da Lei n.º 6/97/M e a pena de seis anos de prisão não se revela, de modo nenhum, excessiva. Assim, deve ser negado provimento ao recurso.
   
   Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição assumida nas respostas.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Matéria de facto
   Foram dados como provados pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância os seguintes factos:
   “1. Arguido I, J, K, B, C, D, E, F, entre outros, formaram um grupo em Macau que, aparentemente, desenvolviam actividade de jogo, mas, de facto, se dedicavam secretamente à criminalidade, tais como, a agiotagem, a cobrança de dívidas por meio violento, o homicídio e a entrada ilegal em Macau. O 1º arguido I, de alcunha “I1”, é o cabecilha daquele grupo.
   2. O 1º arguido I é o membro da associação secreta(1) de Hong Kong. Esta associação já existia há muito tempo em Hong Kong.
   3. Em Janeiro de 2008, o arguido I começou a gerir o Clube VIP no Casino(2)e convidou os seus subordinados da associação secreta de Hong Kong para trabalhar no referido clube, incluindo L, M, arguido K, arguido de nacionalidade tailandesa E, D, F e entre outros tailandeses N, O e P.
   4. Em seguida, o arguido I angariou novos membros nas associações secretas do Interior da China, de Hong Kong e de Macau, tais como os arguidos C, B e A, assim como Q, R, S, T e “U”.
   5. Após a adesão do arguido J ao referido grupo, este atraiu ainda V (V1), W, X, entre outras pessoas para aderirem àquela associação.
   6. Os membros da 1ª linha da dita associação são: arguido J, A e L; os da 2ª linha são: arguido K, V (V1), W, “U”, os arguidos tailandeses E, D, F, bem como os tailandeses N, O e P.
   7. O arguido Y conhece o arguido I e exercia funções de bate-fichas no Clube VIP gerido pelo segundo.
   8. De 1969 a 1980, o arguido J era polícia de Hong Kong e também membro da associação secreta(2) e depois transferiu para a associação secreta(3). Em seguida, este entrou clandestinamente em Macau e trabalhou para o arguido I, exercendo funções de bate-fichas no Clube VIP do Casino(2).
   9. O arguido A trabalhou para o arguido I a partir de Julho de 2008, exercendo funções de bate-fichas no Clube VIP.
   10. O arguido B é membro da associação secreta(1), sendo membro da 3ª linha da associação do arguido I, pela apresentação do indivíduo “Z”, trabalhou para o arguido I, exercendo funções relativas às relações públicas e aos jogos. Assim, os arguidos B e C vieram conjuntamente a Macau em Março de 2008.
   11. O arguido C é membro da associação secreta(1), sendo membro da 3ª linha da associação do arguido I, pela apresentação do indivíduo “Z”, trabalhou para o arguido I, exercendo funções de bate-fichas e de cobrança de dívidas. Assim, o arguido C veio a Macau em Março de 2008 e conseguiu ganhar confiança do arguido I.
   12. O arguido AA conhecia o arguido I em 2002 e, em 2008, veio a Macau para assistir a cerimónia da abertura do Clube VIP, posteriormente, exercia funções das relações públicas e da tesouraria no referido clube.
   13. Os arguidos E, D e F vieram, no início do ano de 2008, da Tailândia a Macau para trabalharem para o arguido I, exercendo funções de bate-fichas no Clube VIP do Casino(2) e servindo de guarda-costas do arguido I.
   14. O dito clube e o apartamento, sito na [Endereço(1)], são sede e local de encontro da referida associação em Macau.
   15. Em 16 de Agosto de 2008, por volta das 19H00, por ordem do arguido I, o tailandês O pediu à vítima G que se deslocasse ao Clube VIP, sito no 5º andar do Casino(2), para fornecer o endereço dos devedores tailandeses, AB e AC, na Tailândia.
   16. Após a chegada da vítima G ao referido clube, por ordem do arguido I, O conduziu-o para a Sala VIP do Restaurante. Na dada altura, os 3 subordinados do arguido I, ou seja, o arguido K, P e um chinês de identidade desconhecida, já estavam à espera naquela sala.
   17. Na sala VIP, o arguido K levou a vítima G para a casa de banho daquela sala, e, depois, o dito chinês desconhecido entrou também na casa de banho, pegou com a mão direita num canivete e espetou na nuca da vítima.
   18. A vítima G resistiu, por isso, o arguido K agarrou nas duas mãos dela para que o chinês desconhecido pudesse espetar no lado direito da parte torácica e nas partes frontal e interior da perna direita da mesma.
   19. Antes de enfiar o canivete no lado esquerdo da parte torácica da vítima G, esta pediu ao arguido K que a ajudasse a pedir ao arguido I para libertá-la. Enfim, acabou por ser libertada a vítima G e esta dirigiu-se ao Hospital.
   20. A vítima G sofreu de ferimento (o relatório do exame de ferimento consta de fls. 881 e 1199 dos autos), provocando-lhe doença com duração de 10 dias e perda da capacidade de trabalho naquele período.
   21. A vítima H, de alcunha “H1”, é membro da associação secreta(1) de Hong Kong, tendo desempenhado um cargo de dirigente naquela associação.
   22. Há 10 anos atrás, H jogava com o arguido J que na altura era membro da associação secreta(3) de Hong Kong e perdeu $4.000.000,00, pelo que, depois de ter efectuado o pagamento de $2.000.000,00 ao arguido J, a vítima ainda fica com uma dívida de $2.000.000,00 perante o referido arguido.
   23. Antes da ocorrência do presente caso, o arguido J já era subordinado do arguido I, por isso, o arguido I ajudou-o a cobrar a referida dívida.
   24. Em 6 de Setembro de 2008, a vítima H chegou a Macau. Na altura, H e o seu amigo S (S1) deslocaram-se ao Casino(1).
   25. Em 6 de Setembro de 2008, por volta das 20H00, os arguidos I, J, Y, A e K, bem como L (L1), V (V1), M (M1), AD, W (W1), Q (Q1), AE, T, X, os arguidos E, D e F deslocaram-se ao Restaurante.
   26. Como havia muitas pessoas, eles ocuparam a Sala VIP e algumas mesas fora daquela sala.
   27. Na altura, estavam naquela sala os arguidos I, J, Y e A, bem como M (M1), W (W1), arguido K, L (L1), entre outros.
   28. Pouco depois, o arguido I sabia que a vítima H estava no Casino(1), por isso, comunicou ao arguido J do assunto. Consequentemente, o arguido J ordenou aos arguidos A e M (M1), assim como a outras pessoas que se deslocassem ao Casino(1) para conduzirem a vítima até ao restaurante em apreço.
   29. Por não terem conseguido encontrar a vítima H, eles foram para Hotel(1). Por volta da 22H00, o arguido J telefonou a M (M1), dizendo que a vítima H estava no Casino(1), por isso, eles voltaram para o dito casino.
   30. Encontrada a vítima H, os subordinados do arguido J, com mais de dez pessoas, incluindo W (W1), cercaram-na.
   31. Depois, M tentou convencer H para que se encontrasse com os arguidos I e J. Após o contacto telefónico com o arguido J, H aceitou ter o encontro com os referidos arguidos.
   32. Eles foram de duas viaturas ao Restaurante.
   33. À chagada à Sala VIP do Restaurante, os arguidos I, J, A, K, bem como L (L1), S, W (W1), M (M1), V (V1), entre outros, com mais de dez pessoas, já estavam naquela sala, enquanto os arguidos E, D, F e os demais subordinados dos arguidos I e J estavam noutras mesas fora da sala, vigilando a referida sala.
   34. Em seguida, H e os arguidos I e J encontravam-se em discussões, o arguido I perguntou a H se tinha alguma vez dito que o arguido J era “lixo”. Por sua vez, H respondeu afirmativamente.
   35. Por diante, o arguido I deu uma cotovelada ao peito de H, nesta ocasião, outras pessoas também começaram logo a agredir H, provocando uma situação caótica.
   36. Na agressão, o subordinado do arguido I, Q (Q1) feriu a parte torácica de H. Por ordem do arguido I, algumas pessoas arrastaram H para a casa de banho da referida sala VIP. Na altura, um indivíduo deu um golpe no pescoço de H.
   37. Na agressão, o arguido A feriu-se na parte entre a polegada e o indicador e começou a sangrar, deste modo, abandonou o restaurante em causa. O arguido A regressou ao seu domicílio, sito no [Endereço(1)], para tratar da ferida, trocando a roupa, e dirigiu-se novamente àquele restaurante. Na dada altura, estavam presentes no dito restaurante os arguidos I, J, bem como Q, L, S, M, alguns subordinados e arguidos tailandeses E, D e F.
   38. Em 7 de Setembro de 2008, o arguido I pediu aos empregados do aludido restaurante que saíssem mais cedo do serviço, pois, todos os empregados abandonaram o restaurante por volta das 02H00.
   39. Em 7 de Setembro de 2008, por volta da 01H29, os arguidos I e J foram os primeiros que saíram daquele restaurante e, em seguida, saíram também R, U, os arguidos F, D, E, K, bem como o arguido B e os demais subordinados que foram recém-chegados à entrada do restaurante.
   40. Posteriormente, por volta da 01H31, as pessoas acima mencionadas deslocaram-se todas ao Casino(2) e abandonaram-no por volta da 01H40.
   41. No restaurante, o cadáver de H foi vigilado por dois subordinados (de identidade desconhecida) do arguido I.
   42. O arguido I ordenou a L que entregasse MOP$100.000,00 ao arguido A e, também, ordenou a A que chamasse o arguido J para tratar do cadáver de H.
   43. O arguido J ordenou a V (V1), X e M (M1) que se deslocassem ao Restaurante para esquartejarem o cadáver de H.
   44. Em 7 de Setembro de 2008, por volta das 03H00, o arguido A deslocou-se então, de táxi, a uma loja na Areia Preta, onde comprou os objectos que considerou necessários para a tarefa, designadamente cutelos, sacos de plástico, fitas adesivas, detergentes e luvas de plástico. O arguido A, depois de ter levado os referidos objectos até ao restaurante, deslocou-se ao Casino(2) e, na dada altura, só ficavam no restaurante os dois subordinados do arguido I.
   45. Naquele dia, por volta das 04H00, o arguido A reuniu com V (V1), X e M (M1) no Casino(2) e, posteriormente, deslocaram-se ao Restaurante. À chegada, um indivíduo desconhecido abriu a porta para eles.
   46. V (V1), X e M (M1) esquartejaram o cadáver da vítima H e meteram-no nos sacos de plástico. Naquele momento, o arguido A tornou a abandonar o restaurante para comprar três bagagens da cor preta nas proximidades do Hotel(1), e, depois regressou ao restaurante em causa. As referidas 4 pessoas colocaram nas bagagens os sacos de plástico onde foi metido o corpo esquartejado.
   47. Em 7 de Setembro de 2008, por volta das 11H00, as referidas pessoas, após ter feita a limpeza do restaurante, abandonaram-no e foram de dois táxis para a residência de V (V1), sita na [Endereço(2)], levando com eles as bagagens em que se colocou o corpo esquartejado de H.
   48. No dia seguinte, V (V1) telefonou ao arguido A, solicitando-lhe mais dinheiro, com o qual comprou uma serra eléctrica, mais fitas adesivas e sacos de plástico, a fim de facilitar o esquartejamento do cadáver. Enfim, o arguido A entregou a V a quantia de MOP$40.000,00 que foi repartida da quantia de MOP$100.000,00 recebida anteriormente de L.
   49. Depois, V voltou a telefonar ao arguido A, pedindo-lhe um frigorífico para guardar os pedaços do corpo.
   50. O arguido A solicitou mais MOP$100.000,00 a L. Após ter recebido o dinheiro, este comprou um frigorífico nos Artigos Eléctricos, pedindo o transporte deste para [Endereço(2)].
   51. Em 19 de Setembro de 2008, L ordenou ao arguido A que guardasse na residência deste as bagagens em que se colocaram os pedaços do corpo, e prometeu-lhe que lhe pagaria a quantia de MOP$100.000,00.
   52. Assim, o arguido A conduziu o seu automóvel ligeiro (de matrícula MN-XX-XX), deslocando-se para o 4º andar do auto-silo do [Endereço(2)]. Foi ali que A e V (V1) meteram as três bagagens e uma mochila na referida viatura. Em seguida, o arguido A transportou-as para o seu apartamento, sito em [Endereço(3)], e guardou-as num quarto aproximado da cozinha. Após ter o ar condicionado ligado, a porta fechada e o caixilho de porta tapado, o dito arguido abandonou o apartamento e saiu de Macau através do posto fronteiriço de Flor de Lotus.
   53. Em 11 de Novembro de 2008, por volta das 10H00, agentes da PJ deslocaram-se ao apartamento do arguido A, sito em [Endereço(3)], e descobriram três bagagens de grande dimensão num quarto aproximado da cozinha.
   54. Foram encontrados nas referidas três bagagens sete pedaços do corpo bem embrulhados. Após o exame, verificou-se que era o cadáver de H que morreu há três semanas.
   55. Em 18 de Setembro de 2008, no apartamento, sito na [Endereço(1)], a PJ encontrou o arguido B, C, AA, E e D, e, após ter procedido à busca domiciliária, efectuou, no uso da sua competência, a apreensão (vide autos de apreensão constantes de fls. 248 a 256 dos autos).
   56. Na tesouraria do Clube VIP, a PJ efectuou a apreensão de uma série de documentos (vide autos de apreensão constantes de fls. 243 a 256 dos autos).
   57. A PJ efectuou a apreensão de dois telemóveis e três cartões SIM do arguido E (vide auto de apreensão constante de fls. 328 dos autos).
   58. Em 18 de Setembro de 2008, por volta das 16H00, nas proximidades do Hotel(2), o arguido Y foi interceptado pela PJ.
   59. Agentes da PJ detectaram, no bolso traseiro do lado direito das calças do arguido Y, um saco de objectos cristalizados de cor amarela e, na carteira do mesmo, um rolo de papéis de alumínio (vide auto de apreensão constante de fls. 373 dos autos).
   60. Após o exame laboratorial, averigua-se que os referidos objectos cristalizados de cor amarela têm o peso líquido de 0,044 gramas e são “Metanfetamina”, abrangida pela tabela II-B anexa ao art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M.
   61. Os referidos estupefacientes e papéis de alumínio foram adquiridos pelo arguido Y ao arguido AF pelo preço de MOP$600,00. Os estupefacientes em apreço foram destinados ao consumo pessoal e os papéis de alumínio serviram de instrumentos para consumo de drogas.
   62. Em 19 de Setembro de 2008, agentes da PJ interceptaram o arguido A e descobriram na posse dele um canivete prateado, cinco telemóveis e três cartões SIM (vide auto de apreensão constante de fls. 471 dos autos).
   63. Após o exame laboratorial, averigua-se que o aludido canivete tem o comprimento global de 16cm e o comprimento da lâmina é de 7cm; e, caso este seja utilizado como arma ofensiva contra as partes fundamentais do corpo humano, poderá causar ferimentos graves ou ofensas graves à integridade física.
   64. O referido canivete do arguido A foi destinado ao uso pessoal e, também, podia ser utilizado como arma ofensiva.
   65. A PJ realizou a busca à viatura do arguido A (de matrícula MN-XX-XX, registada com o nome AG), onde foram detectados os vestígios sanguíneos nas proximidades do assento do condutor, cuja parte deles pertence à vítima H (vide fls. 1044 e 1291 a 1396 dos autos).
   66. A PJ também realizou a apreensão do frigorífico em causa (vide auto de apreensão constante de fls. 1361 dos autos).
   67. O clínico de medicina legal procedeu à autópsia no cadáver de H e conclui que:
   1) O cadáver da vítima foi esquartejado em sete pedaços;
   2) Existe uma pontoada na parede torácica frontal do lado esquerdo, conformando com o ferimento causado por punhal, a ferida foi provocada antes da morte da vítima;
   3) Presume-se que a vítima sofresse da pontoada provocada pela arma branca e resultasse a morte da mesma pelo choque por hemorragia quantiosa (há uma ferida na parte lateral esquerda do pescoço);
   4) O cadáver foi embalado em várias camadas, pelo que se presume que a vítima já tivesse morto há mais de seis semanas;
   5) Os instrumentos utilizados para esquartejamento do cadáver são cutelos e serra;
   6) H foi morto pela hemorragia quantiosa proveniente dos ferimentos na parte torácica e no metencéfalo causados pela arma branca, pois, trata-se aqui dum caso de homicídio (vide relatório de autópsia do cadáver constante de fls. 1202 e 1212 dos autos).
   68. Os arguidos I, J, A, K, B, C, D, E, F, entre outros, reuniram em consentimento mútuo, determinaram e praticaram voluntariamente o acto supra referido, pelo que agiram, com divisão de tarefa, em nome colectivo, de forma voluntária, com concordância entre si e colaboração mútua, o acto em apreço.
   69. De facto, os arguidos I, J, A, K, B, C, D, E, F e os demais membros da associação agiram de forma unida, além disso, sabiam, desejavam e concordavam com o crime cometido e, em nome e interesse colectivos, concordaram manifestamente com a acção criminosa.
   70. Os arguidos I, J, A, K, B, C, D, E e F agruparam-se, sabendo que tinham de se cooperar para atingirem a finalidade ilícita.
   71. Os arguidos I, J, A, K, D, E, F, entre outros, mataram a vítima por um motivo insignificante, sendo uma atitude extremamente cruel.
   72. Os arguidos I, J, A, entre outros, retiraram, destruíram ou esconderam deliberadamente o cadáver da vítima, desrespeitando o falecido, prejudicando a consideração dada ao falecido pelos seus familiares, bem como impedindo a realização do funeral.
   73. Os arguidos I, K, entre outros, agiram livre e conscientemente o acto supra mencionado, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei. Eles tinham perfeito conhecimento de que não possuíam nenhum motivo razoável para atacarem a vítima, mas ainda lhe causaram dolosamente lesões corporais, torturaram-na e aumentaram o sofrimento desta por meios violentos.
   74. O arguido A tinha conhecimento das características e natureza do canivete em causa, assim como sabia perfeitamente que não o podia deter nem utilizar.
   75. O arguido AF adquiriu, cedeu e transaccionou estupefacientes, com a intenção de obter retribuição pecuniária.
   76. O arguido Y adquriu e deteve Metanfetamina destinada ao consumo pessoal, bem sabendo que esta se trata dum estupefaciente.
   77. Ao adquirir e deter os referidos papéis de alumínio, o arguido Y sabia muito bem que estes não podiam ser usados como instrumentos para consumo de estupefacientes.
   78. Os arguidos I, J, A, K, B, C, Y, AF, D, E e F agiram livre, voluntária e conscientemente os actos supra referidos.
   79. Todos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei.
   80. O arguido J agiu o acto em apreço na qualidade de imigrante ilegal.
   81. Em 6 de Setembro de 2008, por volta das 10H00, ou seja, quando H foi conduzido para o Restaurante, já o arguido Y tinha saído do respectivo restaurante.
   82. Constata-se no relatório médico do Hospital: na nuca de G há dois ferimentos de laceração irregular, cujo comprimento destes é, respectivamente, de 5cm e 3cm, com a profundidade até à camada muscular; há um ferimento na parede torácica do lado direito, cujo comprimento deste é de cerca de 4cm, com a profundidade até à camada muscular; e, há várias lacerações na pele. Diagnosticado por clínico de medicina legal que os ferimentos do ofendido pertencem à ofensa simples à integridade física.
   83. Pelos respectivos certificados de registo criminal, os 12 arguidos são delinquentes primários em Macau.
   84. Demonstram-se abaixo a situação económica e familiar, assim como o grau de educação dos arguidos:
   Sem informação sobre a situação económica e familiar, assim como o grau de educação do 1º arguido I.
   O 2º arguido J alegou que é o guarda da Polícia de Hong Kong jubilado; antes de ser preventivamente preso, dedicava-se à tarefa de bate-fichas há 2 meses, auferindo uma remuneração global de HKD$70.000,00; necessita de suportar as dívidas da sua esposa; e, tem como habilitações literárias o 2º ano do ensino secundário.
   O 3º arguido A alegou que é o patrão duma companhia de logística, auferindo uma remuneração mensal de $80.000,00 a $100.000,00, tem a esposa, um filho e uma filha a seu cargo; e, tem como habilitações literárias o ensino superior.
   Sem informação sobre a situação económica e familiar, assim como o grau de educação do 4º arguido K.
   O 5º arguido B alegou que, antes de vir a Macau, era empregado dum bar em Hong Kong, auferindo o salário mensal de cerca de HKD$10.000,00, e, em Macau, exerce funções de relações públicas no Clube VIP e é indicado para tomar conta do apartamento, sito no [Endereço(1)]. Tem os pais a seu cargo; e, tem como habilitações literárias o 3º ano do ensino secundário completo.
   O 6º arguido C alegou que, antes de ser preventivamente preso, exercia funções de relações públicas do casino no Clube VIP, auferindo o salário mensal de cerca de HKD$15.000,00, tem a esposa e os sogros a seu cargo; e, tem como habilitações literárias o 3º ano do ensino secundário completo.
   O 7º arguido AA alegou que exerce funções de gestão de obras em Guangzhou e, em tempo parcial, as funções de relações públicas no Clube VIP, auferindo mensalmente, pelo trabalho de relações públicas, o salário de cerca de HKD$10.000,00, tem a esposa e um filho a seu cargo; e, tem como habilitações literárias o ensino secundário complementar completo.
   O 8º arguido Y alegou que, antes de ser preventivamente preso, dedicava-se às actividades comerciais, fornecendo papéis higiénicos e isqueiros às salas de jogo, auferindo uma remuneração mensal de MOP$30.000,00 a 40.000,00, tem os pais e quatro filhos a seu cargo; e, tem como habilitações literárias o 2º ano do ensino secundário completo.
   O 9º arguido AF não tem receita fixa nem cargo familiar; e, tem como habilitações literárias o ensino secundário geral completo.
   O 10º arguido D alegou que, antes de ser preventivamente preso, exercia funções de relações públicas do casino no Clube VIP, auferindo o salário mensal de HKD$15.000,00, tem os pais a seu cargo; e, tem como habilitações literárias o 6º ano do ensino primário.
   O 11º arguido E alegou que, antes de ser preventivamente preso, dedicava-se à tarefa de bate-fichas no Clube VIP, auferindo o salário mensal de cerca de HKD$15.000,00, tem a mãe, a esposa e um filho a seu cargo; e, tem como habilitações literárias o 1º ano do ensino secundário.
   O 12º arguido F alegou que é o guarda da Polícia jubilado, exerce funções de relações públicas do casino em Macau, auferindo o salário mensal de cerca de HKD$15.000,00, tem a mãe, a esposa e um filho a seu cargo; e, tem como habilitações literárias o 6º ano do ensino secundário.
   
   Factos não provados:
   Não foram provados os restantes factos constantes da acusação e da contestação que são incompatíveis com os factos provados, designadamente:
   Os arguidos AA e Y são membros da associação secreta(1) de Hong Kong;
   O arguido AA é membro angariado pelo arguido I;
   O arguido Y é membro da 1ª linha e o arguido AA é membro da 2ª linha da associação;
   O arguido Y faz trabalho de dirigente na aludida associação e, simultaneamente, exerce funções de relações públicas no referido clube VIP;
   Os arguidos B e C são subordinados de “Z” e, por sua vez, “Z” é o “mano” dos mesmos;
   Em 6 de Setembro de 2008, a vítima H veio a Macau, com a finalidade de negociar com os arguidos I e J sobre as dívidas.”
   
   
   2.2 Recurso do Ministério Público
   Em relação aos arguidos D, E e F que foram condenados pela prática do crime de homicídio na forma de cumplicidade, o Ministério Público pugna pela sua condenação pela forma de co-autoria por entender que estes arguidos firacam fora da sala onde decorreu a agressão à vítima para fazer a vigilância, de modo a não deixarem pessoas estranhas a entrar no Restaurante e descobrir o sucedido. E abandonaram o local a seguir dos 1º e 2º arguidos numa altura em que a vítima já tinha sido morta. Considera que os três arguidos agiram coordenadamente com os outros arguidos no sentido de retirar a vida de outrem por motivo fúrtil, não se limitaram a prestar auxílio à execução do crime, mas antes tomaram parte na sua realização.
   
   Segundo o art.º 25.º do Código Penal (CP), é autor quem executar o facto, por si ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros.
   E é cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso (art.º 26.º do CP).
   “A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa) e como cúmplices aqueles que não realizando a acção típica nem lhe dando causa ajudam os autores a praticá-la.”1
   
   “Por isso, na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são necessários dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado e uma execução igualmente conjunta.
   Não obstante, quanto à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos (de execução), bastando que a actuação de cada um seja elemento do todo e que o resultado seja querido por cada um, mesmo sob a forma de dolo eventual.
   Será o caso de um assalto a um banco, em que os membros do grupo que ficam no exterior, vigiando e preparando a fuga, podem ser responsabilizados pelo homicídio de um funcionário do banco, ocorrido no interior deste, desde que se prove que este resultado foi previsto pelos agentes do exterior como consequência possível da conduta dos seus parceiros no interior do banco, tendo-se eles conformado com o resultado.”2
   
   É manifesta a similitude entre o exemplo dado no acórdão citado e o presente caso.
   Para apreciar a presente questão, destaca-se os seguintes factos provados:
   1. Arguido I, J, K, B, C, D, E, F, entre outros, formaram um grupo em Macau que, aparentemente, desenvolviam actividade de jogo, mas, de facto, se dedicavam secretamente à criminalidade, tais como, a agiotagem, a cobrança de dívidas por meio violento, o homicídio e a entrada ilegal em Macau. O 1º arguido I, de alcunha “I1”, é o cabecilha daquele grupo.
   6. Os membros da 1ª linha da dita associação são: arguido J, A e L; os da 2ª linha são: arguido K, V (V1), W, “U”, os arguidos tailandeses E, D, F, bem como os tailandeses N, O e P.
   13. Os arguidos E, D e F vieram, no início do ano de 2008, da Tailândia a Macau para trabalharem para o arguido I, exercendo funções de bate-fichas no Clube VIP do Casino(2) e servindo de guarda-costas do arguido I.
   33. À chagada à Sala VIP do Restaurante, os arguidos I, J, A, K, bem como L (L1), S, W (W1), M (M1), V (V1), entre outros, com mais de dez pessoas, já estavam naquela sala, enquanto os arguidos E, D, F e os demais subordinados dos arguidos I e J estavam noutras mesas fora da sala, vigilando a referida sala.
   37. Na agressão, o arguido A feriu-se na parte entre a polegada e o indicador e começou a sangrar, deste modo, abandonou o restaurante em causa. O arguido A regressou ao seu domicílio, sito no [Endereço(1)], para tratar da ferida, trocando a roupa, e dirigiu-se novamente àquele restaurante. Na dada altura, estavam presentes no dito restaurante os arguidos I, J, bem como Q, L, S, M, alguns subordinados e arguidos tailandeses E, D e F.
   39. Em 7 de Setembro de 2008, por volta da 01H29, os arguidos I e J foram os primeiros que saíram daquele restaurante e, em seguida, saíram também R, U, os arguidos F, D, E, K, bem como o arguido B e os demais subordinados que foram recém-chegados à entrada do restaurante.
   68. Os arguidos I, J, A, K, B, C, D, E, F, entre outros, reuniram em consentimento mútuo, determinaram e praticaram voluntariamente o acto supra referido, pelo que agiram, com divisão de tarefa, em nome colectivo, de forma voluntária, com concordância entre si e colaboração mútua, o acto em apreço.
   69. De facto, os arguidos I, J, A, K, B, C, D, E, F e os demais membros da associação agiram de forma unida, além disso, sabiam, desejavam e concordavam com o crime cometido e, em nome e interesse colectivos, concordaram manifestamente com a acção criminosa.
   70. Os arguidos I, J, A, K, B, C, D, E e F agruparam-se, sabendo que tinham de se cooperar para atingirem a finalidade ilícita.
   71. Os arguidos I, J, A, K, D, E, F, entre outros, mataram a vítima por um motivo insignificante, sendo uma atitude extremamente cruel.
   
   Segundo a matéria de facto apurada, os três arguidos em causa estavam sentados fora da sala VIP onde ocorreu a agressão fatal e a fazer vigilância daquela sala. E só abandonaram o Restaurante logo depois de sairem os 1º e 2º arguidos, altura em que já tinha sido morta a vítima na sala VIP.
   Por outro lado, os três arguidos agiram em conjugação com os outros arguidos, conheciam e admitiam a prática dos crimes em nome e no interesse da associação secreta.
   Ora, embora não estavam dentro da sala VIP onde ocorreu a agressão fatal, os três arguidos controlavam a entrada nesta sala ao fazer vigilância desta, admitiam os actos de agressão contra a vítima e conformavam com a morte desta.
   
   Assim, as condutas dos três arguidos integram no conjunto dos actos que conduzem à morte da vítima.
   Trata-se de uma comparticipação entre os três arguidos e outros no crime de homicídio qualificado na forma de co-autoria, e não simplesmentes de cumplicidade.
   Em consequência, os três arguidos devem ser condenados, como co-autores, pela prática do crime de homicídio qualificado previsto no art.º 129.º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CP, que é punível com pena de prisão de 15 a 25 anos.
   Considerando todas as circunstâncias da prática deste crime, nomeadamente a parte da sua participação na execução do crime e as suas situações pessoais, é de fixar as penas concretas em 16 anos de prisão.
   Em cúmulo com as penas de 6 anos de prisão cominada para o crime de associação secreta previsto no art.º 2.º, n.º 2 da Lei n.º 6/97/M, é de fixar as penas únicas em 18 anos de prisão.
   
   
   2.3 Recurso do arguido A
   1. Validade das declarações para memória futura prestadas pela testemunha G a fls. 822 a 823
   O recorrente continua a sustentar que as declarações para memória futura prestadas pela testemunha G a fls. 822 a 823 padecem de nulidade insanável segundo o art.º 106.º, al. c) do Código de Processo Penal (CPP), por falta de notificação e ausência de qualquer arguido ou defensor para este acto processual, em violação do art.º 253.º, n.º 2 do CPP.
   
   Ora, as declarações para memória futura em causa foram prestadas numa fase inicial de um outro inquérito em que a testemunha queixou de ser vítima de roubo, que foi posteriormente incorporado nos presentes autos. Na altura, tal inquérito ainda não corre contra algum arguido, embora das declarações indicia que determinado indivíduo seja responsável pela agressão.
   
   Sobre as declarações para memória futura prescrevem os n.ºs 1 a 3 do art.º 253.º do CPP:
   “1. Em caso de doença grave, de deslocação para o exterior ou de falta de autorização de residência em Macau, de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou da parte civil, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.
   2. Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e da parte civil são comunicados o dia, hora e local da prestação do depoimento, para que possam estar presentes se o desejarem.
   3. A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida as pessoas referidas no número anterior solicitar ao juiz a formulação de perguntas adicionais e podendo ele autorizar que sejam aquelas mesmas a fazê-las.”
   
   Este acto processual destina-se a conservar a prova testemunhal para poder ser produzida na audiência de julgamento por ser previsível a ausência da testemunha na audiência. Por isso a lei prevê a presença do Ministério Público, do arguido e do seu defensor para assegurar a possibilidade do contraditório, que constitui um dos direitos processuais importantes (art.º 50.º, n.º 1, al.s a), b) e f) do CPP).
   Mas o exercício de tais direitos pressupõe a aquisição da qualidade de arguido (art.º 49.º, n.º 1 do CPP).
   Uma vez que no respectivo inquérito ainda não havia arguido constituído, naturalmente não há necessidade nem possibilidade de presença de arguido neste tipo de acto. Mesmo que haja suspeito determinado, este não será notificado para estar presente nem representado por defensor, simplesmente por tal situação não lhe conferir a possibildade de exercer os direitos inerentes ao arguido. E a constituição de arguido deve obedecer aos requisitos previstos nos art.ºs 46.º a 48.º do CPP.
   
   A tomada de declarações para memória futura quando ainda não há arguido constituído não prejudica o seu direito de defesa, pois tal prova não tem o valor absoluto e o futuro arguido pode sermpre apresentar contra-prova em sua defesa.
   Até a lei permite a leitura em audiência de declarações prestadas perante o juiz ou o Ministério Público, mesmo sem revestir a forma de declarações para memória futura, se o declarante não poder comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoura (art.º 337.º, n.º 4 do CPP), casos em que o arguido e o seu defensor não assistem, em princípio, à tomada destas declarações.
   
   Assim, a validade das declarações para memória futura em causa não é afectada pela ausência de arguido e defensor.
   
   
   2. Crime de associação secreta
   O recorrente entende que faltam os elementos subjectivos que permitem concluir a sua participação em associação secreta, devendo ser absolvido do crime de associação secreta. Alega que não há prova capaz de demonstrar directamente a sua pertença a associação secreta, a sua participação em agiotagem, cobrança de dívidas com meios violentos, homicídio, a existência de uma associação secreta entre o recorrente e outros arguidos.
   
   Nos termos do art.º 1.º, n.º 1 da Lei n.º 6/97/M, considera-se associação secreta toda a organização constituída para obter vantagens ou benefícios ilícitos cuja existência se manifeste por acordo ou convenção, nomeadamente pela prática de crimes como homicídio, ofensa à integridade física, usura para jogo.
   E segundo o n.º 2 do mesmo artigo, para a existência da associação secreta não é necessário que tenha sede ou lugar determinado para reuniões ou os membros se conheçam entre si.
   
   Segundo a matéria de facto apurada, não há dúvida de que existe uma associação secreta liderada pelo 1º arguido, destinada a obter vantagens monetárias ilíticas através de usura para jogo, com a exploração duma sala VIP no casino e a prática de crimes de ofensa à integridade física e homicídio.
   Ficou provado ainda que o recorrente é membro de primeira linha da associação secreta e desde Julho de 2008 começou a seguir o 1º arguido para exercer as actividades de bate-fichas na referida sala VIP de casino. E participou efectivamente no crime de homicídio contra a vítima H.
   Tais factos demonstram claramente a relação entre o recorrente e tal associação secreta e a sua participação nas actividades desta e são suficientes para condenar o recorrente pelo crime de associação secreta.
   
   
   3. Crime de homicídio qualificado
   O recorrente entende que deve ser absolvido deste crime por falta de acto doloso de matar a vítima e da intenção de a matar.
   
   No entanto, segundo os factos provados, o recorrente participou efectivamente nos actos de agressão na sala VIP do Restaurante em que veio a ser morta a vítima e até ele próprio ficou ferido. Verifica-se uma comparticipação no crime de homicídio em que a intenção de matar a vítima é manifesta.
   A valoração das declarações do 2º arguido pelo recorrente para ilibar a sua responsabilidade criminal mostra irrelevante face ao princípio de livre convicção da prova consagrado no art.º 114.º do CPP.
   Improcede o recurso nesta parte.
   
   
   4. Medida das penas
   Para o recorrente, as penas são demasiado pesadas, alegando a falta de antecedente criminal, a apresentação de todo o acontecimento em diversas fases do processo.
   
   Como se sabe, as circunstâncias alegadas têm pouco valor atenuante.
   O crime de associação secreta previsto nos art.ºs 1.º, al. a) e 2.º, n.º 2 da Lei n.º 6/97/M é punível com pena de 5 a 12 anos de prisão. As instâncias fixaram a pena concreta em 8 anos de prisão.
   O crime de homicídio qualificado previsto no art.º 129.º, n.º 1 do CP é punível com pena de 15 a 25 anos de prisão e foi fixada a pena concreta em 18 anos de prisão.
   Atendendo às circunstâncias dos crimes, nada se revelam desproporcionais as penas fixadas.
   
   Improcede assim o recurso interposto pelo arguido A.
   
   
   2.4 Recurso do arguido B
   1. Medida da pena
   O recorrente considera que a pena de seis anos de prisão para o crime de associação secreta a que foi condenado é manifestamente excessiva, porque a pena concreta não deve ser igual em relação a outros arguidos que detinham uma posição hierárquica superior na associação secreta.
   
   De acordo com a matéria de facto apurada, o recorrente é membro de sociedade secreta(1) e na associação secreta do 1º arguido é um membro de terceira linha.
   Admite-se que um membro superior de associação secreta deve ser punido mais pesadamente do que um membro inferior.
   Mas interessa agora apreciar a situação do recorrente.
   É elevada a ilicitude do facto e intenso o dolo do recorrente em participar nas associações secretas que se manifestam com prática de crimes graves. É premente a necessidade de prevenção, especialmente no plano geral.
   O crime é punível com pena de 5 a 12 anos de prisão.
   A pena de 6 anos de prisão fixada nas instâncias, muito próxima do limite mínimo, nada se revela pesada.
   O recurso deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente.
   
   
   2.5 Recurso do arguido C
   1. Crime de associação secreta
   O recorrente entende que não há factos indiciários de que faria parte de uma associação secreta, que esta se tenha constituído para obter vantagens ou benefícios ilícitos. Este é um elemento adicional dos crimes previstos nos art.°s 1.° e 2.° da Lei n.° 6/97/M que não consta do art.° 288.° do CP e a diferença reflete na respectiva moldura penal, pelo que deve o recorrente ser condenado pela esta última norma, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão.
   
   Como foi referido, na Lei n.º 6/97/M considera-se associação secreta toda a organização constituída para obter vantagens ou benefícios ilícitos cuja existência se manifeste por acordo ou convenção, nomeadamente pela prática de crimes.
   Por sua vez, o art.° 288.° do CP pune os fundadores ou membros de organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de crimes.
   No presente caso, a associação secreta de que o 1° arguido é chefe principal foi constituída com a aparência de exercer as actividades de jogo, que na realidade pratica crimes como usura, cobrança de dívidas por meios violentos e homicídio.
   É manifesto que as actividades desenvolvidas com o funcionamento da sala VIP de casino têm por objectivo principal, senão único, obter lucros patrimoniais. E a usura é uma forma importante de gerar lucros avultados. Todas as actividades marginais realizadas pela associação secreta, tais como a cobrança de dívida por meios violentos, ameaça, ofensa à integridade física e até homicídio constituem meios para assegurar a angariação de lucros ilícitos.
   Assim, a associação secreta em causa integra na definição prevista no art.° 1.° da Lei n.° 6/97/M e consequentemente não pode convolar o crime para o art.° 288.° do CP
   
   
   2. Medida da pena
   O recorrente sustenta que a pena aplicada é manifestamente excessiva e viola o art.° 65.° do CP, pois não é adequada à culpa do recorrente e não contribui para a sua reinserção social, tembém em comparação com as penas impostas a outros arguidos, entende que a pena nunca deveria ter excedido 5 anos e 3 meses de prisão. Salienta ainda que é primário com bom comprtamento actual.
   
   A situação do ora recorrente é idêntica à do recorrente B.
   Ou seja, segundo os factos provados, o recorrente também é membro de sociedade secreta(1) e na associação secreta do 1º arguido é um membro de terceira linha.
   É elevada a ilicitude do facto e intenso o dolo do recorrente em participar nas associações secretas que se manifestam com a prática de crimes graves. A necessidade de prevenção geral, também é premente.
   A pena de 6 anos de prisão fixada nas instâncias, numa moldura abstracta de 5 a 12 anos de prisão, está muito próxima do limite mínimo, nada se revela pesada, senão já benevolente.
   Admite-se que a sua pena é um pouco mais elevada em comparação com outros arguidos que são membros superiores de associação secreta. Mas no presente recurso importa apreciar a justeza da pena fixada ao recorrente e nesta medida nada a censurar a decisão das instâncias.
   
   Improcede o recurso interposto pelo arguido C.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em:
   - julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e passar a condenar D (10º arguido), E (11º arguido) e F (12º arguido) como co-autores de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelo art.º 129.º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CP nas penas de dezasseis anos de prisão.
   Em cúmulo com as penas impostas para o crime de associação secreta previsto e punido pelos art.ºs 1.º, al. a) e 2.º, n.º 2 da Lei n.º 6/97/M, são os mesmos arguidos condenados nas penas únicas de dezoito anos de prisão.
   - julgar improcedentes os recursos interpostos por A (3º arguido) e C (6º arguido).
   - rejeitar o recurso interposto por B (5º arguido).
   - O recorrente B (5º arguido) é condenado a pagar 4 UC nos termos do art.º 410.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
   - Custas pelos recorrentes A (3º arguido), B (5º arguido) e C (6º arguido) com as taxas de justiça individuais fixadas em 4 UC e os honorários dos defensores nomeados do 3º arguido em 1200 patacas para o Dr.º Lai Io Cheong e 300 patacas para cada defensor interveniente na audiência.
   
   
   Aos 22 de Julho de 2011




Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

1 Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, vol. II, VERBO, Lisboa, 1998, p. 279.
2 Acórdão do Tribunal de Última Instância de 15 de Outubro de 2008 proferido no processo n.º 35/2008. publicado em http://www.court.gov.mo/.
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Processo n.° 29 / 2011 1