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Processo n.º 50/2011. Recurso relativo ao direito de reunião e manifestação.
Recorrente: A.
Recorrido: Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Assunto: Direito de manifestação. Recurso. Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública. Poderes discricionários. Segurança pública. Bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos nas vias públicas. Avenida de Almeida Ribeiro.
Data da Sessão: 27 de Setembro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Lai Kin Hong.
SUMÁRIO:
I – O acto de restrição ou proibição de reunião ou manifestação do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, previsto no artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M, é proferido no uso de poderes discricionários.
II - Com fundamento no bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas, o Comandante da Polícia de Segurança Pública pode alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos se façam só por uma das faixas de rodagem.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório e factos provados
1. A, intitulando-se membro da Associação Sindical da União dos Jogos de Fortuna ou Azar e de Construção de Macau, promotor de manifestação a realizar no dia 1 de Outubro de 2011, com concentração às 12 horas no Jardim Triangular da Areia Preta, e trajecto pela Avenida do Almirante Lacerda, Rua da Ribeira do Patane, Avenida de Almeida Ribeiro, Avenida da Praia Grande, Sede do Governo (com entrega de carta), Avenida da Praia Grande, Avenida de Almeida Ribeiro e Largo do Senado, interpôs recurso do despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), de 22 de Setembro de 2011, que não permitiu o trajecto pela Avenida de Almeida Ribeiro, alterou o trajecto para passar por outra via e não admitiu como destino e lugar de manifestação da actividade em causa o Largo do Leal Senado.

2. O aviso do promotor da manifestação, dirigido ao presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), foi o seguinte:
“Destinatário: ao abrigo dos dispostos no art.º 5.º da Lei n.º 2/93/M, avisa-se, por escrito, o presidente do Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais da seguinte actividade de reunião:
Tema: opor-se à importação excessiva de trabalhadores ilegais, solicitar-se a expulsão de trabalhadores ilegais e protestar-se contra a venda dos terrenos a preço baixo
Data de reunião: 1 de Outubro de 2011 (Domingo)
Hora de reunião: 12 horas da tarde
Hora de começo: 14h30 da tarde
Trajecto: Jardim Triangular da Areia Preta – Avenida do Almirante Lacerda – Rua da Ribeiro do Patane – Avenida de Almeida Ribeiro – Avenida da Praia Grande – Sede do Governo (entregar a carta) – Avenida da Praia Grande – Avenida de Almeida Ribeiro – Largo do Senado.”

3. O mencionado despacho do Comandante do CPSP, de 22 de Setembro de 2011, é do seguinte teor:
Despacho
I. Relatório:
A associação promotora das actividades de reunião e manifestação – Associação Sindical de União dos Jogos de Fortuna ou Azar e de Construção de Macau – deu conhecimento do seguinte assunto ao presidente do Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais em 21 de Setembro de 2011:
“Destinatário: ao abrigo dos dispostos no art.º 5.º da Lei n.º 2/93/M, avisa-se, por escrito, o presidente do Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais da seguinte actividade de reunião:
Tema: opor-se à importação excessiva de trabalhadores ilegais, solicitar-se a expulsão de trabalhadores ilegais e protestar-se contra a venda dos terrenos a preço baixo
Data de reunião: 1 de Outubro de 2011 (Domingo)
Hora de reunião: 12 horas da tarde
Hora de começo: 14h30 da tarde
Trajecto: Jardim Triangular da Areia Preta – Avenida do Almirante Lacerda – Rua da Ribeiro do Patane – Avenida de Almeida Ribeiro – Avenida da Praia Grande – Sede do Governo (entregar a carta) – Avenida da Praia Grande – Avenida de Almeida Ribeiro – Largo do Senado.”

II. Análise:
O trajecto de reunião inclui a Avenida de Almeida Ribeiro, e esta avenida é o nó rodoviário de Macau, cuja importância é conhecida por todos. A referida avenida é a rua principal de Macau, ligando a Avenida da Praia Grande e o Porto Interior. Ao longo dessa avenida de cerca de 700 metros ficam as construções de natureza comercial e turística, pelo que a avenida torna-se famosa no mundo, podendo-se encontrar facilmente informações sobre a Avenida de Almeida Ribeiro na Internet. Ao lado da avenida, tem-se também zona reservada para transeuntes, bem como centros de comida e de compra; a Avenida de Almeida Ribeiro é um lugar onde concentram as construções incluídas na lista do Património Mundial da UNESCO, bem como os órgãos de governo e centros comerciais, tais como filial do Banco da China, Banco Nacional Ultramarino, Banco Tai Fung, Banco Weng Hang, lojas de antiguidade, Sede dos CTT, o Edifício do IACM, farmácias, ourivesarias, joalharias, lojas de vestuário, lojas de souvenires e restaurantes. Por isso, a ordem na Avenida de Almeida Ribeiro está sem dúvida em foco dos residentes de Macau e turistas de todo o mundo. A realização de actividades de reunião e manifestação na Avenida de Almeida Ribeiro constituirá com certeza problemas de segurança aos utentes da via, e temos as seguintes análises:
1. Tráfego de veículos e movimento de pessoas:
De acordo com os dados fornecidos pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, a média dos veículos que circulam na Avenida de Almeida Ribeiro nos dias úteis é de 20.186,00; nos sábados a média é de 16.520,00 e nos domingos é de 14.224,00. As horas de ponta são das 17h00 às 18h00, e a média dos veículos que circulam na Avenida de Almeida Ribeiro durante a referida hora é de 4.492,00, nos sábados é de 3.388,00 e nos domingos 2.878,00. Quanto ao movimento de pessoas, a média dos transeuntes que passam na Avenida de Almeida Ribeiro nos fins-de-semana é de 22.997,00 por dia.
2. Localização geográfica:
A Avenida de Almeida Ribeiro é uma das ruas com maior trânsito em Macau. Os problemas de engarrafamento são graves - grande quantidade de transeuntes e veículos passam na avenida, os veículos seguem-se um de outro com uma pequena distância e circulam com velocidade baixa. Todos os veículos que pretendem entrar nos mais de dez ramos da Avenida de Almeida Ribeiro têm de passar por esta avenida. Nos dias de trabalho, as horas de ponta são das 08h00 às 22h00 e nos outros dias as horas de ponta são das 10h00 às 22h00. Segundo os dados fornecidos pela DSAT, há 16 rotas de autocarro que passam na Avenida de Almeida Ribeiro em direcção do Hotel Lisboa à Ponte 16, e 13 rotas em direcção da Ponte 16 ao Hotel Lisboa. No ano de 2009, o número dos autocarros que passaram pela paragem “Avenida de Almeida Ribeiro” (do Hotel Lisboa à Ponte 16) é de 654.971,00, ou seja 1.794,00 por dia; e o número dos autocarros que passaram pela paragem “Avenida de Almeida Ribeiro/Rua dos Mercadores” (da Ponte 16 ao Hotel Lisboa) é de 525.139,00, ou seja 1.439,00 por dia. Se haja 40 pessoas em cada autocarro, o número das pessoas que passam na Avenida de Almeida Ribeiro de autocarro por dia atinge 130.000,00. Os veículos que passam na Avenida de Almeida Ribeiro incluem também táxis, automóveis privados, camiões, motociclos, autocarros de turismo, triciclos e bicicletas, cujo número também é muito grande. Segundo os supracitados dados, se forem realizadas medidas de controlo de tráfego na Avenida de Almeida Ribeiro, causará facilmente engarrafamento grave nas zonas aproximadas e constituirá obstrução para ambulâncias, viaturas de incêndio, autocarros de turismo e veículos de transporte. Por a Avenida de Almeida Ribeiro e os passeios serem estreitos, a situação de movimento dos transeuntes e turistas será pior durante o controlo de tráfego, trazendo influência negativa à segurança das pessoas e das lojas ao longo da Avenida de Almeida Ribeiro, tais como furto e colisão de membros de pessoas.
3. Influência à zona central trazida pela realização anterior de actividades de reunião e manifestação:
Vamos ver as influências trazidas à Avenida de Almeida Ribeiro pela uma actividade de reunião e manifestação realizada em Maio de 2006: em 1 de Maio de 2006, 8 associações realizaram uma actividade de reunião, e na altura, os participantes não seguiram o trajecto fixado com o CPSP através de concertação, romperam a linha de defesa estabelecida pelo CPSP e entraram na Avenida de Almeida Ribeiro da Rua do Visconde Paço de Arcos, ocupando o espaço entre a Travessa do Mastro e o Largo do Senado. Este evento resultou na paralisação do tráfego na Avenida de Almeida Ribeiro e nas ruas aproximadas por 4 horas. Por terem preocupações de ser roubadas, umas lojas e ourivesarias fecharam a porta de imediato. Daí se pode constatar que a passagem dos desfiles de manifestação pela Avenida de Almeida Ribeiro provocou de facto influência negativa.
4. Reportagem nas médias:
* “A Avenida de Almeida Ribeiro torna-se deserta por causa do evento. Os turistas de Hong Kong alegaram que os seus interesses de viagem eram diminuídos por causa do assunto de conflito. Um empregado de ourivesaria alegou que o negócio foi afectado e o rendimento foi reduzido em metade.”
* “O membro do conselho da Associação de Novo Macau e também deputado na Assembleia Legislativa, Ng Kuok Cheong, participou em pessoa na manifestação realizada ontem, mas testemunhou que a manifestação evoluiu num conflito. Ele alegou que o desfile de manifestação devia dissolver-se pacificamente depois de ter chegado à sede do governo, entregado a carta e manifestado as suas demandas; porém, uma parte dos participantes ficavam emocionados e dirigiram outros para fazer manifestações na Avenida de Almeida Ribeiro, ocuparam o nó rodoviário e entraram em conflito com a polícia, e ele também não previu esta situação. Ng Kuok Cheong entendeu que tais condutas eram “estúpidas”, sublinhando que tais condutas não ajudaram os trabalhadores a lutar pelos seus direitos e interesses.” (Jornal do Cidadão|2006-05-02)
* “Agora é a semana de ouro e grande quantidade de residentes do Interior da China, de Hong Kong e de Taiwan vão fazer a viagem em Macau, trazendo uma boa oportunidade para as lojas situadas na Avenida de Almeida Ribeiro. Mas para evitar roubos, as lojas fecharam a porta sob sugestões da polícia por 1 a 2 horas, não podendo fazer negócio. Os participantes de manifestação também entraram em conflito físico com a polícia, ocuparam e sentaram-se na Avenida de Almeida Ribeiro, trazendo influência negativa para a “semana de ouro”. Constituiu-se ainda obstrução para o trânsito, causando uns turistas de Hong Kong a perder os seus barcos. Como resultado, os participantes gozaram dos seus direitos e liberdades de reunião e manifestação, mas prejudicaram a liberdade, o direito e até interesse comercial da maioria das pessoas.” (Jornal San Wa Ou|2006-05-03)
* “Já começou a semana de ouro, mas as lojas na Avenida de Almeida Ribeiro e na Avenida da Praia Grande tiveram de fechar a porta e deixar de fazer negócio.” (Macao Daily News|2006-05-02)
* “Além de causar paralisação do tráfego nesta zona, causaram-se também danos às lojas aproximadas. Segundo as lojas que foram obrigadas a fechar a porta, perante o grande número de turistas que chegaram em Macau no primeiro dia da semana de ouro, tinha-se uma boa previsão do rendimento, mas foi o rendimento reduzido a um terço por causa da manifestação realizada ontem… As lojas entre a Avenida de Almeida Ribeiro e o Banco da China também fecharam a porta e deixaram de fazer negócio. Até agora, vários comerciantes ainda têm medo do evento, dizendo「temos medo! Não soubemos o que estava a acontecer, só vimos muitas pessoas e tivemos medo de ser roubados pelos criminosos.」” (Jornal do Cidadão|2006-05-02)
* “Foram obrigadas a fechar a porta durante a semana de ouro as lojas na Avenida de Almeida Ribeiro. Muitos comerciantes e turistas alegaram que tinham medo. Os comerciantes previram um bom rendimento na semana de ouro, mas o negócio foi inesperadamente prejudicado pela manifestação, e também foi prejudicada a impressão dos turistas sobre Macau… os comerciantes têm preocupações de que a manifestação vai prejudicar a imagem de Macau para os turistas que visitam Macau pela 1ª vez… os participantes de manifestação sentaram-se no cruzamento da Avenida de Almeida Ribeiro, fazendo com que os automóveis que estavam a circular nesta avenida não pudessem mover e os donos dos automóveis fizessem queixas… uns turistas de Xangai alegaram que a manifestação alterou as suas impressões sobre Macau e destruiu a atmosfera tranquila de Macau.” (Macao Daily News|2006-05-02)
* “As lojas na Avenida de Almeida Ribeiro fecharam a porta e sofreram de grande prejuízo. Grande número de turistas e transeuntes foram evacuados pela polícia. A ordem pública rodoviária e a operação comercial na zona central de Macau foram prejudicadas por causa de condutas ilegítimas de umas pessoas; e a imagem de Macau como uma cidade turística também foi afectada.” (Tai Chung Daily|2006-05-03)
* “Por causa da manifestação, as lojas na Avenida de Almeida Ribeiro e na Avenida da Praia Grande tiveram de fechar a porta para evitar acidentes, e vários comerciantes alegaram posteriormente que perderam uma boa oportunidade na semana de ouro.” (SINGPAO|2006-05-02)
O Largo de Senado é o destino e o lugar de manifestação da actividade em causa, ficando na zona central de Macau, no sul do Largo de S. Domingos (entre o Largo de Senado e as Ruínas de S. Paulo) e no norte da Avenida de Almeida Ribeiro (principal avenida de Macau). Ficam na sua volta muitas lojas (bancos, farmácias, ourivesarias, joalharias, lojas de relógio, lojas de vestuário, lojas de souvenires e restaurantes) e várias construções históricas incluídas na lista do Património Mundial da UNESCO (a Secretaria Notarial, o Edifício do IACM, o Edifício da Direcção dos Serviços de Correios e a Igreja de S. Domingos, etc.). E a zona reservada para transeuntes no Largo é um dos lugares que a maior parte dos visitantes tem que conhecer, pelo que há sempre grande quantidade de pessoas nesta zona, especialmente nas férias. Se o desfile de manifestação entrar no Largo de Senado, constituirá sem dúvida obstrução para o movimento de pessoas e causará influência grave à ordem rodoviária.

III. Decisão:
1. Pelos expostos, o CPSP entende que além de respeitar os valores essenciais dos direitos fundamentais de reunião e manifestação, também não se pode desprezar a perturbação possível à ordem pública trazida pelas actividades de reunião e manifestação. Ao abrigo dos dispostos no Regulamento Administrativo n.º 22/2001, o CPSP tem como missão assegurar a ordem e a tranquilidade públicas, defender os bens públicos ou privados e cumprir os objectos fundamentais sobre a ordem pública da RAEM previstos pela Lei de Bases da Segurança Interna da RAEM (Lei n.º 9/2002).
Como acima referido, a Avenida de Almeida Ribeiro é a principal avenida do tráfego de Macau, um lugar que os turistas têm de conhecer, o nó rodoviário da zona central e um lugar onde se encontram grande quantidade de turistas. Se a Avenida de Almeida Ribeiro for incluída no trajecto de manifestação, causará sem dúvida influência grave ao bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos, bem como à segurança das pessoas que se encontram na Avenida de Almeida Ribeiro nas férias. Ademais, ao abrigo dos dispostos no art.º 8.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 2/93/M, o Edifício do IACM deve ser especialmente protegido da ameaça potencial por causa das suas características únicas e representativas. Com base nisso, o CPSP não permite o trajecto pela Avenida de Almeida Ribeiro e não admite como destino e lugar de manifestação da actividade em causa o Largo do Leal Senado.
2. Porém, todos os residentes de Macau gozam dos direitos de reunião e de manifestação, pelo que nos termos do art.º 8.º, n.ºs 2 e 3 da supracitada lei, o desfile tem de seguir o trajecto (de cor azul) indicado no anexo do despacho do CPSP.
3. O promotor pode interpor recurso para o Tribunal de Última Instância segundo o art.º 12.º da supracitada lei.

4. Alega o recorrente o seguinte no presente recurso:
1.
O desfile e a reunião pretendidos têm por tema “opor-se à importação abusiva de trabalhadores não residentes, requerer a eliminação da situação de trabalhadores ilegais e protestar contra a concessão de terrenos a preço de saldo”, todos os quais são solicitações fortes da comunidade de Macau. A expressão das solicitações dos residentes através de reunião mostra o exercício do direito à crítica, representa a justiça e tem a legitimidade. As respectivas solicitações não violam as normas jurídicas vigentes.
2.
A polícia altera à vontade o trajecto de desfile programado pela Associação, enfatizando que aquele não pode passar pelo troço da Avenida de Almeida Ribeiro. Entendemos que isso não é fundamentado. Nos termos do art.º 8.º da Lei n.º 2/93M (Imposição de restrições pelo comandante da PSP), 2. Se tal se revelar indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas, o comandante da Polícia de Segurança Pública pode, até 24 horas antes do seu início e através da forma prevista no artigo 6.º, alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos façam só por uma das faixas de rodagem. O sentido de “Se tal se revelar indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas” não pode ser interpretado arbitrariamente, também não pode ser alargado, à vontade, o seu âmbito da interpretação. Se os promotores requeiram que o trajecto de desfile passe pela Avenida de Almeida Ribeiro, o CPSP só poderia, atenta a razão de que “se tal se revelar indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas”, determinar que o mesmo faça só por uma das faixas de rodagem, carecendo aquele de todo o fundamento jurídico para não permitir ao desfile passar pelo troço respectivo.
3.
No despacho acima referido, os pontos 1 e 2 apresentados pelo comandante LEI SIO PENG têm por fundamento da importância do trânsito na Avenida de Almeida Ribeiro o tráfego nela. Todavia, tais datas não são suficientes para que o CPSP não permita, ignorando dispostos legais, ao desfile entrar na Avenida de Almeida Ribeiro.
4.
No mesmo despacho, é absurdo que os pontos 3 e 4 têm por fundamento de não permissão do trajecto de desfile os acidentes acontecidos no passado. Do facto de existir no passado pessoas que praticaram actos inconvenientes dos quais resultaram caos não se extrai a ocorrência necessária de caos no desfile promovido pela nossa Associação. Tal como da infracção de algum guarda policial por causa da sua integridade pessoal não se extrai que todos os guardas policiais, incluindo o comandante LEI SIO PENG, praticarão infracções. Por isso, a não permissão ao nosso desfile de passar pela Avenida de Almeida Ribeiro não tem fundamentos, quer de direito quer de razão.
5.
O Largo do Senado é um dos dez locais de reunião dispensados das restrições legalmente fixadas publicados pelos antigos municípios de Macau após a elaboração da Lei n.º 2/93/M. É totalmente legal a realização da reunião da nossa Associação neste local após a realização do desfile, a qual também se destina a aliviar as emoções dos participantes e evitar a situação de estes permanecerem, após a realização do desfile, em frente à Sede do Governo, situação essa que causaria conflitos desnecessários. No entanto, o comandante da Polícia de Segurança Pública LEI SIO PENG carece de todo o fundamento jurídico para não permitir a realização da reunião, na forma de “sit-in”, no Largo do Senado após a realização do desfile.

5. É do conhecimento geral que o dia 1 de Outubro é feriado no Interior da China e em Hong Kong e que, nesta data, residentes nestes locais afluem em grande número a Macau.
6. A entidade recorrida respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

II – O Direito
1. As questões a apreciar
Está em causa saber se o despacho recorrido violou a lei ao impedir desfile de manifestação pela Avenida de Almeida Ribeiro, alterando o trajecto nessa parte e não admite como destino e lugar de manifestação da actividade em causa o Largo do Leal Senado.

  2. Imposição de restrições às manifestações, pelo comandante do CPSP: Bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos nas vias públicas.
O artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M regula a imposição de restrições às manifestações, pelo comandante do CPSP, com fundamento em razões do bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos e de segurança pública.
Dispõe o seguinte:
“Artigo 8.º
(Imposição de restrições pelo comandante da PSP)
1. O presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais dará imediato conhecimento ao comandante da Polícia de Segurança Pública dos avisos recebidos nos termos do artigo 5.º
2. Se tal se revelar indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas, o comandante da Polícia de Segurança Pública pode, até 24 horas antes do seu início e através da forma prevista no artigo 6.º, alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos façam só por uma das faixas de rodagem.
3. No prazo e pela forma previstos no número anterior, a mesma entidade, fundada em razões de segurança pública devidamente justificadas, pode exigir que as reuniões ou manifestações respeitem uma determinada distância mínima das sedes do Governo e da Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, dos edifícios afectos directamente ao funcionamento destes, da sede do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, das instalações dos tribunais e das autoridades policiais, dos estabelecimentos prisionais e das sedes de missões com estatuto diplomático ou de representações consulares, sem prejuízo do disposto no artigo 16.º
4. A distância referida no número anterior não pode ser superior a 30 metros”.

O despacho recorrido fundamentou a sua recusa na passagem da manifestação pela Avenida de Almeida Ribeiro por esta ser a rua principal de Macau, ligando a Avenida da Praia Grande e o Porto Interior, por ao longo dessa avenida de cerca de 700 metros se situarem construções de natureza comercial e turística. Que é uma das ruas com maior trânsito em Macau. Os problemas de engarrafamento são graves - grande quantidade de transeuntes e veículos passam na avenida, os veículos seguem-se um de outro com uma pequena distância e circulam com velocidade baixa. Todos os veículos que pretendem entrar nos mais de dez ramos da Avenida de Almeida Ribeiro têm de passar por esta avenida. Invocou, também, que se forem realizadas medidas de controlo de tráfego na Avenida de Almeida Ribeiro, causará facilmente engarrafamento grave nas zonas aproximadas e constituirá obstrução para ambulâncias, viaturas de incêndio, autocarros de turismo e veículos de transporte. Por a Avenida de Almeida Ribeiro e os passeios serem estreitos, a situação de movimento dos transeuntes e turistas será pior durante o controlo de tráfego, trazendo influência negativa à segurança das pessoas e das lojas ao longo da Avenida de Almeida Ribeiro, tais como furto e colisão de membros de pessoas. Recordou, ainda, o Despacho que, numa ocasião anterior, em que uma manifestação não autorizada passou pelo local, muitas lojas comerciais, como ourivesarias, encerraram portas durante horas, com receio de serem vítimas de furtos.
Disse-se, por fim, no Despacho que o Largo de Senado é o destino e o lugar de manifestação da actividade em causa, ficando na zona central de Macau, no sul do Largo de S. Domingos (entre o Largo de Senado e as Ruínas de S. Paulo) e no norte da Avenida de Almeida Ribeiro (principal avenida de Macau). Ficam na sua volta muitas lojas (bancos, farmácias, ourivesarias, joalharias, lojas de relógio, lojas de vestuário, lojas de souvenires e restaurantes) e várias construções históricas incluídas na lista do Património Mundial da UNESCO (a Secretaria Notarial, o Edifício do IACM, o Edifício da Direcção dos Serviços de Correios e a Igreja de S. Domingos, etc.). E a zona reservada para transeuntes no Largo é um dos lugares que a maior parte dos visitantes tem que conhecer, pelo que há sempre grande quantidade de pessoas nesta zona, especialmente nas férias. Se o desfile de manifestação entrar no Largo de Senado, constituirá sem dúvida obstrução para o movimento de pessoas e causará influência grave à ordem rodoviária.
Pois bem, com fundamento no bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas, o comandante da Polícia de Segurança Pública pode alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos se façam só por uma das faixas de rodagem.
Os poderes atribuídos por esta norma são discricionários, como referimos no Acórdão de 25 de Junho de 2011, no Processo n.º 31/2011. Quer isto dizer que a lei confere liberdade de actuação à Administração na alteração dos trajectos das manifestações, desde que esteja em causa o bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas e a ordem e segurança públicas.
É certo que o exercício de poderes discricionários está subordinado a determinados limites internos, como os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
No caso, afigura-se que os poderes foram exercidos nos limites impostos por lei. O recorrente limita-se a dizer que o Despacho é absurdo por mencionar factos ocorridos no passado noutra manifestação, pois nada garante que tal volte a acontecer.
O recorrente apenas impugna um ponto do acto recorrido, omitindo a restante argumentação. Mesmo nesse ponto não é convincente. Os poderes conferidos às entidades policiais pela norma em questão, radicam na avaliação do risco que desfiles e manifestações podem causar à ordem e segurança públicas. Nada garante que actos de alguma gravidade, que sucederam no passado, em determinado local, se repetirão, mas também nada garante o contrário.
Mesmo que tudo decorra na normalidade, o Despacho invoca razões de trânsito e de grande afluência de pessoas nos mencionados locais, que são razoáveis, para determinar que o trajecto da manifestação passe por outras artérias.
E o recorrente também não alega razões fundamentais para que o seu direito à reunião e manifestação tenha necessariamente de decorrer naquele local e não possa o desfile percorrer outra artéria para se dirigir à Sede do Governo.
Considera-se, assim, que o princípio da proporcionalidade foi respeitado.
Improcede, portanto, o recurso.

III – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC.

Macau, 27 de Setembro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
Lai Kin Hong





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Processo n.º 50/2011

12
Processo n.º 50/2011