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Processo n.º 27/2011. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Fixação de residência em Macau. Pedido de renovação da autorização de fixação de residência. Motivo de força maior.
Data da Sessão: 28 de Setembro de 2011.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e José Maria Dias Azedo.
SUMÁRIO:
Dispondo o artigo 23.º, n. os 3 e 1, do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, que a falta do requerimento para renovação de autorização de residência, dentro do prazo máximo de 180 dias, a contar do fim do prazo de validade de autorização de residência, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado, implica a caducidade de tal autorização, não satisfaz a previsão das normas a prova do motivo de força maior, durante apenas parte do mencionado período de 180 dias.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 2 de Julho de 2010, que indeferiu o seu pedido de renovação da autorização de residência em Macau.
Por acórdão de 31 de Março de 2011, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe o mesmo recorrente recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões úteis:
- Alegar-se que “(...) como se haverá de aceitar que o recorrente se tenha podido deslocar a Hong Kong para uma consulta (...) em Julho de 2009, logo dentro do tal período de seis meses, e não tenha podido fazer o mesmo em Macau para apresentação de um simples requerimento?” como fundamento para julgar improcedente o recurso é manifestamente extrapolar a própria lei;
- Em sede doutrinal, o caso de força maior tem consequências exoneratórias do não cumprimento em benefício do devedor, na exacta medida em que a situação de incumprimento não seja susceptível de imputação a nenhuma das partes;
- Sendo um conceito de elaboração doutrinária, “(..) o caso de força maior consiste num facto de terceiro, pelo qual o devedor não é responsável (a guerra, a prisão, o roubo, uma ordem de autoridade, etc.) (..) o conceito de força maior tem subjacente a ideia de inevitabilidade: será todo o acontecimento natural ou acção humana que, embora previsível ou até prevenido, não se pôde evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências. ( .. )”;
- O motivo de força maior foi devidamente comprovado pela junção dos atestados médicos. Pelo que, concluir-se que o ora recorrente, apesar de doente, deveria, igualmente, ter-se deslocado a Macau é manifestamente violar o espírito da lei;
- Assim sendo, o douto Acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada valoração dos factos e do direito, violando o disposto no artigos 23.°, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, de 25 de Março de 2003.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.


II - Os Factos
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1- O recorrente é comerciante e titular de Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente de Macau com o n. XXXXXXX(X), emitido em 4 de Dezembro de 2006.
2- Durante seis anos procedeu à renovação desse documento de identificação.
3- Tinha autorização válida para residência temporária em Macau até 24 de Abril de 2009.
4- No período de 180 dias posteriores a 24 de Abril de 2009 o recorrente não apresentou ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) pedido de renovação da autorização de residência temporária
5- Em 1 de Abril de 2010 o recorrente apresentou junto do IPIM um requerimento, invocando motivo de força maior para não ter apresentado o pedido de renovação juntando 3 atestados médicos, datados de 30/03/2009, 30/04/2009 e 30/05/2009 (doc. #2 fls.20/24 dos autos).
6- Nesses documentos era atestado que o recorrente havia sofrido ruptura do menisco e que carecia de um mês de repouso referente a cada um deles.
7- Devido àquela ruptura, o recorrente esteve internado entre 12 e 30 de Março de 2009 no continente chinês (doc. fls. 32 dos autos).
8- No IPIM foi elaborada a Proposta n. XXXXX/GJFR/XXXX, datada de 18/05/2010, sugerindo se declarasse a caducidade da autorização de residência temporária do recorrente. O seu teor é o seguinte:
“Como o requerente A (甲) não apresentou a este Instituto o pedido de renovação da autorização de residência temporária dentro de 180 dias após o termo do prazo de validade desta autorização (antes de 21 de Outubro de 2009), nesse sentido, conforme os dispostos previstos no n.º 3 do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 subsidiariam ente aplicável, a falta do requerimento para renovação dentro de 180 dias após o fim do prazo de validade da autorização de residência implica a caducidade dessa e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente.
O requerente, através do seu constituinte, a este Instituto consultou o seu caso e apresentou os pareceres diagnósticos da doença respectivamente em 26 de Janeiro e em 1 de Abril de 2010, apontou ainda que, o requerente não pôde tratar os documentos de renovação da autorização de residência temporária porque o mesmo não conseguiu mover-se livremente durante a doença e ainda não foi perfeitamente recuperado após o tratamento médico, nesse sentido, pediu assim que concedesse mais tempo para o requerente preparar os respectivos documentos da renovação.
Apreciados as respectivas informações de arquivos, bem como os documentos e as respectivas declarações a este Instituto apresentados mediante o seu constituinte, vem se concluir que:
1. Segundo os “pareceres diagnósticos de doença” remetidos pelo requerente e que foram emitidos respectivamente em 30 de Março, 30 de Abril e 30 de Maio de 2009 pelo “Hospital do Centro Médico da cidade Ningbo”, o requerente tinha doença no joelho esquerdo, foi proposto um mês do descanso em cada análise diagnóstica. No entanto, os documentos supramencionados não apontaram a gravidade de doença do requerente nem neles foram compreendidos os respectivos registos de internamento hospitalar, para além disso, os mesmos documentos mostram que, o período de descanso ultimamente proposto ao requerente foi até ao dia 30 de Junho de 2009, constata-se que devia o requerente interpor a este Instituto o pedido de renovação da autorização de residência temporária desde aquele dia (30 de Junho de 2009) até 21 de Outubro de 2009.
2. Por outro lado, a doença do joelho esquerdo não obstou o requerente comunicar a este Instituto do assunto acima referido por vias telefónica, e-mail e postal, nem o obstou interpor a este Instituto o requerimento de renovação da autorização de residência temporária através do seu constituinte. De facto, o presente requerimento do requerente também foi interposto com a interferência do seu constituinte.
3. Considerando que a interposição do requerimento para renovação fora do prazo não constitui motivo de força maior, determina-se indeferir o respectivo pedido do requerente.
Face ao expendido, sugere-se que, nos termos do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M, seja subsidiariamente aplicável o n.º 3 do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 e declare a caducidade da autorização da renovação de residência temporária do requerente A (甲).
À consideração superior”.
9- Em 28/05/2010, o Director-Adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência pronunciou-se do seguinte modo:
“O signatário concorda com a presente proposta. Como a autorização de residência temporária do requerente A (甲) já tinha excedido 180 dias mas o mesmo não pediu a respectiva renovação, sendo assim, sugere que se declare a caducidade da autorização de residência temporária do requerente A (甲) bem como a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente.
À consideração da Comissão Executiva”.
10- Sobre esta proposta foi emitido o parecer de 3/06/2010 seguinte da Ex.a Presidente Substituta:
“Concordo com a presente proposta, remeto-a à consideração do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças”.
11- Em 02/07/2010 o Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho:
“Autorizo a proposta”
É este o acto recorrido.
12- Este despacho e proposta respectiva foram comunicados à mandatária do recorrente em 31/07/2010.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
Importa decidir se o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 23.º, n.º 3, do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, de 25 de Março, ao considerar não ter havido motivo de força maior impossibilitando o recorrente de apresentar pedido de renovação da residência em Macau.

2. Renovação da autorização de residência em Macau
O ora recorrente tinha autorização temporária de residência em Macau, até 24 de Abril de 2009. Isto é, era um residente não permanente.
A autorização de residência é valida por períodos determinados, sendo renovada “... a pedido do interessado ou do seu representante, devendo o respectivo requerimento dar entrada até à data em que expira a sua validade” (artigo 22.º, n.º 1, do Regulamento Administrativo n.º 5/2003).
O recorrente não requereu a renovação da autorização de residência até 24 de Abril de 2009, como determinava o mencionado preceito.
Dispõe o artigo 23.º do mesmo Regulamento Administrativo:
“Artigo 23.º
Renovação tardia
1. Findo o prazo de validade de autorização de residência, os interessados podem ainda requerer a renovação no prazo máximo de 180 dias, mediante o pagamento da multa fixada no artigo 36.º do presente regulamento.
2. A renovação depende da apresentação de requerimento fundamentado e da prova do pagamento da multa correspondente.
3. A falta do requerimento para renovação dentro do prazo do n.º 1, salvo por motivo de força maior devidamente comprovado, implica a caducidade da autorização de residência e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente”.

O recorrente também não fez o seu pedido de renovação da autorização de residência na segunda possibilidade concedida pelo ordenamento jurídico, no prazo de 180 dias determinado pelo artigo 23.º, n.º 1, isto é, até 21 de Outubro de 2009.
Restava-lhe, portanto, a terceira possibilidade, a que se refere o n.º 3 do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, que era comprovar motivo de força maior para a falta do requerimento para renovação dentro do prazo de 180 dias a contar do fim do prazo de validade de autorização de residência, ou seja, tinha de alegar e provar facto que constituísse motivo de força maior para não ter feito requerimento para a renovação da autorização de residência até 21 de Outubro de 2009.
Em 26 de Janeiro e 1 de Abril de 2010 o recorrente alegou perante o Serviço competente que não pôde tratar os documentos de renovação da autorização de residência temporária porque o mesmo não conseguiu mover-se livremente durante a doença. E procurou provar a alegação juntando três atestados médicos, datados de 30 de Março, 30 de Abril e 30 de Maio de 2009 pelo “Hospital do Centro Médico da cidade Ningbo”, comprovando que o recorrente tinha doença no joelho esquerdo, foi-lhe proposto um mês do descanso em cada análise diagnóstica.
Com base nestes factos, o acto recorrido concluiu que após 30 de Junho de 2009 (o fim do período de descanso do recorrente referido no último atestado médico) até 21 de Outubro de 2009, data em que terminava o prazo para requerer a renovação de residência, podia o recorrente ter requerido a renovação de residência.
Sobre esta matéria o Acórdão recorrido emitiu as seguintes considerações:
“A verdade é que, nem o procedimento, nem agora os autos de recurso contencioso, fornecem melhores elementos em ordem a permitir uma situação de facto diferente. Sabemos que esteve doente e impossibilitado durante algum tempo. Sabemos, também, que entre Março e Junho de 2009 carecia de repouso. Simplesmente esses três meses de repouso terminavam em Junho de 2009, enquanto o termo do prazo de 180 dias para a apresentação do pedido já com atraso (justificado com força maior) só terminava em Outubro de 2009. Ora, como se haverá de aceitar que o recorrente se tenha podido deslocar a Hong Kong para uma consulta (facto 9 da p.i.) em Julho de 2009, logo, dentro do tal período de seis meses, e não tenha podido fazer o mesmo em Macau para apresentação de um simples requerimento? E porque não pôde deslocar-se em Agosto, Setembro ou em Outubro desse ano a Macau, se nem ele próprio trouxe agora razões plausíveis! Quer isto dizer que os factos apurados no procedimento não consentiam dúvida razoável que devesse ser eliminada com novas diligências instrutórias. E nem hoje mesmo existe alguma dúvida nesse sentido”.
O recorrente considera que comprovou motivo de força maior para não ter feito o pedido de renovação da autorização de residência até 21 de Outubro de 2009, pelo que o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 23.º, n.º 3, do Regulamento Administrativo n.º 5/2003.
   Mas não tem razão.
   O recorrente só fez prova da doença até 30 de Junho de 2009, enquanto o termo do prazo de 180 dias para a apresentação do pedido terminava em 21 de Outubro de 2009.
O Acórdão recorrido aceitou que o recorrente tinha motivo de força maior para não ter deduzido o pedido até 30 de Junho de 2009, mas que o período posterior até ao fim do prazo de 180 dias não estava coberto pelo motivo de força maior.
Não merece censura tal conclusão, uma vez que o recorrente não apresentou qualquer meio de prova para infirmar tal conclusão.
Assim, não se vislumbra fundamento para o recorrente impugnar o Acórdão recorrido.
Aliás, mesmo no período de doença comprovado (até 30 de Junho de 2009) só com muito boa vontade se poderia dizer ter o recorrente motivo de força maior para não pedir a sua renovação de residência. É que, sendo a sua doença num dos joelhos, nada impedia que tivesse feito chegar a Macau, pelo correio, o pedido de renovação de residência ou tivesse mandatado alguém para o fazer.
O recurso improcede, assim.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 UC.
Macau, 28 de Setembro de 2011.

   Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai –
   José Maria Dias Azedo

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho




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Processo n.º 27/2011

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Processo n.º 27/2011